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RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
DOCUMENTO NOVO
SUFICIÊNCIA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
TRIBUNAL DE RECURSO
Sumário
1 – Quando o requerente de recurso extraordinário de revisão se limita a alegar, para os efeitos da al. c) do art. 696º do CPC, que os documentos previamente existentes não estavam na sua posse, impunha-se que simultaneamente alegasse que tudo fez para os obter e produzir, sem o que não se pode ter por verificado o requisito de novidade. 2 – O documento junto para os efeitos da al. c) do art. 696º do CPC tem que visar a prova de factos previamente alegados, não a prova de factos novos. 3 – A invocação de uma combinação de documentos alegadamente revestidos de novidade, de documentos não revestidos de novidade e de factos não resultantes de qualquer dos documentos, não preenche a previsão de que o documento «por si só, seja suficiente para modificar a decisão.» 4 – Não é possível obter, com o recurso de revisão, um efeito jurídico que não poderia ser obtido pela decisão revidenda. 5 – Quando nenhum dos documentos invocados em recurso de revisão altera qualquer dos factos essenciais dados como provados na decisão revidenda, não está preenchida a previsão de suficiência constante da al. c) do art. 696º do CPC. 6 – Age com litigância de má fé o credor que apresentou duas reclamações de créditos distintas, sabendo que estava a reclamar créditos a que não tinha direito e omitiu factos relevantes para a decisão das reclamações de créditos que apresentou, preenchendo, assim, a previsão das alíneas a) e b) do n°2 do art. 542° do CPC; e que, quando viu reconhecido, por sentença transitada em julgado como parcialmente garantido um crédito a que sabia não ter direito, lança mão do recurso extraordinário de revisão, para tentar ainda discutir apenas o um outro crédito reclamado, com base em factos que colocam em causa o crédito já objeto de decisão transitada em julgado, já definitivamente reconhecido e qualificado como subordinado, o que corresponde a um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, preenchendo, assim a al. d) do n°2 do art. 542° do CPC. 7 - Consequência da conceção da litigância de má fé como análise da integralidade do comportamento da parte é a de que pode o tribunal de recurso, observado o princípio do contraditório, conhecer oficiosamente da litigância de má fé que tenha sido cometida e não censurada no processado em 1ª instância. 8 – Nomeadamente nos casos em que apenas com a interposição do recurso de revisão foi possível alcançar a situação de litigância de má fé anterior.
Texto Integral
Acordam as Juízas da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
MLRS, veio interpor o presente recurso extraordinário de revisão do Acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa em 26/04/2022, com fundamento no disposto no art. 696º, al. c) do Código de Processo Civil, formulando as seguintes conclusões:
“1 – Por Acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Lisboa em 26/04/2022 (referência 18354904), foi decidido o seguinte, por referência aos créditos reconhecidos a MLRS (n.º 125):
“f) Julgando a apelação interposta por LP, SARL integralmente procedente, manter a decisão recorrida na parte em que considerou como créditos de natureza subordinada os créditos no montante de € 666.751,72 reconhecidos a MLRS (n.º 125); (…)
h) Julgando a apelação interposta por MLRS (n.º 126) integralmente procedente, revogar a decisão recorrida que considerou como créditos de natureza subordinada os créditos no montante de € 145.659,01 reconhecidos a MLRS; (…)”
2 - O presente recurso incide no segmento decisório constante da al. f), atinente à consideração, como créditos subordinados, dos créditos no montante de € 666.751,72 reconhecidos a MLRS (n.º 125), entendendo o credor recorrente que uma tal decisão é não só materialmente injusta, como existem documentos, de que não foi possível fazer uso, que, por si só, determinarão uma solução diferente, favorável à parte aqui vencida.
3 – De acordo com o que consta do Acórdão em apreço, “O que está aqui em causa é, precisamente, a presunção de os atos praticados pelo insolvente, para mais num período vizinho da abertura do processo de insolvência, com pessoas que, por uma razão ou outra, lhe são próximas, tenderem a beneficiá-las. Daí que, se de tais atos resultam créditos, estes, em caso de consumação da insolvência, devem ficar sujeitos a um tratamento menos favorável que a generalidade dos demais. Compreende-se, isso, sem dificuldade, a exigência legal de a relação especial com o devedor insolvente, para ser relevante, ter de existir já à data em que os créditos atingidos são adquiridos.”
4 – O Acórdão objeto do presente recurso de revista considerou, quanto ao crédito reclamado por MLRS no montante de € 666.751,72, que este crédito apenas se constituiu em 17/11/2008, com a celebração do contrato promessa, por ser isso que resulta diretamente da reclamação apresentada.
5 – É verdade que o crédito reclamado parte do contrato promessa (motivo pelo qual vem a ser pedido o sinal em dobro), embora nos pareça que não se esgota aí, antes parecendo que comporta a discussão do momento em que o crédito se constituiu, quanto mais não seja a título instrumental, com recurso ao principio do inquisitório.
6 – O que se torna evidente é que todos os créditos reclamados nos presentes autos, que têm na sua base um contrato promessa de compra e venda, têm uma total coincidência de data da sua realização, ou seja, foram todos eles celebrados em 12/05/2006.
7 – Estes factos instrumentais resultam da instrução da causa, sendo ainda relevante verificar que resulta dos recursos que vieram a ser apreciados e decididos pelo Acórdão dos autos uma factualidade semelhante:
g) Recurso de OCL: data da constituição dos seus créditos (12/05/2006) – pág. 5 do Acórdão;
h) Recurso de FCB: contrato promessa de compra e venda que tinha celebrado com a Insolvente em 12/05/2006 – pág. 8 do Acórdão;
i) Recurso de HNA: contrato promessa de compra e venda que tinha celebrado com a Insolvente em 12/05/2006 – pág. 13 do Acórdão;
j) Recurso de RSS: contrato promessa de compra e venda que tinha celebrado com a Insolvente em 12/05/2006 – pág. 18 do Acórdão;
k) Recurso de JMC: contrato datado de 12/05/2006 – pág. 25 do Acórdão;
l) O outro crédito de MLRS: contrato de 12 de Maio de 2006 – pág. 27 do Acórdão.
8 – A situação dos demais credores que reclamaram créditos tendo na sua origem um contrato promessa de compra e venda, não é distinto: todos apresentaram contratos promessa de compra e venda celebrados na mesma data, 12 de Maio de 2006, não havendo, na nossa perspetiva, qualquer razão / justificação para que a data de um dos contratos de MLRS seja distinto dos demais, não existindo, nos autos, créditos constituídos após 2006 tendo por base um contrato promessa de compra e venda.
9 – Mas uma outra coisa o distingue de todos os outros credores e é, por isso, um fator sério de injustiça: é, com elevada probabilidade, o credor mais antigo da insolvente, embora não o tivesse conseguido demonstrar anteriormente por não ter, na sua posse, documentos que o atestassem.
10 - Até ao período compreendido entre 14 e 30/03/2023, os únicos documentos a que o credor recorrente tinha acesso e mantinha na sua posse eram uma certidão de uma escritura de compra e venda, projeto e licenças de construção e utilização do prédio que veio a ser implantado no prédio vendido, minutas e cópias dispersas e incompletas de alguns documentos, sem que, com eles, conseguisse fazer a prova que lhe incumbia.
11 - O Recorrente sabia que originais e cópias de muitos destes documentos (contratos, acordos e outros) existiriam, em arquivo, na sede da sociedade insolvente, o que lhe foi também confirmado por tesoureiros e elementos das diversas direções da Cooperativa.
12 – No período de Verão de 2022, o Recorrente, após ter obtido autorização do Senhor Administrador de Insolvência para consultar as pastas em arquivo na sede da Insolvente, encontrou alguns documentos, como certidões e cópias de pagamentos efetuados, mas não conseguiu encontrar os documentos comprovativos da assinatura de contratos e acordos em período anterior aquele em que fez parte da direção da Cooperativa, que sabia existir.
13 – O Recorrente conseguiu confirmar, junto de elementos das diversas direções da Cooperativa Insolvente, que os documentos existiam e não teriam sido destruídos ou inutilizados, o que deu ânimo para a continuação das buscas.
14 – Em 14 de Março de 2023, com a autorização para o efeito do Senhor Administrador de Insolvência e com a ajuda de seu filho, N, o recorrente conseguiu encontrar uma pasta com muitos dos documentos que procurava, nomeadamente os seguintes que se afiguram ser de extrema relevância para o que se discute nos presentes autos:
f) Contrato de permuta datado de 11 de Junho de 2001, assinado pela primeiro outorgante – cópia certificada que se junta como doc. 1 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais;
g) Contrato de permuta datado de 11 de Junho de 2001, com emenda e anexos (caderno de encargos e projeto de loteamento), assinado pelo segundo outorgante – cópia certificada que se junta como doc. 2 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais;
h) Conta corrente – aldeamento da Quinta …, datada de 25 de Junho de 2001, referente a MLRS – Associado n.º 932 – cópia certificada que se junta como doc. 3 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais;
i) Cópia certificada de Acordo datado de 26 de Setembro de 2002 - cópia certificada que se junta como doc. 4 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais;
j) Cópia certificada de ata da Assembleia Geral da sociedade insolvente, de 31 de Julho de 2001 - cópia certificada que se junta como doc. 5 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
15 – Em 30 de Março de 2023, o credor recorrente logrou encontrar um outro documento que, na sua ótica, é fundamental para demonstrar a bondade da sua pretensão e a verdade material, o acordo datado de 05 de Junho de 2006 - cópia certificada que se junta como doc. 6 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
16 – Documentos estes que, no entendimento do Recorrente, permitem, por si só, a modificação da decisão em sentido que lhe é mais favorável, dado que demonstram, de forma inequívoca, que o crédito do Recorrente é muito anterior ao início das suas funções na Direção da Cooperativa.
17 - De facto, tudo começou no ano civil de 2001, altura em que a Insolvente propôs ao recorrente a permuta de 2 prédios do recorrente por outros bens, que iriam ser objeto de construção pela Cooperativa Insolvente para posterior entrega ao credor recorrente: naquele ano civil a proposta incidiu em 2 das moradias que aquela iria edificar na Quinta …, em …; mais tarde o pagamento em espécie incidiria em 3 frações autónomas dos prédios em construção na …..
18 – O Recorrente era proprietário de dois prédios, um rústico e um urbano.
19 – O Recorrente tinha apresentado, na Câmara Municipal de Mafra, um projeto para construção de um edifício multifamiliar e garagens, licenciamento que veio a ser aprovado pela Câmara Municipal de Mafra por despacho de 27/03/2001 – alvará de licença de construção n.º 383/2002, ora junto como doc. 7.
20 – Em execução da projetada permuta, o Recorrente e a Insolvente, em 11 de Junho de 2001, celebraram um contrato de permuta, nos termos do qual as partes acordaram o seguinte:
a) O Recorrente promete transmitir à Insolvente o prédio urbano à data inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ... e o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da freguesia da … (posteriormente prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 2571).
b) Como contrapartida, a Insolvente compromete-se a entregar duas vivendas com três pisos cada, que ali definiram como sendo a vivenda n.º 23 (com lote de terreno com a área de 372,44 m2 e área bruta de construção de 290 m2) e a vivenda n.º 51 (lote de terreno com a área de 491,21 m2 e área bruta de construção de 310 m2);
c) As partes atribuíram aos imóveis objeto do acordo de permuta o valor de Esc.: 85.000.000$00 (oitenta e cinco milhões de escudos);
d) As partes definiram como data limite para as transmissões acordadas o prazo de 5 anos contado da data de assinatura do contrato, ou seja, de 11 de Junho de 2001 – ver, a propósito, docs 1 e 2, ora juntos.
21 – Em 25 de Junho de 2001, a Insolvente elaborou conta corrente, onde expressava as contas dos negócios realizados com o Recorrente, a saber: o valor dos terrenos (lote 23 e 51 da Quinta …..), as taxas e licenças, o valor dos projetos e da construção perfaziam Esc.: 87.978.248$00; o valor total da permuta (valor dos terrenos entregues pelo recorrente) e os valores já por este pagos ascendiam a Esc.; 92.021.816$00, pelo que o Recorrente recebeu a diferença, paga em excesso, de Esc.: 4.43.568$00 – ver, a propósito, doc. 3, ora junto.
22 – Em 31 de Julho de 2001, a Cooperativa Insolvente, reunida em Assembleia, aprovou a constituição de um empréstimo até ao valor máximo de Esc.: 330.000.000$00 (trezentos e trinta milhões de escudos), definindo-se que poderiam ser dados como garantia os prédios rústico e urbano que estavam a ser objeto de permuta, embora ainda pertencessem formalmente ao credor recorrente – ver, a propósito doc. 5, ora junto.
23 – Em 26 de Setembro de 2002 é celebrado um acordo em que se clarifica a natureza da permuta realizada, considerando-se encerradas as contas com a entrega, ao Recorrente, das 2 moradias que a Insolvente iria construir – ver, a propósito, doc. 4, ora junto.
