I - A revelia do réu é absoluta, também no que respeita ao réu que haja sido citado editalmente (al b) do nº 1 do art 586ºCPC), quando, no prazo da contestação, se some à não dedução de qualquer oposição por parte dele, a não constituição por ele de mandatário, ou a sua não intervenção por qualquer forma no processo.
II - Nessa situação de citação edital, o prazo da contestação abrange o novo para a mesma que advém do sub-suprimento do Ministério Público a que se reporta o art 21º CPC.
III – Declarada a nulidade do contrato de arrendamento, por falta de forma, o arrendatário fica obrigado, não só a restituir ao senhorio o locado, como também a pagar-lhe uma indemnização pela utilização do mesmo, correspondente, em regra, ao montante das rendas acordadas, enquanto tal utilização se mantiver.
I AA, intentou, em 20/2/2020, a presente acção de despejo, sob a forma comum, contra BB, pedindo a sua condenação a reconhecê-la como legítima proprietária do imóvel a que os autos se reportam; a resolução do contrato de arrendamento do imóvel em causa, por falta de pagamento das rendas; o despejo do R. do referido prédio, condenando-o a entregar-lho, devoluto de pessoas e bens, bem como a pagar-lhe as rendas vencidas e não pagas, na importância de €1.200,00, e ainda as que se vencerem até efetiva desocupação do locado, acrescidas de juros de mora até efetivo e integral pagamento. Sendo que, no caso de assim não se entender, pede que seja reconhecida a nulidade do contrato por falta de forma e, consequentemente, o R. seja condenado na entrega do imóvel nos termos supra expostos e no pagamento do valor de €1.200,00 a titulo de indemnização por enriquecimento sem causa, e ainda nas quantias que se vencerem até efetiva desocupação do locado, acrescidas de juros de mora até efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto, ser proprietária de duas frações autónomas, destinadas a garagem, sitas em ..., e que, através de contrato verbal, celebrado em 1/9/2018, lhas deu em arrendamento, contra o pagamento da quantia mensal de 100,00€, sendo que a partir de Fevereiro de 2019, inclusive, o R. deixou de pagar as rendas acordadas.
O réu foi citado editalmente.
O Ministério Público, citado em 29/06/2021, nos termos do art 21º CPC, em representação do ausente, não apresentou contestação.
Sucede que, no dia 6/9/2021, o R. juntou email aos autos, nele referindo, entre o mais não relevante, que «só há dias tive conhecimento do assunto referido em epígrafe», «através de um familiar», fornecendo nesse email a sua morada, endereço de email e telefone, mais referindo que estes dois elementos eram do conhecimento da A. e da sua filha.
Em 10/9/2021 foi dado conhecimento à A. e ao Ministério Público deste email, para efeitos do art 21º/3 do CPC.
Veio o R. de novo aos autos, em 27/9/2021, igualmente através de email, no qual referiu, entre o mais: «Durante o mês de Outubro desocuparei o espaço integralmente, entregando a chave a quem me indicarem. Só não consigo dizer de imediato uma data exacta por estar neste momento a mobilizar os meios para o fazer e o local do destino».
A A. veio requerer a prossecução do processo decorrido o prazo em causa sem entrega do locado.
Realizada tentativa de conciliação, o R. não compareceu.
Foi proferido despacho saneador, em que se fixou à acção o valor de 4.100,00 €, tendo-se dispensado a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
Designado dia para julgamento, a A., «considerando a ausência de contestação por parte do réu sobre os factos impugnados pela A. e considerando as constantes promessas incumpridas de desocupação do locado por parte do réu», prescindiu da única prova testemunhal indicada, requerendo o prosseguimento dos autos.
Realizada a audiência de julgamento, em que o R. não compareceu, e em que apenas tiveram lugar alegações por parte da A., através da sua Exma Advogada, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o R. a reconhecer a A. como proprietária das fracções autónomas acima identificadas nos factos provados 1) e 2), absolvendo-o do mais peticionado.
II – Do assim decidido, apelou a A., que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos:
47. O Tribunal a quo em virtude de julgar que na ausência de confissão expressa nos termos do art. 290.º do novo CPC após a respetiva intervenção, mantêm-se os referidos efeitos da revelia absoluta;
48. Veio considerar somente provados números 1) e 2) por resultarem provados com base nos documentos autênticos que os sustentam, respetivamente, a certidão permanente do registo predial de fls. 8-9 e as cadernetas prediais urbanas de fls. 6- 6vs e 7-7vs.
