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PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
FACTOS COMPLEMENTARES
FACTOS CONCRETIZADORES
FONTES DE REGULAÇÃO
PRINCÍPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL
RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE DISPONIBILIDADE
Sumário
I - No processo laboral continuar a reputar-se actuante o principio da justiça completa ou material. Verifica-se, pois, uma menor força do dispositivo (vg: desde logo, pela possibilidade da condenação “ultra petitum “ contemplada no artigo 74º do CPT, assim como por via de uma especialmente vigorosa procura da verdade material tal como bem se infere do disposto no artigo 72º do CPT). II – O artigo 5º do actual CPC regula: Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal 1 — Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2 — Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. 3 — O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Esta norma corresponde ao anterior artigo 264º de acordo com o qual: 1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções 2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514º e 665º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa. 3. Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.”. III - Da comparação das duas normas resulta que, no caso de ser o juiz que, por sua iniciativa, os pretende considerar, desapareceu a exigência de que a parte manifeste vontade de deles se aproveitar (a que se seguia, no anterior regime, o exercício do contraditório), apenas exigindo a lei actualmente que às partes seja dada a “possibilidade de se pronunciar”. IV - Factos complementares ou concretizadores são os que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, sendo nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção. V - O princípio do favor laboratoris constitui uma técnica de resolução de conflitos entre lei e convenção colectiva. VI - No domínio do Código do Trabalho de 2009, as normas legais reguladoras do contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário. (Pelo relator)
Texto Parcial
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FF, GGG, HHH, III, JJJ, LLL e MMM, intentaram [1]açcão, sob a forma comum, contra NNN.
Formularam o seguinte pedido:
“
a) Pagar ao trabalhador aqui A., AAA, a título de reposição do subsídio de disponibilidade nas remunerações correspondentes ao período de férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, desde 2007 até 2017 a quantia de €23.634,80.
b) Pagar ao trabalhador aqui A., BBB, a título de reposição do subsídio de disponibilidade nas remunerações correspondentes ao período de férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, desde 2007 até 2017 a quantia de €30.385,80.
c) Pagar ao trabalhador aqui A., CCC, a título de reposição do subsídio de disponibilidade nas remunerações correspondentes ao período de férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, desde 2007 até 2017 a quantia de €30.385,80.
d) Pagar ao trabalhador aqui A., DDD, a título de reposição do subsídio de disponibilidade nas remunerações correspondentes ao período de férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, desde 2007 até 2017 a quantia de €30.385,80.
e) Pagar ao trabalhador aqui A., EEE, a título de reposição do subsídio de disponibilidade nas remunerações correspondentes ao período de férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, desde 2007 até 2017 a quantia de €30.385,80.
f) Pagar ao trabalhador aqui A., FFF, a título de reposição do subsídio de disponibilidade nas remunerações correspondentes ao período de férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, desde 2007 até 2017 a quantia de €30.385,80.
g) Pagar ao trabalhador aqui A., GGG, a título de reposição do subsídio de disponibilidade nas remunerações correspondentes ao período de férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, desde 2007 até 2017 a quantia de €30.385,80.
h) Pagar ao trabalhador aqui A., HHH, a título de reposição do subsídio de disponibilidade nas remunerações correspondentes ao período de férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, desde 2007 até 2017 a quantia de €30.385,80.
i) Pagar ao trabalhador aqui A., III, a título de reposição do subsídio de disponibilidade nas remunerações correspondentes ao período de férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, desde 2007 até 2017 a quantia de €23.634,80.
j) Pagar ao trabalhador aqui A., JJJ, a título de reposição do subsídio de disponibilidade nas remunerações correspondentes ao período de férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, desde 2007 até 2017 a quantia de €30.385,80.
k) Pagar ao trabalhador aqui A., LLL, a título de reposição do subsídio de disponibilidade nas remunerações correspondentes ao período de férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, desde 2007 até 2017 a quantia de €23.634,80.
l) Pagar ao trabalhador aqui A., MMM, a título de reposição do subsídio de disponibilidade nas remunerações correspondentes ao período de férias, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, desde 2007 até 2017 a quantia de €30.385,80.
a) Pagar juros de mora calculados à taxa legal, desde a data de vencimento das prestações até ao efectivo e integral pagamento.” – fim de transcrição.
Alegam[2], em síntese, que foram admitidos ao serviço da R. para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer funções inerentes à categoria profissional mestre de tráfego local, maquinista pratico e marinheiro de tráfego local.
Iniciaram funções nas datas que identificam.
Alegam o valor de remuneração que receberam ao longo dos anos, desde essas datas.
Desde então a R. de forma regular e periódica anualmente paga-lhes onze prestações sob o nome de subsídio de disponibilidade.
Tal valor que não é reflectido no pagamento das férias e nos subsídios de férias e de natal.
Assim, solicitam , nos supra mencionados moldes , a condenação da Ré a pagar-lhes, a título de diferenças retributivas entre os valores auferidos que identificam a título de retribuições de férias, subsídio de férias e de Natal e os valores que receberam a título de subsídio de disponibilidade, no valor total de €344.376,6, equivalente à média da retribuição mensal recebida, desde 2007 até 2018, sendo tais quantias acrescidas de juros de mora desde a data do seu vencimento até integral pagamento.
Realizou-se audiência de partes.
A Ré contestou.
Alega, em resumo, que nos anos de 2016 e 2017 pagou o dito subsídio 12 meses por ano como acto de boa vontade face ao processo negocial do novo Acordo de Empresa então a ser negociado.
Esse Acordo prevê expressamente esse pagamento para quem adira ao novo regime que implementaram, mas mantém o seu não pagamento para quem não o escolha.
Nega o cariz retributivo da supra mencionada prestação.
Pugna pelo facto de o Acordo de Empresa até 2017 expressamente excluir esse cariz retributivo .
Assim, entende que o mesmo não é devido aos trabalhadores em apreço.
Concluiu pela improcedência da ação.
Fixou-se o valor da acção em €344.376,60. Saneou-se o processo e dispensou-se a fixação de base instrutória.
Na audiência de julgamento realizada em 3 de Outubro de 2019, obteve-se acordo parcial sobre a matéria de facto.
Veio a produzir-se prova sobre os restantes factos, em sessão de julgamento realizada em 18 de Outubro de 2019, que foi gravada. Em 24 de Outubro de 2019[3], foi proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto julgo a presente ação totalmente improcedente e em consequência absolvo a R. do pedido.
Custas a cargo dos A.A.
Registe e notifique.” – fim de transcrição.
As notificações da sentença foram expedidas em 25 de Outubro de 2019.[4] Em 27 de Novembro de 2019, os Autores recorreram. Concluiram:
(…). A Ré contra alegou. Concluiu que:
(…).
Em 5 de Fevereiro de 2020, o recurso foi admitido.[5]
Em 19 de Abril de 2019, a Exma. Procuradora Geral Adjunta lavrou douto Parecer nos seguintes moldes:
“
Por decisão datada de 24-10-2019, foi declarada improcedente a acção interposta pelos A. contra NNN., na qual era pedida a condenação desta ao pagamento de diferenças retributivas entre os valores que identificam a título de retribuições de férias, subsídio de férias e subsídio de natal e os valores efectivamente recebidos, no que se refere ao subsídio de disponibilidade. Sustentaram para tanto e em síntese que tal subsídio faz parte integrante da retribuição mensal auferida como contrapartida do trabalho prestado para a NNN, no âmbito da relação laboral existente entre as partes.
Como fundamento do indeferimento foi apontado, fundamentalmente, que o subsídio de disponibilidade pago ao longo de aproximadamente dez anos aos A. onze meses por ano, apesar das suas periodicidade e regularidade, não reveste a natureza retributiva já que não se configura como contrapartida do trabalho prestado.
Inconformados, recorreram os A., alegando em conclusão e em síntese – além do que respeita à alteração da matéria de facto considerada provada – que a disponibilidade pela qual é pago o subsídio implica a realização de tarefas efectivas, quer porque pressupõe a permanência dos mesmos nas embarcações, quer porque, segundo o AE, o respectivo pagamento apenas ser devido em caso de prestação de trabalho efectivo, o que assegura ter sido realizada, atento o pagamento regular e periódico do mesmo, acima aludido.
Respondeu a NNN, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
(…)
Nada obsta ao conhecimento. Eis a matéria de facto dada como assente (que foi impugnada):
a) Os AA prestaram e prestam as suas atividades sob a autoridade, direção e fiscalização da aqui Ré, NNN e, mediante retribuição, desempenharam e desempenham as funções correspondentes e no âmbito das respetivas categorias profissionais, a saber: AAA, Marinheiro do Tráfego Local. BBB, Mestre do tráfego Local. CCC, Maquinista Prático. DDD, Mestre do tráfego Local. EEE, Mestre do tráfego Local. FFF, Maquinista Prático. GGG, Mestre de Tráfego Local. HHH, Mestre de Tráfego Local. III, Marinheiro do Tráfego Local. JJJ, Maquinista Prático. LLL, Marinheiro do Tráfego local. MMM, Mestre do Tráfego Local;
b) O objeto social da R. é a “prestação de serviços de reboque, no mar e em porto, bem como busca e salvamento marítimo, serviços marítimos diversos no mar e em porto remoção de destroços, combate a incêndios, prevenção e combate à poluição no mar e em porto, assistência em manobras, incluindo amarração e desamarração, assistência em ancoradouro a qualquer tipo de navio ou embarcação, transporte de pessoas e bens”;
c) A R. exerce a sua atividade durante todos os dias do ano e de forma ininterrupta;
d) Os trabalhadores supra identificados, aqui A., exerceram e exercem a atividade profissional acima mencionada a bordo dos navios detidos e explorados pela Ré, junto dos portos marítimos de Sines, Setúbal e Lisboa, em regime de turnos;
e) Todos trabalhadores aqui A. prestaram as suas atividades sob a autoridade e direção da aqui Ré no período que aqui interessa consignar, de 2007 a 2018;
f) Isto porque todos os aqui A. supra mencionados estão abrangidos pelo regime de disponibilidade, desde, pelo menos, o ano de 2007;
g) Pelo referido regime de disponibilidade, todos trabalhadores aqui A. têm a obrigação de permanecer em locais conhecidos e de contacto fácil e rápido por parte dos serviços da Ré, apesar de não estarem em prestação efetiva de trabalho, para que, dessa forma, possam comparecer no local de trabalho assim que forem chamados para o efeito;
h) Ao estarem abrangidos naquele regime de disponibilidade todos os trabalhadores aqui A. ficaram com o assegurado direito a um subsídio de disponibilidade, que é pago juntamente com a seu vencimento onze meses por ano, excepto nos anos de 2016 e 2017 em que foi pago doze meses por ano, subsídio, esse, que ascendeu, desde ao ano de 2008, aos valores abaixo discriminados:
a) Mestre de Tráfego Local: €954,00
Maquinista Prático: €954,00
Marinheiro de Tráfego Local: €742,00
(Isto a partir de 1 de Janeiro de 2008 –
b) Mestre de Tráfego Local: €973,10
Maquinista Prático: €973,10
Marinheiro de Tráfego Local: €756,80
(Isto a partir de 1 de Janeiro de 2009
Mestre de Tráfego Local: €982,80
Maquinista Prático: €982,80
Marinheiro de Tráfego Local: €764,40
(Isto a partir de 1 de Janeiro de 2010
d) Mestre de Tráfego Local: €1.012,50
Maquinista Prático: €1.012,50
Marinheiro de Tráfego Local: €787,40
(Isto a partir de 1 de Janeiro de 2013
i) Os trabalhadores aqui A. estão abrangidos pelo mencionado regime de disponibilidade, de forma permanente e sem quaisquer interrupções, desde 2007 até à presente data;
j) Os AA., trabalhadores da Ré, auferem todos os meses um vencimento base, diuturnidades e onze meses por ano um subsídio de disponibilidade, exceto nos anos de 2016 e 2017, e ainda outros valores que variam com o modo de prestação de trabalho e as respetivas categorias profissionais;
k) Desde 2007, os trabalhadores, aqui A., receberam as prestações patrimoniais mensais descritas nos respectivos recibos de vencimento e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
l) Além daquelas remunerações, os aqui A. receberam ainda remunerações anuais correspondentes às remunerações do período de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal;
m) Aliás, o subsídio de disponibilidade foi pago nos 12 meses imediatamente anteriores ao último momento do tempo de trabalho prestado por cada um dos trabalhadores aqui A.A.;
n) Todavia, a Ré, nos pagamentos que fez aos trabalhadores, a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, não lhes pagou, desde o ano de 2007, o valor correspondente ao supra mencionado subsídio de disponibilidade, excepto nos anos de 2016 e 2017 em que a R. pagou o dito subsidio de disponibilidade doze meses;
o) O pagamento do subsídio de disponibilidade nos anos de 2016 e 2017 correspondeu a uma manifestação de boa vontade da R. para alcançar um consenso negocial com o A. no âmbito de negociação do acordo de empresa que entrou em vigor em 2018.
Mais se consignou a título de Factos Não Provados:
“
De relevo para a decisão a causa nenhum facto ficou por provar.” – fim de transcrição.
Em sede de Motivação exarou-se o seguinte:
“
(…)
É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do Novo CPC [6] ex vi do artigo 87º do CPT aplicável[7])[8].
In casu, mostra-se interposto um único recurso pelos Autores.
No recurso suscitam-se duas questões. A primeira questão tem a ver com a impugnação de facto.
Segundo os recorrentes em sede alegatória:
(…)
Pelo que se concluí que o tribunal a quo deveria ter, por imposição do sobredito poder-dever, considerado na decisão, um item de facto com teor semelhante ao que se propõe: Os trabalhadores no regime de prestação de trabalho de 7 dias on, 7 dias off, nos sete dias seguidos que prestavam trabalho recebiam o subsídio de disponibilidade, pago juntamente com a remuneração mensal e durante os sete dias on permaneciam, efectivamente, a bordo da embarcação.
Temos, pois, que o que os recorrentes pretendem que se consigne como provado um facto p) com a seguinte redacção: p) Os trabalhadores no regime de prestação de trabalho de 7 dias on, 7 dias off, nos sete dias seguidos que prestavam trabalho recebiam o subsídio de disponibilidade, pago juntamente com a remuneração mensal e durante os sete dias on permaneciam, efectivamente, a bordo da embarcação.