24 – No dia 9 de Outubro de 2002, MLRS e mulher, MCS vendem, pelo preço de €: 44.500,00 (quarenta e quatro mil e quinhentos euros) que declaram já ter recebido, à Cooperativa Insolvente os seus 2 prédios (prédio rústico composto de terra de semeadura, com a área de 937m2, denominado “…”, inscrito na matriz sob o artigo 52 da Secção E, descrito na CRP de Mafra sob o n.º ... do livro B-68; prédio urbano destinado a habitação, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., descrito na CRP de Mafra sob o n.º 37248 do livro B-100) – doc. 8, ora junto.
25 – A Insolvente não veio a construir as moradias que se tinha comprometido a entregar ao credor recorrente como contrapartida da entrega, por este, dos dois prédios (rústico e urbano).
26 – Em 05 de Junho de 2006, a Insolvente celebra com o credor recorrente e esposa um novo acordo, em que a Insolvente reconhece a sua incapacidade para construir as 2 moradias, fazendo substituir as moradias por três frações autónomas da Urbanização da …, na …, a saber: do bloco A, fração correspondente ao R/C Esq., a que atribuem o valor de € 99.719,68; do bloco C, fração correspondente ao R/C Dto., a que atribuem o valor de € 114.379,35; do bloco C, a fração correspondente ao 1.º andar direito, a que atribuem o valor de € 119.826,22
27 – E da Urbanização do … (lote 4, loja n.º 2, com a área de 79,20), em relação à qual consideram já ter sido pago o valor de € 26.544,32 – ver, a propósito doc 6, ora junto.
28 – A verdade é que, como se sabe, as escrituras de compra e venda não vieram a ser realizadas
29 – E os contratos promessa de compra e venda juntos à reclamação de créditos do credor recorrente mais não são do que a expressão e a concretização, porventura com deficiente formalização e desnecessária, dos valores que se encontravam já definidos neste acordo de 2006 – ver, a propósito, doc. 6 e contratos promessa de compra e venda juntos, como docs 1 a 3, com a reclamação de créditos deste credor (a reclamação de créditos e documentos juntos à mesma foi apresentada pelo Senhor Administrador de Insolvência no requerimento eletrónico datado de 17/06/2021, com a referência citius 29565147).
30 – Dos documentos juntos resulta inequivocamente que o crédito do credor recorrente é muito anterior à data em que veio a fazer parte da Direção da Insolvente (23/01/2007), tendo sido constituído em 25 de Junho de 2001 (ver, a propósito, docs. 1 a 3, ora juntos), confirmado em acordo de 26.09.2002 (doc 4) e reiterado em acordo de 05.06.2006 (doc 6).
31 – Conforme já se referiu anteriormente, os documentos ora juntos sob os n.º 1 a 6 foram obtidos, após consulta autorizada ao acervo documental da Insolvente, que se encontra sob a alçada do Sr. Administrador de Insolvência, que ocorreu no período de 14 a 30 de Março de 2023.
Sem prescindir,
32 - Conforme resulta inequivocamente do acordo celebrado em 05 de Junho de 2006, na escritura pública de compra e venda, celebrada em 09 de Outubro de 2002, o preço não foi pago ao credor recorrente – ver, a propósito, docs. 6 e 8.
33 – Conforme se evidencia neste acordo, - doc. 6 - o preço não foi pago pois a contrapartida da transmissão de tais terrenos não era um qualquer valor monetário mas sim o pagamento em espécie: numa fase inicial o pagamento seria efetuado mediante a construção e entrega de 2 vivendas, ali designadas por 23 e 51 por a sua edificação ser realizada nos lotes 23 e 51; posteriormente, e por incapacidade financeira, mediante a entrega de 3 frações autónomas dos prédios construídos na ….
34 – A Cooperativa Insolvente não tinha capitais próprios para adquirir os prédios (rústico e urbano) mas era fundamental não só demonstrar que tinha património predial que pudesse dar como garantia, - adquirido sem o recurso ao crédito e, assim, sem estar onerado ou sem implicar pagamentos diferidos.
35 – Era fundamental que a divida para com o credor recorrente não resultasse de documentos públicos que pudessem ser do conhecimento do banco que iria financiar a operação pois isso iria comprometer o sucesso e amplitude da operação de financiamento.
36 - Este negócio jurídico foi engendrado desta forma no interesse exclusivo da Cooperativa Insolvente, com o intuito de enganar terceiros (o banco que ia financiar a operação tinha que se convencer que a Cooperativa reunia património que não estivesse onerado nem implicasse pagamentos diferidos), que dele assim beneficiou, sem que o credor recorrente dele tenha beneficiado o que quer que seja.
37 – O que as ali partes, aqui credor recorrente e Cooperativa Insolvente, tinham acordado e iriam concretizar era uma permuta que se consubstanciaria num contrato de compra e venda nos seguintes termos: o credor recorrente vendia os seus 2 prédios (rústico e urbano) à Cooperativa Insolvente e esta última procederia ao pagamento do preço, na sua totalidade, em espécie.
38 - É reconhecido pela doutrina e jurisprudência que «Na simulação absoluta as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum: na simulação relativa, as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na realidade querem um outro negócio de tipo ou conteúdo diverso.”
39 - Conforme decorre do artigo 241.º do Código Civil, a validade do negócio que as partes quiseram realizar não é prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
40 - No nosso caso, e com o intuito de enganar o banco, que iria financiar o processo construtivo em projeto, as partes, a Cooperativa Insolvente e o credor Recorrente, simularam uma compra e venda típica quando o que quiseram realizar era uma permuta, que se consubstanciaria numa compra e venda em que o pagamento do preço seria em espécie.
41 - O negócio simulado, dando a aparência que a Cooperativa procedeu ao pagamento dos prédios e está em condições de contrair financiamento bancário, é nulo (nulidade relativa), devendo atender-se ao que na realidade se quis e se escondeu: o pagamento em espécie.
42 - O negócio jurídico que vem a ser realizado em 2008 (o contrato promessa de compra e venda que emerge da reclamação de créditos apresentada pelo credor recorrente) não é mais do que a tradução, em forma de contrato promessa, do que já constava do acordo celebrado anteriormente, em 2006 e se mostrava expresso na conta corrente junta como doc. 3, ou seja, em data muito anterior ao inicio de funções, pelo credor recorrente, na direção da Cooperativa insolvente – ver, a propósito, docs. 3 e 6 e contratos promessa juntos como docs. 1 a 3 da reclamação de créditos apresentada pelo credor recorrente (neste particular, ver reclamação de créditos e documentos do credor recorrente apresentada pelo Senhor Administrador de Insolvência no requerimento eletrónico datado de 17/06/2021, com a referência Citius 29565147).
43 – Assim é que, retiradas as taxas e licenças, o valor de construção e o valor dos projectos, - tudo referente à construção das moradias que não veio a ser concretizado - na conta corrente junta como doc. 3, a Cooperativa Insolvente, com o acordo do credor recorrente, fez constar o seguinte:
a) Valor total da permuta: Esc.: 85.000.000$00 / €: 423.978,21 – (subtração)
b) Valor dos terrenos (lotes 23 e 51): Esc.: 12.732.342$00 / € 63.508,65 = (igual)
c) Resultado: Esc.: 72.267....$00 / € 360.469,56.
44 – Este valor de € 360.469, 56 é o mesmo valor que vem a ser definido no acordo de 05 de Junho de 2006 (doc. n.º 6), com a entrega das seguintes frações autónomas dos prédios da … e do lote 4 (loja n.º 2) da Quinta …, como contrapartida pela transmissão dos terrenos, nos termos seguintes:
e) Fração autónoma correspondente ao R/C Esquerdo do Bloco A, a que atribuíram o valor de € 99.719,68;
f) Fração autónoma correspondente ao R/C Direito do Bloco C, a que atribuíram o valor de € 114.379,35;
g) Fração autónoma correspondente ao 1.º andar direito do Bloco C, a que atribuíram o valor de € 119.826,22;
h) Loja n.º 2 do lote 4, em que foi considerado pago, a título de sinal, o valor de € 26.544,32.
45 – Com exceção da loja n.º 2 do lote 4, e com uma diferença pouco relevante, é um valor muito semelhante que vem a constar nos contratos promessa: a diferença é apenas mais significativa quanto ao R/C Esq., embora os valores sejam distribuídos na mesma medida:
d) Fração autónoma correspondente ao R/C Esquerdo do Bloco A, a que atribuíram o valor de € 99.169,96;
e) Fração autónoma correspondente ao R/C Direito do Bloco C, a que atribuíram o valor de € 114.379,68;
f) Fração autónoma correspondente ao 1.º andar direito do Bloco C, a que atribuíram o valor de € 119.826,22 – ver, a propósito, docs. 1 a 3 juntos com a reclamação de créditos do credor recorrente.
46 - O valor do crédito do credor recorrente e do seu prejuízo, nomeadamente nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 698.º do CPC, deverá ser coincidente com o inscrito na conta corrente (doc. 3), no acordo de 05 de Junho de 2006 (doc 6) e, em grande medida, nos contratos promessa de compra e venda juntos com a reclamação de créditos do credor recorrente, de € 360.469,56.
47 – Entende-se, também por aqui, que o crédito do credor recorrente não pode ser um crédito subordinado (porquanto é notório que um tal crédito surgiu em data muito anterior ao do inicio de funções de direção da Cooperativa), correspondendo o seu crédito garantido a um valor de € 360.469,56,
48 – O credor recorrente não pode ver vedada a possibilidade de demonstrar que efetivamente tem o direito de retenção e, por isso, o seu crédito deverá ser qualificado como garantido.”
*
O acórdão cuja revisão é ora pedida, conheceu dos seguintes recursos, interpostos de despacho saneador, na parte em que qualificou os créditos dos recorrentes como subordinados e decidiu os requerimentos relativos a meios de prova:
- Recurso interposto por OCL pedindo seja julgada nula a decisão recorrida na parte em que considerou os créditos do apelante como subordinados, e não como garantidos pelo direito real de retenção que lhe assiste, bem como nula na parte em que excluiu da produção de prova testemunhal todos aqueles que tenham sido administradores da Cooperativa Insolvente à data da insolvência, ordenando-se, assim, a revogação do despacho recorrido;
- Recurso interposto por FCB pedindo seja julgada nula a decisão recorrida na parte em que considerou os créditos do apelante como subordinados, e não como garantidos pelo direito real de retenção que lhe assiste, bem como nula na parte em que excluiu da produção de prova testemunhal todos aqueles que tenham sido administradores da Cooperativa Insolvente à data da insolvência, ordenando-se, assim, a revogação do despacho recorrido;
- Recurso interposto por HNA pedindo seja julgada nula a decisão recorrida na parte em que considerou os créditos do apelante como subordinados, e não como garantidos pelo direito real de retenção que lhe assiste, bem como nula na parte em que excluiu da produção de prova testemunhal todos aqueles que tenham sido administradores da Cooperativa Insolvente à data da insolvência, ordenando-se, assim, a revogação do despacho recorrido;
- Recurso interposto por RSS pedindo seja julgada nula a decisão recorrida na parte em que considerou os créditos do apelante como subordinados, e não como garantidos pelo direito real de retenção que lhe assiste, bem como nula na parte em que excluiu da produção de prova testemunhal todos aqueles que tenham sido administradores da Cooperativa Insolvente à data da insolvência, ordenando-se, assim, a revogação do despacho recorrido;
- Recurso interposto por LP, SARL pedindo seja a sentença recorrida substituída por outra que reconheça como subordinados todos os créditos reclamados nos autos pelo credor MLRS, e não apenas os identificados na lista de credores sob o n.º 126;
- Recurso interposto por JMC pedindo a revogação da decisão proferida;
- Recurso interposto por MLRS pedindo a revogação da decisão recorrida.
No acórdão revidendo começou por ser identificado o seguinte objeto do recurso:
1 – Como questão prévia, a admissibilidade dos recursos interpostos por OCL, FCB, HNA e RSS quanto à decisão que indeferiu a audição requerida por outros credores, na qualidade de testemunhas, de pessoas que revestem a qualidade de administradores;
2 – Nulidade da decisão recorrida;
3 – Pressupostos da qualificação dos créditos reclamados pelos recorrentes como subordinados.
Foi decidida a questão prévia identificada, tendo-se concluído pela falta de legitimidade recursória dos apelantes.
As nulidades arguidas foram julgadas improcedentes, à exceção de uma nulidade por falta de indicação de fundamentos de facto, que foi suprida mediante o aditamento de matéria de facto apurada dos elementos dos autos pelo tribunal ad quem.
Em sede de mérito o tribunal começou por delimitar o âmbito dos recursos interpostos pelo agora recorrente MLRS e por LP, SARL, tendo concluído:
- que todos os créditos reclamados pelo credor MLRS (listados como 125 e 126 na lista do art. 129º do CIRE) haviam sido qualificados como subordinados pela decisão recorrida;
- que o recurso interposto pelo credor MLRS se limitou aos créditos identificados na relação do art. 129º do CIRE sob o nº 126;
- que o recurso interposto pelo credor LP, SARL se limitava ao pedido de manutenção do decidido, com expressa menção.
