PARTES COMUNS DE EDIFÍCIO
OBRAS INDISPENSÁVEIS E URGENTES
EXECUÇÃO PELO CONDÓMINO
DIREITO DE REGRESSO
SUB-ROGAÇÃO LEGAL
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Sumário

I.–Devem ser qualificadas como obras indispensáveis e urgentes, para efeitos do Artigo 1427º do Código Civil, as seguintes obras realizadas a mando do autor: instalação elétrica das zonas comuns; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso; colocação de apliques ao longo da escada desde a entrada até ao último andar; colocação de sistema de intercomunicadores nos andares.

II.–Tais obras são atinentes a uma boa conservação e fruição das partes comuns, sendo ainda urgentes na precisa medida em que, a não serem realizadas ou manter-se o stato quo ante, a segurança e tranquilidade dos condóminos fica em risco.

III.–O direito de regresso e a sub-rogação legal constituem realidades distintas: enquanto pela sub-rogação se transmite um direito de crédito existente, o direito de regresso significa o nascimento de um direito novo na titularidade da pessoa que, no todo ou em parte, extinguiu uma anterior relação creditória (art. 524º) ou à custa de quem esta foi extinta (art. 533º).

IV.–O prazo de prescrição do direito do autor referido em I e II é o ordinário de vinte anos.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO


BB intentou contra JM, AF, CM, FJ, MM, MJ, GN, ASSOCIAÇÃO DD, LD UNIPESSOAL, LDA., AI, JA, ação, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 9.° da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, no Julgado de Paz de Lisboa, pedindo que o Tribunal:
• Reconheça o direito de propriedade do Demandante sobre a dependência para arrecadação sita no imóvel descrito sob o n.º 46 da freguesia do (...), na Conservatória do Registo Predial de Lisboa;

Ou, alternativamente;
• Condene os Demandados a proceder ao pagamento da quantia despendida pelo Demandante na realização das obras nas áreas comuns do prédio, de acordo com as suas permilagens.

Para tanto, alegou, em resumo, o que se segue:
– À data da aquisição da sua fração, os espaços comuns do prédio estavam bastante degradados;
– A arrecadação está descrita no título constitutivo de propriedade horizontal como "dependência para arrecadação dos inquilinos";
– ASL sugeriu que o Autor tomasse para si a dita arrecadação, como compensação dos encargos suportados quase na íntegra com as obras de recuperação do prédio, o que concordaram todos os proprietários;
–  Desde 1992, o Autor tomou posse efetiva da arrecadação;
– Só na recuperação das partes comuns do prédio, o Autor suportou despesas na ordem dos € 57.231,35, valor que nunca peticionou aos demais proprietários, em virtude do que havia sido acordado em reunião de condóminos: afetação da arrecadação à sua fração.

Devidamente citados, os Réus apresentaram os seus articulados.
FJ, MM e MJ (fração B) apresentaram contestação alegando que adquiriram a fração em 2015, pelo que desconhecem todos os factos.
JM, AF, CM, Associação DD e LD Unipessoal, Lda. (frações A, C e E) apresentaram contestação, impugnando as obras realizadas e dizendo, em síntese que:
–O Autor realizou várias obras sem qualquer autorização e aprovação dos restantes condóminos;
–Não ficou decidido, nem sequer equacionado qualquer direito especial do Autor relativamente à arrecadação;
–Em 2006, mandataram o Administrador para notificar o Autor para desocupar e libertar a arrecadação;
–Em 2006, foi elaborado o Regulamento do Condomínio, no qual a arrecadação consta como parte comum do edifício, à semelhança do que consta do título constitutivo da propriedade horizontal.
–Em 2008, procedeu-se a notificação judicial avulsa para entrega e desocupação da arrecadação;
Concluem pela improcedência da ação e deduzindo pedido reconvencional, pedindo a condenação do Autor no pagamento da quantia de € 14.400,00 pelo valor das rendas recebidas pelo Autor pelo arrendamento da arrecadação.

AI e JA, também apresentaram contestação, com pedido reconvencional, nos mesmos moldes.

Em resposta, veio o Autor pugnar pela inadmissibilidade da reconvenção; pela ilegitimidade do pedido reconvencional; pela ineptidão do pedido reconvencional; pela exceção de prescrição; pelo abuso de direito.

Concluindo pelo pedido de condenação dos Réus como litigantes de má-fé.

Em sede de audiência de julgamento no Julgado de Paz de Lisboa, foi fixado o valor da causa em € 57.231,35 e, em consequência, foi declarado incompetente o Julgado de Paz, em razão do valor, para conhecer do mérito da causa e foram remetidos os autos ao presente Juízo Central Cível de Lisboa.

Realizou-se audiência prévia, na qual se facultou às partes a discussão de facto e de direito e foi proferido saneador sentença, nos termos do qual não foi admitida a reconvenção e foi julgada a ação improcedente e, em consequência foram os Réus absolvidos dos pedidos formulados e foi julgado improcedente o pedido de condenação dos Réus como litigantes de má-fé.

Foi interposto recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido proferido Acórdão que ordenou o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido alternativo (direito de crédito), com convite ao Autor para concretizar, em que datas as obras foram realizadas, se eram indispensáveis ou urgentes, e se foram realizadas, na falta ou impedimento da administração do condomínio, tendo-se mantido o demais decidido (fls. 516).

Na sequência do decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o Autor apresentou nova peça processual, à qual os Réus responderam, impugnando extensivamente à matéria alegada e invocando a exceção de prescrição.

Realizou-se audiência prévia, na qual se procedeu à prolação de despacho saneador, relegando-se para final o conhecimento da exceção de prescrição, à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

Foram habilitados em substituição de ASL, os seus herdeiros MP, LA, MM, MF (Apenso A).

Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo os réus dos pedidos.
*

Não se conformando com a decisão, dela apelou o autor, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
«I.–O Recorrente não se conforma com a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, fundando tal discordância (i) quer no julgamento da matéria de facto efetuado pelo Ilustre Tribunal recorrido - impugnando-se, por conseguinte, a decisão de facto e tendo o presente recurso, também por objeto, a reapreciação da prova gravada -, (ii) quer no que diz respeito ao direito aplicado, por se entender que a douta sentença recorrida não fez a melhor interpretação e aplicação das normas jurídicas vigentes e pertinentes.
II.–Vejamos: em face factos dados como provados (pontos 7 a 11 da matéria de facto provada), impõe-se necessariamente concluir que o prédio em causa necessitava de obras e que as mesmas eram urgentes.
III.–Note-se que a lei não dá um conceito concreto de obras urgentes, no entanto, concluindo o Tribunal que o prédio estava “em total degradação”, isto só pode significar que os condóminos não dispunham de condições de estabilidade e segurança.
IV.–E disso mesmo o A. fez prova, no entanto, ainda assim, o Tribunal a quo, dando tais factos como provados, não conclui incompreensivelmente pela urgência de tais obras.
V.–Ademais, ao dar como não provado que foram realizadas algumas reuniões entre os então proprietários, a sentença de que se recorre entra em contradição.
VI.–Como pode o Tribunal a quo afirmar que não existiram tais reuniões, quando faz constar isso mesmo do ponto 13 do elenco dos factos provados?!
VII.–Pelo que, as als. a) e f) da matéria de facto não provada deveriam, antes, constar do elenco dos factos provados.
VIII.–É, assim, visível que a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de erros na argumentação.
IX.– Note-se que tal foi ainda confirmado por um dos condóminos à época, o Exmo. Sr.° Dr.° ASL, o qual, antes de falecer, assinou uma declaração (documento de fls. 337), na qual afirma que “Em 1992 foram realizadas várias reuniões de condóminos, que tiveram lugar no escritório do Dr. AOL, Advogado, que representava a família ASL”.
X.–A este documento o Tribunal a quo não atribui qualquer relevância, com fundamento no facto de o mesmo se referir ao ano de 1992 e o registo de aquisição da propriedade do Autor ser de 1993.
XI.–Não se percebe, contudo, o que pretendeu o Tribunal a quo concluir com tal argumento, porquanto, conforme é do conhecimento de qualquer licenciado em Direito, o registo predial não tem valor constitutivo, mas simples valor declarativo.
XII.–E, mais uma vez, a decisão recorrida entra em contradição, pois, não obstante os argumentos aduzidos para não atribuir valor probatório ao teor da declaração subscrita pelo Dr.° ASL, dá como provado - para espanto do Recorrente - que em 1992 existiam quatro condóminos, sendo um deles o próprio Recorrente, conforme decorre do ponto 12 da matéria de facto provada.
XIII.–Aliás, a este respeito a prova gravada é bem esclarecedora. Veja-se as declarações prestadas pelo Recorrente, o qual afirmou várias vezes e de forma categórica que sempre deu conhecimento aos restantes condóminos das obras realizadas (Gravação com a referência 20221003143621_19633397_2871034 do dia 03/10/2022, com início às 14:36:21 e fim às 16:33:16).
XIV.–Aliás, porque razão os restantes condóminos à época, isto é, o Eng.° CK e a ACIBEV procederam ao pagamento de algumas das obras, se não tiveram conhecimento ou autorizado as mesmas?! Que sentido isso faz?
XV.–Na realidade, consta da matéria de facto provada que “Apenas a Oitava Demandada assumiu o pagamento das obras na proporção da permilagem que lhe cabia” (ponto 15).
XVI.–Mais uma vez, o Tribunal a quo contradiz-se, pois no ponto imediatamente seguinte da matéria de facto provada, dá por assente que o Engenheiro CK assumiu “(...) o pagamento dos dois apliques colocados na escada, junto à sua entrada e inicialmente adquiridos _pelo Autor."
XVII.–Afigura-se-nos, pois, que face aos pagamentos que o Tribunal a quo dá como provados, existe matéria para concluir que os condóminos autorizaram as obras levadas a cabo pelo Recorrente, contrariamente ao afirmado na sentença recorrida.
XVIII.–Logo, as alíneas b) e e) não devem constar da matéria de facto não provada.
XIX.–Mas, independentemente do consentimento dos restantes condóminos ou até de haver ou não administração constituída no momento da realização das obras, a verdade é que as mesmas tinham necessariamente de ser feitas, atento o estado de degradação em que o prédio se encontrava.
XX.–De facto, perante os factos provados - dos quais se pode firmar, com certezas, que o estado do prédio colocava em causa a saúde e integridade física dos condóminos - impunha-se a conclusão que não restava outra solução ao Recorrente que tomar a iniciativa de efetuar as obras em causa, independentemente da autorização dos condóminos.
XXI.–No entanto, sempre se dirá que as obras em causa tiveram início nos anos 90, como bem resulta dos meios de prova junto aos autos, o que o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, optou por ignorar.
XXII.–Atente-se, assim, no teor das declarações da Ré AI (Gravação disponibilizada ao Autor com a referência 20220915101953_19633397_2871034 do dia 15/09/2022, com início às 10:19:53 e fim às 10:34:50 - Depoimento de AI).
XXIII.–Acresce que, na ata constante de fls. 123 (de 1999), discutem-se as obras JÁ EFETUADAS, portanto, antes de 1999, o que é referido, inclusive, pelo Tribunal a quo, “Ainda quanto aos factos aos factos não provados, o Tribunal considerou conjugação de vários documentos, nomeadamente a ata constante de fls. 123 (1999), onde resulta que o Autor foi eleito um dos administradores do condomínio e que aí se discute as obras já efetuadas e ainda por efetuar, nada constando quanto ao pagamento ao Autor ou outro tipo de compensação ou eventual acordo sobre a realização das mesmas (...)”.
XXIV.–Mas, para, além disso, também o Tribunal a quo não atribui, inexplicavelmente, qualquer valor probatório à declaração junta aos autos de fls. 337, conforme aqui já referido, isto, não obstante, resultar da mesma confissão expressa de um dos condóminos à época que, “Como compensação pelos encargos suportados quase na íntegra por BB com as obras de recuperação do prédio, foi acordado em sede de reunião de condóminos a adjudicação ao condómino BB - o qual de imediato tomou posse da mesma”. (sublinhado e negrito nosso)
XXV.–Já a sentença recorrida discorda, não concedendo que “nesse período de tempo e tendo em conta a eleição da administração, tenha sido o Autor a tratar diretamente das alegadas obras .”
XXVI.–Assim, estando tal declaração junto aos autos, salvo melhor opinião, não poderia o Tribunal a quo dar como não provado a al. h) da matéria de facto não provada. Já quanto às obras efetivamente realizadas pelo Recorrente e, segundo o Tribunal a quo, ficou “apenas provado que o Autor procedeu à instalação elétrica das zonas comuns, tendo instalado nesse contexto o contador na arrecadação (facto 18).”
XXVII.–Quanto às restantes obras, o Tribunal a quo afirma que: “As alegadas obras de restauro da entrada do prédio, incluindo a escadaria, nem um novo sistema de campainhas /intercomunicadores e de câmaras na porta de entrada, nem teto falso na entrada, com pontos anti-incêndios, nem de um armário no hall de entrada no prédio, são obras, que o Autor não alegou e consequentemente não logrou fazer prova de factos que consubstanciassem urgência dessas obras e necessidades”, que é, com o devido respeito, falso!
XXIX.–Tais obras foram efetivamente alegadas na Petição Inicial pelo Recorrente, em concreto, nos artigos 27.° a 32.° de tal peça.
XXX.–Também nas suas declarações, prestadas em audiência, o Recorrente enunciou de forma clara, convicta e, note-se, pormenorizada, quais as obras por si realizadas, motivo pelo qual se discorda da sentença recorrida, na parte em que afirma que as declarações de parte do Recorrente tiveram um “pendor muito subjetivo” e, que por isso, não colmataram a falta de prova (Gravação com a referência 20221003143621_19633397_2871034 do dia 03/10/2022, com início às 14:36:21 e fim às 16:33:16).
XXXI.–Também a Ré AI no seu depoimento confirmou, com razão de ciência, que foram feitas obras, o que, note-se, dá veracidade à versão do Recorrente (Gravação disponibilizada ao Autor com a referência 20220915101953_19633397_2871034 do dia 15/09/2022, com início às 10:19:53 e fim às 10:34:50 - Depoimento de AI).
XXXII.–Com efeito, as obras elencadas no ponto 77. do presente recurso deveriam constar da matéria de facto provada e que consta das als. l) a q) da matéria de facto não provada.
XXXIII.–Ademais, dos documentos junto aos autos, resulta que o Recorrente procedeu ao pagamento de tais obras.
XXXIV.–Atente-se no teor da declaração subscrita por ASL ou, ainda, nos documentos de fls. 48 a 54.
XXXV.–Ainda que possa admitir que dos mesmos não estejam discriminadas quais as obras realizadas na fração do Recorrente e quais as obras que dizem respeito à parte comum, ao contrário do que sustenta a sentença colocada em crise, pode-se, ainda assim, “aproveitar” os referidos documentos.
XXXVI.–Quanto mais não seja, para sustentar uma condenação genérico dos Réus, relegando-se para liquidação em execução de sentença o apuramento do valor a receber pelo Recorrente.
XXXVII.–Se não for por esta via e, se porventura, considerarmos que o Recorrente se antecipou à administração na realização das obras, então essas despesas devem ser exigíveis ao condomínio com base no enriquecimento sem causa (artigo 473.° do Código Civil).
XXXVIII.Note-se que a petição inicial integra todos os elementos de facto que justificam a condenação com base no enriquecimento sem causa, ou seja, está alegada a factualidade que integra a aludida causa de pedir.
XXXIX.–Com efeito, também aqui o Tribunal a quo andou mal ao afirmar que não resulta dos autos factos suficientes que permitam concluir pelo enriquecimento dos Réus, quando aquele afirma perentoriamente que o “Autor procedeu à instalação elétrica das zonas comuns”, não obstante ter feito bem mais do que isso, conforme demonstrado.
XL.–Os condóminos em momento algum se opuseram às obras efetuadas pelo Recorrente e é certo que beneficiaram das mesmas! Mas, agora que estão de “papo-cheio”, para além de não quererem ressarcir o Recorrente pelas obras por si realizadas, pretendem, ainda, que o mesmo fique privado do uso exclusivo da arrecadação, situação que é gritante e inaceitável.
XLI.–Em face do que antecede, cumpre dizer que a sentença, no seu âmbito decisório agora sob recurso, faz uma incorreta apreciação dos factos, ao não atender às declarações do Recorrente e da Ré AI, os quais devem ser reapreciados - o que desde já se requer -, e, ainda, ao ignorar o significado de uma declaração assinada por um dos condóminos, ainda que já falecido, da qual resulta expressamente que o Recorrente realizou obras no prédio, sob a condição de ficar com a arrecadação, que o fez dando conhecimento aos outros condóminos e, ainda, que suportou esses encargos;
XLII.–A Douta Sentença praticamente não se pronuncia quanto à prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento.
XLIII.–Na realidade, no que tange à produção da prova, a Douta Sentença limitou-se a fazer uma ténue menção aos depoimentos produzidos, sem que se debruçasse especificamente sobre o teor dos mesmos, razão pela qual não se entende qual a motivação da Meritíssima Juiz a quo para ditar a Douta Sentença recorrida, violando o disposto no artigo 607°, n° 4, do C.P.C. e consequentemente o artigo 615°, n° 1, al. b) do C.P.C.
XLIV.–Sendo, consequentemente, nula a Sentença.
XLV.–A conclusão da absolvição dos Réus está, inequivocamente, em contradição com a matéria tida como provada, sendo mesmo absurda, violando, por conseguinte, o disposto no artigo 615°, n° 1 al. c) do C.P.C.
XLVI.–Sendo, consequentemente, nula a Sentença.
Acresce que,
XLVII.–Salvo o devido respeito, o recorrente considera incorretamente julgados os pontos da matéria de facto DADOS COMO NÃO PROVADOS SOB AS ALS. A), B), C), F) E G), porquanto dos meios probatórios carreados para o processo teria que forçosamente resultar decisão diversa da recorrida.
XLVIII.–Sendo assim, face à prova testemunhal e documental supra referidos, bem como às regras da lógica quanto aos factos em questão, sempre a decisão da matéria de facto havia de ser diversa da recorrida.
XLIX.–E perante esta alteração da matéria de facto não provada, sempre a decisão do Tribunal recorrido teria que ser diversa, sob pena de violação da lei.
L.–Em consequência, deverá dar-se como provado e procedente o pedido alternativo deduzido pelo Recorrente.
Nestes termos,
Nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser a decisão recorrida revogada, condenando-se os Réus nos termos aduzidos na petição inicial, no que concerne ao pedido alternativo aí formulado, com o que farão, V. Exas., Venerandos Desembargadores, a já costumada JUSTIÇA.»
*