A recorrida, por sua vez, em abono da tese que sustenta nesse particular, entende sumariamente:
A - 8. Para facilidade expositiva, recorde-se infra uma vez mais o “item” que os Recorrentes sustentam dever ter sido considerado pelo Tribunal a quo:
“Os trabalhadores no regime de prestação de trabalho 7 dias on, 7 dias off, nos sete dias seguidos que prestavam trabalho recebiam o subsídio de disponibilidade, pago juntamente com a remuneração mensal e durante os sete dias on permaneciam, efectivamente, a bordo da embarcação”
Ora,
9. O referido “item” encontra-se em manifesta contradição com o facto constante do art.º 6.º da Petição Inicial e que infra se transcreve: “Pelo referido regime de disponibilidade, todos trabalhadores aqui A. têm a obrigação de permanecer em locais conhecidos e de contacto fácil e rápido por parte dos serviços da Ré, apesar de não estarem em prestação efectiva de trabalho, para que, dessa forma, possam comparecer no local de trabalho assim que forem chamados para o efeito.” [sublinhado nosso]
10. O supra referido facto articulado na Petição Inicial foi expressamente aceite pela Recorrida, conforme art.º 15.º da Contestação.
11. O facto em questão foi, ainda, reconfirmado pelos próprios Recorrentes, quando o deram por assente, mediante acordo entre as partes alcançado já em sede de audiência de julgamento, realizada em 03-10-2019, previamente à produção de prova testemunhal, conforme facto assente número 6. da Ata de audiência de julgamento do mesmo dia.
Por fim, (…)
16.A admitir-se a inclusão do “item” pretendido pelos Recorrentes, tal redundaria na completa negação do que foi por si alegado enquanto causa de pedir, expressamente aceite e definitivamente dado por assente.
Nessa medida,
17. O “item” que os Recorrentes pretendem ver aditado ao acervo factual não constitui um mero esclarecimento, desenvolvimento ou concretização de factos já articulados em sede de Petição Inicial, mas sim toda uma nova tese factual, nunca alegada, e incompatível com essa mesma Petição, ou seja, com a causa de pedir que os Recorrentes selecionaram para construir o seu pedido.
Ora,
18. Nos termos do disposto no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, a livre apreciação não abrange os factos que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes [sublinhado nosso].
19. A admitir-se, em tese e por mero dever de prudente patrocínio, a potencial adição do “item” pretendido pelos Recorrentes, e sendo tal “item” contrário, oposto e totalmente incompatível com a matéria factual acordada entre ambas as partes, seria frontalmente violado o disposto no art.º 607.º, n.º 5, do CPC.
Termos em que,
20. Andou bem o Tribunal a quo, estando aliás vedada ao Tribunal ad quem a possibilidade de se substituir àquele no julgamento de matéria de facto que, ab initio, sempre estaria excluída da margem de livre apreciação judicial desse mesmo Tribunal a quo, porque acordada entre as partes.
B) Os Autores incumpriram nesse particular o seu ónus de alegação.
C) Verifica-se neste ponto incumprimento do ónus de impugnação.
D) Da (ausência) de prova.
E) Da violação do princípio do contraditório.
Saliente-se, antes de mais, que os recorrentes admitem “ab initio” que não alegaram tal matéria na petição inicial, sendo, desde logo, evidente, até por isso mesmo, que tal facto ou a matéria sobre o qual ele versa não podia, por motivos evidentes, constar dos temas de prova.
Em relação à inobservância do ónus imposto pelo disposto no artigo 640º do NCPC diremos que segundo tal preceito:
(Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto)
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Analisadas as alegações e conclusões do recurso constata-se que os recorrentes referem a matéria que não foi dada como assente e que, embora não articulada, pretendem que o seja.
E refira-se que referem diversos argumentos para sustentar a posição que sustentam nesse particular , sendo que aludem a depoimento de testemunha ( sendo por demais evidente que neste particular a conversa entre a Exma. Magistrada que presidiu ao julgamento e o ou os Exmºs mandatários, nunca poderia servir como meio de prova , senso que , salvo melhor opinião , nenhum deles é testemunha ….) que , a seu ver , impunha decisão diversa sobre tal matéria.
Assim, nesse ponto cumpre considerar observado por parte dos recorrentes o ónus imposto pelo artigo 640º, nºs 1, al. b) e 2, al. a) do Código de Processo Civil [9] . Questão diversa é a de saber se o invocado artigo 72º do CPT logra aplicação na situação em exame (tal como pretendido pelos recorrentes)? Segundo essa norma (na redacção em vigor à data da realização do julgamento - em 18 de Outubro de 2019 – vide fls. 346 a 349 ):[10]
Discussão e julgamento da matéria de facto
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
3 - Abertos os debates, é dada a palavra, por uma só vez e por tempo não excedente a uma hora, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para fazerem as suas alegações, tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito.
4 - (Revogado.)
5 - (Revogado.)
6 - O tribunal pode, em qualquer altura, antes dos debates, durante eles ou depois de findos, ouvir o técnico designado nos termos do artigo 601.º do Código de Processo Civil.
Essa norma continua a consagrar um poder – dever do juiz que preside ao julgamento; isto é uma “incumbência” do tribunal[11] por forma a que o seu não exercício quando requerido pelo litigante faculta à parte requerente a possibilidade de recorrer do despacho que o indeferiu.
Todavia, a nosso ver, a respectiva inobservância também admite reclamação.
Segundo o artigo 195.º do NCPC:
Regras gerais sobre a nulidade dos atos
1 — Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 — Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 — Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
Assim, a agora implicitamente invocada (pelos recorrentes) inobservância do nº 1 do artigo 72º do CPT[12] sempre é passível de consubstanciar uma nulidade processual de cariz secundário.
Nesse particular esgrimir-se-á, desde logo, que as nulidades do processo têm que ser arguidas em reclamação autónoma e não em sede de interposição de recurso.
Nas palavras de Manuel de Andrade “basta um simples requerimento a que se dá o nome de reclamação (artigo 202º, 2ª parte), sobre ela estatuindo desde logo o tribunal, sem necessidade de ser ouvida a parte contrária quando a reclamação seja indeferida (…).
Mas se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo”. [13]
Esgrimir-se-á ainda com o ensinamento do Prof. José Alberto dos Reis segundo o qual dos despachos recorre-se e contra as nulidades reclama-se. [14] Assim, dir-se-á que a omissão em apreço sempre devia ter sido arguida em requerimento autónomo, sendo que na hipótese do seu indeferimento caberia então recurso dessa decisão.
Todavia, tal como acima se salientou, de acordo com o Professor Manuel de Andrade, quando a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, o meio adequado para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso.
Foi o que os Autores fizeram.
Questão bem diversa tem a ver com a tempestividade da respectiva arguição. A invocada nulidade processual secundária – por inobservância e omissão – diz respeito a matéria de facto não articulada pelas partes, sendo que, no caso concreto, não foi fixada base instrutória nem temas de prova.
Consequentemente quer em sede de conhecimento como nulidade processual secundária (parte final do nº 1º do artigo 72º:
- ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão) quer como erro de julgamento em sede factual os recorrentes só podiam tomar conhecimento da omissão de formalidade ou do erro de julgamento com a sentença.
Relembre-se que a sentença foi proferida em 28 de Outubro de 2019.
O recurso veio a ser interposto em 27 de Novembro de 2019.
Verifica-se, pois, tempestividade neste particular em qualquer das situações.
Contudo, neste ponto cumpre, sem mais, indeferir o requerido.
É que os Autores no artigo 6º da petição inicial (vide fls. 10) articularam:
“Pelo referido regime de disponibilidade, todos trabalhadores aqui A. têm a obrigação de permanecer em locais conhecidos e de contacto fácil e rápido por parte dos serviços da Ré, apesar de não estarem em prestação efectiva de trabalho, para que, dessa forma, possam comparecer no local de trabalho assim que forem chamados para o efeito.” (Documento nº 1º ora junto, Acordo de Empresa, sua clª 22ª).
Por outro lado, as partes na audiência realizada em 3 de Outubro de 2019 (vide fls. 337 a 339 – II Volume) deram como assente por acordo o articulado nesse artigo da petição inicial, sendo que a alínea g) da matéria de facto constante da sentença recorrida (fls. 351 in fine e 351 v) reflecte isso mesmo.
Os recorrentes pretendem que se dê como assente que: Os trabalhadores no regime de prestação de trabalho de 7 dias on, 7 dias off, nos sete dias seguidos que prestavam trabalho recebiam o subsídio de disponibilidade, pago juntamente com a remuneração mensal e durante os sete dias on permaneciam, efectivamente, a bordo da embarcação.
Segundo a Cláusula 24ª do Acordo de empresa entre a NNN e o Sindicato da Marinha Mercante, Indústrias e Energia - SITEMAQ - Revisão global – publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 36, 29/9/2018:
Cláusula 24.ª
Subsídio de disponibilidade
1- O trabalhador tem direito a receber um subsídio mensal no seguinte montante, a título de compensação pela disponibilidade:
a) Mestre - 1113,75€;
b) Maquinista - 1113,75€;
c) Marinheiro - 866,14€.
2- O subsídio de disponibilidade é pago juntamente com a retribuição base mensal.
A clª 18ª estabelece:
Cláusula 18.ª Regime de disponibilidade
1- Os trabalhadores integrados nas funções profissionais abrangidas pelo presente acordo ficam sujeitos ao regime de turnos e disponibilidade previsto no número 2 da cláusula 15.ª
2- O regime de disponibilidade é retribuído nos termos previsto na cláusula 24.ª (Subsídio de disponibilidade).
3- A prestação de trabalho nos períodos de descanso no regime de disponibilidade, é paga como trabalho suplementar e dá ainda direito ao pagamento das folgas não gozadas ou interrompidas.
Por sua vez, a clª 15ª regula:
Cláusula 15.ª Sistema de turnos 1- Os trabalhadores integrados nas categorias profissionais abrangidas pelo presente acordo exercerão funções em sistema de turnos e disponibilidade, nos termos e condições previstos na presente cláusula. 2- O sistema de turnos compreende um ciclo de prestação de trabalho normal durante sete dias consecutivos a bordo, imediatamente seguido de um ciclo de descanso durante sete dias consecutivos.
3- Aos trabalhadores referidos no número 2 da cláusula 1.ª, aplica-se o regime transitório previsto na cláusula 56.ª, se e enquanto for essa a sua opção.
4- Excecional e transitoriamente, as admissões a partir de 1 de janeiro de 2012, podem integrar o sistema de turnos compreendendo um ciclo de prestação de trabalho normal durante quatro dias consecutivos, imediatamente seguido de um ciclo de descanso semanal durante um período de quatro dias consecutivos, quando afetos à operação do porto de Lisboa.
5- É possível a passagem do regime do porto de Lisboa ao regime de sete dias, desde que os trabalhadores o solicitem, seja possível constituir pelo menos duas equipas e a empresa o autorize.
6- Os ciclos de descanso semanal de sete dias já integram os dias de descanso semanal obrigatório e complementar previstos na lei.
7- Incumbe à NNN a definição dos turnos e escalas de rotação de trabalhadores, ouvidos os trabalhadores abrangidos.
8- A escala de turnos anual deve ser afixada no local de trabalho no início de cada ano, com uma antecedência mínima de 7 (sete) dias relativamente ao início da sua aplicação, salvo nos casos previstos no número seguinte.
9- A NNN poderá alterar a escala de turnos em vigor para substituição de trabalhadores ausentes, independentemente do motivo para a sua ausência, caso em que o exercício de funções em turno distinto daquele para o qual o trabalhador substituto foi inicialmente escalado deverá ser comunicado a este último assim que possível.
10- O trabalhador substituto poderá exercer funções até um máximo de sete dias consecutivos, após o qual deverá ser substituído por outro trabalhador.
De salientar que estas clªs correspondem ao anteriormente regulado nas clªs 22ª, 22ª – A e 32ª do Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 13, de 8 de abril de 2013.[15]
Segundo esse AE:
Cláusula 22.ª
Regime de disponibilidade (Porto de Lisboa)
1- A empresa poderá, quando as exigências operacionais o justificarem, estabelecer o regime de disponibilidade, conforme escala acordada entre os trabalhadores e a empresa e revista anualmente (que consta como anexo II) e que deverá ser afixada nos locais de trabalho.
2- O regime de disponibilidade é aquele em que os trabalhadores, não estando em prestação efetiva de trabalho, ficam obrigados a permanecer em locais conhecidos e de rápido e fácil contacto por parte dos serviços, por forma a possibilitar a sua comparência no local de trabalho quando forem chamados.
3- A chamada deve, sempre que possível, ser feita com uma antecedência mínima de seis horas.
4- Os trabalhadores não poderão recusar-se a ser integrados no regime de disponibilidade de trabalho, sem prejuízo de poderem ser dispensados dessa integração quando, invocando motivos atendíveis, expressamente o solicitem.
5- Os horários de trabalho e os respectivos turnos serão os constantes na escala apresentada como Anexo II.
6- Nos turnos de 24 horas, dois rebocadores serão ocupados por duas tripulações que deverão permanecer a bordo por um período de 24 horas, com início às 8 horas e fim às 8 horas do dia seguinte.
7- Em cada um dos dias da semana (excluindo sábados, domingos e feriados) outros dois rebocadores serão ocupados por tripulações que cumprirão um horário de oito horas, das 8 horas às 16 horas, este horário não ficará limitado às oito horas, mas deve ser inferior a vinte e quatro horas aplicáveis.
8- As tripulações do número anterior não terão direito a qualquer compensação e/ou pagamento de horas extraordinárias estando o pagamento do trabalho para além das 16 horas garantido pelo pagamento do subsídio de disponibilidade.
9- A escala de serviço prevê ainda tripulações em “standby” para cumprimento de trabalho extraordinário, que será pago como horas extraordinárias, caso sejam necessários mais de 4 rebocadores ou tripulantes.
10- Sábados, domingos e feriados oficiais portugueses constituirão dias de descanso para as tripulações em turnos de oito horas, no entanto, estas tripulações (de acordo com a escala) estarão disponíveis para trabalhar em regime de horas extraordinárias, sempre que tal seja necessário durante esses dias.