Após apreciação de mérito foi a seguinte a decisão tomada:
a) Declarar a ilegitimidade dos apelantes OCL, FCB, HNA e RSS para recorrer da parte da decisão proferida quanto aos requerimentos probatórios (ponto IV) que indeferiu a audição, requerida por outros credores, na qualidade de testemunhas, de pessoas que revestem a qualidade de administradores e, em consequência, declarar findos os recursos interpostos por estes credores, nesta parte;
b) Julgando a apelação interposta por OCL (nº 134) parcialmente procedente, revogar a decisão recorrida que considerou como créditos de natureza subordinada os créditos no montante de € 37.....67, reconhecidos a OCL;
c) Julgando a apelação interposta por FCB (nº 57) parcialmente procedente, revogar a decisão recorrida que considerou como créditos de natureza subordinada os créditos no montante de € 110.268,78 reconhecidos a FCB;
d) Julgando a apelação interposta por HNA (nº 66) parcialmente procedente, revogar a decisão recorrida que considerou como créditos de natureza subordinada os créditos no montante de € 34.275,45 reconhecidos a HNA;
e) Julgando a apelação interposta por RSS (nº 145) parcialmente procedente, revogar a decisão recorrida que considerou como créditos de natureza subordinada os créditos no montante de € 100.000,00, reconhecidos a RSS;
f) Julgando a apelação interposta por LP, SARL integralmente procedente, manter a decisão recorrida na parte em que considerou como créditos de natureza subordinada os créditos no montante de € 666.751,72 reconhecidos a MLRS (nº 125);
g) Julgando a apelação interposta por JMC (nº 78) integralmente procedente, revogar a decisão recorrida que considerou como créditos de natureza subordinada os créditos no montante de € 95.863,29 reconhecidos a JMC;
h) Julgando a apelação interposta por MLRS (nº 126) integralmente procedente, revogar a decisão recorrida que considerou como créditos de natureza subordinada os créditos no montante de € 145.659,01 reconhecidos a MLRS;
i) Determinar o prosseguimento dos autos com elaboração dos respetivos temas de prova e conhecimento dos respetivos requerimentos probatórios relativamente aos seguintes credores e créditos:
- 57 – FCB – € 110.268,78;
- 66 – HNA – € 34.275,45;
- 78 – JMC – € 95.863,29;
- 126 – MLRS – € 145.659,01;
- 134 – OCL – € 37.....67;
- 145 – RSS – € 100.000,00.
*
Por despacho da relatora de 30/05/2023 foi concedido ao requerente o prazo de 10 dias para, querendo se pronunciar tendo em conta que compulsados a transação celebrada e homologada em janeiro de 2023, a sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 29/03/2023 e o teor dos documentos ora juntos, todos elementos resultantes dos autos, se verificou existir a probabilidade de estarem reunidos indícios de litigância de má-fé, por parte do ora requerente, nos termos do nº2 do art. 542º do CPC.
O requerente veio pronunciar-se referindo que, analisado os elementos mencionados, a eventual consideração da litigância de má fé poderá ter origem no facto de, na transação que celebrou com a Massa Insolvente, na pessoa do Senhor Administrador de Insolvência, não se ter feito menção ao crédito concreto do Sr. MLRS que era objeto de transação e que foi apenas o nº 126, dado que o nº 125 já havia sido definitivamente classificado como subordinado, o que terá originado um lapso de escrita na sentença de verificação e graduação de créditos que mencionou como comum um crédito de € 602.628,87, quando crédito comum era o remanescente do crédito nº 126 considerado garantido, ou seja € 81.255,07.
A transação foi celebrada em relação ao crédito nº 126 e o recurso de revisão pretende apenas a revisão da qualificação do seu crédito nº 125, qualificado como subordinado por se ter considerado, face à documentação então existente nos autos, que o crédito teria sido constituído em data posterior ao inicio de funções enquanto vogal da Insolvente, pretendendo demonstrar é que, fruto dos documentos que logrou encontrar, tal crédito era (muito) anterior ao seu inicio de funções na administração da insolvente e, fruto dessa anterioridade, a qualificação de tal crédito deve ser revisto, em nome da verdade e da justiça.
Em momento algum da sua intervenção processual, o recorrente deduziu ou pretendeu deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou ou pretendeu alterar a verdade dos factos ou omitiu factos relevantes para a decisão da causa, praticou omissão grave do dever de cooperação ou fez do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
*
2. Questões a apreciar
O presente recurso de revisão dirige-se ao segmento da decisão constante da alínea f), acima transcrita, havendo que aferir, nos termos do disposto no art. 699º do CPC, aplicável ex vi art. 17º nº1 do CIRE, da admissibilidade do presente recurso de revisão nos termos e com o fundamento previsto na alínea c) do art. 696.º do CPC.
Há ainda que analisar, como já enunciado, se existe, por parte do requerente litigância de má-fé com a formulação da presente pretensão de revisão.
*
3. Fundamentação
3.1. De facto
Além dos factos referidos no relatório, resultam dos autos, com relevância para a questão a apreciar, os seguintes factos[1]:
1 - A declaração de insolvência da Cooperativa Habitanova 2000 - Cooperativa de Habitação Económica da Venda Nova, C.R.L. foi pedida em juízo em 19/09/2008.
2 – A insolvência da Cooperativa Habitanova 2000 - Cooperativa de Habitação Económica da Venda Nova, C.R.L. foi decretada por sentença de 24/05/2011, transitada em julgado.
3 – Por deliberação de 08/11/2003 foi nomeada a Direção da cooperativa insolvente para o triénio 2004/2006, com a seguinte composição:
FT – Presidente
FG – Secretário
AG – Tesoureiro
PC - Vogal
AS – Vogal
MC – Vogal
AFG – Vogal
LL – 1º suplente
FS – 2º suplente
AR – 3º suplente.
4 – Foi registada em 23/01/2007 a deliberação de 02/01/2007, de designação de órgãos sociais da cooperativa insolvente para o triénio 2007/2009, que nomeou a Direção da Cooperativa com a seguinte composição:
OCL - Presidente
MEM – Secretário
HNA - Tesoureiro
FCB - Vogal
MLRS - Vogal
RSS – Vogal
VFS – Vogal
FJC – 1º suplente
JMC – 2º suplente
RAS – 3º suplente.
5 – MLRS reclamou, em data não concretamente apurada, mas posterior a 07/07/2011[2] e anterior a 29/09/2011[3], um crédito sobre a insolvência de € 145.659,01, relativo a contratos promessa celebrados com a insolvente em 12 de Maio de 2006, tendo por objeto os lotes 51 e 23 da Quinta …, …, reclamando, com garantia real, correspondente ao dobro das quantias entregues a título de sinal e juros, à data da celebração dos contratos, conforme requerimento constante como doc. nº13 do requerimento apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência em 17/06/2021 (refª 39201597), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6 – Juntou cópia certificada dos dois contratos datados de 12 de maio de 2006.
7 – MLRS reclamou em data não concretamente apurada, mas posterior a 07/07/2011[4] e anterior a 29/09/2011[5], um crédito sobre a insolvência de € 666.751,72, relativo a contratos promessa celebrados com a insolvente em 17 de novembro de 2008, tendo por objeto as frações B, Q e S do prédio urbano sito no Largo …, na …, reclamando, com garantia real, correspondente ao dobro das quantias entregues a título de sinal e juros, conforme requerimento constante como doc. nº12 do requerimento apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência em 17/06/2021 (refª 39201597), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8 - Juntou cópia certificada dos três contratos datados de 17 de novembro de 2008.
9 - O Sr. Administrador da Insolvência apresentou, no apenso I (reclamação de créditos), em 10/01/2023, o seguinte requerimento (refª 44353623):
“LO, na qualidade de Administrador da Insolvência nomeado no âmbito da Insolvência de Habitanova Dois Mil, Cooperativa de Habitação de Venda Nova, CRL, e o credor MLRS, vêm informar que alcançaram um acordo com vista à resolução da impugnação dos créditos reclamados por MLRS.
O acordo prevê que seja reconhecido ao credor MLRS, um crédito garantido com direito de retenção no valor de € 64.122,85 (sessenta e quatro mil, cento e vinte e dois euros e oitenta e cinco cêntimos), sobre a verba 71 do Auto de Arrolamento e Apreensão, correspondente ao prédio urbano situado na Quinta … designado por lote 51 descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n o ... da freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....
Quanto ao restante valor reclamado e não considerado como garantido, deverá ser reconhecido como crédito comum.”
Juntou comprovativos do consentimento da comissão de credores.
10 - O ora recorrente MLRS apresentou, no apenso I (reclamação de créditos), em 11/01/2023, o seguinte requerimento (refª 44375079):
“MLRS, Credor nos autos supra e à margem identificados, vem informar V. Exa. que adere ao requerimento (acordo) apresentado pelo Senhor Administrador de Insolvência quanto ao seu crédito, assim também requerendo a homologação da transação alcançada.”
11 - Em 12/01/2023 foi proferido no apenso I (reclamação de créditos) o seguinte despacho: “Refª 34688481 e 34709306:
O Sr. AI, com a anuência da comissão de credores, e o reclamante MLRS, informam ter chegado a acordo para por termo ao litígio existente entre aquele e a massa, nos termos da transacção que antecede.
Ante o exposto, atento ao objecto da transacção e dos presentes autos, que consubstancia direitos disponíveis, a qualidade dos intervenientes, que para o efeito têm legitimidade, julga-se válida a sobredita transacção e, em consequência, homologa-se a mesma por sentença (cf. artigo 290º, nº4, do Código de Processo Civil), absolvendo-se e condenando-se as partes nos seus precisos termos.
Sem tributação.
Registe e notifique.”
12 - Não foi interposto recurso da decisão referida em 11.
13 - Em 29/03/2023 foi proferida no apenso I (reclamação de créditos), sentença de verificação e graduação de créditos (refª 424557678), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de cujo relatório consta:
“Por transação homologada a 12.01.2023 no apenso I (reclamação de créditos), celebrada entre o impugnante MLRS, e a impugnada massa insolvente, foi reconhecido ao identificado credor um direito de retenção no valor de € 64.122,85 sob a verba 71 do auto de apreensão, e um crédito no montante de € 602.628,87, de natureza comum.”
14 - Constando da graduação da mesma sentença:
“W) Pelo produto da venda do bem identificado na verba 71) do auto de apreensão devem pagar-se:
1. Em primeiro lugar, o crédito garantido da Fazenda Nacional referente a IMI.
2. Em segundo lugar, os créditos garantidos por direito de retenção de MLRS.
3. Em terceiro lugar, o crédito hipotecário.
4. Em quarto lugar, o crédito privilegiado da Segurança Social.
5. Em quinto lugar, rateadamente, os créditos comuns (incluindo o remanescente dos créditos garantidos e privilegiados quanto aos bens sobre os quais não incide a garantia ou privilégio).
6. Em sexto lugar, os créditos subordinados.”
15 - A sentença referida em 13 e 14 foi notificada entre 03/04/2023 e 04/04/2023, não tendo sido, até 23/05/2023, interposto qualquer recurso da mesma.