A Recorrente indica os pontos concretos da matéria de fato que considera incorretamente julgados:
49. Em claro declínio dos restantes fatos invocados e provados na ação, incluindo justificação judicial avulsa e a certidão negativa da notificação, quanto à resolução do respetivo contrato de arrendamento;
50. Considera a recorrente que deviam ter sido considerado provados os seguintes fatos:
a. No dia 01 de Setembro de 2018, a autora acordou verbalmente com o réu o arrendamento das duas fracções autónomas identificadas nos factos provados para o ré guardar os seus bens.
b. Com a contraprestação mensal de 100€.
c. Desde o início, o réu sempre evitou celebrar o contrato escrito.
d. Deixou de atender os telefones, perdendo a autora qualquer contacto com o mesmo.
e. A autora tem, desde fevereiro, a sua garagem completamente cheia de bens móveis.
f. Encontrando-se impossibilitada do seu uso pleno.
g. Acrescido no fato de por notificação judicial avulsa a recorrente veio apresentar a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas, com o acréscimo do pagamento das rendas vencidas à data no valor de €600 acrescidas do valor das rendas vincendas até à entrega do locado;
h. O R. deve o valor de €1200 acrescidas do valor das rendas vincendas até à entrega do locado.
51. Por aplicação dos efeitos da revelia;
52. Pelo que considera que aplicou de forma errada o art. 567º e 568º ambos do CPC.
53. Se não vejamos:
54. O tribunal reconhece a intervenção do recorrido: «Não obstante a intervenção posterior do réu no processo [cf. requerimentos de 06.09.2021 e 27.09.2021], na ausência de confissão expressa nos termos do art. 290.º do novo CPC após a respectiva intervenção, mantêm-se os referidos efeitos da revelia absoluta.»
55. O Ministério Público foi citado em representação do ausente [a 29.06.2021], e não apresentou contestação.
56. «Se a citação edital se tiver realizado dada a ausência do citando em parte incerta (art.ºs 233º, n.º 6, e 248º), a revelia só se verifica se o Ministério Público, chamado a deduzir oposição nos termos do art.º 15º, n.º 1, não contestar a acção.» Ac. STJ de 18.10.2003 do Relator Afonso Correia.
57. A revelia é inoperante quando tenha havido citação edital (cfr. art.º 233º, n.º 1), desde que o réu não constitua mandatário judicial no prazo de contestação e permaneça na situação de revelia absoluta (Se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, o tribunal verifica se a citação foi feita com as formalidades legais e ordena a sua repetição quando encontre irregularidades- art 566º)
58. Pelo que o art. 568º do CPC deve ser interpretado de acordo com procedimento processual aplicado ao caso concreto;
59. No âmbito do procedimento especial de despejo, a apresentação da prova deve ocorrer no início da audiência, seja no que concerne à indicação das testemunhas a inquirir, seja quanto a documentos a incorporar no processo. No âmbito do procedimento especial de despejo, o artigo 15.º-I, n.º 6, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redação da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto,
60. E não é obrigatório a constituição e mandatário;
61. Para que não se aplique os efeitos da revelia será necessário que o recorrido não intervenha de qualquer forma no processo;
62. Aqui chegados devemos analisar minuciosamente factualidade ocorrida no decurso do processo em análise.
63. No 22º dia, ainda no prazo para o MP contestar, veio o Recorrido com um email apresentar os seus contatos e morada atualizados, demonstrando que teve conhecimento da ação;
64. Não pode ser ignorado o email de 27.09.2021 pelo recorrido quando afirma «Comunico a esse Tribunal, com Cc da Exma. Senhora Dra. CC que, durante o mês de Outubro, desocuparei o espaço integralmente, entregando as chaves a quem me indicarem. Só não consigo dizer de imediato uma data exacta por estar neste momento a mobilizar os meios para o fazer e o local de destino.»
65. Perante tal afirmação e confissão por parte do recorrido, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: «Aguardem os autos por 30 dias e após, nada sendo dito, solicite informação acerca da eventual entrega do locado pelo RR.».