11- Será aplicável um período de descanso de seis horas a bordo, nos turnos de vinte e quatro horas, que poderão ter de ser interrompidas em caso de emergência, que requeira atuação urgente, e que deverão ser retomadas após terminado o trabalho. 12- No caso de não estar completa uma equipa de tripulantes, por quaisquer motivos, tais como doença ou ausência por viagem fora de barra, serão chamados os tripulantes pela ordem sucessiva, conforme a escala do anexo II, até ao limite de 8 dias.
13- No caso dos trabalhadores das tripulações em “standby” (5.ª e 6.ª tripulações da escala constante como Anexo II) que estiverem no período de folga, serem convocados para vir efetuar uma manobra, se vierem a ser dispensados em virtude do cancelamento ou alteração do serviço, o empregador pagará o equivalente a 2 horas de trabalho suplementar, excepto se a anulação ou o cancelamento for efectuado com 2 horas de antecedência.
Cláusula 22.ª - A Regime de disponibilidade (Porto de Sines)
1- Os horários de trabalho e os respectivos turnos serão os constantes na escala apresentada como Anexo III.
2- Será aplicável um período de descanso de seis horas a bordo, nos turnos de vinte e quatro horas, que poderão ter de ser interrompidas em caso de emergência, que requeira atuação urgente, e que deverão ser retomadas após terminado o trabalho.
De acordo com a Cláusula 32.ª
Subsídio de disponibilidade
1- Os subsídios mensais relativos aos períodos de trabalho contínuo, ficam definidos da seguinte forma:
a) Mestre Tráfego Local - 1.012,50 EUR
b) Maquinista Prático - 1.012,50 EUR
c) Marinheiro Tráfego Local - 787,40 EUR
2- As quantias apresentadas no número anterior, aplicam-se apenas em caso de trabalho efetivo.
3- O subsídio de disponibilidade será pago juntamente com o salário mensal.
Assim, independentemente da possibilidade de neste momento a Relação aqui lançar mão da invocada norma (nº 1º do artigo 72º do CPT[16]) para dar como provada a solicitada factualidade , bem como do facto de a mesma , que não foi articulada em 1ª instância, ter sido ou não alvo de discussão em 1ª instância , sendo certo que nem sequer se vislumbrou necessidade de ouvir o julgamento (que foi gravado) para aportar a tal conclusão, cumpre considerar que no fundo estamos perante matéria de direito decorrente do actual AE.
Tanto basta, para sem necessidade de outras considerações, indeferir o solicitado quer quando encarado à luz de nulidade processual secundária quer como invocação de erro de julgamento em sede de matéria de facto.
Tal conclusão implica que, desde logo, fica prejudicada a apreciação dos argumentos invocados pela recorrida atinentes:
- à violação do disposto no nº 5 do art.º 607.º do CPC;
- incumprimento do ónus de alegação por banda dos Autores;
- ausência de prova;
- violação do princípio do contraditório. Vai, pois, julgada improcedente a primeira vertente do recurso, mantendo-se, assim, inalterada a matéria de facto provada.
A segunda questão a dirimir no presente recurso consiste em saber se o valor auferido pelos A.A. como subsídio de disponibilidade deve ser encarado como retribuição e como tal deve ser incluído no cálculo das férias, subsídios de férias e de natal.
Sobre este assunto a sentença discrete ou nos seguintes moldes:
“
A questão em apreço nos presentes autos reside em apreciar se o dito subsídio de disponibilidade pago aos AA tem cariz retributivo e como tal deve ser refletido nos subsídios de férias, natal e subsidio de férias.
2. De Direito
Facto inegável nos presentes autos é, desde logo, a natureza da relação contratual entre as partes. Estes desempenharam desde a data da sua contratação as funções inerentes à sua categoria (desde marinheiro de tráfego local, a mestre de tráfego local e maquinista prático), sempre no interesse da R, sob as ordens, direcção e fiscalização desta e mediante retribuição, tudo nos termos do art.º
Ora, sabido que nessa qualidade têm direito ao pagamento de férias, subsídios de férias e de natal.
A questão em apreço passa por analisar que rendimentos auferidos devem integrar e relevar para o seu cálculo, sendo certo que foram pagas tais quantias apenas com base na remuneração base e diuturnidades, mas não quanto ao subsídio de disponibilidade paga pela R. onze meses por ano e em dois anos (2016 e 2017) pagas 12 meses por ano.
E é esta questão que cumpre apreciar, a de saber se o dito subsídio tem de ser pago nos termos requeridos.
***
Da integração das quantias peticionadas pelos associados da A. nos subsídios de férias, natal e na retribuição paga em férias
Em causa estão remunerações datadas de 2007 até 2017.
Assim, às retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal vencidos a partir de 1999 há a ponderar o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, o anterior regime jurídico das férias, feriados e faltas, contido no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações do Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, e da Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, e a Lei do subsídio de Natal (Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho) e o código de trabalho.
O Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro, que revogou todos os diplomas que, de algum modo, contemplavam as relações colectivas de trabalho, consignou que os instrumentos de regulamentação colectiva não podiam contrariar normas legais imperativas nem incluir qualquer disposição que importasse para os trabalhadores tratamento menos favorável que o legalmente estabelecido [artigo 4.º, alíneas b) e c)], sendo que tal diploma foi substituído pelo Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro (LRCT), que acolheu, no artigo 6.º, n.º 1, alíneas b) e c), nos mesmos termos, as referidas proibições. Na verdade, decorre deste dispositivo legal – vigente à data em que o acima mencionado instrumento de regulamentação colectiva foi publicado – que estes não podiam: b) contrariar normas legais imperativas; c) incluir qualquer disposição que importasse para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei.
O Código de Trabalho atual proíbe os IRCT de contrariarem normas legais imperativas, art.ºs 478º nº 1 a), e a titulo de exemplo, STJ de STJ 17.01.2007, processo nº 06S2188, de 16/12/2010, processo nº 2065/07.5TTLSB.L1.S1.; RL de 28/4/2010, processo nº 2065/07.5TTLSB.L1-4;
Em sentido diferente, STJ de 27/9/2011, processo nº 557/07.5TTLSB.L1.S1.
Assim sendo, posto este enquadramento, e quanto ao subsídio de férias cumpre então considerar o disposto nos art.ºs 2.º, n.º 1 e 6.º, n.º 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, que estipulam que os trabalhadores têm direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil, que esta retribuição não pode ser inferior à que receberiam se estivessem ao serviço efectivo e que têm ainda direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição.
No que concerne ao subsídio de natal, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96 previa que «[o]s trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de Dezembro de cada ano». De igual modo, estipulava o artigo 82.º da LCT que o conceito de retribuição abrangia “aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho”, compreendendo “a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie”, sendo que “até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador”.
No caso dos autos, às relações de trabalho entre os A.A. e a empresa R. aplicou-se, sucessivamente, o Acordo de Empresa (AE) entre a NNN e o SITEMAQ, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 32, de 29/8/2008, nº 13, de 8/4/2009, nº 22, de 15/6/2010, nº 13, de 08/04/2013 e nº 36, de 29/9/2018.
Discute-se o regime de disponibilidade, e nesse, estatui a cláusula 22ª do AE que neste regime “os trabalhadores marítimos da R., não estando em prestação efectiva de trabalho, ficam obrigados a permanecer em locais conhecidos e de rápido e fácil contacto por parte dos serviços, por forma a possibilitar a sua comparência no local de trabalho quando forem chamados”.
Por trabalharem no regime de disponibilidade os trabalhadores marítimos da R. têm direito a auferir um subsídio de disponibilidade, pago juntamente com o vencimento mensal.
O AE (de 2008) estabelecia no art.º 34º que o subsídio de natal era correspondente a um mês de retribuição praticada (retribuição base e diuturnidade). E o mesmo consagra o art.º 44º do AE. Ou seja, de acordo com o acordo de empresa os trabalhadores têm direito apenas à inclusão no cálculo dos subsídios da retribuição base e diuturnidade.
Deixa, pois, o acordo de empresa expressamente de fora o dito subsídio de disponibilidade.
Como vimos, o código de trabalho prevê quanto ao subsídio de natal o direito a receber um mês de retribuição, enquanto que quanto ao subsídio de férias prevê o recebimento de igual quantia aquela a que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo.
Assim sendo, nos termos legais quanto às férias até novembro de 2003 é aplicável a LCT, aprovada pelo DL 49.408, de 24.11.69, o DL 874/76, de 28.12. Nos termos do artigo 6º deste D.L. os trabalhadores têm direito a retribuição nas férias que não pode ser inferior ao que receberiam se em serviço efetivo e subsídio de igual montante. Quanto ao período anterior ao CT 2003 (o que não se coloca nestes autos), as quantias a integrar o conceito de retribuição, sendo que atenta a letra da lei e a unidade do sistema jurídico, deverá ser idêntico em ambos os casos (férias e natal) – STJ de 5/6/2012, www.dgsi.pt, processo nº 2131/08.0TTLSB.L1.S1 e STJ de 17/1/2007, www.dgsi.pt, processo nº 06S2967.
Quanto ao regime convencional, dos acordos de empresa, permaneceu inalterado (até 2017) e integra apenas um mês de retribuição. É, pois, um regime menos favorável ao trabalhador do que aquele que resulta do código de trabalho.
E a questão que se coloca reside em saber se tal pode acontecer.
E cremos que não. O princípio da irredutibilidade da retribuição é uma norma imperativa que não pode ser afastada nem por vontade das partes. E assim sendo, caso se conclua que o valor que a R. paga a título de subsídio de disponibilidade tem cariz retributivo o mesmo tem de ser reflectido no pagamento dos subsídios de férias, natal e nas férias (como limite temporal legal de novembro de 2003).
Neste sentido pode ler-se no acórdão do tribunal da relação de Guimarães de 5/4/2018, in www.dgsi.pt que “O regime legal da retribuição de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal prevalece sobre as cláusulas dos IRCT, se estas estabelecerem regime menos favorável”
E cremos que o cariz imperativo resulta do facto de estar em causa uma retribuição e quanto a essa matéria não pode haver redução e a lei é imperativa, e não por estar em causa matéria de férias e natal como pugna a R. em matéria de alegações.
Resta assim saber se o pagamento desse valor pode assumir cariz retributivo.
Como ensina Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 1994/95, págs. 419 a 423, em comentário a este preceito legal, são três os elementos constitutivos da noção de retribuição empregue em tal normativo: em primeiro lugar, a retribuição corresponde à contrapartida da actividade do trabalhador; segundo, a retribuição pressupõe o pagamento de prestações de forma regular e periódica; por último, a prestação tem de ser feita em dinheiro ou em espécie, ou seja, tem de ser uma prestação com valor patrimonial.
Do primeiro elemento retira-se que a retribuição depende de uma relação sinalagmática.
O contrato de trabalho é bilateral e, por conseguinte, a retribuição encontra-se na dependência sinalagmática relativamente à actividade prestada.
De acordo com o segundo elemento, a atribuição de carácter retributivo a uma certa prestação do empregador exige, igualmente, periodicidade e regularidade no seu pagamento. Esta última, contudo, não pressupõe uma absoluta igualdade de umas prestações para outras. Tanto assim que o art.º 84.º da LCT previa a figura da retribuição variável e determinava que na determinação do seu valor, deveria ter-se em conta a média dos valores que o trabalhador recebia ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo de execução do contrato, tendo este durado menos tempo (n.º 2 do preceito). Os art.ºs 249.º e 252.º n.º 2, ambos do Código do Trabalho, mantiveram a redacção dos art.ºs 82.º n.º 1 e 84.º n.º 2, ambos da LCT.
E é aqui precisamente que reside o cerne da questão a apreciar: aferir o que pode ser considerado como regular e periódico para integrar o conceito de retribuição.
“Regular”, é sabido, refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. “Periódica”, significa que a prestação deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes, neste sentido, o Ac. do STJ de 13/01/1993, CJSTJ, T. I, pág. 226.
Na consideração do que possa ser considerado como regular e periódico tem a jurisprudência oscilado entre considerar suficiente que tal suceda durante seis meses, ou que ocorra todos os meses de actividade do ano (onze meses), cfr. STJ 16/12/2010 e 5/6/2012, n www.dgsi.pt.
Estabeleceu-se nestes normativos uma presunção juris tantum no sentido de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição. Conforme estatui o n.º 1 do art.º 350º do Código Civil, quem tem a seu favor esta presunção escusa de provar o facto na que ela conduz. A existência de presunção legal importa, assim, a inversão do ónus da prova (cf. art.º 344º do Código Civil).
Deste modo, não obstante, os aludidos pressupostos constituírem factos constitutivos do direito invocado pelo autor e de, em princípio, lhe caber a prova desses factos, face ao disposto no n.º 1 do art.º 342º do Código Civil, a existência da citada presunção legal inverte o ónus da prova, incumbindo à ré a demonstração da inexistência de tais pressupostos factuais. Em suma, ao Autor nesta acção cabe apenas provar a percepção das alegadas prestações pecuniárias, competindo à Ré demonstrar a não verificação dos elementos integrantes do conceito legal de retribuição.
Ainda assim, o facto das prestações periódica e regularmente recebidas pelo trabalhador integraram, em princípio, o conceito de retribuição não significa que linearmente tenham de ser levadas em conta para efeitos de cálculo das prestações cujo montante se encontra indexado ao valor da retribuição.
A retribuição a atender para esse efeito não é – tirando as especificidades que resultem concretamente da lei – a retribuição global, mas sim a chamada retribuição modular ou padrão, da qual devem ser excluídas aquelas prestações cujo pagamento não é justificado pela prestação de trabalho em si mesma, mas por outra razão específica (vide, neste sentido, o Ac. do STJ de 17/01/2007, disponível em http://www.dgsi.pt).
No caso, o pagamento do subsídio de disponibilidade é obrigatório, porque a Ré a ele se vinculou através do AE e nos termos referidos no mesmo. Consequentemente não detém natureza de mera liberalidade porque a partir da sua atribuição, aquela revestia carácter regular e habitual, criando no trabalhador a convicção de que a mesma constitui complemento normal do seu salário, desde que obviamente as condições especificas do seu trabalho se mantivessem.