16 – Foram juntos com o requerimento de recurso extraordinário de revisão, os seguintes documentos, cujo teor aqui se dá por reproduzido:
Doc. n.º 1 – Com certificação de 14/03/2023, fotocópia de contrato de permuta celebrado entre Habitanova 2000, como primeira outorgante e MLRS e MCS, como segundos outorgantes, datado de 11/06/2001, com reconhecimento de assinatura na qualidade de 03/07/2001, nos termos do qual:
- os segundos outorgantes prometem transmitir à primeira outorgante, livre de ónus e encargos um prédio urbano e um prédio rústico, inscritos na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob as fichas nº ... e ... – … e inscritos na matriz predial urbana sob os arts. ... e ... …, com pedido de licenciamento para construção de prédios multifamiliares no processo nº ... da Câmara Municipal de Mafra, aprovado por despacho de 16/03/2000; a primeira outorgante comprometeu-se, em contrapartida, a entregar aos segundos outorgantes, livre de ónus e encargos, duas vivendas com três pisos cada, identificadas como vivenda nº 23 e vivenda nº 51, a construir pela primeira outorgante no prédio rústico denominado …, sito na freguesia do …, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob a ficha nº ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o art. 10-D, com pedido de licenciamento de urbanização e construção aprovado no processo nº 02-34/98, conforme oficio nº 39873 de 22/11/2000; mais foi consignado que a escritura de transmissão propriedade dos segundos outorgantes seria efetuada logo que o primeiro outorgante o exija, e que a escritura de transmissão para os segundos outorgantes, das frações a construir serão realizadas no prazo máximo de 90 dias após a obtenção da licença de habitabilidade ou a partir da primeira escritura que seja realizada relativamente às vivendas contíguas, mas nunca depois de cinco anos após a assinatura deste contrato; convencionaram, finalmente, atribuir ao acordo de permuta a natureza de execução específica de acordo com o art. 830º do CC;
Doc. n.º 2 – Com certificação de 14/03/2023, fotocópia de contrato de permuta celebrado entre Habitanova 2000, como primeira outorgante e MLRS e MCS, como segundos outorgantes, datado de 11/06/2001, com reconhecimento de assinatura na qualidade em data ilegível, nos termos do qual:
- os segundos outorgantes prometem transmitir à primeira outorgante, livre de ónus e encargos um prédio urbano e um prédio rústico, inscritos na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob as fichas nº ... e ... – … e inscritos na matriz predial urbana sob os arts. ... e ... …, com pedido de licenciamento para construção de prédios multifamiliares no processo nº ... da Câmara Municipal de Mafra, aprovado por despacho de 16/03/2000; a primeiro outorgante comprometeu-se, em contrapartida, a entregar aos segundos outorgantes, livre de ónus e encargos, e de acordo com a planta e caderno de encargos anexados, duas vivendas com três pisos cada, identificadas como vivenda nº 23 e vivenda nº 51, a construir pela primeira outorgante no prédio rústico denominado …, sito na freguesia do …, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob a ficha nº ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o art. 10-D, com pedido de licenciamento de urbanização e construção aprovado no processo nº 02-34/98, conforme oficio nº 39873 de 22/11/2000; mais foi consignado que o preço atribuído pelas partes aos imóveis objeto do acordo de permuta é de Esc: 85.000.000$00 (oitenta e cinco milhões de escudos, que a escritura de transmissão propriedade dos segundos outorgantes seria efetuada logo que o primeiro outorgante o exija, e que a escritura de transmissão para os segundos outorgantes, das frações a construir serão realizadas no prazo máximo de 90 dias após a obtenção da licença de habitabilidade ou a partir da primeira escritura que seja realizada relativamente às vivendas contíguas, mas nunca depois de cinco anos após a assinatura deste contrato; convencionaram, finalmente, atribuir ao acordo de permuta a natureza de execução específica de acordo com o art. 830º do CC;
Doc. nº3 – Com certificação de 14/03/2023, fotocópia de documento designado “Conta Corrente – Aldeamento da Quinta …, MLRS, associado nº 932, lotes adquiridos lote 51 em 08/10/98, lote 23 em 07/12/99”, do qual constam duas cópias, uma dela contendo rubricas sob o lado superior direito, com o seguinte conteúdo:
Mais constando uma declaração datada de 17/07/2001, com assinatura aposta e não reconhecida, com o seguinte teor:
“Eu abaixo assinado MLRS sócio nº 932 da Cooperativa Habitanova 2000, declaro que recebi o valor de Esc: 4.043.568$00 (quatro milhões e quarenta e três mil escudos), referente a devolução relacionada com acerto de contas de acordo com o documento anexo.”
E constando ainda uma cópia da frente de um cheque sacado sobre o banco…, emitido por Habitanova 2000, a favor de MLRS, no valor de Esc: 4.043.568$00.
Doc. nº4: Com certificação de 14/03/2023, fotocópia de acordo celebrado entre Habitanova 2000, como primeira acordante e MLRS e MCS, como segundos acordantes, datado de 26/09/2002, nos termos do qual:
- para concretizar a permuta acordada no contrato de 11/06/2001 está já marcada escritura de compra e venda dos terrenos propriedade dos segundos acordantes, sendo o preço constante da escritura de € 44.500,00; mais constando que, posteriormente, e nos termos do clausulado no contrato de permuta, a primeira acordante celebrará com os segundos acordantes a escritura da compra e venda das vivendas propriedade da primeira outorgante “sendo certo que nada terá a pagar e que o preço constante em tal escritura será, apenas, uma questão formal.”
Doc. nº5 - Com certificação de 14/03/2023, fotocópia de ata nº 83 da assembleia geral de Habitanova 2000 e da respetiva certificação, datada de 01/08/2002, da qual consta:
- ter sido realizada no dia 31 de julho de 2001, tendo como ordem de trabalhos:
Ponto 1 – Leitura e votação da ata da última assembleia geral;
Ponto 2 - Informações a prestar pela direção;
Ponto 3 – Discussão e aprovação das condições em que a cooperativa poderá celebrar um contrato de permuta para aquisição de um lote para a construção de três edifícios;
Ponto 4 – Discussão e aprovação das condições em que a Cooperativa poderá celebrar um contrato de permuta para a aquisição de um lote, digo, de um contrato de financiamento para a construção de 17 fogos na …, e não um contrato de permuta para aquisição de um lote;
Ponto 5 – Nomeação dos representantes que em nome da Cooperativa outorgarão os contratos de permuta, escritura de aquisição, contratos de financiamento, escrituras notariais, hipotecas e respetivos registos.
Constando da ata terem sido aprovados todos os pontos da ordem de trabalhos, com propostas da direção formuladas quanto aos pontos 4 e 5.
Doc. nº6 - Com certificação de 30/03/2023, fotocópia de acordo celebrado entre Habitanova 2000, como primeira outorgante e MLRS e MCS, como segundos outorgantes, datado de 05/06/2006, do qual consta:
“1º
Ambos os outorgantes celebraram em 11 de Junho de 2001 um contrato de permuta pelo qual os segundos outorgantes se comprometeram a transmitir à primeira outorgante o prédio urbano e o prédio rústico inscritos na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob as fichas nº 37.428 e 25.597/…, inscritos na matriz predial urbana, respectivamente, sob o art. ...º e ... da freguesia da ….
2º
E, efectivamente, em 9 de Outubro de 2002, no 1º Cartório Notarial de Lisboa, os segundos outorgantes transmitiram para a primeira outorgante, mediante escritura de compra e venda, os referidos prédios.
3º
Porém, o preço não foi pago aos segundos outorgantes, pois que a contrapartida da transmissão de tais terrenos não era qualquer valor monetário, mas sim, conforme estipulado no contrato referido na cláusula 1ª do presente acordo, as vivendas nº 23 e nº51 a construir pela 1ª outorgante na Urbanização do …..
4º
Porém, devido a alteração das circunstâncias nas obras da Urbanização do …, nomeadamente no que se refere ao financiamento para construção, ambos os outorgantes acordam em substituir as ditas vivendas, como contrapartida da transmissão dos terrenos, pela entrega aos segundos outorgantes dos seguintes imóveis:
1 – Da Urbanização da … na …:
a) Do Bloco A, a fração autónoma que vier a corresponder ao rés do chão esquerdo, a que atribuem o valor de 99.719,68 €;
b) Do Bloco C, a fração autónoma que vier a corresponder ao rés do chão direito, a que atribuem o valor de € 114.379,35;
c) Do mesmo Bloco C, a fração autónoma que vir a corresponder ao 1º andar direito, a que atribuem o valor de € 119.826,22.
II – Da Urbanização do …:
Do Lote 4, a loja nº2, com uma área de 79,20 m2, que será vendida aos segundos outorgantes pelo preço que vier a ser acordado em contrato promessa de compra e venda, mas sobre o qual se considera já pago, a título de sinal, a quantia de € 26.544,32.
5ª
Os imóveis referidos na cláusula anterior serão entregues aos segundos outorgantes, mediante escrituras de compra e venda, a celebrar no prazo máximo de seis meses após a emissão das respectivas licenças de utilização.
Celebrado em …, no dia 5 de Junho de 2006 em dois exemplares devidamente assinados e distribuídos pelas partes.”
Doc. nº7 – Alvará de licenciamento nº 383/2002, emitido pela Câmara Municipal de Mafra
“Nos termos do artigo 21.° do Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro, é emitido o alvará n.° 383/2002 respeitante ao Processo OP 528/1998. em nome de MLRS, portador do bilhete de identidade n.° …, emitido pelos Serviços de Identificação Civil de Lisboa, com o número fiscal de contribuinte …, residente em RUA …, através do qual é licenciada a construção do EDIFÍCIO MULTIFAMILIAR E GARAGENS, que incide sobre o prédio sito em …, da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob os n.°s ..., livro …, folha … e …,livro …, folha …v, e inscrito na matriz Cadastral Rústica sob o artigo n.° …-SECÇÃO E e na matriz Predial Urbana sob o artigo n.° ... da respectiva freguesia, devendo observar as posturas e regulamentos camarários, a par dos preceitos legais aplicáveis, sob pena de autuação e de o presente alvará lhe ser cassado.
A construção, aprovada por despacho de 27 de MARÇO de 2001, do vereador J, exarado no uso da competência subdelegada, e apresenta as seguintes características, conforme projecto anexo, não estando o pedido de licenciamento abrangido pelo n.° 3 do artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 445/91, de 20/11.
- N.° de Fogos: 17;
- N.° de Pisos: 3 acima e 1 abaixo da cota de soleira;
- Área de construção: 2737.45m2; * Volume de Construção: 9620m3;
- Cércea autorizada: Alçados: Principal: 8m; Lateral Esquerdo: 6.8m; Posterior: 8m.
Uso a que se destina a construção: EDIFÍCIO MULTIFAMILIAR E GARAGENS.
Condicionantes de licenciamento: Deverá dar cumprimento aos condicionamentos da Lisboagás. Serviços de Esgotos e CGE(P)-Compagnie Generale des Eaux, conforme fotocópias em anexo.
ESTA LICENÇA É VÁLIDA ATÉ: 16 de Maio de 2003, tendo início nesta data.
Dado e passado para que sirva de título ao requerente e para todos os efeitos prescritos no Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro, na sua redacção vigente.
(F, Arq.)
Registado na Câmara Municipal de Mafra, no livro n.° …, a folha(s) …, em 2002/03/22.”
Constando do documento a prorrogação até 10/05/2004 e até 06/11/2004, bem como o aditamento do mesmo em 20/04/2005, 04/01/2007 e 10/08/2007.
Doc. nº8
Com certificação de 09/10/2002, escritura pública de compra e venda, outorgada em 09/10/2002 no 1ª Cartório Notarial de Lisboa por MLRS e mulher, MCS, residentes na Rua …, como primeiro outorgante e por FT e MM, como segundo outorgante, na qualidade de presidente e tesoureira e em representação da cooperativa de responsabilidade limitada Habitanova Dois mil – Cooperativa de Habitação Económica da Venda Nova, CRL, constando como declarado pelos Primeiros Outorgantes:
“Que, pela presente escritura e pelo preço global de quarenta e quatro mil e quinhentos euros, que já receberam, vendem à Cooperativa, representada pelos segundos outorgantes, os seguintes bens, sitos no lugar e freguesia da …., concelho de Mafra:
- Nº1 – Pelo preço de trinta mil euros o prédio rústico composto de terra de semeadura, com a área de novecentos e trinta e sete metros quadrados, denominado “…”, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo … da Secção E, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número …, do livro B-…, onde se mostra registada a aquisição a seu favor conforme inscrição número cinquenta e nove mil setecentos e quarenta do livro …, sendo de 10,31 € o seu valor patrimonial; e
- Nº2 – Pelo preço de catorze mil e quinhentos euros o prédio urbano destinado a habitação , inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., descrito na dita Conservatória sob o número … e oito do livro …, onde se mostra registada a aquisição a seu favor conforme inscrição cinquenta e nove mil setecentos e quarenta do livro …, sendo de 58,88 € o seu valor patrimonial.”
Mais declararam que não possuem quaisquer prédios rústicos aptos para cultura confinantes com o ora vendido.
Pelos segundos outorgantes foi dito:
“Que para a Cooperativa sua representada aceitam a presente venda nos termos exarados e que os imóveis ora adquiridos se destinam à prossecução dos seus fins sociais.”
*
3.2. De direito
Nos termos do disposto no art. 696º nº1 do Código de Processo Civil o recurso extraordinário de revisão interpõe-se de decisões transitadas em julgado – o qual visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade de entre um elenco taxativamente previsto nas alíneas deste preceito.
Como já ensinava o prof. Alberto dos Reis, “O recurso de revisão apresenta, à primeira vista, o aspecto duma aberração judicial: o aspecto de atentado contra a autoridade do caso julgado. Há uma sentença transitada em julgado, cercada, portanto, da força, do prestígio e do respeito que merecem as decisões que atingiram tal grau de segurança.”[6]
E buscando a justificação do instituto, prosseguia o saudoso Professor, que estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências de justiça e a necessidade de segurança ou certeza. A sentença pode “ter nascido em circunstâncias tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança.”[7]
Como se escreveu no Ac. TRC de 02/12/14 (relator Carvalho Martins)[8] “O recurso extraordinário de revisão foi criado pelo CPC de 1939, previsto no art. 771.º do CPC (696º NCPC), admitindo, nas situações aí taxativamente indicadas, a impugnação de decisões judiciais já cobertas pela autoridade do caso julgado, pretendendo-se assegurar o primado da justiça sobre a segurança. Ao contrário do recurso ordinário, que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, o recurso extraordinário de revisão visa a alteração de uma decisão já transitada, pelo que só é admissível em situações limite de tal modo graves que a subsistência da decisão em causa seja susceptível de abalar clamorosamente o princípio da desejada justiça material.”