Contra-alegaram os apelados,  propugnando pela improcedência da apelação.

Este Tribunal da Relação notificou as partes nos termos do Artigo 665º, nº3, porquanto pretende apreciar a exceção da prescrição.

QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]

Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i.–Nulidades da sentença;
ii.–Impugnação da decisão da matéria de facto;
iii.–Se o autor tem direito a ser ressarcido das obras que efetuou.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1.–O Autor BB adquiriu a fração D, correspondente ao segundo andar, com entrada pelo n.º 15 do (...), em Lisboa, facto levado a registo em 1993.
2.–Os Primeiro, Segundo e Terceiro Réus são proprietários da fração A, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, com entrada pelo n.º 11 do (...), em Lisboa.
3.–Os Quarto, Quinto, Sexto Réus são proprietários da fração B, correspondente ao rés-do-chão frente, com entrada pelo n.º 15 do (...), em Lisboa.
4.–A Oitava Ré é proprietária da fração C, correspondente ao primeiro andar, com entrada pelo n.º 15 do (...), em Lisboa.
5.–A Nona Ré é proprietária da fração E, correspondente ao terceiro andar, com entrada pelo n.º 15 do (...), em Lisboa.
6.–Os Décimo e Décimo Primeiro Réus são proprietários da fração F, correspondente ao quarto andar, com entrada pelo n.º 15 do (...), em Lisboa.
7.–À data da aquisição da fração D pelo Autor, os espaços comuns do prédio estavam muito degradados.
8.–O prédio estava em total degradação, com particular ênfase no hall de entrada.
9.–Não havia luz no hall de entrada do prédio e ao longo de todas as escadas até ao telhado, onde existe uma claraboia.
10.–De tal modo que os ocupantes dos últimos andares subiam as escadas de lanterna na mão.
11.–Apenas o primeiro andar tinha uma lâmpada, que era acesa de manhã pelo Sr. DO e adjuntos, de modo a evitar que os sócios da Oitava Ré caíssem na escuridão e no tapete "cairo", que forrava as escadas de alto a baixo.
12.–Em 1992 existiam apenas quatro condóminos: ASL, a ASSOCIAÇÃO DD (representada pelo Sr. DO), o Engenheiro CK (que arrendava a fração do terceiro andar a um atelier de arquitetura e que, por sua vez, residia na fração do quarto andar) e o Autor.
13.–Após a aquisição da fração, o Autor iniciou vários contactos com os demais proprietários e os inquilinos (que eram dificultadas pelas más relações entre o Sr. ASL e o Engenheiro CK), tendo tido lugar várias reuniões de condóminos na fração correspondente ao primeiro andar e sede da Oitava Ré, as quais visavam a "gestão" do condomínio e a realização de futuras obras nas zonas comuns do prédio.
14.–À data, apesar de constituída a propriedade horizontal, o condomínio não funcionava regularmente: não existia administração nem livro de atas e não eram pagas quotas condominiais.
15.–Apenas a Oitava Demandada assumiu o pagamento das obras na proporção da permilagem que lhe cabia.
16.–O Engenheiro CK, proprietário das frações do terceiro e quarto andares, assumiu apenas o pagamento dos dois apliques colocados na escada, junto à sua entrada e inicialmente adquiridos pelo Autor.
17.–Existia à data uma arrecadação no prédio que a família ASL arrendava a um terceiro, já há largo tempo desconhecido no prédio, descrita no título constitutivo da propriedade horizontal como "uma dependência para arrecadação dos inquilinos".
18.–O Autor procedeu à instalação elétrica das zonas comuns, tendo instalado nesse contexto o contador na arrecadação, para que não ficasse à vista dos transeuntes por meros motivos estéticos.
19.–Na Assembleia de Condóminos de 8 de Outubro de 2013, na presença de um representante do Autor, foi mencionado que o Autor realizou obras "sem solicitar qualquer autorização ou sequer efetuar comunicação aos restantes condóminos".
20.–Nessa Assembleia foi ainda referido que o Autor "à conta de ter realizado obras que não lhe foram solicitadas, nem autorizadas, o condómino do 2.° andar apropriou-se da arrecadação existente no rés-do-chão e que era comum a todos os condóminos".
21.–Na Assembleia de Condóminos de 24 de Fevereiro de 2014, com o voto contra do representante do Autor, foi deliberado "escrever uma carta ao condómino da fração “D", dando um prazo de 8 dias para entrega da chave da arrecadação, sob pena de a porta da mesma ser arrombada para se poder ter acesso ao quadro elétrico do prédio.".
22.–Na Assembleia de Condóminos de 4 de Maio de 1999, foi eleita por unanimidade a Administração, sendo constituída pelo Dr. MA e pelo Dr. BB, ora Autor.
* * *

MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
a)-Foram realizadas algumas reuniões entre os então quatro proprietários.
b)-Ficou decidido que o Autor diligenciaria pela obtenção de orçamentos para as obras de reparação das zonas comuns do prédio, o que efetivamente fez e levou ao conhecimento dos demais proprietários, pessoalmente e via fax.
c)-Logo após obtidos os orçamentos para realização dos primeiros trabalhos, em data que não consegue concretizar, mas que situa em 1995, o Autor deu início aos trabalhos de reparação mais urgentes.
d)-Em virtude do estado de degradação do imóvel e do investimento a que a sua recuperação obrigava, os trabalhos desenrolaram-se durante mais de dez anos.
e)-Trabalhos que o Autor fazia questão de dar a conhecer aos proprietários das restantes frações, com regularidade e mediante a apresentação de orçamentos.
f)-Quer o prédio em si, quer a entrada e escadaria do mesmo, encontravam-se em bastante mau estado, motivo que levou o Autor, logo após a aquisição da sua fração, a reunir com os demais proprietários das restantes frações, com o propósito de discutir a realização de futuras obras naquelas zonas comuns.
g)-A Família ASL, através do seu legal representante à data, esclareceu logo desde o início que não pretendia “gastar um tostão no prédio" - até porque não queria sentar-se à mesa com o Eng.° CK, proprietário das frações do terceiro e quarto andares.
h)-Concedido um prazo ao inquilino para entrega do espaço, ASL, em reunião de condóminos que teve lugar no escritório do seu advogado, o Dr. AOL, sugeriu que o Autor tomasse para si a dita arrecadação, como compensação dos encargos suportados quase na íntegra com as obras de recuperação do prédio.
i)-O que o Autor aceitou.
j)-Com esta solução concordaram todos os então proprietários.
k)-Nomeadamente a Família ASL, que recebia as rendas da referida arrecadação.
l)-Apenas então o seu empreiteiro entrou na arrecadação, que limpou e restaurou na íntegra.
m)-O Autor organizou, estruturou e custeou todas as obras de recuperação das áreas comuns do prédio, desde a entrada até à claraboia.
n)-Foi totalmente restaurada a entrada do prédio, incluindo a escadaria, cuja madeira original foi recuperada, colocada a nu, devidamente tratada e polida.
o)-Instalou e custeou um novo sistema de campainhas/intercomunicadores e de câmaras na porta de entrada e em cada andar.
p)-Em virtude de um incêndio que destruiu o teto da entrada, o Autor custeou a reparação e aplicou um novo teto falso na entrada, com pontos anti-incêndio.
q)-O Autor custeou totalmente a instalação de um armário no hall de entrada do prédio onde pudessem ser guardados os caixotes do lixo, baldes e produtos de limpeza do condomínio.
r)-Só na recuperação das partes comuns do prédio, o Autor suportou despesas na ordem dos € 57.231,35.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

NULIDADES DA SENTENÇA
O apelante invoca a nulidade da sentença porquanto, em primeiro lugar, «no que tange à produção da prova, a Douta Sentença limitou-se a fazer uma ténue menção aos depoimentos produzidos, sem que se debruçasse especificamente sobre o teor dos mesmos», o que, no seu entendimento, consubstancia a nulidade prevista no Artigo 615º, nº1, al. b), do Código de Processo Civil .

Apreciando.

Nos termos do Artigo 615º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil  , é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.

Ensinava a este propósito ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil  Anotado, V Volume, p. 140, que
«Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.»[3]

Nas palavras precisas de Tomé Gomes, Da Sentença Cível, p. 39, «Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.»

Conforme se refere de forma lapidar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.4.95, Raul Mateus, CJ 1995 – II, p. 58, “ (...) no caso, no aresto em recurso, alinharam-se, de um lado, os fundamentos de facto, e, de outro lado, os fundamentos de direito, nos quais, e em conjunto se baseou a decisão. Isto é tão evidente que uma mera leitura, ainda que oblíqua, de tal acórdão logo mostra que assim é. Se bons, se maus esses fundamentos, isso é outra questão que nesta sede não tem qualquer espécie de relevância.” O mesmo Tribunal precisou que a nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final (Acórdão de 15.12.2011, Pereira Rodrigues, 2/08). Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do nº1 do Artigo 615º, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016, Fernanda Isabel Pereira, 781/11.[4] «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade.»[5]

Ora, no caso em apreço, o Tribunal a quo fundamentou a decisão em termos de facto na medida em que enunciou os factos provados e não provados e expressou a razão de ser da sua convicção. Na parte atinente às declarações de parte do autor e de uma das rés, o tribunal a quo consignou que:
«Essa falta de prova não foi colmatada pelas declarações de parte do Autor, que tiveram um pendor muito subjetivo, chegando a afirmar que nunca foi administrador do condomínio quando tal resulta que o mesmo foi eleito administrador em 1999 (facto provado). Estranhamento, o Autor refere sempre que procedeu ao pagamento ao empreiteiro em dinheiro.
As declarações de parte de AI pouco ou nada acrescentaram para o apuramento dos factos.»
Daqui decorre que o tribunal a quo fundamentou a decisão e apreciou a prova, expressando essa avaliação.
Se o fez de forma correta ou incorreta é matéria a apreciar em sede de erro de julgamento de facto, não integrando a ocorrência do vício formal de nulidade por falta de fundamentação.
Em segundo lugar, sustenta o apelante que a conclusão da absolvição dos Réus está, inequivocamente, em contradição com a matéria tida como provada, sendo absurda, o que consubstancia a nulidade prevista no Artigo 615º, nº1, al. c), do Código de Processo Civil .
A propósito da nulidade prevista na primeira parte da al. c), refere-se em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, pp. 793-794:
«A nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente (STJ 8-9-21, 1592/19, STJ 3-3-21, 3157/17, STJ 29-10-20, 1872/18). »

No caso em apreço, não ocorre tal nulidade porque existe conformidade entre a fundamentação de direito  e o subsequente dispositivo. O que o apelante pretende arguir é erro de julgamento, no sentido de que a Mma Juíza decidiu à revelia dos factos provados e em desarmonia com estes, sendo que o erro de julgamento constitui realidade diversa de nulidade da sentença.