Em segundo lugar, tal prestação goza da característica de periodicidade – mensal. Foi paga mensalmente onze vezes por ano, todos os meses e ao longo de todos os anos.
Por último, haverá que analisar se este subsídio tem por contrapartida única e especificamente a disponibilidade do trabalho, e não outra causa diversa da remuneração da actividade e antiguidade, isto é, se não se destinam antes a pagar despesas – vd., a propósito do conceito de retribuição, Monteiro Fernandes, “ Direito do Trabalho “, p. 458 e ss..
Não propugnamos que para o carácter regular e periódico das prestações se deva considerar o período de onze meses por ano, por si só. Note-se que numa relação laboral de décadas, a análise das mesmas no seu conjunto é mais consentânea com o facto de se dever considerar que uma prestação só poderá considerar-se regular se for prestada com alguma frequência, que terá de ser pelo menos, de seis meses. Os respectivos valores são de montante nem sempre coincidente, mas suficiente para influenciar o orçamento familiar do autor e – de acordo com as regras da experiência comum – justificar a convicção por parte do mesmo de que tais prestações se incluíam no seu vencimento, tanto mais que vêm sendo pagos, a maior parte, há mais de dez anos.
Neste sentido pronunciou-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Dezembro de 2007 onde claramente se refere que (…) Em nosso entender qualquer prestação que não tenha uma periodicidade certa e pré-determinada só poderá considerar-se regular se for prestada com alguma frequência, que terá de ser, pelo menos, de metade do ano.
Menos do que isso não lhe permitirá deixar de ser uma prestação esporádica e, portanto, sem carácter retributivo.
Em todo o caso, o subsídio de disponibilidade foi pago 11 vezes por anos, e como tal de forma regular e periódica e cria no trabalhador a expectativa do seu recebimento e de, assim, vir a integrar o orçamento do trabalhador, impõe que seja considerado como retribuição desde que resulte como contrapartida do trabalho.
Mas cremos que está excluído o cariz retributivo pois este subsídio não se assume como contrapartida do trabalho prestado, e nem sequer pressupõe a execução de uma qualquer tarefa.
Com efeito, a atribuição patrimonial em causa tem como condição o estar disponível, não se destinando, assim, a contraprestar a execução de qualquer tarefa por banda do trabalhador.
Destina-se a compensar o trabalhador, nomeadamente pela penosidade decorrente da menor tranquilidade nos períodos de descanso por ter de estar em local conhecido e de fácil acesso oferecendo, se for caso disso, uma disponibilidade para trabalhar fora das horas de serviço mediante solicitação ou por qualquer outra circunstância, quase como o subsidio de prevenção (e quanto a este já o STJ se pronunciou excluindo o seu cariz retributivo em STJ 3.11.2016 (Ribeiro Cardoso) proc. n.º 3921/13.7TTKSB.L1.S1).
Contrapõe o A. no sentido de o tempo de disponibilidade ser ainda um tempo de trabalho e como tal esse pagamento dever ser reflectido nas prestações em causa.
A questão não é, porém, líquida.
Aqui citamos o acórdão da Relação de Lisboa de 13/1/2016, in dgsi.pt onde se refere que “Se o trabalhador estiver disponível no local de trabalho, a sua disponibilidade está directa e exclusivamente ligada à prestação de trabalho, ainda que potencial; se aguardar em casa um eventual contacto para ir prestar trabalho a sua disponibilidade para o trabalho não é total mas repartida com as actividades que aí entenda realizar, quer no âmbito restritamente pessoal, quer noutros, designadamente familiar mas também social.
O abono ou subsídio de prevenção destina-se apenas a compensar o trabalhador pelo constrangimento decorrente de ter que estar disponível no seu domicílio para eventual execução de serviços exclusivamente no âmbito da reparação inadiável de avarias, que o não receberá, mas sim o correspondente trabalho suplementar e/ou nocturno se para tal for chamado. Não sendo contrapartida directa da prestação efectiva nem da disponibilidade para o trabalho no quadro do tempo e lugar em que este deve ser prestado, não constitui retribuição do trabalho e, mesmo que regular e periodicamente pago pelo empregador, não integra as férias e os subsídios de férias e de Natal”.
Nessa medida, sendo o pagamento deste subsídio uma compensação pela penosidade de o trabalhador ter de estar disponível, e de o seu descanso poder ser interrompido afigura-se-nos que o mesmo não é contrapartida do trabalho e nessa medida não tem de integrar os subsídios nem o pagamento do mês de férias.
E assim sendo improcede a pretensão dos A.A.“ – fim de transcrição.
Será assim?
Relembre –se que em causa estão diferenças de remunerações atinentes a subsídios de férias e de Natal e remunerações de férias atinentes aos anos de 2007 até 2017.
Saliente-se, agora, que nada foi alegado nem dado como assente relativamente à filiação sindical dos doze Autores, embora se extraia de alguns dos recibos juntos inicialmente a realização de descontos para Sindicatos.
O Código do Trabalho regula no seu artigo 2º que:
Instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho
1 - Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem ser negociais ou não negociais.
2 - Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho negociais são a convenção colectiva, o acordo de adesão e a decisão arbitral em processo de arbitragem voluntária.
3 - As convenções colectivas podem ser:
a) Contrato colectivo, a convenção celebrada entre associação sindical e associação de empregadores;
b) Acordo colectivo, a convenção celebrada entre associação sindical e uma pluralidade de empregadores para diferentes empresas;
c) Acordo de empresa, a convenção celebrada entre associação sindical e um empregador para uma empresa ou estabelecimento.
4 - Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não negociais são a portaria de extensão, a portaria de condições de trabalho e a decisão arbitral em processo de arbitragem obrigatória ou necessária.
Por sua vez, o artigo 496.ºdo mesmo diploma estatui que:
Princípio da filiação
1 - A convenção colectiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante.
2 - A convenção celebrada por união, federação ou confederação obriga os empregadores e os trabalhadores filiados, respectivamente, em associações de empregadores ou sindicatos representados por aquela organização quando celebre em nome próprio, nos termos dos respectivos estatutos, ou em conformidade com os mandatos a que se refere o n.º 2 do artigo 491.º
3 - A convenção abrange trabalhadores e empregadores filiados em associações celebrantes no início do processo negocial, bem como os que nelas se filiem durante a vigência da mesma.
4 - Caso o trabalhador, o empregador ou a associação em que algum deles esteja inscrito se desfilie de entidade celebrante, a convenção continua a aplicar-se até ao final do prazo de vigência que dela constar ou, não prevendo prazo de vigência, durante um ano ou, em qualquer caso, até à entrada em vigor de convenção que a reveja.
Nas palavras de Luís Gonçalves da Silva, «as convenções coletivas tem somente eficácia inter partes» pelo que «o âmbito subjetivo - ou pessoal - da convenção é determinado, em regra, pela filiação do empregador (caso não celebre a convenção diretamente) e do trabalhador nas associações outorgantes.
A isto se chama princípio da filiação ou, talvez mais corretamente, princípio da dupla filiação».[17]
Assim, em regra, só os trabalhadores filiados nas associações sindicais outorgantes ou representados no processo negocial são vinculados por um instrumento de regulamentação coletiva do trabalho.
Contudo, no caso concreto, não há discordância entre os litigantes sobre a aplicabilidade do AE em causa[18].
É certo que a aplicabilidade de determinado IRC, in casu do AE, consubstancia matéria de direito e não de facto.
Porém, in casu, o acordo das partes sobre essa aplicabilidade contém implícita a admissão de que os aqui Autores são filiados no Sindicato outorgante (o SITEMAQ, Sindicato da Marinha Mercante, Indústrias e Energia) que os representa.
Assim, a nosso ver, até se pode presumir judicialmente[19] que os Autores eram filiados no referido Sindicato (outorgante do AE em apreço).
Assim, tendo em conta esse facto pode considerar-se que as relações laborais entre os litigantes estavam sujeitas ao Acordo de Empresa, celebrado entre a NNN / Recorrida e o SITEMAQ - Sindicato da Marinha Mercante, Indústrias e Energia, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 32, de 29.08.2008 (o AE 2008[20]), págs. 3677 e seguintes, com revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 13, de 08.04.2013 , páginas 51 e seguintes, [21](o AE 2013), e revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 36, 29/9/2018 (o AE 2018).
E nem se esgrima neste particular que:
- “Os factos dados como assentes por presunção judicial não podem ser usados na sentença se não foram alegados nos articulados.”; - Vide ac. do STJ, de 14.10.1997, proferido no Processo n.º 604/97 - 1ª Secção, Relator Conselheiro Ribeiro Coelho, acessível em www.dgsi.pt;
- “As presunções judiciais não são utilizáveis se visarem a demonstração de factos essenciais não alegados” ; - vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25-03-2015, proferido no Processo nº 01298/14, Relator Conselheiro Madeira dos Santos , Nº Convencional: JSTA00069135, Nº do Documento: SA12015032501298 ,acessível em www.dgsi.pt /sumário).[22]
É que tal como estabelece o artigo 5º do NCPC:
Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal
1 — Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem
a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 — Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;[23] b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 — O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Esta norma corresponde ao anterior artigo 264º que dispunha:
1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções.
2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514º e 665º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
3. Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
Assim , da comparação das duas normas resulta que, no caso de ser o juiz que, por sua iniciativa, os pretende considerar, despareceu a exigência de que a parte manifeste vontade de deles se aproveitar (a que se seguia, no anterior regime, o exercício do contraditório), apenas exigindo a lei actualmente que às partes seja dada a “possibilidade de se pronunciar”.
Tal como se refere em aresto da Relação de Coimbra , de 23 de Fevereiro de 2016, proferido no Processo n º 2316/12.4TBPBL.C1 Nº Convencional, JTRC Relator António Carvalho Martins , acessível em www.dgsi.pt:
(…) os factos complementares ou concretizadores são aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção.
Se não forem oportunamente alegados e se nem as partes nem o tribunal, ao longo da instrução da causa, os introduzirem nos autos, garantindo o contraditório, a decisão final de mérito será desfavorável àquele a quem tais factos (omitidos) beneficiavam” – fim de transcrição.[24]
Também se pode considerar que são complementares ou concretizadores os factos pertencentes à relação jurídica material já caracterizada pela descrição de outros factos essenciais, integrando a causa de pedir deficientemente narrada na petição inicial ou na reconvenção. [25]
Deve ainda atentar-se que “o princípio do dispositivo deve ser temperado e atenuado , permitindo o regime legal a aquisição e consideração de factos integradores da causa de pedir invocada não explicitamente alegados , mas que a instrução da causa tenha tornado patentes, em vista a evitar que a decisão seja condicionada e “imoderadamente perturbada” por um excessivo rigor formal que “deixe a justiça à porta do tribunal” – vide ac. do STJ de 19.4.2016, Proc. 15770/96, Sumários , Abril/ 2016, pág. 41 referido por Abílio Neto , Novo COC, Anotado, 4ª edição, revista e ampliada , Março/2017, Ediforum , Edições Jurídicas , Ldª, Lisboa, pág, 41 , na nota nº 56 ao artigo 5º.
E refira-se que , a nosso ver, o estatuído na aludida norma é reforçado no âmbito do processo laboral em que se deve continuar a reputar actuante o principio da justiça completa ou material ( verificando-se uma menor força do dispositivo, desde logo, pela possibilidade da condenação “ultra petitum “ contemplada no artigo 74º do CPT[26], assim como por via de uma especialmente vigorosa procura da verdade material tal como bem se infere do disposto no artigo 72º do CPT [27]).
Ora, o aludido facto não é em rigor essencial, antes se devendo, a nosso ver, catalogar como sendo complementar, concretizador do que as partes alegaram.
Daí que na situação em exame não exista, a nosso ver, impedimento no recurso à presunção em causa.[28]
Dito isto; refira-se, agora, que a Cláusula 44.ª do AE 2008 e AE 2013 dispunha no que concerne à retribuição de férias e subsídio de férias:
Cláusula 44.ª
Subsídio de férias
1 — A retribuição durante o período de férias compreende o valor correspondente à retribuição base e diuturnidades.
2 — Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias no mesmo valor da retribuição referida no número anterior.
3 — Cessando o contrato de trabalho, a entidade patronal pagará aos trabalhadores a retribuição correspondente ao período de férias vencido e o respectivo subsídio, salvo se os trabalhadores já as tiverem gozado, bem como a retribuição correspondente a um período de férias proporcional ao tempo de serviço prestado no próprio ano da cessação e respectivo subsídio.
4 — O regime previsto nos números anteriores é extensivo a todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores com contrato a termo.
Por sua vez, a Cláusula 34.ª do AE 2008 e AE 2013 dispunha no que toca ao subsídio de Natal:
Cláusula 34.ª
Subsídio de Natal
1 — A empresa obriga-se a pagar aos trabalhadores ao seu serviço, até ao dia 30 de Novembro de cada ano, um subsídio de Natal correspondente a um mês de retribuição praticada (retribuição base e diuturnidades).
2 — No caso de suspensão do contrato de trabalho ou da sua cessação, o trabalhador tem sempre direito a receber a importância proporcional ao tempo de serviço efectivamente prestado.
3 — Os trabalhadores que, na referida época, não tenham ainda completado um ano de serviço terão direito a um subsídio proporcional aos meses de trabalho efectivamente prestado. Temos, pois, que o regime convencional é inequívoco quanto à definição da base de cálculo da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
E no tocante ao subsídio de Natal, sendo certo que os pedidos se reportam a um período decorrido de 2007 (ainda na vigência do CT/2003) a 2017 (já na vigência do CT/2009), é evidente que no respectivo cálculo apenas manda atender ao valor da retribuição base e às diuturnidades.
Saliente-se ainda que quer o Código de Trabalho de 2003[29] (CT/2003) que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003[30], quer o Código do Trabalho de 2009 [31] , que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009, [32] referem que a base de cálculo do subsídio de Natal integra, apenas, a retribuição base e diuturnidades.
Efectivamente :
- o artigo 254º do CT/2003 comanda:
Subsídio de Natal
1 - O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.
2 - O valor do subsídio de Natal é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, nas seguintes situações:
a) No ano de admissão do trabalhador;
b) No ano da cessação do contrato de trabalho;
c) Em caso de suspensão do contrato de trabalho, salvo se por facto respeitante ao empregador.