O recurso extraordinário de revisão visa, assim, reparar um vício ou anomalia processual especialmente grave, de um elenco taxativo, sendo limitados os fundamentos pelos quais se pode atacar uma sentença coberta pelo caso julgado.
Estrutura-se, em fase rescindente, na qual se visa afastar a decisão transitada em julgado, e a fase rescisória, que se segue à anulação daquela decisão.
Os fundamentos do recurso de revisão encontram-se taxativamente[9] enumerados no art. 696º do CPC, no qual se estabelece, com interesse para o caso sob apreciação: «A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: (…) c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;»
Percorrendo o requerimento de recurso de revisão verificamos que foi, formal e materialmente invocada como fundamento a situação prevista nesta alínea c), não cabendo, a demais matéria invocada, em qualquer das demais previsões das várias alíneas do art. 696º do CPC.
Assim, é irrelevante o alegado na primeira parte de 3 da motivação, ou seja, que a decisão revidenda é materialmente injusta, dado que esse não é fundamento de revisão.
Irreleva, igualmente, qualquer putativo incumprimento do princípio do inquisitório, sobre o qual o recorrente elabora profusamente a partir do nº8 da motivação, tanto porque o art. 11º do CIRE não se aplica no apenso de verificação de créditos[10] como porque esse não é um fundamento de revisão previsto em qualquer das alíneas do art. 696º do CPC.
É, finalmente, totalmente irrelevante como fundamento de revisão o alegado nos nºs 48 a 73 do requerimento de recurso de revisão, onde o recorrente, aparentemente de forma subsidiária, alega uma completamente nova causa de pedir, a simulação do negócio de compra e venda celebrado em 2002, aparentemente desistindo da verificação do sinal em dobro e pedindo apenas o valor singelo de € 360.469,56.
Basta percorrer as alíneas do art. 696º do CPC para compreender que o que é ora alegado não encontra ali correspondência – nomeadamente não releva uma eventual falsidade da escritura pública de compra e venda, dado que o documento não baseou a convicção do tribunal e o litigio não assentou sobre ato simulado das partes - o recorrente apresentou-se a reclamar créditos que, sob uma perspetiva ou outra, considera ter direito, não sendo a simulação incidente sobre o litigio em causa, uma reclamação de créditos em processo de insolvência, mas antes sobre uma compra e venda que não foi, por qualquer forma, apreciada ou invocada nos autos.
Retomando, como melhor se escreveu no Ac. STJ de 19/10/17[11] (relatora Fernanda Isabel Pereira):
“O documento a que alude a al. c) do art. 696.º do CPC, para fundamentar a revisão, tem que revestir dois requisitos cumulativos: (i) a novidade (que significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde dele socorrer-se); e (ii) a suficiência (que implica que o documento constitua um meio de prova susceptível de, por si só, demonstrar ou infirmar facto ou factos relevantes por forma a conduzir a decisão mais favorável ao recorrente).”
O acesso ao recurso de revisão só é, assim, possível quanto não tenha sido possível à parte, objetiva ou subjetivamente, apresentar o documento a tempo de influenciar a decisão revidenda. Já Alberto dos Reis[12] referia serem três as hipóteses:
1ª o documento já existia, mas a parte não tinha conhecimento dele;
2ª o documento já existia, a parte sabia da existência dele, mas não teve possibilidade de o obter;
3ª o documento não existia, formou-se posteriormente ao termo do processo anterior.
No caso concreto, na alegação do requerente, situamo-nos no segundo caso: o requerente sabia da existência dos documentos, estava ciente deles, mas não teve possibilidade de os obter senão em março de 2023[13].
Tendo em conta, desde logo, o facto de terem sido juntos vários documentos, começaremos por analisar os mesmos e o alegado na perspetiva da aferição da novidade.
O cenário fáctico geral traçado é o de que o ora requerente foi membro da Direção da Cooperativa insolvente entre janeiro de 2007, data em que foi eleito e nomeado, e maio de 2011, quando foi declarada, de forma definitiva, a insolvência da sociedade, avultando, ainda que a declaração de insolvência foi requerida em juízo, por credor, em 19/09/2008 (factos nº 1, 2 e 4).
Ainda em sede geral resulta dos factos apurados que reuniu os elementos e reclamou os seus créditos entre maio de 2011 e julho de 2011, ou seja, logo imediatamente após ter perdido a livre disposição e acesso aos bens e arquivos da insolvente, com a respetiva declaração de insolvência (factos nºs 5 e 7).
Passemos agora à análise mais detalhada.
Há dois dos documentos juntos – os documentos nºs 7 e 8, uma licença de construção emitida em nome do ora requerente e uma escritura pública de compra e venda – que o próprio requerente assume não serem revestidos de novidade.
Assim, a licença emitida em seu nome, o documento nº7 é assumida como estando na posse do requerente[14] e a escritura pública de compra e venda igualmente[15] o que aliás confere com o facto de muito dificilmente se poder considerar o requisito de novidade quanto a documentos arquivados em repartições públicas, como as Câmaras Municipais ou os Cartórios Notariais, tal como decidido nos Acs. TRL de 21/10/2021 (Teresa Sandiães) e de 21/02/017 (Manuel Marques).
O facto de virem a ser presentes documentos alegadamente revestidos de novidade combinados com documentos assumidamente não revestidos de novidade como fundamento do presente recurso de revisão será analisado a propósito do requisito da suficiência.
Voltando aos demais documentos (1 a 6) apresentados como existindo previamente, a parte tendo deles conhecimento e não podendo deles fazer uso, deve recordar-se que, dada a natureza excecional do recurso de revisão, tem sido unanimemente considerado, quanto à invocação da al. c) do art. 696º que apenas “quando a parte empregou todos os esforços que estavam ao seu alcance para obter o documento e não conseguiu o seu desideratum”[16] se verifica a impossibilidade que justifica a revisão.
Assim sendo exige-se ao requerente, que invoca a novidade subjetiva, um ónus acrescido: “no sentido de alegar e provar que diligenciou pela obtenção do documento e que a impossibilidade da sua apresentação não lhe é imputável”[17]. Como se escreveu no Ac. TRC de 07/03/2017 (Jaime Carlos Ferreira) “Na base deste dispositivo está este pensamento: a revisão só é admissível quando não possa imputar-se à parte vencida a falta de produção do documento no processo em que sucumbiu.” Neste exato sentido podemos ainda citar os Acórdãos TRP de 08/06/2022 (Fátima Andrade), de 21/04/2022 (Aristides Rodrigues de Almeida), de 30/01/2017 (Nelson Fernandes), TRL de 21/10/2021 (Teresa Sandiães), TRC de 17/12/2014 (Albertina Pedroso), TRG de 22/04/2021 (Helena Melo), TRG de 24/09/2020 (Maria João Matos), bem como Ac. STJ de 08/06/2021 (Chambel Mourisco).
É a natureza excecional do instituto e o valor da certeza jurídica como pedra angular do sistema de justiça que explicam, não só a natureza taxativa dos fundamentos de recurso extraordinário de revisão, como o standard de exigência na respetiva apreciação, patente nesta e na demais doutrina e jurisprudência sobre o tema.
Impressiona, desde logo, a total ausência de explicação para a não obtenção dos documentos 1 a 6 – datados de entre junho de 2001 e junho de 2006 e, nas palavras do recorrente, encontradas nos arquivos da insolvente – no larguíssimo período que mediou entre o pedido de declaração de insolvência e a sua declaração (praticamente três anos) e no decurso de todo o qual o recorrente fazia parte da direção da cooperativa insolvente.
Mas, determinante, é o facto de não ser sequer tentada qualquer explicação – cujo ónus lhe cabia – para o não acesso aos documentos no período subsequente à insolvência e até à prolação da decisão revidenda[18]. Compulsado o requerimento de revisão encontramos a seguinte alegação: “18 - Embora desde sempre o Recorrente tenha considerado injusta esta solução, porque sabia estar a partir de premissas e considerações erradas, nomeadamente quanto ao momento da aquisição do seu crédito, o que é verdade é que o Recorrente não conseguia demonstrar uma realidade diversa, nomeadamente por não dispor de prova documental para o efeito. 19 – O credor recorrente tinha consciência de ter participado e assinado acordos e outros documentos relevantes mas, embora com a promessa de lhe virem a ser entregues posteriormente pela Cooperativa insolvente, os documentos originais (ou suas cópias) nunca lhe vieram a ser entregues e deles não pôde dispor anteriormente. 20 – Ao longo destes anos foram inúmeras as solicitações efetuadas à Cooperativa e, assim que lhe foi permitido, foram inúmeras as buscas efetuadas em dossiers da Cooperativa, infelizmente sem sucesso. 21 - De facto, e até ao período compreendido entre 14 e 30/03/2023, os únicos documentos a que tinha acesso e mantinha na sua posse eram uma certidão de uma escritura de compra e venda, projeto e licenças de construção e utilização do prédio que veio a ser implantado nos prédios vendidos, minutas e cópias dispersas e incompletas de alguns documentos, sem que, com eles, conseguisse fazer a prova que lhe incumbia. 22 - O Recorrente sabia que originais e cópias de muitos destes documentos (contratos, acordos e outros) existiriam, em arquivo, na sede da sociedade insolvente, o que lhe foi também confirmado por tesoureiros e elementos das diversas direções da Cooperativa. 23 – No período de Verão de 2022, o Recorrente obteve autorização do Senhor Administrador de Insolvência para consultar as pastas em arquivo na sede da Insolvente. 24 – Pese embora tenha encontrado alguns documentos, como certidões e cópias de pagamentos efetuados, não conseguiu encontrar os documentos comprovativos da assinatura de contratos e acordos em período anterior aquele em que fez parte da direção da Cooperativa, que sabia existir. 25 – No entanto, o Recorrente confirmou, junto de elementos das diversas direções da Cooperativa Insolvente que os documentos existiam e não teriam sido destruídos ou inutilizados, o que deu ânimo para a continuação das buscas. 26 – Por isso, o Recorrente não desistiu e, a partir de 14 de Março de 2023, com a autorização para o efeito do Senhor Administrador de Insolvência e com a ajuda de seu filho, N, o recorrente conseguiu encontrar uma pasta com muitos dos documentos que procurava, nomeadamente os seguintes que se afiguram ser de extrema relevância para o que se discute nos presentes autos: a) Contrato de permuta datado de 11 de Junho de 2001, assinado pela primeiro outorgante – cópia certificada que se junta como doc. 1 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais; b) Contrato de permuta datado de 11 de Junho de 2001, com emenda e anexos (caderno de encargos e projeto de loteamento), assinado pelo segundo outorgante – cópia certificada que se junta como doc. 2 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais; c) Conta corrente – aldeamento da Quinta …, datada de 25 de Junho de 2001, referente a MLRS – Associado n.º 932 – cópia certificada que se junta como doc. 3 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais; d) Cópia certificada de Acordo datado de 26 de Setembro de 2002 - cópia certificada que se junta como doc. 4 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais; e) Cópia certificada de ata da Assembleia Geral da sociedade insolvente, de 31 de Julho de 2001 - cópia certificada que se junta como doc. 5 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais. 27 – Em 30 de Março de 2023, o credor recorrente logrou encontrar um outro documento que, na sua ótica, é fundamental para demonstrar a bondade da sua pretensão e a verdade material, o acordo datado de 05 de Junho de 2006 - cópia certificada que se junta como doc. 6 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais. 28 – Documentos estes que, no entendimento do Recorrente, permitem, por si só, a modificação da decisão em sentido que lhe é mais favorável, dado que demonstram, de forma inequívoca, que o crédito do Recorrente é muito anterior ao início das suas funções na Direção da Cooperativa.”
Não é sequer ensaiada qualquer explicação para, em primeiro lugar, não ter consigo cópia de documentos tão relevantes – afinal, o recorrente invoca ter entregue um valioso património, contra uma promessa que desmentiu em documento oficial (a escritura de 2002 na qual declarou ter recebido integralmente um preço que sequer correspondia ao que as partes tinham atribuído aos imóveis), sendo muito pouco crível que não tivesse consigo ao menos uma cópia da promessa inicial de permuta e da conta corrente e declaração de quitação nela inserida. Quanto ao documento que refere como essencial, o documento nº6, o acordo de junho de 2006, consta do mesmo, expressamente, que foi “Celebrado em …, no dia 5 de Junho de 2006 em dois exemplares devidamente assinados e distribuídos pelas partes.”, o que deixa sem explicação a inexistência do segundo exemplar na posse do recorrente, face ao facto de este ter assinado o acordo contendo esta expressa declaração.