66. Em sentença veio o mesmo Tribunal ignorar toda a intervenção que houve pelo recorrido e o seu reconhecimento da ocupação do locado;
67. O citado teve conhecimento da ação, podendo ter apresentado as provas na diligência de julgamento;
68. Veio ao tribunal confessar a entrega do locado;
69. Perante todo o circunstancialismo fativo apontado, não se pode verificar a revelia absoluta;
70. Devendo ser considerados confessados os fatos articulados pela recorrente;
Pelo que e, de acordo com o exposto, deverá ser alterada a sentença proferida pelo tribunal a quo e, consequentemente, ser proferida outra que condene o R. a reconhecer a resolução do contrato de arrendamento e em virtude desse facto ser decretado o despejo do R. do referido prédio, condenando-se o R a entregar à A., aqui Recorrente, o local arrendado devoluto de pessoas e bens, bem como a pagar as rendas vencidas e não pagas, na importância de €1.200,00 e ainda as que se vencerem até efetiva desocupação do locado, acrescidas de juros de mora até efetivo e integral pagamento.
Não foram apresentas contra-alegações.
III – O Tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A aquisição, por compra, da fracção autónoma FT, correspondente à garagem n.º157 sita no rés-do-chão do prédio urbano em propriedade horizontal sito na Rua ..., ... e Rua ..., ..., descrito na Conservatória ... sob a ficha nº ...25, da freguesia ..., e inscrito sob o artigo n.º ...4, na matriz predial urbana da União de Freguesias ... – ..., ... e ..., mostra-se inscrita no registo predial a favor da autora.
2. A aquisição, por compra, da fracção autónoma FS, correspondente à garagem n.º156 sita no rés-do-chão do prédio urbano em propriedade horizontal sito na Rua ..., ... e Rua ..., ..., descrito na Conservatória ... sob a ficha nº ...25, da freguesia ..., e inscrito sob o artigo n.º ...4, na matriz predial urbana da União de Freguesias ... – ..., ... e ..., mostra-se inscrita no registo predial a favor da autora.
E julgou não provados os seguintes factos:
a. No dia 01 de Setembro de 2018, a autora acordou verbalmente com o réu o arrendamento das duas fracções autónomas identificadas nos factos provados para o ré guardar os seus bens.
b. Com a contraprestação mensal de 100€.
c. Desde o início, o réu sempre evitou celebrar o contrato escrito.
d. Deixou de atender os telefones, perdendo a autora qualquer contacto com o mesmo.
e. A autora tem, desde fevereiro, a sua garagem completamente cheia de bens móveis.
f. Encontrando-se impossibilitada do seu uso pleno.
IV – Do confronto das conclusões das alegações com a sentença recorrida – operação de que decorre o objecto do recurso, ainda que sem prejuízo deste ser sempre integrado pelo conhecimento que se possa impor das questões oficiosas relativamente às quais os autos contenham os elementos necessários e que neles não hajam ainda sido decididas – decorre que a questão a decidir, é a de saber se, ao contrário do que foi (sub)entendido pelo Tribunal de 1ª instância, a intervenção do R. em 06/09/2021, porque tenha tido lugar ainda no prazo da contestação, implicou que deixasse de estar em revelia absoluta.
Como é evidente, sendo este o objecto do recurso, e dele decorrendo, que, caso se entenda assistir razão à apelante, a revelia do réu se deverá ter como operante, com a consequente cominatório relativamente aos factos alegados que se deverão julgar (presumidamente/fictamente/ficticiamente) confessados [1]- cfr art 567º/1 CPC -, a impugnação da matéria de facto a que a mesma aparentemente procede não tem o significado que lhe advém do disposto no art 640º CPC, mas apenas a da sua modificabilidade, nos termos do nº 1 do art 662º, em função dos factos alegados na petição – que correspondem no essencial aos que a apelante enuncia na conclusão 50ª e que na 1ª instância foram julgados não provados – se deverem ter como “assentes”.
Dispõe o art 21º/ 1 e 3 do CPC:
«1– Se o ausente ou o incapaz, ou os seus representantes, não deduzirem oposição, ou se o ausente não comparecer a tempo de a deduzir, incumbe ao Ministério Público a defesa deles, para o que é citado, preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no nº. 1 do artigo 132º, correndo novamente o prazo para a contestação.