- o artigo 250º do CT/2003 regula:
Cálculo de prestações complementares e acessórias
1 - Quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por:
a) Retribuição base - aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido;
b) Diuturnidade - a prestação pecuniária, de natureza retributiva e com vencimento periódico, devida ao trabalhador, nos termos do contrato ou do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, com fundamento na antiguidade.
- o artigo 263º do CT/2009 regula:
Artigo 263.º
Subsídio de Natal
1 - O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.
2 - O valor do subsídio de Natal é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, nas seguintes situações:
a) No ano de admissão do trabalhador;
b) No ano de cessação do contrato de trabalho;
c) Em caso de suspensão de contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador.
3 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
- o artigo 262 º do mesmo diploma estatui:
Cálculo de prestação complementar ou acessória
1 - Quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, entende-se por:
a) Retribuição base, a prestação correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho;
b) Diuturnidade, a prestação de natureza retributiva a que o trabalhador tenha direito com fundamento na antiguidade.
Tanto basta para, a nosso ver, as pretensões dos Autores terem necessariamente de ser declaradas improcedentes no tocante às invocadas diferenças respeitantes aos subsídios de Natal de 2007 a 2017.
Aliás, segundo sumário de aresto do STJ, de 21 de Setembro de 2017, proferido no âmbito do processo nº 393/16.8T8VIS.C1.S1, Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro Goncalves Rocha, acessível em www.dgsi.pt:
“ 7 - Com o advento do Código do Trabalho que vigorou a partir de 1 de Dezembro de 2003, bem como com o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que lhe sucedeu, não havendo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, no cálculo do subsídio de Natal apenas se atenderá à retribuição-base e às diuturnidades.” – fim de transcrição.
E o aresto refere:
“
Aliás é neste sentido que se orienta a jurisprudência desta Secção Social, vendo-se nomeadamente, os acórdãos de 18/4/2007, processo nº 06S4557; de 16/1/2008, processo SJ20080116037904; de 10/9/2008, processo SJ00080910004614; de 25/3/2010, processo nº 1052/05.2TTMTS.P1.S1; de 23/6/2010, processo nº 607/07.5TTLSB.S1; de 15/9/2010, processo nº 469/09.4; de 15/2/2012, processo nº 972/09.3TTMTS.P1.S1, e de 09-02-2017, Proc. n.º 886/13.9TTLSB.L1.S1, todos desta 4ª secção e disponíveis em www.dgsi.pt.
É esta também a posição da doutrina, vendo-se neste sentido Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 597; Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, parte II, pág. 587, 2ª edição; António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª edição, pág. 470, Almedina, 2006; Lobo Xavier, iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo 2005, 334; e de Júlio Gomes, Direito do Trabalho, I volume, 2007, 779/780, onde sustentam dever o subsídio de Natal reconduzir-se, salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, ao somatório da retribuição base e das diuturnidades, dele se excluindo os demais complementos salariais, ainda que auferidos pelo trabalhador, regular e periodicamente.
Assim, sendo de concluir que, quanto aos subsídios de Natal vencidos após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, nada é devido aos trabalhadores abrangidos pela (…)” – fim de transcrição.
De facto, independentemente da questão de saber se o subsídio de disponibilidade deve ou não ser encarado como retribuição ( cuja dilucidação se fará de seguida) essa componente salarial , quer de acordo com a lei geral aplicável entre 2007 e 2017 quer segundo o instrumentos de regulamentação colectiva que logram aplicação a partir de 2008 até 2107 , não entra na base de cálculo do subsídio de Natal, afigurando-se-nos evidente que a mesma não consubstancia nem retribuição base nem diuturnidades dos aqui recorrentes/Autores/trabalhadores.
Mas e quanto à respectiva inclusão em termos do cálculo das férias e dos subsídios de férias?
O regime convencional constante do AE 2008 e AE 2013 difere do regime legal do CT 2003 e CT 2009, no que à base de cálculo da retribuição de férias e subsídio de férias diz respeito.
O regime legal , ao invés do regime convencional constante do AE 2008 e AE 2013, não restringe a base de cálculo da retribuição de férias e subsídio de férias ao valor da retribuição base e diuturnidades, antes se consignando que a retribuição do período de férias a ter em conta na respectiva retribuição corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo, sendo quer no atinente ao correspondente subsídio de férias refere que compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
Segundo o artigo 255º do CT/2003:
Retribuição do período de férias
1 - A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo.
2 - Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
3 - Salvo acordo escrito em contrário, o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente nos casos previstos no n.º 6 do artigo 217.º
4 - A redução do período de férias nos termos do n.º 2 do artigo 232.º não implica redução correspondente na retribuição ou no subsídio de férias.
Por sua vez, o artigo 264º do CT/2009 estatui:
1 - A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo.
2 - Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias, não contando para este efeito o disposto no n.º 3 do artigo 238.º
3 - Salvo acordo escrito em contrário, o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado de férias.
4 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
É, pois, evidente que no tocante à retribuição de férias e ao subsídio de férias a partir do AE 2008 o instrumento de regulamentação colectiva aplicável passou a contemplar um regime menos favorável que o previsto na Lei Geral.
Na realidade, esta última consagra que:
- a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo;
- o subsídio de férias compreende a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho correspondentes à duração mínima das férias,
O IRC aplicável comanda que:
- A retribuição durante o período de férias compreende o valor correspondente à retribuição base e diuturnidades.
- Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias no mesmo valor da retribuição referida no número anterior.
Será possível?
Segundo o artigo 4º do CT/2003:
Princípio do tratamento mais favorável 1 - As normas deste Código podem, sem prejuízo do disposto no número seguinte, ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
2 - As normas deste Código não podem ser afastadas por regulamento de condições mínimas. 3 - As normas deste Código só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se delas não resultar o contrário.
Por sua vez, o artigo 3º do CT/2009 regula:
Relações entre fontes de regulação
1 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
2 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho não podem ser afastadas por portaria de condições de trabalho.
3 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores quando respeitem às seguintes matérias:
a) Direitos de personalidade, igualdade e não discriminação;
b) Protecção na parentalidade;
c) Trabalho de menores;
d) Trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica;
e) Trabalhador-estudante;
f) Dever de informação do empregador;
g) Limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal;
h) Duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração mínima do período anual de férias;
i) Duração máxima do trabalho dos trabalhadores nocturnos;
j) Forma de cumprimento e garantias da retribuição;
l) Capítulo sobre prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais e legislação que o regulamenta;
m) Transmissão de empresa ou estabelecimento;
n) Direitos dos representantes eleitos dos trabalhadores.
4 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por contrato individual que estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, se delas não resultar o contrário.
5 - Sempre que uma norma legal reguladora de contrato de trabalho determine que a mesma pode ser afastada por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho entende-se que o não pode ser por contrato de trabalho.
Será que, pelo menos, a partir da entrada em vigor do AE de 2008 - em 29.08.2008 – o pedido dos Autores tem necessariamente de improceder atenta o regime de férias contemplado no IRC?
É sabido que a lei contempla o princípio do favor laboratoris.
“Debruçando-se sobre a possibilidade de existência de um princípio do "favor laboratoris", com hipotética aplicação generalizada, esclarece o Prof. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1991, pág.s 70 e 71, que "Um eventual princípio do favor laboratoris poderá ser entendido em cinco níveis diferentes:
- como princípio de política legislativa;
- como ditame de interpretação;
- como máxima probatória;
- como afloramento de certos princípios;
- como norma de conflitos."
E a páginas 72 e 73 acrescenta ainda: "Como máxima probatória, o favor laboratoris daria, ao ónus da prova, uma feição particular. Na dúvida, ter-se-iam por não verificados os factos desfavoráveis aos trabalhadores. O ónus da prova tem hoje uma dimensão político-legislativa assumida: a sua configuração deve ser utilizada pelo legislador como mais um instrumento ao serviço dos seus objectivos. E por isso também, por vezes, o legislador, com recurso a presunções ou a disposições directas, inflecte o ónus da prova num sentido favorável ao trabalhador. Trata-se, no entanto, de uma medida eventual, a pesquisar caso a caso: não há, com esse conteúdo, nenhum princípio geral" (sublinhados nossos).
Ora como se decidiu no Ac. do STJ de 27/5/2004, disponível em www.dgsi.pt/jstj, "É pacífico o entendimento de que o princípio do “favor laboratoris” nada tem a ver com as regras do ónus da prova...Tal princípio inspira o legislador laboral no âmbito das soluções por este consagradas na lei com vista a suprir a desigualdade substancial que em regra se verifica entre as partes de um contrato de trabalho, mas não altera (nem contende com) as regras do ónus da prova estabelecidas na lei civil. Não são estas que vão equilibrar a natureza estruturalmente assimétrica da relação de trabalho, mas as concretas soluções substantivas que a lei laboral consagra para este específico tipo contratual.".
Também Albino Mendes Baptista, Estudos sobre o Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, pág. 187, sustenta que "... é altura de afirmar que nada legitima o juiz laboral, na ausência de disposição legal em sentido contrário, a solucionar os litígios com regras diferentes no que concerne ao ónus da prova daquelas que resultam dos art.ºs 342º e ss. do Código Civil". E acrescenta a pág. 190, "Não se propugna que os casos de dúvida sejam resolvidos a favor dos trabalhadores. Como não se defende que o juiz encontre presunções onde o legislador as não criou."
E o Prof. António Jorge da Motta Veiga, Lições de Direito do Trabalho, 4ª ed., pág. 160, adverte mesmo de que a máxima do "favor laboratoris" representa um desvio da regra fundamental consagrada no art.º 13º-2 da Constituição, segundo a qual "ninguém pode ser privilegiado, beneficiado ... em razão de ... condição social." - fim de transcrição de acórdão da Relação de Lisboa, de 13-03-2019, proferido no âmbito do processo nº 559/11.7TTCSC.L2-4, Relator Duro Mateus Cardoso, acessível em www.dgsi,pt.[33]
Segundo João Leal Amado (“Tratamento mais favorável e art.º 4º nº 1 do Código do Trabalho”, in “A Reforma do Código do Trabalho” CEJ/ Coimbra Editora, pág. 112), o “favor laboratoris” perfila-se como uma técnica de resolução de conflitos entre lei e convenção colectiva, pressupondo que, em princípio, as normas jus-laborais possuem um carácter relativamente imperativo, isto é, participam de uma imperatividade mínima ou de uma inderrogabilidade unidireccional.
Em idêntico sentido se pronuncia Romano Martinez (“Direito do Trabalho”, Almedina, págs. 217 e 218).[34]
Mas será que as supra mencionadas normas do CT/2003 e CT/2009 têm esse cariz? A resposta é negativa.
Tal como se refere em aresto do STJ, de 5-06-2012, proferido no âmbito do processo nº 2131/08.0TTLSB.L1.S1 , Nº Convencional: 4ª Secção,
Relator Conselheiro Pinto Hespanhol, acessível em www.dgsi,pt:[35]
“
No respeitante à concorrência das normas do Código do Trabalho com as normas dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, o acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Setembro de 2011, Processo n.º 557/07.5TTLSB.L1.S1, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt. e subscrito pelos Juízes Conselheiros Gonçalves Rocha, Sampaio Gomes e Pereira Rodrigues, explicitou o seguinte:
«O A está filiado no Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, pelo que é aplicável a esta relação laboral o Acordo de Empresa celebrado entre aquele Sindicato e a R, publicado no BTE n.º 23 de 22.06.1994, com as alterações publicadas no BTE n.º 40 de 29.10.1997 e no BTE n.º 30 de 15.08.2003.
Por outro lado, temos também de atender ao AE de 2006, BTE n.º 8, de 28/2/2006, 1.ª série, que entrou em vigor em 1/3/2006, conforme acordaram os outorgantes na cláusula 2.ª, n.º 1.
Ora, resulta da cláusula 49.ª, n.ºs 1 e 2 do AE (2003) que durante o período de férias o tripulante tem direito à retribuição a que se refere o n.º 1 da cláusula 58.ª e a um subsídio de férias igual a essa retribuição.
Por seu turno, estabelece o n.º 1 desta cláusula 58.ª que a remuneração fixa mensal dos tripulantes é constituída pelo vencimento fixo e pelo vencimento de senioridade (e nada mais).
Foi tendo em conta estas normas do AE que o acórdão recorrido julgou improcedente a pretensão do A, no que respeita ao período de 1/12/03 e 1/3/06 (data em que entrou em vigor o AE/2006).
E bem se andou.
Efectivamente, o artigo 4.º, n.º 1 do CT, aprovado pela Lei 99/2003, veio alterar a regra de prevalência de normas constante do artigo 13.º da LCT, estatuindo que as normas do Código do Trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
É assim inequívoco que em caso de concurso entre as normas constantes do Código do Trabalho e as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva, a lei permite a intervenção destas últimas, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores, quer em sentido menos favorável, apenas se exigindo que as normas do Código do Trabalho não sejam imperativas, pois se o forem, nunca se permitirá a intervenção das normas da regulamentação colectiva.
Trata-se duma solução diversa da que foi seguida no artigo 13.º da LCT, que apenas permitia a intervenção das normas hierarquicamente inferiores quando eram mais favoráveis ao trabalhador.
Para esta mudança legislativa relevou a ideia de que tratando-se dum instrumento de regulamentação colectiva de natureza negocial, e estando os trabalhadores representados pelos sindicatos, fica assim garantido o contraditório negocial, a liberdade de negociação e o equilíbrio das soluções encontradas.
Por isso, devem as normas da contratação colectiva prevalecer sobre a lei geral, que apenas se imporá quando estabeleça um regime absolutamente imperativo.
No caso presente, o Código do Trabalho estabelece no artigo 255.º, n.º 1, que a retribuição nas férias corresponde à que o trabalhador receberia como se estivesse em serviço efectivo.
E quanto ao subsídio de férias, compreenderá a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da prestação do trabalho (n.º 2).
Ora, ainda que da aplicação destas regras resultasse um regime mais favorável para o A, não se tratando de normas absolutamente imperativas, terá a situação que ser resolvida de acordo com o que se acordou na contratação colectiva.
Concluímos assim que são de aplicar ao caso as normas do AE e não as regras constantes do Código do Trabalho.