É alegado de forma genérica quanto ao período anterior à decisão revidenda que “foram inúmeras as solicitações efetuadas à Cooperativa e, assim que lhe foi permitido, foram inúmeras as buscas efetuadas em dossiers da Cooperativa, infelizmente sem sucesso”. Para o período decorrido entre 2011 e 2021 é tudo o que é alegado.
O recorrente refere que no Verão de 2022 (depois de notificado o acórdão revidendo), o Sr. Administrador da Insolvência deu autorização para a consulta das pastas de arquivo da insolvente, sem nunca referir se antes tal acesso lhe foi pedido e negado ou restringido de alguma forma.
E, a final, os documentos foram encontrados onde o recorrente pensava estarem, pelo menos segundo o que alega, dando-se apenas o caso de só terem sido encontrados no mês de março de 2023, quase um ano depois da prolação da decisão revidenda e no exato mês em que foi proferida a sentença final no apenso de reclamação de créditos[19].
Assim, a justificação apresentada reduz-se a os documentos não estarem na sua posse – a cooperativa nunca lhe terá entregue os originais ou cópias (mesmo quando o recorrente fazia parte da direção da cooperativa, em 2008, note-se).
Trata-se de situação a que já Alberto dos Reis aludia[20], a respeito da hipótese de os documentos já existirem, a parte saber da sua existência e não ter possibilidade de os obter: “A este respeito convém ter presente o disposto nos arts. 552.º e 553.º Se o documento estava em poder da parte contrária devia o interessado socorrer-se do meio facultado pelo artigo 552.º
Se não lançou mão dele, não poderá requerer a revisão;”
É exatamente a situação tratada no ac. TRP de 05/10/2015 (Paula Maria Roberto) “Se os documentos apresentados pelo recorrente com o requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão têm datas anteriores à da propositura da ação principal, o facto de não se encontrarem na sua posse não constitui fundamento ou justificação para a sua não apresentação naquela ação. Se os documentos não se encontravam na sua posse, o recorrente devia ter diligenciado para que os mesmos fossem juntos ao processo pela ora recorrida, conforme lhe é facultado pelo disposto nos artigos 417.º, n.º 1 e 429.º, ambos do C.P.C.”
No caso concreto, o recorrente sabia da existência dos documentos, sabia quem os tinha e onde estavam e limitou-se a alegar que não lhe foram entregues cópias ou os originais (sendo todos eles datados de antes da declaração de insolvência ou mesmo de antes de ela ter sido requerida). Nada fez ao longo de todo o processo, nomeadamente requerendo a apresentação de documento em poder da parte contrária (no caso, da insolvente) para os apresentar ou fazer apresentar.
Aliás, na verdade, no caso concreto resulta que o recorrente não procurou sequer os documentos antes de ter sido proferida a decisão revidenda. Trata-se, verdadeiramente de negligência da sua parte – se eram relevantes e essenciais à sua pretensão, foram muito poucos ou nenhuns os esforços para os produzir (o que poderá estar relacionado com o facto de se tratarem de documentos que demonstrariam factos que não foram alegados, tema que se abordará seguidamente). Como se decidiu, lapidarmente no ac. TRG de 24/09/2020 (Maria João Matos), citando o Ac. STJ de 19/12/2018 (Ferreira Pinto) “Exige-se, para o efeito, «que a parte demonstre que, apesar de ter empregue todos os esforços que estavam ao seu alcance para (…) obter» o documento agora novo, «mesmo assim, não o conseguiu»; e, fazendo-o, concluir-se-á «que se a parte agiu com a devida diligência, com a que lhe era exigível, na obtenção do documento, e não o tendo conseguido, não lhe pode ser imputada a sua não apresentação na ação em que foi proferida a decisão a rever».
Ou, e nas palavras do Ac. STJ de 15/02/2023 (Graça Amaral) “Não se verifica o requisito novidade do documento, na sua vertente subjectiva, se resultar evidenciado no processo que a parte só se dispôs a obtê-lo após o trânsito em julgado da decisão objecto de revisão.”
Em remate, quer em geral, quer em relação a cada um dos documentos, não está verificado o requisito da novidade em sentido subjetivo, dado que a parte não demonstrou – ou sequer alegou – ter empregue de toda a diligência na obtenção prévia dos documentos em causa, preexistentes e cuja localização era conhecida.
Não deixaremos, ainda assim, de analisar o requisito da suficiência.
Como já se referiu, o documento terá que, por si só, ter a virtualidade de alterar em favor do recorrente o sentido decisório do trânsito em julgado, isto é, terá que ser suficiente para proporcionar vencimento de causa ao vencido.
Como refere Rui Pinto[21] isto tem um significado múltiplo: “Em primeiro lugar, o objecto documentado há-de ser composto por factos que integrem a matéria de facto que foi oportunamente alegada em sede de causa de pedir ou de excepção. Não podem, por isso, ser factos alheios ao objecto processual julgado pelo juiz, mas também não podem (ser) factos subjectivamente ou objectivamente supervenientes, ainda que relativos ao litígio (…)”.
O que se prevê na alínea c), previne, citando o Ac. STJ de 19/09/2013 (Fernando Bento) “é a apresentação de um documento novo, não alegação de factos novos e respectiva comprovação documental.”
Trata-se de entendimento uniforme da jurisprudência[22] e da doutrina[23] no que tem sido denominado como “requisito de pré-alegação”, assim descrito no Ac. STJ de 22/06/2023 (Maria da Graça Trigo) “ a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a propugnar o entendimento, que se acolhe, de que o documento deve visar a demonstração ou a impugnação de factos alegados pelas partes ou adquiridos para o processo que tenham sido essenciais para a decisão de mérito colocada em crise, não podendo em caso algum visar a prova de factos novos – requisito da pré-alegação. Neste sentido, vejam-se os acórdãos de 24-05-2018 (proc. n.º 412/12.7TBBRG-C.S1), de 19-01-2017 (proc. n.º 39/16.4YFLSB) e de 19-09-2013 (proc. n.º 663/09.1TVLSB.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.
A impugnação ou a demonstração de factos pré-alegados deve, assim, impor uma alteração da decisão em crise, sendo de rejeitar o recurso sempre que da prova de um facto ou da sua exclusão não resulte uma decisão mais favorável ao recorrente.”
Ou seja, numa primeira aceção o documento novo junto tem que visar a demonstração de factos que haviam sido alegados na instância, não a prova de factos novos.
Estamos ante um apenso declarativo de processo de insolvência, visando a verificação e graduação de créditos sobre a insolvente pelo que o pedido e respetiva causa de pedir constam das respetivas reclamações de créditos.
Nos termos do disposto no artigo 128º do CIRE[24], no prazo fixado para o efeito na sentença que declara a insolvência, todos os credores da insolvência devem reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, que deve cumprir alguns requisitos de conteúdo e ser acompanhado de todos os documentos probatórios, dirigido ao Administrador da Insolvência e apresentado por transmissão eletrónica de dados, correio registado ou correio eletrónico – nºs 1, 2 e 3 do art. 128º do CIRE (na sua redação atual).
O nº5 do art. 128º do CIRE[25] estabelece que «A verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.»
Da conjugação destas regras com o disposto no art. 90º[26] resulta que a reclamação de créditos é um ónus do credor da insolvência, dado que “do seu exercício depende a satisfação do credor no processo de insolvência.”[27]
Ónus, na definição de Ana Prata[28] é o “comportamento necessário para o exercício de um direito ou realização de um interesse próprio.” Trata-se de uma figura distinta do dever dado que “o comportamento não é aqui obrigatoriamente imposto pela lei: está na disponibilidade da pessoa realizá-lo ou não, sabendo tão somente que a sua realização é condição necessária para o exercício de um seu direito, para a obtenção de uma vantagem, para a realização de um seu interesse ou para evitar uma desvantagem (que não é, em qualquer caso uma sanção).”
Catarina Serra[29] refere que “Parece existir aqui, na realidade, a alternativa entre condutas (reclamar ou não reclamar o crédito) que é caraterístico da figura do ónus; nenhuma das condutas é ilícita mas conduzem a resultados diferentes (um favorável e outro desfavorável ao credor). Em concreto, isto significa que, no caso de inércia do credor, fica precludida a possibilidade de reconhecimento judicial do crédito e este não chega a ser considerado para efeitos de pagamento, restando ao credor esperar para exercer o seu direito uma vez encerrado o processo e tornado in bonis o devedor.”
Também Alexandre Soveral Martins[30] alude às consequências da opção pela não reclamação de créditos referindo que “nem tudo está perdido”, dado que existem ainda duas possibilidades: o reconhecimento pelo Administrador da Insolvência nos termos do nº1 do art. 129º relativamente a créditos não reclamados e a ação de verificação posterior de créditos nos termos do art. 146º do CIRE.
Catarina Serra refere que a possibilidade de serem reconhecidos créditos sem terem sido reclamados não “preclude o entendimento da reclamação como um ónus do credor. De facto, só os créditos reclamados são necessariamente apreciados para efeito do processo de insolvência; os créditos não reclamados podem sê-lo ou não – se-lo-ão apenas na eventualidade de o administrador os conhecer.”[31]
Do regime legal resulta, assim, que o credor pode reclamar ou não reclamar os seus créditos, conformando-se, na hipótese de não os reclamar, com a possibilidade de não serem considerados no processo de insolvência e não poder, neste obter pagamento.
O âmbito do ónus que impende sobre o credor da insolvência abrange quer o pedido, quer a causa de pedir da reclamação de créditos. Ou seja, o credor reclama o crédito que entende deter, com a qualificação que pretende lhe seja atribuída, para tanto alegando os factos que lhe permitam, provados, obter os efeitos pretendidos, verificação de determinado crédito, com uma determinada qualificação e a final, de acordo com aqueles montante e classificação, rateio e pagamento de parte do produto da liquidação da massa insolvente.
Os dados relevantes são, assim, as reclamações de créditos apresentadas pelo requerente e credor nos autos de reclamação.
O credor e ora requerente de revisão escolheu invocar como causa de pedir para a sua reclamação de créditos o incumprimento definitivo de contrato promessa de compra e venda de vários imóveis e absolutamente nada mais. Aliás, era essa a causa de pedir que o habilitava a pedir, como pediu, um crédito correspondente ao dobro do sinal e gozando de direito de retenção.
Recorde-se o que se escreveu no aresto cuja revisão é ora pretendida:
“O que podemos verificar das reclamações de créditos apresentadas pelo credor, é o que resulta dos factos elencados sob as letras A a D dos factos aditados: - a reclamação nº 126 reporta-se aos créditos relativos ao sinal em dobro pelos contratos promessa dos lotes 51 e 23, sitos na Rua J – Quinta …, …, freguesia de …, datado de 12/05/2006; - a reclamação de créditos nº 125 reporta-se aos créditos relativos ao sinal em dobro pelos contratos promessa das frações B, Q e S do prédio urbano sito no Largo …, na …, celebrado em 17/11/2008. Ou seja, o credor não alude, em momento algum das suas alegações à reclamação de créditos que veio a ser listada sob o nº 125, pelo que o respetivo recurso se delimita à decisão tomada quanto à fração nº 126. E nem se diga que ao alegar que todos os pagamentos foram anteriores e apenas os contratos foram formalizados pelos contratos promessa se está a alegar que também quanto aos contratos de 17/11/2008 os pagamentos foram anteriores ao início da especial relação: o credor não reclamou a restituição dos pagamentos feitos ao longo do tempo, o credor reclamou o sinal em dobro devido por incumprimento de contratos promessa celebrados em determinada data. Além disso tal matéria pura e simplesmente nunca foi antes alegada, como resulta dos requerimentos de reclamação de créditos, de impugnação da lista e de resposta à impugnação que o credor apresentou nos autos.”
Foi apenas no recurso que deu origem ao acórdão cuja revisão ora se pretende que, pela primeira vez, são mencionados pagamentos ao longo do tempo e apenas quanto ao contrato promessa outorgado em 12/05/2016.
Vejamos agora os factos resultantes dos documentos ora juntos, na versão do requerimento de revisão (pontos 28 a 45 do referido requerimento):
- no ano de 2001 o recorrente celebrou com a insolvente um contrato de permuta[32] de dois prédios de que era proprietário, prometendo transmitir para esta os referidos dois prédios e esta a entregar-lhe duas vivendas construídas, definidas como as nºs 23 e 51;
- como a insolvente não conseguisse financiamento bancário solicitou ao recorrente a realização da escritura de compra e venda dos dois terrenos, declarando recebido o preço;
- foi elaborada uma conta corrente determinando o valor dos terrenos, as contribuições entregues pelo recorrente e este recebeu o excesso que havia pago; ficou estabelecido que a conta seria encerrada com a entrega das duas moradias;
- a insolvente pediu um empréstimo dando como garantia os terrenos em causa, cuja escritura de compra e venda se deu em outubro de 2002, declarando o recorrente o recebimento integral do preço;
- em maio de 2006 são celebrados o contrato promessa relativo às duas moradias com o recorrente e a generalidade dos demais contratos promessa com os cooperantes[33];
- em junho de 2006, porque a recorrente não construiu as moradias, é celebrado com o recorrente um novo acordo “em que a Insolvente reconhece a sua incapacidade para construir as 2 moradias, fazendo substituir as moradias por três frações autónomas da Urbanização …, na …, a saber: do bloco A, fração correspondente ao R/C Esq., a que atribuem o valor de € 99.719,68; do bloco C, fração correspondente ao R/C Dto., a que atribuem o valor de € 114.379,35; do bloco C, a fração correspondente ao 1.º andar direito, a que atribuem o valor de € 119.826,22”[34] “E da Urbanização do … (lote 4, loja n.º 2, com a área de 79,20), em relação à qual consideram já ter sido pago o valor de € 26.544,32.”[35]
- em 17 de novembro de 2008 foram celebrados entre a insolvente e o recorrente três contratos promessa, tendo por objeto as frações B, Q e S do prédio urbano sito no Largo …, na …[36];
- as escrituras de compra e venda não vieram a ser realizadas.