(…)
3– Cessa a representação do Ministério Público ou do defensor oficioso logo que o ausente ou o seu procurador compareça ou logo que seja constituído mandatário judicial do ausente ou do incapaz».
Apenas nos interessa a situação do ausente – e não do incapaz –, e a do ausente que o seja não nos termos do art 89º CC («pessoa «que desapareceu sem que dele se saiba parte, e sem ter deixado representante legal ou procurador», e a que, em princípio, nos termos do nº 1 daquela norma, haja sido nomeado como representante curador provisório), mas o ausente, nos termos do art 236º CPC, aquele em relação ao qual se mostre impossível a citação por estar ausente em parte incerta, e relativamente ao qual, observadas que tenham sido as formalidades necessárias para se conhecer o lugar em que o mesmo se encontra, se mantenha aquele pressuposto de ausência em parte incerta que é exigida para a sua citação edital.
Nestas circunstâncias – que são as do R. nos presentes autos - o reu é citado editalmente para contestar, devendo fazê-lo no prazo próprio da acção em que está demandado, in casu, 30 dias, acrescido das dilações que se imponham.
Não apresentando contestação, é citado o Ministério Público, a quem estatutariamente incumbe a defesa dos ausentes – cfr art 4º/1 al b) da L 68/2019 de 27/8- a quem deve representar – art 9º/al c) da mesma Lei - tendo intervenção principal nos autos e «correndo novamente o prazo para a contestação».
Está em causa nesta situação (bem como na do citando ausente nos termos do referido art 89º CC ) a «representação judiciária como pressuposto processual autónomo, exigido nos casos de representação orgânica e de pessoas que de outro modo não se poderiam defender»[2] .
Efectivamente, a representação de ausentes pelo Ministério Público, configura-se como último recurso para proteger as garantias dos mesmos, de modo a que não fiquem desprotegidos em juízo sem terem quem os patrocine, assumindo-se essa representação como sustentáculo do direito ao contraditório e ao inerente direito de defesa processual, sem o qual, consabidamente, não há processo equitativo, em violação do imposto pelo art 20º da CRP.
Mas, trata-se, evidentemente, de um último recurso.
«Assemelha-se a um “acompanhamento desacompanhado”, visto não se tratar de um comum e “normal” caso de representação como no que acontece com os (verdadeiramente) ausentes, incapazes ou mesmo interesses coletivos ou difusos» relativamente a quem o Ministério Público sempre tem possibilidades de obter informações «pelo mesmo, por familiares, por documentos que este tenha em sua posse…». «Mesmo quando representa um ausente (entenda-se no sentido do art 85º do CC ), «não obstante a distância física do mesmo, fácil será diligenciar no sentido de obter informações acerca do mesmo – identidade completa, factos da vida deste, podendo quiçá contactá-lo de modo a poder ter em consideração os seus reais interesses (há um ponto de contacto que lhe permite aceder a informações acerca do representado)». (…) «Em relação a um incerto, o que pode este órgão fazer, além de uma simples representação, de uma defesa alicerçada em puro direito?»[3] [4]
Nestas circunstâncias, «em virtude da dificuldade (senão mesmo impossibilidade) de defender e representar alguém que aqui é, no verdadeiro sentido da palavra, um incerto», o legislador quis que essa representação, «precária por natureza», cessasse logo que possível, o que entendeu suceder, «logo que o ausente ou o seu procurador compareça ou logo que seja constituído mandatário judicial do ausente)», como o refere o nº 3 do art 21º.
Feitas estas referências ao sub-suprimento da ausência pelo Ministério Público há que as concatenar com as normas que respeitam à revelia.
Dispõe o art 567º CPC, no seu nº 1, que «se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor».
A operância da revelia a que a norma respeita advém sempre, naturalmente, da não dedução pelo réu de contestação no prazo da mesma, mas essa circunstância há-se cumular-se alternativamente, («ou»), com a da citação pessoal do mesmo que se mostre regular [5], ou, com a do réu ter junto procuração a mandatário judicial no prazo da contestação.