E face ao regime do AE aplicável, é inequívoco que as partes contratantes quiseram que durante as férias o trabalhador recebesse uma retribuição calculada de acordo com o disposto na cláusula 58.ª, conforme estipulado na cláusula 49.ª, n.º 1, o mesmo se passando em relação aos subsídios de férias (49.ª, n.º 2).
Por isso, tendo o A recebido um valor correspondente ao vencimento fixo e vencimento de senioridade, não tem que integrar tal montante a média das componentes retributivas variáveis, conforme pretende o recorrente.»
Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita.” – fim de transcrição. Aderimos a tal raciocínio que, a nosso ver, com respeito por opinião diversa, também se aplica no âmbito do CT/2009 atento o disposto no seu artigo 4º (supra transcrito).[36]
E refira-se ainda que segundo o Professor Bernardo da Gama Lobo Xavier [37]:
“Hoje, no Direito do Trabalho, apesar de se caracterizar pela assinalada lógica dos mínimos que permite à regulação subalterna desenvolver um regime mais benéficos para os trabalhadores, contêm-se algumas normas legais absolutamente imperativas, fixas e bidirecionais, que não podem ser afastadas nem para estabelecer esquemas mais favoráveis para o trabalhador.
Tais regras (…)
Mas, como dissemos , na sua maior parte , as normas legais são apenas relativamente imperativas , mínimas, consentindo o estabelecimento por fontes subalternas (vg: por IRCT ou por contrato individual de trabalho) de um regime mais favorável, tendo pois caráter de injuntividade unidirecional” - fim de transcrição.
E mais à frente prossegue:
“ Como se referiu , a partir do CT/2003 (artigo 4, 1º) , numa inflexão legislativa fundamental que se mantém no CT actual , (art.º 3º, 1) , essa imperatividade relativa , que caracterizava a maior parte dos preceitos laborais, esbateu-se e muitos deles passaram a poder ser afastados.
Tornou-se assim possível preceituar até em sentido menos favorável para o trabalhador, mas tal pode ser feito apenas por IRCT (continuando aos contratos individuais a ser proibido dispor em sentido desfavorável)
A não ser que outra coisa seja estabelecida ou resulte das normas, os preceitos legais passaram a ser derrogáveis por IRCT, mesmo em sentido desfavorável para os trabalhadores, tendo assim esses preceitos carácter colectivo - dispositivo (para alguns “convénio – dispositivo”).
Tal se deve à necessidade de maleabilização e de flexibilização do Direito do Trabalho, sobretudo nos planos sectorial, profissional e empresarial, partindo-se do princípio , como dissemos já, que a presença dos sindicatos assegura a protecção em concreto dos trabalhadores ou a sub-rogação da protecção da maior parte dos preceitos por outra que seja mais operacional e até globalmente mais vantajosa.
Mas tal não ocorre em todas as normas da legislação do trabalho, havendo alguns preceitos legais, que conservam, mesmo em face do IRCT, o carácter de imperatividade relativa.
Assim, p. ex. as normas referidas no art.º 3, 3, as quais estabelecem a protecção para os trabalhadores em aspectos essenciais (vg, direitos de personalidade, protecção na parentalidade, limites à duração do trabalho), apenas podem ser afastadas por fontes subalternas que disponham em sentido mais favorável aos trabalhadores” - fim de transcrição. Tanto basta para que as pretensões dos Autores atinentes a férias e subsídios de férias ia partir do ano de 2008 até 2017 tenham de improceder.
Na realidade, não foi dado como provado que em 2008 os Autores gozaram férias antes da entrada em vigor do AE, sendo certo que, a nosso ver , esse ónus sempre lhes incumbia (artigo 342º, nº 1 do CC[38]). Mas e quanto ao ano de 2007?
Em 2007 ainda não lograva aplicação o AE.
Cumpre, pois, nesse ano ter com aplicável o CT/2003 quanto à remuneração de férias e subsídio de férias.
E, a nosso ver, com o devido respeito por opinião distinta, o subsidio de disponibilidade fazia parte da respectiva remuneração.
Provou-se que:
e) Todos trabalhadores aqui A. prestaram as suas atividades sob a autoridade e direção da aqui Ré no período que aqui interessa consignar, de 2007 a 2018;
f) Isto porque todos os aqui A. supra mencionados estão abrangidos pelo regime de disponibilidade, desde, pelo menos, o ano de 2007;
g) Pelo referido regime de disponibilidade, todos trabalhadores aqui A. têm a obrigação de permanecer em locais conhecidos e de contacto fácil e rápido por parte dos serviços da Ré, apesar de não estarem em prestação efetiva de trabalho, para que, dessa forma, possam comparecer no local de trabalho assim que forem chamados para o efeito; h) Ao estarem abrangidos naquele regime de disponibilidade todos os trabalhadores aqui A. ficaram com o assegurado direito a um subsídio de disponibilidade, que é pago juntamente com a seu vencimento onze meses por ano, excepto nos anos de 2016 e 2017 em que foi pago doze meses por ano, subsídio, esse, que ascendeu, desde ao ano de 2008, aos valores abaixo discriminados:
a) Mestre de Tráfego Local: €954,00
Maquinista Prático: €954,00
Marinheiro de Tráfego Local: €742,00
(Isto a partir de 1 de Janeiro de 2008 –
b) Mestre de Tráfego Local: €973,10
Maquinista Prático: € 973,10
Marinheiro de Tráfego Local: €756,80
(Isto a partir de 1 de Janeiro de 2009
Mestre de Tráfego Local: €982,80
Maquinista Prático: € 982,80
Marinheiro de Tráfego Local: €764,40
(Isto a partir de 1 de Janeiro de 2010
d) Mestre de Tráfego Local: €1.012,50
Maquinista Prático: €1.012,50
Marinheiro de Tráfego Local: €787,40
(Isto a partir de 1 de Janeiro de 2013
i) Os trabalhadores aqui A. estão abrangidos pelo mencionado regime de disponibilidade, de forma permanente e sem quaisquer interrupções, desde 2007 até à presente data;
j) Os AA., trabalhadores da Ré, auferem todos os meses um vencimento base, diuturnidades e onze meses por ano um subsídio de disponibilidade, exceto nos anos de 2016 e 2017, e ainda outros valores que variam com o modo de prestação de trabalho e as respetivas categorias profissionais;
k) Desde 2007, os trabalhadores, aqui A., receberam as prestações patrimoniais mensais descritas nos respectivos recibos de vencimento e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
l) Além daquelas remunerações, os aqui A. receberam ainda remunerações anuais correspondentes às remunerações do período de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal;
m) Aliás, o subsídio de disponibilidade foi pago nos 12 meses imediatamente anteriores ao último momento do tempo de trabalho prestado por cada um dos trabalhadores aqui A.A.;
n) Todavia, a Ré, nos pagamentos que fez aos trabalhadores, a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, não lhes pagou, desde o ano de 2007, o valor correspondente ao supra mencionado subsídio de disponibilidade, excepto nos anos de 2016 e 2017 em que a R. pagou o dito subsidio de disponibilidade doze meses;
o) O pagamento do subsídio de disponibilidade nos anos de 2016 e 2017 correspondeu a uma manifestação de boa vontade da R. para alcançar um consenso negocial com o A. no âmbito de negociação do acordo de empresa que entrou em vigor em 2018.
Temos, pois, que no que concerne ao subsídio de disponibilidade os trabalhadores têm a obrigação de permanecer em locais conhecidos e de contacto fácil e rápido por parte dos serviços da Ré, apesar de não estar em prestação efectiva de trabalho, para que, dessa forma, possam comparecer no local de trabalho assim que forem chamados para o efeito. Ou seja, os trabalhadores percebem o abono respectivo para estarem disponíveis para intervir.
Assim, a nosso ver, com respeito por opinião diversa, tal abono tem contrapartida na disponibilidade do trabalho e deve integrar-se no conceito de retribuição para o efeito em causa.
No fundo no âmbito desse subsídio estamos perante uma prestação complementar ligada ao modo específico da prestação de trabalho que deve repercutir-se nas férias e subsídio de férias dos anos em que foram atribuídos aos Autores 11 ou mais meses no ano.
Nesse sentido, aponta, aliás, acórdão desta Relação, de 18 de Maio de 2016, proferido no processo nº 8535/14.12T8LSB.L1 (Relatora Albertina Pereira [39]) no qual se consignou o seguinte:
“Com efeito, como ali se referiu “A questão decidenda consiste em saber, como dito, se a Ré devia ter incluído na base de cálculo das retribuições de férias e nos subsídios de férias e natal o valor das prestações de montante variável auferidas pelo Autor de 1992 a 2000, designadamente, a título de “trabalho nocturno”, “trabalho suplementar”, “abono de risco de condução” e “abono de prevenção”. Cfr., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos nas Revistas ns.º 2967/06 e 2595/08 de, respectivamente, 17/01/2007 e 22/04/2009, in http//www.dgsi.pt. Ora, nos termos dos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis: a) o “trabalho suplementar” destina-se a pagar o trabalho prestado para além do horário normal de trabalho; b) o “trabalho nocturno” destina-se a pagar o trabalho prestado entre as 20h00 de um dia e as 08h00 de outro; c) o “abono de prevenção” é pago ao trabalhador escalado que, embora em repouso na sua residência, esteja disponível para a eventual execução de serviço de avarias inadiáveis; d) o “abono por chamada acidental” é pago ao trabalhador não escalado disponível para ser acidentalmente chamado para fazer face a necessidades urgentes de serviço; e) a “compensação por horário descontínuo” deve ser paga sempre que, por imposição da empresa, o período normal de trabalho comporte um intervalo de descanso de duração igual ou superior a 4 horas; f) a “compensação especial” destina-se a compensar o trabalho prestado entre as 02h00 e as 06h00 e/ou o início ou terminus do seu intervalo de descanso durante aquele período; g) as “grandes deslocações” e as “pequenas deslocações” traduzem-se em deslocações feitas pelo trabalhador para fora da área do local habitual de trabalho, determinando o pagamento da retribuição auferida no local habitual, de uma ajuda de custo diária e do pagamento de despesas de deslocação, sendo as últimas também de um pagamento, como tempo extraordinário, de todo o período que, para além do período normal de serviço, afectar a deslocação; h) as “ajudas de custo diárias” são atribuídas ao trabalhador que faça deslocações em serviço, destinando-se, essencialmente, a comparticipar as despesas de deslocação e alojamento; i) o “subsídio dominical” destina-se a ser pago aos trabalhadores que prestem trabalho ao domingo, não abrangido pelo regime de trabalho suplementar; j) o “abono pelo risco de condução” é pago aos trabalhadores que, não sendo motoristas, para o exercício da sua actividade profissional, conduzam ou operem em serviço viaturas, tractores, transportadoras de bobinas, empilhadoras ou gruas da empresa; k) o “subsídio grande altura” é pago aos trabalhadores que, no exercício das suas funções, tenham que escalar/subir antenas a alturas superiores a 50 metros; l) o “subsídio de transporte próprio” destina-se a ser pago aos trabalhadores que, por necessidade de serviço, tenham que se deslocar em transporte próprio, sendo pago por quilómetro/litro de gasolina na deslocação; m) o “abono para falhas” destina-se a ser pago aos trabalhadores que lidam habitualmente com dinheiros ou valores; n) o “subsídio de gasolina” destina-se a pagar os quilómetros percorridos pelo trabalhador autorizado a deslocar-se, em serviço, em viatura própria; o) o “subsídio de refeição”, o) o “subsídio especial de refeição”, o “subsídio de pequeno almoço” destinam-se a compensar o trabalhador pelas despesas em que incorre com a prestação de trabalho em determinados dias e horários; Por outro lado, e como se provou: p) o prémio de assiduidade destina-se a retribuir a comparência ao trabalho durante pelo menos 3 horas de um dos períodos de trabalho; q) o prémio de desempenho destina-se a compensar o desempenho/mérito profissional. Donde, determinada a razão ou o fundamento da sua atribuição e pagamento, forçoso se torna concluir que as prestações supra identificadas sob as alíneas a), b), c), d), e), f), i), j) e k) [“trabalho suplementar”, “nocturno”, “abono de prevenção – por não depender da prestação efectiva de trabalho”, “chamada acidental - por não depender da prestação efectiva de trabalho”, horário descontínuo”, “compensação especial”, “subsídio dominical”, “abono risco de condução” e “subsídio grande altura”] estão relacionadas com as contingências específicas do trabalho, e portanto, directa e intrinsecamente relacionadas com a prestação do trabalho, assim constituindo retribuição. O pagamento das prestações pecuniárias supra identificadas sob as alíneas l), m), n), o) p), q) [“subsídio de transporte próprio”, “abono para falhas”, “subsídio de gasolina”, “subsídio de refeição, especial refeição ou pequeno almoço”, prémio de assiduidade e de desempenho”] assentou, porém, no facto do trabalhador incorrer em despesas com a prestação do trabalho, destinando-se a compensar ou ressarcir o seu dispêndio, assim como, no caso do abono por falhas, a compensar eventuais falhas/perdas em que possa incursar em consequência do manuseio de valores, destinando-se também os prémios, como vimos, a gratificá-lo pela assiduidade e pelo mérito logrado alcançar com a efectiva prestação da actividade. Donde, por assim ser, está excluído o seu carácter retributivo. As demais prestações percebidas pelo Autor, porque a matéria de facto provada e os instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis não elucidam a razão ou o fundamento do seu pagamento, ónus de alegação e prova unicamente incidente sobre a Ré, ter-se-ão que presumir retributivas. Seja como for, as prestações pecuniárias retributivas só devem ser incluídas na base de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e natal vencidos até 30/11/2003 inclusive se tiverem sido percebidas com regularidade e periodicidade”. (Negritos e sublinhados da nossa responsabilidade).
Não vislumbramos razões para não seguir o entendimento acima referido, que está conforme com a jurisprudência e doutrina maioritárias. “ – fim de transcrição.