Da comparação entre os factos alegados na reclamação de créditos com os factos agora alegados como resultantes dos documentos resulta com clareza que se tratam, todos estes, de factos novos, que nunca foram alegados em qualquer momento enquanto o processo pendeu em primeira instância.
Pretende agora o recorrente que o crédito que reclamou é o crédito relativo ao contrato promessa de 2008, mas que a sua contraprestação tem origem em negócio celebrado antes de revestir a qualidade de membro da direção da cooperativa insolvente.
A opção a tomar era ao tempo da reclamação de créditos e não agora, depois de transitadas em julgado todas as decisões relativas ao crédito que reclamou. O aqui recorrente tinha, em 2011, duas opções: ou reclamava o seu crédito adveniente do contrato promessa de permuta de 2001, explicando todo o percurso, incluindo a declaração de recebimento do preço da escritura de 2002 e pedia que a insolvente apresentasse os documentos, se deles não dispunha; ou reclamava um crédito relativo ao contrato promessa de 2008, reclamação mais linear e cujas hipóteses de sucesso quanto ao reconhecimento do sinal em dobro eram bastante mais altas.
Tomou uma das opções e não pode ora desfazê-la mediante a alegação de todo um acervo de novos factos, que nunca foram considerados nem julgados ao longo de todo o processo que, enquanto tal, não são fundamento de recurso de revisão.
Num segundo sentido do requisito da suficiência, e continuando a seguir a lição de Rui Pinto[37], “o novo meio de prova há-de ser suficiente para alterar a decisão sem a necessidade de outros meios de prova para alterar a situação de facto emergente da sentença a rever.
Terá que se tratar de um documento que em si tenha tal força probatória que, por si só, altere a decisão a rever. Neste sentido, se pronunciou o STJ no acórdão de 02-06-2019 (proc. n.º 13262/14.7T8LSB-A.L1.S1), afirmando, a este propósito, que “o fundamento previsto na al. c) do art. 696.º do NCPC refere-se a um documento escrito dotado de força probatória plena que seja suficiente para, por si só (alheando-se assim da margem de apreciação do julgador – trata-se de um julgamento produzido pela lei, embora com reflexo na matéria de facto), destruir a prova em que se fundou a decisão.”.
No caso concreto o recorrente invoca uma conjugação de quatro documentos que alega serem subjetivamente novos e de dois documentos que não são novos, objetiva ou subjetivamente. Mais invoca factos que não resultam de qualquer dos documentos por si só – por exemplo, que não recebeu o preço declarado como recebido na escritura pública de 2002. Se já uma combinação de documentos novos (que, como vimos, na verdade não revestiam essa caraterística) é de duvidosa integração na alínea c) do art. 696º do CPC, a conjugação de documentos novos e não novos (na própria alegação do requerente da revisão) permite afastar a verificação da suficiência nesta vertente.
Finalmente, “o documento há-de ser relevante de modo essencial ou decisivo para a pretensão do vencido.”[38]
Neste ponto há dois aspetos a realçar.
Em primeiro lugar, sendo certo que o ora recorrente foi vencido no recurso que deu origem à decisão revidenda, não havendo dúvidas sobre a respetiva legitimidade para o presente recurso extraordinário de revisão, há que notar as circunstâncias especiais do recurso em causa, explicitadas no acórdão revidendo e transcritas pelo próprio recorrente no requerimento de revisão.
A alínea f) da decisão, única em causa neste recurso de revisão, julgou procedente um recurso interposto por LP, SARL pedindo seja a sentença recorrida substituída por outra que reconheça como subordinados todos os créditos reclamados nos autos pelo credor MLRS, e não apenas os identificados na lista de credores sob o n.º 126.
O credor havia reclamado dois créditos diversos, listados na relação do art. 129º como nºs 125 e 126.
O tribunal, delimitando o âmbito do recurso e também do recurso interposto pelo próprio recorrente concluiu que a decisão recorrida havia qualificado ambos os créditos reconhecidos ao credor MLRS como subordinados, que o credor MLRS apenas tinha recorrido da decisão proferida quanto ao crédito nº 126 e que o recurso de LP, SARL se continha no pedido de manutenção da decisão recorrida quanto ao crédito n°125, com expressa menção.
O que significa – e pensou-se ter ficado claro com a passagem transcrita pelo ora recorrente – que ninguém pediu, quanto ao crédito nº 125, aquele que foi objeto da decisão constante da alínea f) da decisão revidenda e que ora se pretende rever, que o crédito fosse qualificado como comum, privilegiado ou garantido. Ao julgar procedente o recurso o tribunal declarou expressamente ser o crédito subordinado (tendo fundamentado de mérito tal decisão), mas, se julgasse o recurso improcedente tal acarretaria que se mantinha a decisão recorrida quanto ao crédito nº 125 (quanto ao crédito 126 houve decisão expressa quanto a outro recurso) ou seja, o crédito era subordinado, havendo, porém, que, para atingir tal conclusão, interpretar os respetivos fundamentos.
Não nos parece que no âmbito do recurso que deu origem à decisão revidenda, face ao disposto no art. 635º nº5 do CPC, fosse possível que a decisão a rever pudesse ter “desqualificado” o crédito nº 125 por forma a permitir a discussão de se seria um crédito garantido por direito de retenção.
O que, tem na seguinte sede esta consequência: o recorrente pretende obter com o recurso de revisão um efeito jurídico que não poderia obter com a decisão revidenda, exclusivamente por inércia da sua parte – podia ter ele próprio recorrido do despacho saneador sentença, ciente de que havia reclamado dois créditos, ou lançado mão do disposto no art. 636º do CPC relativamente ao recurso interposto por LP[39].
O segundo aspeto, e que já referimos ad nauseam dado que os requisitos que vimos enunciando são cumulativos, deriva diretamente do facto de os documentos se reportarem a factos não previamente alegados: tendo o recorrente apenas alegado, porque assim o escolheu fazer, ter celebrado três contratos promessa em 17/11/2008 e o respetivo incumprimento definitivo, nenhum destes documentos altera qualquer dos factos dados como provados porque não se referem a nenhum deles. Nenhum destes documentos altera, de forma essencial ou decisiva o facto dado como provado de que foram celebrados contratos promessa de compra e venda em novembro de 2008, quando o recorrente era membro da direção da cooperativa.
A antiguidade do crédito, não define o negócio jurídico que o recorrente escolheu invocar como causa de pedir da sua reclamação de créditos nem altera essa causa de pedir.
Ou seja, o recorrente, provavelmente ciente que só por via dos contratos promessa de 2008 poderia continuar a pretender ter um crédito correspondente ao sinal em dobro e garantido por direito de retenção (e consequentemente discutir tal matéria) pretende, por via do recurso de revisão atingir dois objetivos inconciliáveis entre si: ter um crédito originado em contrato promessa celebrado em 2008, mas valorar, não o contrato promessa de 2008, mas antes a antiguidade da respetiva prestação, originada num negócio de 2001, concretizado em 2002.
Aqui chegados podemos concluir que não se verifica nenhum dos requisitos necessários à procedência do presente recurso de revisão, nos termos da alínea c) do art. 696º do CPC, dado que os factos alegados não preenchem os pressupostos da revisão: os documentos invocados não são dotados de novidade, objetiva ou subjetiva e não são suficientes para permitir a conclusão de que, previamente apresentados, levariam o tribunal a uma decisão diversa da atingida na decisão cuja revisão ora se pretende.
Resta referir que, face ao disposto no art. 699º nº1 do CPC, atingida a conclusão supra, o recurso extraordinário de revisão deve ser liminarmente indeferido, não cabendo prévio contraditório ou proferir qualquer tipo de convite ao aperfeiçoamento[40].
Não existindo, assim, fundamento para recurso de revisão, em obediência ao disposto no art. 699 nº1 do Código de Processo Civil, há que indeferir o mesmo, de imediato.
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3.2. Litigância de má-fé
Estabelece o art. 542º do CPC: «1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. 3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.»
Em sede geral, a litigância de má-fé é apreciada atendendo, não a atos processuais isolados mas "à integralidade do comportamento da parte. É da análise da totalidade da intervenção do sujeito processual que decorre a possibilidade de exercer censura sobre essa intervenção já que ela permitirá ao julgador formar uma imagem mais nítida daquela que pode ser a colocação de fins do sujeito processual."[41]
Outro aspeto relevante é o de que apenas os comportamentos processuais são passíveis de serem censurados por litigância de má fé - cfr. Ac. TRL de 15/02/07 (Manuela Gomes) e Paula Costa e Silva[42].
As condutas típicas geram responsabilidade, quer quando cometidas com dolo, quer com negligência grave, como elucida Paula Costa e Silva, em alargamento muito relevante introduzido pela reforma processual civil de 95/96[43].
O dolo revela-se numa "intencionalidade da parte, quer na dedução de pretensão ou oposição infundada, quer na alteração ou omissão de factos, quer na violação do dever de cooperação, quer, por fim, na utilização maliciosa ou abusiva do processo ou dos meios processuais com vista a conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça."[44]
A negligência grave "pressupõe que a parte tenha actuado sem um mínimo de cautelas.[45]
Resulta de todo o recurso de revisão, em especial de 10, 11, 12, 26 e 44 que o credor sabia, quando reclamou créditos neste processo de insolvência, que tinha celebrados dois contratos promessa de compra e venda em 12/05/06 e que em 05/06/2006 acordou substituir os bens prometidos vender por outros, relativamente aos quais celebrou novos contratos promessa, em 2008, quando já fazia parte da direção da cooperativa (e já pendia em tribunal o pedido de declaração de insolvência da mesma).
Alega agora o credor, para efeitos de recurso extraordinário de revisão, que sabia, desde 5 de junho de 2006, que os contratos promessa celebrados em 12 de maio de 2006, correspondentes a "execução" de um primeiro contrato promessa nunca alegado (o contrato inicial de promessa de permuta celebrado em 2001) que tinham por objeto as vivendas 51 e 23 da urbanização do …, foram "substituídos"[46] pela promessa de compra e venda de três frações autónomas e uma loja da urbanização da …, na ...
Provavelmente apercebendo-se da fraca consistência jurídica do acordo constante do doc. n°6, em 17/11/2008, dois meses depois de ter sido pedida em juízo a insolvência da cooperativa e quando o recorrente era membro da respetiva direção, celebra novo contrato promessa de compra e venda tendo por objeto aquelas três frações autónomas da urbanização da … (B, Q e S), sem qualquer menção ao contrato promessa de 12/05/2006 e à "substituição " acordada em 05/06/2006.
Em 2011, ciente do acordo de 05/06/2006, o credor opta por reclamar dois créditos distintos, baseados nos dois grupos de contratos promessa de compra e venda, pedindo, por cada um deles, sinal em dobro e o reconhecimento como garantido por direito de retenção, respetivamente sobre as vivendas nºs 51 e 23 e sobre as três frações autónomas da urbanização da ….
Para nós é bastante evidente que é esta a verdadeira razão para que estes documentos, nomeadamente o documento n°6, apenas tenham sido trazidos a juízo após o trânsito em julgado da sentença proferida em 1a instância.
Este documento, que o recorrente admite expressamente conhecer e cujo acordo admite ter celebrado, não lhe permitia reclamar qualquer crédito relativo ao contrato promessa de compra e venda de 12/05/06 (vivendas n°51 e 23), dado que o "sinal" passou a assumir essa função em relação à promessa de compra e venda de três frações (e uma loja), pelo que, no mínimo, dificilmente haveria detenção e direito de retenção por parte do recorrente relativamente às vivendas 51 e 23, dois imóveis que já não eram os que lhe tinham sido prometidos vender, porque substituídos.
É indiscutível que os contratos promessa de compra e venda de 2008 não contêm qualquer referência aos contratos promessa de 12/05/2006. Mas é também claro que tudo o que vem exposto agora, assumidamente, não permitiria que fossem reclamados, verificados e graduados dois créditos "somados" pelos contratos promessa de maio e pelos contratos promessa de junho de 2006.