Em função da letra deste nº 1 do art 567º, não pode deixar de subsistir a dúvida - nesta segunda situação da não citação pessoal do réu - de saber se, embora este não tenha constituído mandatário, caso haja, não obstante, e ainda no prazo da contestação, intervindo de qualquer forma no processo também aí a revelia se deverá ter como operante.
Quer dizer, se se poderá ter como operante, apesar da letra do nº 1 do art 566º, a revelia relativa que, pressupondo, naturalmente, a falta de contestação no prazo desta, decorra da intervenção do réu no processo, ainda dentro desse prazo, por qualquer outro modo que não propriamente a constituição, por procuração, de mandatário judicial.
Das considerações de Lebre de Freitas/Isabel Alexandre em anotação, quer ao art 566º, quer ao 567º, resulta que também esta situação de intervenção do réu no processo, desde que no prazo da contestação, conduz à operância da revelia, com os efeitos cominatórios implicados no já referido nº 1 do art 567º. [6]
Já Alberto dos Reis assinalava, perante o texto dos então arts 487º e 488º, correspondentes aos hoje arts 567º e 568º, embora, em vários aspectos, com diferente redacção mas com idêntica sequência explicativa, que «o disposto neste artigo (estando em causa o art 488º) tem de entender-se em conformidade com o que se acha prescrito no art 487º: os dois textos hão-de conjugar-se, porque o segundo é o seguimento e o complemento do primeiro».[7]
Deve, pois, entender-se que a epígrafe do art 566º, «Revelia absoluta do réu», não foi adoptada por acaso, mas, para definição do que se deva entender por revelia absoluta – aquela a que se some à não dedução de qualquer oposição, a não constituição de mandatário ou a não intervenção do réu por qualquer forma no processo, no prazo da contestação.
Esta definição de revelia absoluta tem se ser válida, igualmente, e na falta de outra, para efeitos do disposto na al b) do nº 1 do art 586º.
Aí se diz que não se aplica o disposto no artigo anterior – o 567º que, como já se viu, refere os efeitos da revelia operante – «quando o réu ou algum dos réus (…) houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta».
Também nesta situação, permanecer na situação de revelia absoluta, implica que o réu não haja contestado, nem tenha constituído mandatário, nem tenha intervindo de outro modo no processo, no prazo da contestação.
Por isso, Lebre de Feitas /Isabel Alexandre comentam esta norma referindo[8]: «A cominação não joga tão pouco quando o réu, ou algum dos réus revéis, tenha sido citado editalmente e não tenha constituído mandatário nem intervindo de outro modo, no prazo da contestação, al b)».
E Paulo Pimenta[9] observa a respeito desta al b) do art 568º : «É o caso de o réu citado editalmente constituir mandatário dentro do prazo da contestação ou de, nesse prazo, praticar qualquer acto no processo».
Aqui chegados, importa definir, o que, no contexto em que nos movemos, se deve entender por «prazo da contestação»
Por outras e mais explícitas palavras – importa saber se «o prazo da contestação», para os efeitos que estão em questão, abrange o prazo que na sequência do já referido sub-suprimento da ausência pelo Ministério Público, corre novamente, ou se se contém no que é expressamente conferido ao réu para contestar.
A lei não o diz, pelo que se terá de estar atento aos contributos que dela advenham para se concluir afirmativamente ou não.
È sabido, e resulta do que acima já se referiu aquando da referência que se fez ao art 21º CPC, que «a mera falta de contestação do réu citado editalmente que permaneça em revelia absoluta não implica, sem mais, a aplicação da 2º parte da al b) do art 568º. Na verdade, verificada a falta de contestação, há que começar por cumprir o disposto no nº 1 do art 21º, citando-se o Ministério Público para defender o réu e correndo novo prazo para a contestação. Se também o Ministério Público não apresentar contestação, então sim, assume-se que o réu fica submetido ao regime da revelia inoperante nos termos indicados».
Nas palavras coincidentes do Ac STJ de 18/10/.2003 (Relator, Afonso Correia), que a apelante cita, «Se a citação edital se tiver realizado dada a ausência do citando em parte incerta (art 233º/ 6, e 248º), a revelia só se verifica se o Ministério Público, chamado a deduzir oposição nos termos do art.º 15º/1, não contestar a acção».