Reitera-se tal entendimento que, aliás, foi reafirmado em aresto, de 12 de Setembro de 2018, proferido no processo n º 23570/17.0T8LSB.L1 (Relator Duro Cardoso) onde se referiu:
“No que toca à integração no montante da retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal, em geral, de pagamentos por complementos ou subsídios e, em particular, das quantias pagas a título de trabalho suplementar e trabalho nocturno, abono de prevenção e subsídio dominical as questões levantadas pelo apelante e pela ré foram já jurisdicionalmente apreciadas, analisadas e sufragadas no Ac. da Relação de Lisboa de 27/1/2016, P. nº 4424/13.5TTLSB.L1, no Ac. da Relação de Lisboa de 17/2/2016 no P. nº 1822/14.0TTLSB.L1, no Ac. da Relação de Lisboa de 3/5/2017, P. nº 2936/14.2TTLSB.L1, no Ac. da Relação de Lisboa de 17/2/2016 no P. nº 1822/14.0TTLSB.L1., no Ac. da Relação de Lisboa de 4/12/2013, P. nº 85/11.4TTLSB.L1, no Ac. da Relação de Lisboa de 6/6/2018 no P. nº15571/17.4T8LSB.L1, no sentido de tais abonos integrarem a retribuição dos autores e de que não relevam para o cômputo dos subsídios de Natal, vencidos a partir de Dezembro de 2003, os suplementos remuneratórios em causa nos presentes autos, remetendo-se para os termos dessas decisões, de que se juntam cópias, fazendo-se uso do disposto no art.º 663º-5 do CPC/2013.” – fim de transcrção.
E no acórdão proferido no processo nº 15571/17.4T8LSB.L1 (Relator Duro Cardoso) consignou-se:
“Quanto à 2ª questão.
No que toca à integração no montante da retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal, em geral, de pagamentos por complementos ou subsídios e, em particular, das quantias pagas a título de trabalho suplementar, trabalho nocturno e abono de condução, as questões levantadas pela apelante foram já jurisdicionalmente apreciadas, analisadas e sufragadas no Ac. da Relação de Lisboa de 27/1/2016, P. nº 4424/13.5TTLSB.L1, no Ac. da Relação de Lisboa de 3/5/2017, P. nº 2936/14.2TTLSB.L1, e no Ac. da Relação de Lisboa de 17/2/2016 no P. nº 1822/14.0TTLSB.L1, neste último caso em decisão tomada por este mesmo Colectivo, no sentido de tais abonos integrarem a retribuição dos autores, remetendo-se para os termos dessas decisões, de que se juntam cópias, fazendo-se uso do disposto no art.º 663º-5 do CPC/2013, acórdão esse em que quer o Relator, quer o Desembargador 2º Adjunto, são exactamente os mesmos que agora decidem esta apelação.
Quanto ao subsídio dominical, também esta questão foi já apreciada no Ac. da Relação de Lisboa de 4/12/2013, P. nº 85/11.4TTLSB.L1, de que se junta cópia, fazendo-se uso do disposto no art.º 663º-5 do CPC/2013, no sentido de tais abonos integrarem a retribuição dos autores.
(…)” – fim de transcrição.
E o mesmo se dirá de acórdão que proferimos no Processo nº 23563/17.7T8LSB.L1.
Por todos estes motivos, cumpre , pois, julgar o recurso parcialmente procedente nesta sua segunda vertente pelo que cumpre condenar a Ré a pagar a cada um dos doze Autores as diferenças (resultantes da não integração dos mesmos da média dos valores pagos a cada um deles nos últimos doze meses a título de subsídio de disponibilidade) atinentes às férias e subsídio de férias do ano de 2007 em valor a apurar em incidente de liquidação.
Tais montantes deverão ser acrescidos de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data da citação até integral pagamento.
Em fade do exposto, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente.
Assim, condena-se a Ré a pagar a cada um dos doze Autores as diferenças atinentes às férias e subsídio de férias (resultantes da não integração dos mesmos da média dos valores pagos a cada um deles nos últimos doze meses a título de subsídio de disponibilidade) do ano de 2007 em valor a apurar em incidente de liquidação.
Tais montantes deverão ser acrescidos de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data da citação até integral pagamento.
Custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento, devendo quanto às pretensões cujo apuramento se remeteu para liquidação as custas serem suportadas em partes iguais no presente processo, fazendo-se o oportuno rateio em sede de liquidação.
Notifique.
DN.
Lisboa, 2020-05-27
Leopoldo Soares
José Eduardo Sapateiro
Alves Duarte (Nos termos do disposto no artigo 15º- A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março , que lhe foi aditado pelo artigo 3º Decreto-Lei n.º 20/2020 , publicado no Diário da República n.º 85-A/2020, Série I , de 2020-05-01, consigna-se que o Desembargador Alves Duarte votou em conformidade , sendo que não assina por não estar presente em virtude da pandemia).[40]
_______________________________________________________ [1] Em 23 de Maio de 2019 – vide fls. 48 v. [2] Vide fls. 8 v a 18. [3] Vide fls. 356 v. [4] Vide fls. 432 (II Volume) – histórico do processo junto na Relação pela Secção. [5] Saliente-se que nenhum CD de gravação acompanhou o processo. [6] Diploma aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho. [7] Atenta a data de interposição dos presentes autos logra aplicação o CPT - em vigor a partir de 1/1/2010 - aprovado pelo:
Decreto-Lei n.º 480/99 de 9 de Novembro;
Alterado pelos seguintes diplomas:
- Decreto-Lei n.º 323/2001 de 17 de Dezembro;
- Decreto-Lei n.º 38/2003 de 8 de Março; e
- Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro. [8] Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:
“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág. 299.
Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões.
Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág. 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág. 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág. 156). [9] Saliente-se o referido em aresto do STJ de 22-02-2017, ( que versou sobre indicação exacta das passagens da gravação em que se funda a sua discordância proferido no processo nº 988/08.3TTVNG.P4.S1, Nº Convencional: 4ª. Secção, Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso (acessível em www.dgsi.pt , sendo que os pés de página devem ser consultados no aresto):
“Este Supremo já se pronunciou, por diversas vezes, sobre os requisitos a observar pelo recorrente quando o recurso tenha por objeto a reapreciação da prova gravada, e no sentido de que o recurso não deve ser rejeitado sempre que o recorrente indique nas alegações os concretos pontos de facto que pretende ver alterados, o sentido dessa alteração e os concretos meios de prova que impõem a alteração da decisão no sentido pretendido, assim cumprindo o estabelecido no nº1 do preceito em análise.
Quanto à indicação exata das passagens da gravação em que se funda a sua discordância [nº 2, al. a)] tem entendido este Supremo que não deve adotar‑se uma posição excessivamente formal, considerando que é dado cumprimento ao ónus em causa, quando o recorrente faça uma indicação que possibilite à Relação o acesso, sem dificuldade, ao excerto da prova visado, designadamente com a transcrição dessas concretas passagens, ainda que omitindo a indicação do respetivo início e termo, por referência à gravação, limitando essa indicação ao início e termo do depoimento.
Vejam-se os seguintes acórdãos:
- Ac. STJ de 09/07/2015, proc. nº 284040/11.OYIPRT.G1.S1, 7ª Secção (Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza):
(…)
«IV – Tendo o apelante, nas suas alegações de recurso, (i) identificado os pontos de facto que considerava mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, (ii) indicado o depoimento das testemunhas, que entendeu mal valorados, (iii) fornecido a indicação da sessão na qual foram prestados e do início e termo dos mesmos, apresentado a sua transcrição, (iv) bem como referido qual o resultado probatório que nos seu entender deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova, tanto bastava para que a Relação tivesse procedido à reapreciação da matéria de facto, ao invés de a rejeitar».
- Ac. STJ de 22.09.2015, proc. nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção (Relator: Pinto de Almeida):
(…)
«II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação.
III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art.º 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art.º 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).
IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.
V – Se essa cominação se afigura indiscutível relativamente aos requisitos previstos no n.º 1, dada a sua indispensabilidade, já quanto ao requisito previsto no n.º 2, al. a), justifica-se alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão.
VI – Se a falta de indicação exacta das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, a rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável.»
- Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09 (Relator: Lopes do Rego):
«1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação – que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº 1 do art.º 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art.º 640º, nº 2, al. a) do CPC).
2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso».
Ac. STJ, datado de 14/07/2016, P. nº 1183/09.0TTGMR.G1.S1 ([8]) «1 - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, enuncie a decisão alternativa que propõe e, tratando-se de prova gravada, que indique com exatidão as passagens da gravação em que funda a sua discordância com o decidido.
2 – Tendo o recorrente omitido nas alegações a indicação precisa do início e termo das concretas passagens da gravação visadas, mas tendo no corpo das alegações procedido à transcrição dos excertos dos depoimentos, que pretende ver reapreciados, para além de ter juntado a respetiva transcrição integral, cumpriu suficientemente o ónus imposto pelo art.º 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil.»
No caso dos autos, é certo que o recorrente não procedeu à indicação numérica e precisa do princípio e do fim das passagens que, no seu entendimento, foram incorretamente apreciadas pela 1ª instância limitando-se a indicar o início e o termo do depoimento.
A decisão da Relação não seria merecedora de qualquer censura se os recorrentes se tivessem limitado àquela indicação ([9]).
Mas os recorrentes transcreveram também, no corpo das alegações, os excertos dos depoimentos que justificavam a sua discordância e constituíam, a seu ver, o fundamento para ser alterada a decisão sobre a matéria de facto.
Para além disso, a transcrição foi feita por referência a cada um dos factos visados.
Assim:
(…..)
A indicação precisa do início e termo das concretas passagens destina-se, tão só, a simplificar a tarefa da Relação na reapreciação da prova gravada, não só chamando a atenção para aquela parte do depoimento, como tornando mais fácil e célere a respetiva localização na gravação.
E se é verdade que essa indicação precisa é de primordial importância quando estão em causa depoimentos longos, já a mesma se afigura pouco relevante no caso de depoimentos de curta duração ([10]).
Por outro lado, impondo-se, atualmente, que a Relação crie a sua própria convicção relativamente à prova produzida e à matéria de facto impugnada no recurso, cremos que tal desiderato dificilmente se atingirá com a mera reapreciação de excertos dos depoimentos, o que não significa que se transforme ou deva transformar a reapreciação da prova num novo julgamento, que nunca será, uma vez que a mesma se limita aos pontos de facto indicados pelo recorrente. Não podem, aliás, olvidar-se os poderes/deveres de averiguação oficiosa conferidos pela al. b) do nº 2 do art.º 640º do CPC e que apenas são alcançáveis se a Relação não se limitar a uma audição parcial e, necessariamente, truncada dos depoimentos.
Como é referido na “exposição dos motivos” da Lei 41/2013 de 26.06 “…cuidou-se de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios…, são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material. Com efeito, se os elementos constantes do processo, incluindo a gravação da prova produzida na audiência final, não forem suficientes para a Relação formar a sua própria convicção sobre os pontos da matéria de facto impugnados, tem a possibilidade, mesmo oficiosamente, de ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento e de ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova.”
Em suma, pese embora não tenham indicado o início e o termo de cada uma das passagens da gravação em que fundamentam a sua discordância quando ao decidido e que pretendem ver reapreciado pela Relação, ao procederem à transcrição desses excertos, cumpriram suficientemente os requisitos estabelecidos nas alíneas b) do nº 1 e a) do nº 2 do art.º 640º do CPC, motivo pelo qual a rejeição do recurso de apelação no tocante à reapreciação da matéria de facto não pode ser acolhida, impondo-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do … para reapreciação da prova gravada, de acordo com o invocado pelos recorrentes BBB e CCC. “– fim de transcrição.
Sobre este tema cumpre ainda salientar o acórdão de 14-1-2016 do STJ proferido no âmbito do processo nº 326/14.6TTCBR.C1.S1 , Nº Convencional: 4ª Secção , Relator Conselheiro Mário Belo Morgado ( acessível em www.dgsi.pt ) :
“
8. Relativamente ao sentido e alcance dos requisitos formais de cumprimento dos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecidos no art.º 640.º, n.º 1 e 2, do CPC, têm vindo a consolidar-se no STJ as linhas jurisprudenciais expressas, entre outros, nos seguintes arestos, assim sumariados na parte que ora releva:
- Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social (Relatora: Ana Luísa Geraldes):
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II - Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.
IV – Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art.º 640.º do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1 constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação.
- Ac. STJ de 22.10.2015, P. 212/06.3TBSBG.C2.S1, 2ª Secção (Relator: Tomé Gomes):
1. O sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto.
2. O meio impugnatório mediante recurso para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida.
3. A decisão de facto tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, alcançando ainda a respetiva fundamentação ou motivação.
4. Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal de recurso tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos do n.º 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido.
5. São as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza da decisão de facto que postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640 do CPC.
6. Impõe-se também ao impugnante, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, o requisito formal de indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
7. O impugnante não satisfaz tais requisitos quando (…) omita completamente a especificação daqueles pontos, bem como a indicação da decisão a proferir sobre cada um deles, limitando-se a discorrer sobre o teor dos depoimentos convocados com afloramentos de um ou outro resultado probatório que entendem ter sido logrado na produção da prova.
- Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção (Relator: Pinto de Almeida):
(…)
II - Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objeto do recurso, quer no que respeita à respetiva fundamentação.
III - Na delimitação do objeto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspetiva, impunham decisão diversa da recorrida (art.º 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda (art.º 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).
IV - A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afetada.
V - Se essa cominação se afigura indiscutível relativamente aos requisitos previstos no n.º 1, dada a sua indispensabilidade, já quanto ao requisito previsto no n.º 2, al. a), justifica-se alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão.
VI - Se a falta de indicação exata das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, a rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável.
- Ac. STJ de 23.02.2010, P. 1718/07.2TVLSB.L1.S1, 6ª Secção (Relator: FONSECA RAMOS):
I - Não se exige ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza nas conclusões tudo o que alegou no corpo alegatório e preenche os requisitos enunciados no art.º 690.º-A, n.º1, als. a) e b), e n.º 2, do Código de Processo Civil, o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara.
II – Esta consideração não dispensa, todavia, o recorrente de nas conclusões fazer alusão àquela pretensão sobre o objeto do recurso, mais não seja pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados, de modo a que delas resulte, inquestionavelmente, que pretende impugnar o julgamento da matéria de facto.