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

O apelante pretende que os factos não provados sob a) a c), e) a h), l) a q) sejam revertidos para não provados.

Recapitulando os factos em causa:
a)-Foram realizadas algumas reuniões entre os então quatro proprietários.
b)-Ficou decidido que o Autor diligenciaria pela obtenção de orçamentos para as obras de reparação das zonas comuns do prédio, o que efetivamente fez e levou ao conhecimento dos demais proprietários, pessoalmente e via fax.
c)-Logo após obtidos os orçamentos para realização dos primeiros trabalhos, em data que não consegue concretizar, mas que situa em 1995, o Autor deu início aos trabalhos de reparação mais urgentes.
e)-Trabalhos que o Autor fazia questão de dar a conhecer aos proprietários das restantes frações, com regularidade e mediante a apresentação de orçamentos.
f)-Quer o prédio em si, quer a entrada e escadaria do mesmo, encontravam-se em bastante mau estado, motivo que levou o Autor, logo após a aquisição da sua fração, a reunir com os demais proprietários das restantes frações, com o propósito de discutir a realização de futuras obras naquelas zonas comuns.
g)-A Família ASL, através do seu legal representante à data, esclareceu logo desde o início que não pretendia “gastar um tostão no prédio" - até porque não queria sentar-se à mesa com o Eng.° CK, proprietário das frações do terceiro e quarto andares.
h)-Concedido um prazo ao inquilino para entrega do espaço, ASL, em reunião de condóminos que teve lugar no escritório do seu advogado, o Dr. AOL, sugeriu que o Autor tomasse para si a dita arrecadação, como compensação dos encargos suportados quase na íntegra com as obras de recuperação do prédio.
l)-Apenas então o seu empreiteiro entrou na arrecadação, que limpou e restaurou na íntegra.
m)-O Autor organizou, estruturou e custeou todas as obras de recuperação das áreas comuns do prédio, desde a entrada até à claraboia.
n)-Foi totalmente restaurada a entrada do prédio, incluindo a escadaria, cuja madeira original foi recuperada, colocada a nu, devidamente tratada e polida.
o)-Instalou e custeou um novo sistema de campainhas/intercomunicadores e de câmaras na porta de entrada e em cada andar.
p)-Em virtude de um incêndio que destruiu o teto da entrada, o Autor custeou a reparação e aplicou um novo teto falso na entrada, com pontos anti-incêndio.
q)-O Autor custeou totalmente a instalação de um armário no hall de entrada do prédio onde pudessem ser guardados os caixotes do lixo, baldes e produtos de limpeza do condomínio.
Tendo o apelante dado suficiente cumprimento aos ónus do Artigo 640º do Código de Processo Civil , cabe apreciar a impugnação da matéria de facto.

O tribunal a quo fundamentou as respostas de não provado nestes termos:
«Quanto aos factos não provados, o Autor não logrou sequer indicar o local de onde às fotografias de fls. 29 a 40, de fls. 55 a 57 foram tiradas, nem quando.
Do e-mail de fls. 48, não se alcança a que título foi efetuado um pagamento de € 25.000,00 a FP, em Janeiro de 2007. Assim, em confronto com o documento de fls. 49 a 54, e-mail remetido por FP, quanto à relação de contas, resulta que existiriam obras efetuadas na própria residência do Autor, na Rua (...) e da Rua (...) (locais que não relevam aqui para a discussão dos autos) e um item relativamente à Administração do (...), 15, conforme uma eventual lista de 6 de Outubro de 1999 e um e-mail de 12 de Outubro de 2004.
Ora, em Outubro de 1999 já havia sido eleita a Administração do Condomínio que era constituída também pelo Autor (facto provado em 22).
Assim, desse documento resulta que havia "confusão" entre as eventuais obras realizadas pelo Autor em bens próprios e umas eventuais obras efetuadas nas partes comuns do prédio do (...). Com essa "confusão" e já havendo administração do condomínio, não se pode aproveitar o referido documento, porquanto, para além do referido, existirão pagamentos efetuados, desconhecendo-se como os mesmos terão alegadamente sido imputados aos diversos itens.
Ainda quanto aos factos não provados, o Tribunal considerou a conjugação de vários documentos, nomeadamente a ata constante de fls. 123 (de 1999), onde resulta que o Autor foi eleito um dos administradores do condomínio e que aí se discute as obras já efetuadas e ainda por efetuar, nada constando quanto ao pagamento ao Autor ou outro tipo de compensação ou eventual acordo sobre a realização das mesmas.
Da ata junta a fls. 124 a 127 do ano de 2006, resulta igualmente que o condomínio iria obter informações e documentação suficiente com vista à recuperação e restauro do edifício, pelo que daí se pode retirar que, nesse ano, ainda estariam obras por realizar.
Também das atas de fls. 158 a 165 e de fls. 166 a 172, de fls. 173 a 178, de fls. 179 a 188, do ano de 2014 e de 2015, resulta que o condomínio apreciou, discutiu e votou os orçamentos no telhado.
O e-mail de fls. 278, para além de não se conseguir aferir em que ano o mesmo terá sido remetido, o mesmo foi escrito pelo próprio Autor.
O documento de fls. 285 e de fls. 286 é datado de 2004 e refere-se a "orçamento" e "Declaração" e tendo em conta o alegado pelo Autor que terá iniciado as obras em 1995, não se concebe que nesse período de tempo e tendo em conta a eleição da administração, tenha sido o Autor a tratar diretamente das alegadas obras.
Do documento de fls. 361 a 367, resulta claramente que FP, LDA., elaborou um orçamento em 1999 em nome da Administração do (...), n.º 15 e não em nome do Autor, estando o orçamento dirigido ao Sr. OR da ACIBEV (8.a Ré), bem como a fatura em nome dessa entidade e o cheque emitido pela 8.a Ré.
O documento junto aos autos de fls. 528 vs. é datado de 1998 e refere-se a obras do telhado, reparação que o Autor não invoca que tenha realizado a suas expensas, constando do documento a necessidade de eleição de administração que segundo apurado nos factos provados ocorreu em 1999.
Do e-mail de fls. 531 vs. e 532, também não resulta que tenham sido realizadas obras pelo Autor.
As alegadas obras de restauro da entrada do prédio, incluindo a escadaria, nem um novo sistema de campainhas / intercomunicadores e de câmaras na porta de entrada, nem do teto falso na entrada, com pontos anti-incêndios, nem de um armário no hall de entrada do prédio, são obras, que o Autor não alegou e consequentemente não logrou fazer prova de factos que consubstanciassem urgência dessas obras e necessidade.
Foi junto o documento de fls. 337, declaração subscrita por ASL (entretanto já falecido) em 2017, mas que se refere ao ano de 1992 (o registo de aquisição da propriedade do Autor é de 1993) em que terão havido encargos suportados quase na íntegra pelo Autor, desconhecendo-se que encargos e a que título.
O Autor também não logrou fazer prova de quaisquer montantes despendidos com essas alegadas obras.
Essa falta de prova não foi colmatada pelas declarações de parte do Autor, que tiveram um pendor muito subjetivo, chegando a afirmar que nunca foi administrador do condomínio quando tal resulta que o mesmo foi eleito administrador em 1999 (facto provado). Estranhamento, o Autor refere sempre que procedeu ao pagamento ao empreiteiro em dinheiro.
As declarações de parte de AI pouco ou nada acrescentaram para o apuramento dos factos.»