A circunstância de, afinal, a existência de revelia, por definição, só ser alcançável depois de esgotado o novo prazo para a contestação no âmbito do sub-suprimento do Ministério Público, inculca, naturalmente, a ideia de que o prazo da contestação, no caso de citação edital do réu, cobre este segundo prazo.
A questão que se coloca de imediato é a de saber se este novo prazo só é utilizável para aquele efeito pelo Ministério Público ou pode ser utilizado pelo próprio réu que, entretanto, tenha tido conhecimento do processo.
A resposta afirmativa parece impor-se, pois que o desejo da lei é o de que a representação do ausente pelo Ministério Público seja efectivamente o último remédio para evitar a indefesa do réu – se este comparece em juízo nesse novo prazo para contestação e se quer defender apresentando contestação, ela deva ser admitida.[10]
O que se veio de reflectir a respeito da revelia absoluta e do prazo da contestação em situações de citação edital, permite que se responda, crê-se, que, com conforto, à questão objecto deste recurso e acima evidenciada – se a intervenção do R. em de 06/09/2021 implicou que deixasse de estar em revelia absoluta.
Desde o momento em que esta intervenção teve lugar no 22º dia da contestação que corria no âmbito do sub-suprimento do Ministério Público, deve entender-se que, por efeito da mesma, o R. deixou de estar em revelia absoluta.
Já assim não sucederia se só se tivesse verificado por parte do R. a intervenção de 27/9/2021, que, porque feita fora do prazo da contestação, sé relevaria se contivesse uma confissão expressa, o que não sucede, dado que, propor-se entregar o imóvel não implica, por si, que admita a existência de arrendamento, sequer verbal.
Mas, a partir do momento em que se entende que o R. deixou de estar em revelia absoluta em função daquela intervenção de 6/9/2021, não se lhe aplica a excepção da referida al b) do art 568º, caindo-se na regra geral do art 567º, que determina que se tenham por confessados os factos articulados pelo autor.
Consequentemente, vistos os factos alegados na petição e ponderando a sua relevância para a decisão a proferir, mostra-se provado:
1. A aquisição, por compra, da fracção autónoma FT, correspondente à garagem n.º157 sita no rés-do-chão do prédio urbano em propriedade horizontal sito na Rua ..., ... e Rua ..., ..., descrito na Conservatória ... sob a ficha nº ...25, da freguesia ..., e inscrito sob o artigo n.º ...4, na matriz predial urbana da União de Freguesias ... – ..., ... e ..., mostra-se inscrita no registo predial a favor da autora.
2. A aquisição, por compra, da fracção autónoma FS, correspondente à garagem n.º156 sita no rés-do-chão do prédio urbano em propriedade horizontal sito na Rua ..., ... e Rua ..., ..., descrito na Conservatória ... sob a ficha nº ...25, da freguesia ..., e inscrito sob o artigo n.º ...4, na matriz predial urbana da União de Freguesias ... – ..., ... e ..., mostra-se inscrita no registo predial a favor da autora. 3- No dia 01 de Setembro de 2018, a A. acordou verbalmente com o R. o arrendamento das duas fracções autónomas atrás identificadas para o mesmo guardar os seus bens.
4- Com a contraprestação mensal de 100€.
5- Desde 1 de Setembro de 2018 até ao início de Janeiro de 2019, o R. pagou € 100/mês.
6- A partir do mês de Fevereiro, inclusive, o R. deixou de pagar a referida contraprestação mensal pela utilização da garagem, até ao momento presente.
7- Desde o início, o réu sempre evitou celebrar o contrato escrito.
8. Deixou de atender os telefones, perdendo a autora qualquer contacto com o mesmo.
9- A autora tem, desde Fevereiro, a sua garagem completamente cheia de bens móveis.
A A. foi já reconhecida, na sentença recorrida - que no aspecto em causa, transitou - como proprietária das fracções autónomas acima identificadas, tendo o R. sido condenado nesse reconhecimento - aspecto igualmente transitado.
Desde o momento em que o contrato de arrendamento é aquele pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio mediante retribuição – arts 1022º e 1023º do CC – os factos 3 e 4 acima referidos permitem que se conclua que entre a A. e o R. foi celebrado um contrato de arrendamento.