Note-se que, independentemente da respetiva qualificação como garantidos, comuns ou subordinados, todos os créditos reclamados foram verificados.
Só depois de transitada em julgado a sentença que lhe reconheceu parcialmente um crédito garantido com base num dos contratos promessa de 12/05/2006 é que o recorrente junta estes documentos e alega estes factos que implicam a insubsistência dos contratos promessa de 12 de maio de 2006.
Aliás, não deixa de ser significativa a total ausência de explicação, nas alegações de recurso de revisão, para a opção tomada quanto à reclamação de créditos com base nos contratos de maio de 2006, que veio a ser julgada procedente em parte quanto à qualificação dos créditos como garantidos.
Resultam, quanto a nós do acervo de documentos e alegações produzidas, limpidamente as seguintes conclusões:
- Em 2011, quando apresentou duas reclamações de créditos distintas, o credor sabia que estava a reclamar créditos a que não tinha direito e, com ou sem documentos, omitiu factos relevantes para a decisão das reclamações de créditos que apresentou, preenchendo, assim, a previsão das alíneas a) e b) do n°2 do art. 542° do CPC;
- Em 2023, quando viu reconhecido, por sentença transitada em julgado[47] como parcialmente garantido um crédito a que sabia não ter direito, lança mão deste instrumento excecional, um recurso extraordinário de revisão, para tentar ainda discutir apenas o segundo crédito reclamado, já definitivamente reconhecido e qualificado como subordinado, o que corresponde a um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, preenchendo, assim, também a título doloso, a al. d) do n°2 do art. 542° do CPC.
Consequência da conceção da litigância de má fé como análise da integralidade do comportamento da parte é a de que pode este tribunal, na presente sede (e observado que foi o contraditório), oficiosamente conhecer da litigância de má fé que tenha sido cometida e não censurada no processado em 1ª instância.
Como se escreveu no Ac. STJ de 08/02/2022 (Luís Espírito Santo), que integralmente se subscreve:
"A condenação em litigância de má fé de qualquer das partes pode/deve ter lugar nos tribunais superiores ainda que nenhuma das partes entenda recorrer da decisão de 1ª instância que optou pela não condenação a este título.
Não faz assim sentido algum, do ponto de vista jurídico, invocar a pretensa formação de caso julgado nesta matéria.
Nos termos do artigo 542º do Código de Processo Civil, a apreciação da má fé de qualquer das partes pode/deve ter lugar oficiosamente, uma vez cumprido o indispensável contraditório, encontrando-se apenas a condenação em indemnização à parte contrária dependente do pedido do interessado com legitimidade para o efeito.
- A condenação em litigância de má fé é obviamente extensiva, nos mesmos moldes, a todos os tipos de processos, sem qualquer diferenciação ou ressalva, incluindo as providências cautelares, como acontece na situação sub judice."
Diríamos mesmo que o caso presente é exemplar, no sentido em que, apenas com a interposição do recurso de revisão foi possível alcançar a situação de litigância de má fé anterior, ou seja, a apresentação de reclamações de créditos pela forma como foram efetuadas.
Aqui chegados resta determinar o montante da multa a aplicar ao recorrente, nos termos do disposto no nº 1 do art. 542º do CPC e dos nºs 3 e 4 do art. 27º do RCP.
Porque se trata de uma condenação oficiosa, em procedimento que terminou por indeferimento liminar, não há lugar a indemnização à parte contrária, que sequer chegou a ter intervenção nos autos.
Estabelece-se naquele último preceito citado que, nos casos de condenação por litigância de má-fé a multa é fixada entre 2 e 100 UCs, devendo ser fixada pelo juiz tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
Pese embora observado o contraditório relativamente à possibilidade de condenação do recorrente como litigante de má-fé, este optou por nada alegar, quanto às suas condições económicas específicas, pelo que a decisão será tomada com respeito pelos demais critérios previstos por lei.
A conduta surpreendida – reclamação de crédito a que sabia não ter direito e revelação nos autos, para tentar obter um pagamento superior por via de outro crédito, de documentos que o demonstram apenas após trânsito em julgado da decisão que verificou e graduou aqueles primeiros créditos - não teve efeitos nefastos na tramitação do apenso de reclamação de créditos e, na presente sede, apenas originou a tramitação patente nos autos: – contraditório e decisão do coletivo.
A gravidade da conduta e o elevado grau de ilicitude patenteia-se na circunstância de que, em reclamação de créditos em insolvência, sendo, por definição, o produto da liquidação insuficiente para satisfazer todos os créditos de todos os credores, cada cêntimo que se logre verificar e graduar injustamente para um credor, corresponde a um cêntimo a menos para todos os demais e legítimos credores.
A insolvente era uma cooperativa de habitação e o recorrente foi mesmo membro da respetiva direção e cooperante por largos anos, pelo que estava subjetivamente ciente desta realidade e de que, ao agir como agiu prejudicava os demais cooperantes e todos os demais credores. Queremos com isto significar que não se tratava, para o recorrente, de uma realidade abstrata e distante. O recorrente conhece pessoalmente vários dos demais credores e conhecerá, dadas as funções que exerceu, a posição dos demais.
Alcançou, em parte, os seus intentos, ao lograr o reconhecimento parcial, como garantido sobre imóvel prometido vender posteriormente substituído, de um crédito originado por contrato promessa insubsistente.
Não temos notícia nestes autos que tenha sido requerida a correção do aparente lapso da sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos, quanto à menção da graduação como comum de crédito já considerado verificado por acórdão desta relação, transitado em julgado.
Mas uma vez que tal sentença transitou em julgado sem recurso, trata-se de questão que pode ser apreciada a qualquer momento, oficiosamente, nos termos do disposto no art. 614° n°3 do CPC, pelo que este tribunal irá transmitir os elementos necessários para que o tribunal de primeira instância, caso o entenda, valore os elementos dos autos e a posição assumida pelo aqui recorrente no contraditório exercido quanto à litigância de má-fé.
De resto, vistos os termos da transação, não sendo expressos, referem-se apenas a "um acordo com vista à resolução da impugnação dos créditos reclamados por MLRS", que não abrange os créditos cuja impugnação já não subsistia, por ter sido definitivamente decidida pelo despacho saneador sentença confirmado por acórdão desta Relação, que os havia classificado como subordinados.
Assim, nesta parte, não se surpreende na conduta do requerente qualquer indício de má fé, dado que, pese embora devesse, notificado da sentença, ter requerido a respetiva retificação, tal omissão está em condições de ser suprida como já se referiu.
Tudo visto e ponderado, atendendo a que o requerente agiu com dolo, preencheu, com a sua conduta, três das tipificações previstas no art. 542° nº 2 do CPC, logrou parcialmente os seus intentos e revelou uma especial indiferença para com o resultado das suas ações e para com o prejuízo que delas poderia resultar para os demais credores, entende-se adequado a aplicação de uma multa no valor correspondente a 30 UCs.
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O requerente do recurso de revisão, porque vencido, suportará integralmente as custas do presente recurso – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil.
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4. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em:
a) Indeferir o recurso de revisão interposto por MLRS da decisão proferida por este Tribunal da Relação em acórdão de 26/04/2022 que, julgando procedente a apelação interposta por LP, SARL, manteve a decisão recorrida na parte em que considerou de natureza subordinada os créditos no montante de € 666.751,72 reconhecidos a MLRS (n.º 125);
b) Condenar o recorrente MLRS como litigante de má-fé, na multa de 30 (trinta) UCs.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
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Remeta ao apenso I (reclamação de créditos), cópia do presente Acórdão, com menção de não trânsito, do requerimento de revisão e da peça processual apresentada pelo recorrente no exercício do contraditório quanto à litigância de má fé, esclarecendo que se visa proporcionar a análise de eventual retificação de lapso cometido na sentença de verificação e graduação de créditos quanto ao montante dos créditos do aqui recorrente reconhecidos como comuns, tendo em conta o acórdão desta Relação de 26 de abril de 2022, transitado em julgado[48].
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Lisboa, 5 de setembro de 2023
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
_______________________________________________________ [1] Factos já apurados nos autos e factos processuais, não contraditados por qualquer forma. [2] Data de outorga da procuração forense ao Ilustre Mandatário que subscreveu a reclamação de créditos. [3] Data de entrega nos autos pela então administradora da insolvência da relação prevista no art. 129º do CIRE da qual constavam já os dois créditos reclamados pelo ora requerente. [4] Data de outorga da procuração forense ao Ilustre Mandatário que subscreveu a reclamação de créditos. [5] Data de entrega nos autos pela então administradora da insolvência da relação prevista no art. 129º do CIRE da qual constavam já os dois créditos reclamados pelo ora requerente. [6] Em Código de Processo Civil Anotado, vol. VI (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, pg. 335. [7] Local citado na nota anterior, pg. 336. [8] Disponível em www.dgsi.pt. [9] Neste exato sentido cfr. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa em Manual de Processo Civil, II vol., AAFDL Editora, 2022, pg. 213, Ac. TRG de 11710/2018 (Margarida Sousa) e Ac. STJ de 19/10/2017 (Fernanda Isabel Pereira), disponível em www.dgsi.pt. [10] Cfr. neste sentido Ac. TRP de 28/03/2012, disponível in http://www.dgsi.pt/ e Ac. TRL de 18/12/2019, por nós relatado, disponível no mesmo local. [11] Disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem referência. [12] Local citado, pg. 354. [13] Cfr. nºs 18 a 27 do requerimento de revisão. [14] Cr. nº31 do requerimento de revisão. [15] Cfr. nº 39 do requerimento de revisão. [16] Alberto dos Reis em Código de Processo Civil anotado, vol. Vi, Coimbra Editora, 1985, pgs. 354 e 355. [17] Ac. TRL de 21/10/2021, já citado, bem como Ac. TRP de 08/06/2022 (Fátima Andrade) e TRP de 30/01/2017 (Nelson Fernandes). [18] O Acórdão revidendo, relativamente aos créditos do ora recorrente qualificados como subordinados, foi proferido em 26/04/2022 e confirmou decisão da 1ª instância de 21/10/2021. [19] A sentença foi proferida em 29/03/2023. [20] Local citado, pg. 354. [21] Em Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, pg. 405. [22] Entre outros, podemos citar os Acs. TRC de 20/01/2014 (Arlindo Oliveira), TRG de 10/10/2019 (Amílcar Andrade) e STJ de 22/06/2023 (Maria da Graça Trigo) e STJ de 15/02/2023 (Graça Amaral). [23] Ver também João Espírito Santo em Documento e Recurso Cível, 2ª edição, Almedina, 2011, pg. 81. [24] Código a que pertencem todos os artigos citados sem indicação de proveniência. [25] Correspondente ao nº3 do art. 128º do CIRE à data do decurso do prazo de reclamação de créditos. [26] No qual se estabelece que «Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.» [27] Catarina Serra em Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pg. 267. [28] Em Dicionário Jurídico, Vol. I, 5ª edição, 12ª reimpressão, Almedina, 2020, pg. 1009. [29] Local citado. [30] Em Um Curso de Direito da Insolvência, Vol. I, 3ª edição, Almedina 2021, pg. 372. [31] Local citado, pg. 268. [32] O acordo de 11/06/2001 reveste, mais precisamente, algumas caraterísticas de contrato promessa de permuta. [33] Trata-se de matéria resultante dos autos e que para facilidade de compreensão se intercala na matéria alegada pelo recorrente, que omitiu, no requerimento de revisão, este facto. [34] Nº 41 do requerimento de revisão. [35] Nº42 do requerimento de revisão. [36] Trata-se de matéria resultante dos autos e que para facilidade de compreensão se intercala na matéria alegada pelo recorrente, que omitiu, no requerimento de revisão, este facto. [37] Local citado, pg. 406. [38] Rui Pinto, local citado. [39] Embora não nos estejamos a pronunciar pela admissibilidade hipotética deste recurso subordinado (e não temos que o fazer), dada a especificidade da situação. [40] Neste sentido cfr. Ac. TRG de 24/09/2020 (Maria João Matos), STJ de 31/01/2023 (Luís Espírito Santo) e Castro Mendes e Teixeira de Sousa, local citado, pg. 249. [41] Paula Costa e Silva em Responsabilidade por conduta processual - Litigância de má fé e tipos especiais, Almedina, 2022, pg. 342. [42] Local citado, pg. 343. [43] Local citado, pgs. 262 e ss. [44] Novamente Paula Costa e Silva, local citado, pg. 344. [45] Também Paula Costa e Silva, local citado, pg. 345, citando os Acs. STJ de 06/12/01 (Afonso Melo) e TRL de 15/11/00 (Ferreira Marques), entre outros. [46] O termo consta do doc. n°6 ora junto com o requerimento de revisão. [47] Apesar da descoberta dos documentos se ter dado, na alegação do recorrente, em março, a revisão apenas vem a ser pedida em 04/05/2023. [48] Prevenindo a hipótese de tal retificação não ter sido já requerida pelo aqui recorrente.