Apreciando.

Preliminarmente, há que atentar que, consoante acórdão deste Tribunal da Relação, o objeto do processo está restrito ao pedido subsidiário (pagamento da quantia despendida pelo autor na realização das obras nas áreas comuns do prédio, de acordo com as suas permilagens), com o enquadramento legal dos Artigos 1424º e 1427º do Código Civil (encargos de conservação e fruição e reparações indispensáveis e urgentes).
Nessa precisa medida, é absolutamente inócua a eventual reversão dos factos não provados sob a), b), e), f) e h) de não provados para provados. Com efeito,  o direito à impugnação da decisão de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito. Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.[6] Dito de outra forma, o princípio da limitação dos atos, consagrado no Artigo 130º do Código de Processo Civil,  deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.5.2017, Isabel Pereira, 4111/13.

Acresce que o facto não provado sob a) nada acrescentaria ao já provado facto 13 e o facto não provado sob f) também nada de útil acrescentaria aos factos já provados sob 7 a 9 e 13.
No que tange à factualidade sobrante, há que atentar no seguinte.
Nas suas declarações, a ré AI CK afirmou que foi viver para o prédio dos autos por volta de 1985, vindo a casar com o Eng. CK que era inquilino no terceiro andar e vivia no quarto andar. Quanto à realização de obras no prédio, afirma que foram realizadas, não sabendo precisar a data, precisando que ocorreram obras na entrada, nas escadas, pintura no hall de entrada, pintura das escadas, sendo que as luzes das escadas foram substituída, ficando a funcionar. Afirma não saber quem fez as obras.
O autor prestou declarações de parte relatando a sua memória dos factos em apreço, sendo que tem 72 anos à data das mesmas. Explicou que só escriturou a compra do apartamento em 1993 mas o comprou verbalmente em 1991, o que foi consentido pelos vendedores pela existência de conhecimentos comuns entre as partes e relação de confiança daí emergente. Relatou o estado do prédio (falta de luz nas escadas, consumo de drogas nas escadas, tratando-se de prédio pombalino com muita degradação). Entabulou contactos com ASL, que atuava por si e que falava em nome de demais comproprietários da mesma família, e com o Sr. DOR que representava a ocupante do 1º andar, tendo em vista a realização de obras de recuperação da entrada, das escadas, da eletricidade. O ASL afirmou que, por si e pela família, nada pagaria ao autor pela realização das obras, podendo o autor ficar com a arrecadação a título de pagamento das obras. “Ninguém tinha dinheiro para nada.” “Era tudo uma decadência.” Afirma que depois o DOR afirmou que iria apenas pagar de acordo com a permilagem.
O autor tinha um empreiteiro de confiança (de outras obras), o FP, que encarregou da realização das seguintes obras: instalações elétricas nas zonas comuns, principalmente na escadaria de todo o prédio; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso; tratamento da madeira da escada incluindo corrimão e rodapés; pintura geral das escadas; colocação de apliques ao longo da escada; colocação de sistema de intercomunicadores nos andares; colocação de sistema anti-incêndio.
Quanto à data em que ocorreram as obras, situou-se no tempo em função das suas colocações enquanto diplomata no estrangeiro, respondendo que as obras referidas  arrancaram em 1998 (altura em que estava em Lisboa) e, mais adiante, deu por findas as obras “no máximo em 2003”.
Quanto aos pagamentos que fez, afirmou que pagou ao empreiteiro em várias tranches, sendo que a maior fatia foi em “cash” a pedido do empreiteiro. Afirma que “não foi checar” os pagamentos que fez e o que lhe deveriam pagar, aqui designadamente o que foi assumido pelo representante da proprietária do 1º andar. “São coisas em concreto que eu não me lembro.”
No que tange aos parâmetros de valoração/avaliação das declarações de parte em geral remetemos, por brevidade, para Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 3ª ed., 2023, pp. 301 a 312.
No caso em apreço, não cremos que as declarações de parte possam ser descartadas nos termos em que o fez o tribunal a quo.
Com efeito, o autor evidenciou honestidade intelectual ao verbalizar vários aspetos de que já não tinha memória, não pretendendo responder a tudo só para reforçar a sua posição no processo. Fez uma contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais. Recorreu, repetidamente, à descrição de cadeias de interações, à reprodução de conversações, evidenciando um testemunho autêntico. Todos estes parâmetros abonam a credibilidade das suas declarações.
Acresce que existem corroborações periféricas às suas declarações, designadamente: a Ré AI confirma a realização de parte das obras em causa, sendo pessoa que viveu no prédio na altura; AF ASL, em 14.9.2017, subscreveu a “Declaração” junta a fls. 337, nos termos da qual afirma designadamente que «Como compensação pelos encargos suportados quase na integra por BB com as obras de recuperação do prédio, foi acordado em sede de reunião de condóminos a adjudicação da arrecadação ao condómino BB – o qual de imediato tomou posse da mesma», sendo que António Lobo faleceu em 7.12.2020 (fls. 547), podendo tal declaração ser valorada com confissão extrajudicial livremente apreciável (cf. Artigos 353º, nºs 1 e 2, e 361º do Código Civil); na ata da Assembleia de Condóminos de 8.10.2013 consta «Pelo representante do proprietário da fração D – 2º andar, foi invocado como motivo para não ter liquidado as quotas relativas ao ano de 2013, as obras que efetuou no edifício e que considera terem sido melhorias que beneficiaram todos os condóminos, nomeadamente a nível de luz, armário no hall e detetor de incêndios. / Pelos restantes condóminos, nomeadamente (…) AI e (…) AI CK foi dito que não concordavam, já que o condómino do 2º andar realizou as obras sem solicitar qualquer autorização ou sequer efetuara comunicação aos restantes condóminos» (sublinhados nossos); na ata de 20 de janeiro de 2014, a mesma questão foi assim aflorada: «O Dr. AM, representante do condómino do 2º andar, relembro que o mesmo efetuou obras de benfeitoria no condomínio, nomeadamente coluna de eletricidade no ano de 1999, a qual não foi comparticipada por todos os condóminos. Foi explicado que, para além do tempo decorrido, os condóminos não aprovaram em ata tais obras, nem são já os mesmos que eram em 1999»; a fls. 361/362 consta orçamento do empreiteiro referido, dirigido à “Administração do (...), 15”, datado de 26.3.1999, com a menção de a beneficiação já está “em decurso”, versando o orçamento – entre outros – sobre obras de reparação e pintura na escada, eletricidade e iluminação e, a fls. 363,  consta orçamento reportado a iluminação, pintura e envernizamento da escada, bem como teto falso no hall, estando tal orçamento remetido à Acibeb ao cuidado de  DOR (1º andar).
Todos estes meios de prova instrumentais corroboram a versão do autor e dão-lhe suficiente consistência, pese embora os efeitos da erosão do tempo na memória de quem foi ouvido quanto à linha temporal dos factos, sendo ainda certo que o autor poderia ter sido bem mais cuidadoso quanto a documentar as obras e, sobretudo, os pagamentos que fez.
No processo civil vigora o standard da prova da probabilidade prevalecente (cf. Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 4ª ed., 2023, pp.175 a 189), sendo que a prova enunciada e apreciada precedentemente atinge tal patamar mínimo.