Esse contrato não foi, porém, reduzido a escrito, tendo sido meramente verbal, o que sucedeu, como resultou provado, do facto de o R. ter desde o inicio evitado que tal ocorresse, tendo depois deixado de atender os telefones, perdendo a A. qualquer contacto com o mesmo.
Estabelece o art 1069º CC, na redacção que resultou da L 13/2019 de 12/2, para os arrendamentos urbanos, que «o contrato de arrendamento deve ser celebrado por escrito» (nº1). E que, «na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de titulo por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses» (nº2).
Esta norma, por força da transitória prevista no nº 2 do art 14º da mesma Lei, aplica-se aos arrendamentos existentes à data da sua entrada em vigor e, consequentemente, ao arrendamento dos presentes autos [11] .
Com esta disposição, resultou reforçada a nulidade do contrato de arrendamento urbano verbal, pois que, enquanto em regimes anteriores essa nulidade só subsistiria, contra a vontade do arrendatário, se o senhorio elidisse a presunção de que a falta de redução a escrito se tinha ficado a dever, a ele, senhorio (DL 188/76 de 12 /3 e DL 13/86 de 23/1), e mais recentemente, com o RAU, nos arrendamentos por prazo igual ou inferior a seis anos, se o inquilino não exibisse recibo de renda (art 7º), no regime actual o arrendatário só poderá pugnar pela validade do contrato verbal de arrendamento obtendo a sua convalidação, desde logo em acções em que faça sentido provar a existência de titulo para a ocupação do imóvel, devendo então demonstrar o a utilização do locado sem oposição do senhorio, o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses e ainda que a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento não lhe foi imputável.
Estando essa convalidação fora de causa nos presentes autos, desde logo porque está em causa uma acção de despejo para resolução do contrato (com processo comum, porque na ausência de contrato escrito a A. não pôde utilizar o PED), e também porque o R. não a contestou, tem de se concluir que o contrato de arrendamento, que é causa de pedir no pedido principal, é nulo, nulidade que torna forçosa a improcedência desse pedido.
Com efeito, o contrato nulo não produz efeitos.
Mas, porque o contrato nulo existe, e porque a nulidade dá lugar, nos termos do art 289º/1CC, pelo seu efeito retroactivo, «à restituição de tudo o que houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente», o pedido subsidiário formulado pela A. tem que se ter como procedente, embora a restituição não seja devida com base no enriquecimento sem causa, como a A. o parece perspectivar, mas por efeito da nulidade.
As partes deverão ser colocadas na situação objectiva que tinham antes da celebração do contrato, ou como se este não se tivesse realizado, o que, no caso de um contrato de arrendamento, implica, para além da restituição do locado, relativamente às rendas pagas- atenta a relação de liquidação a que a nulidade obriga, a impossibilidade de represtinar em espécie o gozo do imóvel entretanto fruído, e vista ainda a relação sinalagmática existente entre as duas prestações (art. 290º do CC)- a compensação dos deveres de restituição, uma vez que o senhorio deveria restituir as rendas recebidas e o inquilino o valor objectivo de uso e fruição do prédio, que aquelas traduzem [12]; e relativamente ao período de tempo que corra até à restituição do locado, implica que o arrendatário compense o senhorio da falta de gozo do imóvel, em função do valor mensal que fora acordado para o mesmo.
«Declarada a nulidade do contrato de arrendamento, por falta de forma, o arrendatário fica obrigado, não só a restituir ao senhorio o locado, como também a pagar-lhe uma indemnização pela utilização do mesmo, correspondente, em regra, ao montante das rendas acordadas, enquanto tal utilização se mantiver»[13].
Deste modo, há que julgar procedente a apelação e procedente a acção, e condenar o R. na entrega do imóvel e no pagamento do valor de 1.200,00 € correspondente ás rendas vencidas e não pagas ate à instauração da acção, e ainda no valor correspondente ao da renda mensal, 100,00 €, por cada mês subsequente, até à efectiva desocupação das referidas fracções.
Valores que deverão ser acrescidos dos correspondentes juros de mora até efectivo e integral pagamento, como vem pedido, conforme resulta do regime geral previsto no art 806º/1 do CC para as obrigações com prazo certo.