Assim, na procedência parcial da impugnação da matéria de facto, justifica-se o aditamento dos seguintes factos como provados:
23. A Família ASL, através de ASL, transmitiu ao autor que não comparticiparia nas despesas das obras que o autor mandou realizar, referidas em 24.
24. O autor encomendou a empreiteiro, e este realizou,  obras no prédio dos autos consistentes em: instalação elétrica das zonas comuns; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso; tratamento da madeira da escada incluindo corrimão e rodapés, sendo a madeira recuperada, tratada e polida; pintura geral das escadas; colocação de apliques ao longo da escada desde a entrada até ao último andar; colocação de sistema de intercomunicadores nos andares.
25. As obras referidas em 24 decorreram entre 1998 e 2003, não se tendo apurado o custo efetivo das mesmas.

SE O AUTOR TEM DIREITO A SER RESSARCIDO DAS OBRAS QUE EFETUOU

O prédio a que se reportam os autos foi constituído em propriedade horizontal por escritura outorgada em 26.9.1990 ( fls. 41 e ss.).
O autor adquiriu o segundo andar, tendo registado a aquisição em 1993.
À data da aquisição, os espaços comuns do prédio estavam muito degradados, o prédio estava em total degradação, com particular enfase no hall de entrada ( factos 7 e 8). Não havia luz no hall de entrada do prédio e ao longo de todas as escadas até ao telhado, onde existe uma claraboia (facto 9), de tal modo que os ocupantes dos últimos andares subiam as escadas de lanterna na mão (10).
Apesar de constituída a propriedade horizontal, o condomínio não funcionava regularmente: não existia administração nem livro de atas e não eram pagas quotas (14).
Neste cenário, o autor decidiu  encomendar a empreiteiro, e este realizou,  obras no prédio dos autos consistentes em: instalação elétrica das zonas comuns; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso; tratamento da madeira da escada incluindo corrimão e rodapés, sendo a madeira recuperada, tratada e polida; pintura geral das escadas; colocação de apliques ao longo da escada desde a entrada até ao último andar; colocação de sistema de intercomunicadores nos andares (24).

Nos termos do Artigo 1427º do Código Civil, «As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino

No que tange à densificação do conceito de reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns, a jurisprudência tem-se pronunciados nestes termos:

  • São urgentes por natureza as obras que se destinam a evitar infiltrações e danos por elas causados (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.10.2015, Teresa Pardal, 1617/11);
  • Vícios ou patologias que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de. 10.11.2022, Pedro Martins, 1000/22);
  • Constituem reparações indispensáveis e urgentes: reparação/colocação em funcionamento do 2º elevador; colocação de lâmpadas nos patamares do r/c e 1º a 5º andares; reparação e colocação em funcionamento da campainha do 5º andar esquerdo (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.10.2018, Fátima Andrade, 1839/13);
  • Haverá urgência na sua realização quando a omissão de obras ponha em risco ou perigo a saúde ou integridade física dos condóminos ou habitantes de alguma das frações, nomeadamente e a título de exemplo, quando exista uma infiltração que incida sobre determinada divisão de forma permanente e por tempo elevado (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2.12.2021,Manuel Rodrigues, 17407/16);
  • São obras indispensáveis as  que sejam necessárias para garantirem uma boa conservação e fruição dessas partes comuns, e urgentes quando a sua não execução coloque em risco a segurança e a tranquilidade dos condóminos, ou potencie danos imediatos no prédio, devendo o grau de urgência ser sempre avaliado em função do tempo ou natureza do impedimento do administrador (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.4.2012, Judite Pires, 2920/08);
  • São indispensáveis as reparações sem as quais a parte comum não desempenhará a sua função e são urgentes se não se compadecerem com as delongas da intervenção do administrador (ou de quem o substitua) ou da assembleia de condóminos (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.2.2023, Alexandra Rocha, 1069/14);
  • São obras indispensáveis as necessitam de ser efetuadas para uma boa conservação e fruição das partes comuns; são urgentes quando, a não serem executadas, tal porá em causa a segurança e tranquilidade dos condóminos ou por serem potenciadoras de danos imediatos no edifício, devendo o grau da urgência ser conjugado com a natureza e tempo de impedimento do administrador a fim de se aquilatar a legitimidade da iniciativa de intervenção do condómino na área da competência deste (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.10.2012, António Santos, 1766/11).
As decisões destes arestos parametrizam, corretamente, o que se deve entender por obras indispensáveis e urgentes nas partes comuns.
Nesta medida, afigura-se-nos que devem ser qualificadas como obras indispensáveis e urgentes as seguintes obras realizadas a mando do autor: instalação elétrica das zonas comuns; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso;  colocação de apliques ao longo da escada desde a entrada até ao último andar; colocação de sistema de intercomunicadores nos andares. Com efeito, tais obras são atinentes a uma boa conservação e fruição das partes comuns, sendo ainda urgentes na precisa medida em que, a não serem realizadas ou manter-se o stato quo ante, a segurança e tranquilidade dos condóminos fica em risco. Não é aceitável que inexista eletricidade e iluminação nas zonas comuns, que o teto de entrada possa cair sobre os condóminos, bem como que o acesso ao prédio não seja mediado pela existência de intercomunicadores.
As obras devem ter-se por realizadas na falta ou impedimento do administrador porquanto não existia administração nem eram pagas quotas (cf. facto 14).
Assim sendo, o autor tem direito a ser ressarcido por parte dos demais condóminos das despesas que teve, havendo que abater a esse montante a proporção correspondente ao valor da sua fração, que é de 18,5% ou 185 por mil (cf. Artigo 1424º, nº1, do Código Civil; escritura da constituição da propriedade horizontal está junta a fls. 41 a 47).
Não se tendo apurado o valor de tais obras, deve o mesmo ser apurado em liquidação em execução de sentença (cf. Artigo 609º, nº2, do Código de Processo Civil). Como o valor das obras reclamado ab initio foi de € 57.231,35, haverá que abater a tal valor a permilagem do autor (18,5% que dá € 10.587,79) de forma que o limite superior do valor apurar não pode ultrapassar € 46.643,56.

Os Réus arguíram a exceção perentória da prescrição, argumentando que o autor pretende exercer um direito de sub-rogação legal (Artigo 592º), o qual prescreve no prazo de três anos a contar do cumprimento (Artigos 306º, nº1, e 498º, nº2, do Código Civil), a 10.3.2005, pelo que o alegado direito de regresso sobre os réus prescreveu em 11.3.2008 ( fls. 541 v.).

Apreciando.

O direito de regresso e a sub-rogação legal constituem realidades distintas.
Conforme ensina Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., p. 826:
«A nossa lei disciplina a sub-rogação e o direito de regresso como figuras jurídicas distintas e até opostas, em vez de entre si compatíveis. Com efeito, a sub-rogação é restrita a terceiroque cumpra a obrigação – aliás, se exclusivamente fundada na lei, apenas quando este haja garantido o cumprimento ou tenha, por outro motivo, interesse direto na satisfação do crédito (art. 592º, nº1).

Pela sub-rogação, transmite-se um direito de crédito existente, ao passo que o direito de regresso significa o nascimento de um direito novo na titularidade da pessoa que, no todo ou em parte, extinguiu uma anterior relação creditória (art. 524º) ou à custa de quem esta foi extinta (art. 533º). O direito de regresso, «máxime» na solidariedade passiva, traduz-se num direito de reintegração do devedor que, sendo obrigado com outros, cumpre para além do que lhe cabe na perspetiva das relações internas.»

No caso em apreço, cremos que a intervenção do autor se subsume ao regime do Artigo 592º, nº1, do Código Civil, nos termos do qual: «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credores quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver diretamente interessado na satisfação do crédito

Conforme refere  Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 13ª ed., p. 39, «O requisito geral da sub-rogação legal é, assim, o de que o terceiro tenha interesse direto no cumprimento, o que sucederá sempre que a não realização da prestação lhe possa acarretar prejuízos patrimoniais próprios, independentes das consequências do incumprimento para o devedor ou o cumprimento se torne necessário para acautelar o seu próprio direito.»

Ora, o autor custeou as obras nas partes comuns perante o credor/empreiteiro, tendo o autor um interesse direto na satisfação desse crédito na medida em que o autor era também condómino e, como tal, tinha interesse na reparação/melhoria das partes comuns do prédio que fruía. Ou seja, existe um interesse próprio do autor na satisfação do crédito porquanto a extinção de tal crédito visou salvaguardar a consistência prática de um seu direito (cf. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., p. 824) sobre as partes comuns do prédio.

Ao contrário do que é sustentado pelos Réus, não colhe aplicação o disposto no Artigo 498º, nº2, do Código Civil, o qual rege sobre o direito de regresso e não para a sub-rogação legal. O Artigo 498º, nº2, constitui norma inserida em sede de responsabilidade civil extracontratual, não sendo esse o caso.

Assim, o prazo de prescrição aplicável ao direito do autor é o ordinário de vinte anos (Artigo 309º do Código Civil), o qual se inicia “quando o direito puder ser exercido” (nº1 do Artigo  306º do Código Civil). A expressão «quando o direito puder ser exercido tem que ser interpretada no sentido de a prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular poder exercitá-lo, portanto, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação. O critério adotado é, pois, o da exigibilidade da obrigação» (Ana Filipa Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, p. 63).

Considerando que está provado que as obras decorreram entre 1998 e 2003, só em 2003 é que o autor estava habilitado a exercer o seu direito de exigir dos demais condóminos a sua parte nas obras que suportou em regime de sub-rogação legal. Só em 2003 é que se definiu o âmbito do direito do autor, só nessa altura era possível a sua quantificação, em suma, só nessa altura é que o crédito se tornou exigível. Tendo esta ação dado entrada em 4.10.2018, infere-se que não ocorreu a invocada prescrição.

No que tange à condenação em custas, acompanhando Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 626, «A lei não estabelece uma regra segura quanto à atribuição da responsabilidade pelas custas nos casos de condenação total ou parcialmente ilíquida. A solução deve ser encontrada através da ponderação dos referidos princípios. Assim, para as situações em que o autor, depois de deduzir pedido genérico, acaba por beneficiar de uma sentença de condenação igualmente genérica, as custas ficam naturalmente a cargo do réu. Já nos casos, mais frequentes, em que, malgrado a formulação de um pedido líquido, é proferida sentença de condenação genérica, a responsabilidade deve ser provisoriamente repartida entre ambas as partes, sendo sujeita aos acertos necessários resultantes da liquidação posterior. Se a sentença se decompuser em dois segmentos, um de condenação líquida e outro ilíquida (art. 609º, nº 2), há que estabelecer a divisão de acordo com esse resultado (cf. Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 238 a 242).»

DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a)-Revoga-se a sentença de improcedência proferida pelo tribunal a quo;
b)-Condena-se os réus a pagar, segundo a sua permilagem no imóvel dos autos,  ao autor quantia a liquidar em execução de sentença, com o limite máximo de € 46.643,56 (soma global dos réus),  correspondendo o valor a liquidar ao custo das obras (instalação elétrica das zonas comuns; substituição do teto de entrada com colocação de novo teto falso;  colocação de apliques ao longo da escada desde a entrada até ao último andar; colocação de sistema de intercomunicadores nos andares) realizadas entre 1998 e 2003.
Custas pelo apelante e pelos apelados, na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil), sendo o autor desde já na proporção de 18,5% e, quanto aos demais 81,5%, as custas são fixadas provisoriamente em partes iguais, sem prejuízo dos acertos a efetuar na subsequente liquidação.


Lisboa, 26.9.2023


Luís Filipe Sousa
Cristina Coelho
Edgar Taborda Lopes
                                    

[1]Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3]No mesmo sentido, vejam-se Acórdão da Relação de Coimbra de 14.4.93, Ruy Varela, BMJ nº 426, p. 541, Acórdão da Relação do Porto de 6.1.94, António Velho, CJ 1994- I, p. 197, Acórdão da Relação de Évora de 22.5.97, Laura Leonardo, CJ 1997-II, p. 266, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2004, Oliveira Barros, acessível em www.dgsi.pt/jstj, RODRIGUES BASTOS,  Notas ao Código de Processo Civil, III Vol., LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil  Anotado, II Vol., 2001, p. 669.
[4]No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.5.2015, Granja da Fonseca, 460/11, de 10.5.2016, João Camilo, 852/13, de 20.11.2019, Oliveira Abreu, 62/07, de 9.9.2020, Júlio Gomes, 1533.17, ECLI, de 10.5.2021, Henrique Araújo, 3701/18, de 16.11.2022, Júlio Gomes, 1060/19.
[5]Luís Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, p. 116.
[6]Cf.: Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.4.2012, Beça Pereira, 219/10, de 14.1.2014, Henrique Antunes, 6628/10, de 27.5.2014, Moreira do Carmo, 1024/12; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3.10.2019, Paulo Reis, 582/17; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.2020, Tomé Gomes,ECLI:PT:STJ:2020:4172.16.4T8FNC.L1.S1.,de 24.9.2020, Graça Trigo, 127.16, ECLI, de 19.5.2021, Júlio Gomes, 1429/18, de 14.7.2021, Fernando Baptista, 65/18, de 25.10.2022, Lima Gonçalves, 721/18; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14.7.2020, Rita Romeira, 1429/18, de 12.4.2021, Eusébio Almeida, 6775/19; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2022, Castelo Branco, 7241/18; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25.5.2023, Albertina Pedroso, 1996/19.