V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, condenando o R. na entrega das fracções autónomas a que os autos respeitam e no pagamento do valor de 1.200,00 €, correspondente às rendas vencidas e não pagas até à instauração da acção, e ainda no valor correspondente ao da renda mensal, 100,00 €, por cada mês subsequente, até à efectiva desocupação das referidas fracções, valores estes, acrescidos de juros de mora, até efectivo e integral pagamento.
Custas da apelação pelo R.
Coimbra, 26 de Setembro de 2023
(Maria Teresa Albuquerque)
(Falcão de Magalhães)
(Sílvia Pires)
(…)
[2] - Teixeira de Sousa, «Introdução ao Processo Civil», p 74, e em «As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa», Lisboa, 1995, p 28; Lebre de Freitas, obra acima assinalada, Vol I, p 37
[3] -Assim se exprime Marta Susana Duarte de Figueiredo Lobo, «Os Incertos no Processo Civil», Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas com Menção em Direito Processual, acessível na net
[4] - Sem prejuízo do mesmo ter o dever como representante dos citados ausentes, e no quadro do art 21º CPC, de, tendo tido conhecimento directo ou indirecto do paradeiro dos representados, o comunicar ao Tribunal, como é evidenciado no Ac R L 16/11/2017 (Arlindo Crua)
[5] - A que a doutrina faz equivaler a citação quase pessoal
[6] - Referem em anotação ao art 531º: «A revelia diz-se relativa quando, dentro do prazo da contestação, o réu, não contestando, intervém de outro modo no processo, nem que seja apenas para constituir, por procuração, mandatário judicial (art 43º), escolher domicilio para notificação (art 249º/1) ou apresentar um documento que não possa valer como contestação». E acrescentam: «Neste caso, embora o efeito cominatório se venha a verificar, não é necessária, evidentemente, a constatação da regularidade da citação (…)».
Referindo em anotação ao art 567º:
«A revelia, seja absoluta ou relativa, tem, em regra, como consequência que os factos alegados pelo autor se consideram provados. Para que este efeito se produza, sem prejuízo das exceções constantes do art 568º, diz o nº 1 que é preciso que o réu tenha sido ou deva considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou que tenha juntado procuração passada a mandatário judicial no prazo da contestação. Da comparação deste enunciado com o do art 566º resulta que, além da junção da procuração passada a mandatário judicial, qualquer outra forma de intervenção do réu no processo tem o mesmo efeito de sanar a falta ou nulidade da citação (cf também os arts 189º e 191º/2) mal se compreendendo a permanência do desfasamento literal, já assinalado perante as redacções anteriores (Alberto dos Reis, CPC anotado cit III, p 6-7), quando em 1960, se cuidou de aditar a previsão de uma e outra norma».
[7] - «Código de Processo Civil Anotado», Vol III, 3ª ed, p 6
[8].- Obra referida, p 542
[9] - «Processo Civil Declarativo», 2014 p 202
[10] - Assim se pronuncia, ainda que indirectamente, Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil Anotado», I, 3ª ed, p 37, quando postula a hipótese de o ausente comparecer e constituir mandatário quando está prestes a findar o prazo para a contestação por parte do MP ou do defensor oficioso, referindo que, nem por isso, nessa circunstância, se deve entender que não cessa a representação do Ministério Público, isso porque, na referida circunstância, «o ausente (…) tem na sua mão um meio fácil de evitar o prejuízo de ficar sem defesa - só comparece ou junta procuração a mandatário antes de findar o prazo para a defesa se ainda tem tempo de preparar e oferecer a contestação dentro do prazo» .
Também no Ac da R P de 8/5/1997, Rel Saleiro de Abreu, RP199712049731136, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf -se diz que «o réu ausente que intervém no processo após citação edital não tem prazo autónomo para se defender pessoalmente, podendo porém fazê-lo dentro do prazo do Ministério Público, se ainda correr»..
[11] - Entre outros, Ac STJ 12/1/2022 (Catarina Serra), Ac R P 11/1/2021 (Manuel Domingos Fernandes), Ac R P 4/10/2021 (Pedro Damião e Cunha)
[12] - Mota Pinto, «Teoria Geral do Direito Civil»,p 475, nota 1; Vaz Serra , RLJ ano 109, p 315, onde sustenta que o valor do uso obtido deve coincidir com as prestações convencionadas
[13] - Ac R C 28/9/2004 (Jorge Arcanjo)