III – Tendo a recorrente, na conclusão primeira, afirmado de modo insofismável que pretendia recorrer do julgamento da matéria de facto, parece-nos eivada de formalismo a decisão que rejeitou o recurso nessa parte, por considerar que nas conclusões a recorrente omitiu os requisitos que estava obrigada a alegar para que a questão fosse apreciada pela Relação. “
9. In casu, a recorrente, nas conclusões da alegação do recurso de apelação (cfr. fls. 478/496), identifica os pontos da matéria de facto que impugna; e, embora sem identificar os depoimentos das testemunhas (o que fez em termos claros no corpo alegatório – cfr. fls. 346/407), indicou as passagens das gravações áudio em que se funda o recurso.
É certo que, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, se propõe uma verdadeira redação alternativa para os pontos de facto impugnados, pelo que, manifestamente, não nos encontramos perante uma impugnação modelar. Todavia, a recorrente afirma/identifica nas conclusões, em termos inequívocos, o sentido que em seu entender deve extrair-se das provas que invoca e analisa, procedendo mesmo à transcrição de várias passagens da gravação, em termos que suficientemente permitem apreender as questões por si suscitadas e o alcance das respostas visadas pela mesma no plano do recurso de facto.
Deste modo, afigura-se-nos que a rejeição pela Relação do recurso interposto do julgamento de facto enferma de excessivo formalismo, impondo-se, assim, a sua revogação.
Consequentemente, fica prejudicada a apreciação da segunda questão suscitada no recurso [3]. – fim de transcrição.
E igualmente o dirimido em ac. de 3-12-2015 do STJ proferido no âmbito do processo nº 1348/12.7TTBRG.G1.S1, Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro Melo Lima (acessível em www.dgsi.pt ) em que se referiu:
“ 1. O cumprimento do ónus estabelecido no artigo 640.º do Código de Processo Civil passa pela invocação de que determinado facto foi incorretamente julgado, enunciando-o e explicitando as razões de tal incorreção, isto é, apresentando uma análise crítica dos elementos de prova de que o julgador deveria retirar uma conclusão diferente da que retirou, e ainda pela indicação do facto tal como deveria ter sido dado como provado ou não provado.” – fim de transcrição.
E o mesmo se dirá no tocante ao dirimido em aresto de 10-12-2015, proferido pelo STJ, no processo 2367/12.9TTLSB.L1.S1, Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro Melo Lima (acessível em www.dgsi.pt ) que na parte para aqui relevante considerou:
“I - O princípio da livre apreciação da prova, plasmado no n.º 5 do art.º 607.º do CPC, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação quando é chamada a reapreciar a matéria de facto.
II - Compete ao Tribunal da Relação reapreciar todos os elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos e, de acordo com a convicção própria que com base neles forme, consignar os factos materiais que julga provados, coincidam eles, ou não, com o juízo alcançado pela 1.ª instância pois só assim atuando está, efetivamente, a exercitar os poderes que nesse âmbito lhe são legalmente conferidos” – fim de transcrição. [10] Segundo o artigo 5.º da Lei nº 107/2019, de 09/09.
Regime transitório
1 - As disposições da presente lei são imediatamente aplicáveis às ações, aos procedimentos e aos incidentes pendentes na data da sua entrada em vigor, com exceção do disposto nos números seguintes.
2 - Nas ações pendentes em que, na data da entrada em vigor da presente lei, já tenha sido admitida a intervenção do tribunal coletivo, o julgamento é realizado por este tribunal, nos termos previstos na data dessa admissão.
3 - As alterações introduzidas pela presente lei em matéria de admissibilidade e de prazos de interposição de recurso apenas se aplicam aos recursos interpostos de decisões proferidas após a sua entrada em vigor.
Por sua vez, o artigo 9º do mesmo diploma regula:
Entrada em vigor
1 - A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
2 - A revogação dos artigos 173.º a 182.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, apenas se aplica às ações instauradas após a entrada em vigor da presente lei. [11] Vide Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª Edição, Almedina, 2004, pág. 474. [12]Que a partir de 9 de Outubro de 2019, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, de 09/09, passou a regular:
Artigo 72.º
Discussão e julgamento da matéria de facto
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
3 - Abertos os debates, é dada a palavra, por uma só vez e por tempo não excedente a uma hora, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para fazerem as suas alegações, tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito.
4 - (Revogado.)
5 - (Revogado.)
6 - O tribunal pode, em qualquer altura, antes dos debates, durante eles ou depois de findos, ouvir o técnico designado nos termos do artigo 601.º do Código de Processo Civil.
Cumpre recordar que de acordo com o artigo 5.º da Lei n.º 107/2019:
Regime transitório
1 - As disposições da presente lei são imediatamente aplicáveis às ações, aos procedimentos e aos incidentes pendentes na data da sua entrada em vigor, com exceção do disposto nos números seguintes.
2 - Nas ações pendentes em que, na data da entrada em vigor da presente lei, já tenha sido admitida a intervenção do tribunal coletivo, o julgamento é realizado por este tribunal, nos termos previstos na data dessa admissão.
3 - As alterações introduzidas pela presente lei em matéria de admissibilidade e de prazos de interposição de recurso apenas se aplicam aos recursos interpostos de decisões proferidas após a sua entrada em vigor. [13] Vide Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183. [14] Vide Comentário ao CPC, Volume 2º, pág. 507. [15] Acordo de empresa NNN. e o SITEMAQ Sindicato de Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra – Revisão global. [16] Sobre o assunto, por exemplo, a Relação do Porto entende:
“Pois, a consideração de factos não alegados para integrarem a base instrutória, ou não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, só é possível por via do disposto no art.º 72º, nº 1 do CPT, nesse caso pressupondo que se dê cumprimento ao disposto no nº 2, ou nas circunstâncias referidas no nº 4, do mesmo artigo, nomeadamente, possibilitando-se às partes indicarem as respectivas provas, requerendo-as imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
Precisamente por isso, como é entendimento pacífico da jurisprudência, desta secção social, entre muitos os (Ac.s de 11.06.2012, proc. nº 2/10.9TTMTS.P1. e de 05.10.2015, proc. nº 2673/15.0T8MAI-A.P19, ambos relatados pela Exma. Desembargadora M. Fernanda Soares, aqui, 2ª Adjunta, ao que supomos, inéditos) a segunda instância não pode fazer uso do disposto no art.º 72º do CPT, visto que não pode ser dado cumprimento ao nº2 do mesmo.
Donde não competir a este Tribunal, aqui e agora, em sede de recurso, tomar qualquer novo facto em consideração, e deste modo, dar o mesmo por provado, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do citado artigo), ou seja, só ao Tribunal “a quo”, no uso do poder/dever conferido por aquele art.º 72º, tendo ocorrido discussão sobre a mesma, se fosse esse o caso, competia considerar provada tal factualidade.
Assim, sendo certo que a pretensão do recorrente pressuporia que este Tribunal “ad quem” interviesse nos termos previstos no nº1, daquele artigo, na medida em que pressupõe considerar factos não alegados para se considerarem como provado, não sendo tal permitido, sucumbe a impugnação, a este propósito.” – fim de transcrição de acórdão , de 07-10-2019, proferido no processo nº 3633/17.2T8VFR.P1, Nº Convencional:
JTRP000, Relatora Rita Romeira, nº do Documento: RP201910073633/17.2T8VFR.P1 acessível em www.dgsi.pt.
E nem se argumente com hipotática anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto nesse particular, sendo que segundo aresto do STJ , de 15-09-2016, proferido no processo nº , 2/13.7TTBRG.G1.S1, Nº Convencional:
4ª. Secção, Relator António Leones Dantas :
6 – A referenciação em sede de alegações, no âmbito de um recurso sobre a matéria de facto, de factos que teriam sido trazidos ao conhecimento do Tribunal em audiência, sem que na audiência tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, não legitima, só por si, que o julgamento tenha que que ser anulado para ampliação da matéria de facto de forma a abranger os factos em causa.
Ali se consignou nesse particular:
“
Dispõe o art.º 72.º do CPT, sob a epígrafe, “Discussão e julgamento da matéria de facto” que:
“1 - Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se for ampliada a base instrutória nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
3 - Abertos os debates, é dada a palavra, por uma só vez e por tempo não excedente a uma hora, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para fazerem as suas alegações, tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito.
4 - Findos os debates, pode ainda o tribunal ampliar a matéria de facto, desde que tenha sido articulada, resulte da discussão e seja relevante para a boa decisão da causa.
5 - Os juízes sociais intervêm na decisão da matéria de facto votando em primeiro lugar, segundo a ordem estabelecida pelo presidente do tribunal, seguindo-se os juízes do coletivo por ordem crescente de antiguidade, mas sendo o presidente o último a votar.
6 - O tribunal pode, em qualquer altura, antes dos debates, durante eles ou depois de findos, ouvir o técnico designado nos termos do artigo 649.º do Código de Processo Civil.”.
Ao contrário do que pretende a recorrente, o mecanismo previsto neste artigo está, em princípio, previsto para a audiência de discussão e julgamento, no momento da decisão da matéria de facto.
Decorre desta norma a faculdade que o juiz tem de ordenar a reabertura da audiência a fim produzir nova prova, sempre que o julgar necessário ao cabal esclarecimento dos factos.
Sendo certo que tal poder cabe ao juiz, nada obsta que as próprias partes requeiram desde logo ao Tribunal o “recurso” a tal instrumento, quando se apercebam de que da produção de prova resultaram factos provados, que não obstante não terem sido expressamente alegados, são relevantes para a boa decisão da causa, desde que se contenham nos limites da causa de pedir da parte.
No caso dos autos, não resulta quer dos articulados/requerimentos apresentados pelas partes, nem da própria ata da audiência de discussão e julgamento que a A. tenha requerido tal exercício por parte do Tribunal de primeira instância.
Ora, se o juiz pode usar tal poder oficiosamente ou a requerimento da parte, nada obsta que tendo esta solicitado tal uso, que recorra para o Tribunal da Relação, no caso em que o Tribunal opta por não fazer uso do mesmo. Mas em que termos pode fazê-lo?
A este propósito, referem Hermínia Oliveira e Susana Silveira[7], que: “O não uso do art.º 72.º, n.º 1, do CPT – nos casos em que, obviamente, a sua utilização se imponha – é, conforme tem vindo a ser entendido pela Jurisprudência, gerador de nulidade, porquanto a omissão da ampliação da matéria de facto quanto a factos com relevância para a boa decisão da causa condiciona e/ou influência o seu subsequente exame e decisão (art.º 195.º, n.º 1, do CPC). A nulidade deve ser arguida pela parte, na própria audiência (art.º 199.º, n.º 1, do CPC). Não sendo arguida, considerar-se-á sanada. A nulidade, assim constatada, consubstancia nulidade processual – tal-qual decorre do exposto - e não nulidade da própria sentença. Com efeito, a nulidade da sentença – mormente por omissão de pronúncia – só se verifica, como reiteradamente tem vindo a ser afirmado pelo STJ, quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente.”
E prosseguem aquelas autoras referindo: “A reação ao não uso ou ao uso indevido, pelo juiz da 1.ª instância, do poder-dever constante do art.º 72.º, n.º 4, poderá, apenas, ocorrer por via de recurso a interpor pela parte prejudicada, seja suscitando a omissão, no elenco dos factos provados, de factos alegados, discutidos e relevantes – a impor, à parte, o cumprimento dos ónus constantes do art.º 640.º, n.º 1, do CPC –, seja suscitando a ausência de elementos probatórios que sustentem os factos tidos por provados” e que “(…), o exercício dos poderes-deveres contidos no art.º 72.º, n.º 1, está circunscrito à 1.ª instância, sendo que à Relação apenas é consentida a reapreciação dos meios de prova que conduziram à prova ou não prova dos factos sobre os quais incida o recurso da matéria de facto ou ordenar a ampliação da matéria de facto quando repute serem essenciais factos para a decisão que não mereceram da 1.ª instância qualquer pronúncia, mas que estejam alegados.
Aliás, os poderes da Relação estão, neste âmbito, concreta e claramente delimitados pelo n.º 1 do art.º 662.º: a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que significa que a decisão a alterar há de respeitar a factos adquiridos – no sentido de provados/não provados ou alegados – e não a outros que sejam percecionados no decurso da audição dos registos da prova”.
Daqui se retira que não tendo feito o tribunal da 1.ª instância uso do poder-dever previsto no art.º 72.º do CPT, até ao momento do encerramento da discussão em 1.ª instância, como não o fez no caso dos autos, atendendo à fundamentação apresentada na sentença para a matéria de facto dada como provada, o Tribunal da Relação, em recurso da sentença final, não pode determinar a anulação do julgamento a fim de ser ampliada a matéria de facto a tais factos não articulados, (mesmo que a prova tenha sido gravada). Tal limitação deve-se à restrição operada pelo disposto no n.º 4 do referido artigo 72.º.
Sobre esta questão referiu-se no acórdão de 2 de abril de 2014, proferido nos autos com o número de Proc. 612/09.7 TTST.P1.S1 (também disponível in www.dgsi.pt), o seguinte:
“Resulta do artigo 27.º, alínea b), do Código de Processo de Trabalho, sob a epígrafe «poderes do juiz» que o juiz deve «até à audiência de discussão e julgamento», «b) convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, quando no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova». Por seu turno, decorre do n.º 1 do artigo 72.º do mesmo código, que «se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão» e do n.º 2 do mesmo artigo resulta que «se for ampliada a base instrutória nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias».
Finalmente decorre do n.º 4 do mesmo artigo que «findos os debates, pode ainda o tribunal ampliar a matéria de facto, desde que tenha sido articulada, resulte da discussão e seja relevante para a boa decisão da causa».
Lidos estes dispositivos, emerge dos mesmos um complexo de poderes relativos à matéria de facto atribuídos à iniciativa do Tribunal, mas que nada impede que sejam exercidos a requerimento das partes, e que configura uma situação que ultrapassa o regime do processo civil decorrente do n.º 2 do artigo 264.º do CPC, e que é motivada pelas preocupações da natureza pública e de busca da verdade material que estão subjacentes à aplicação do Direito do Trabalho.
Mau grado seja legítimo o conhecimento de factos não articulados pelas partes e que chegam ao conhecimento do Tribunal, nomeadamente, no contexto da audiência, essa oportunidade de conhecimento não legitima, sem mais, a possibilidade de utilização desses factos como base na decisão a proferir, impondo-se a sujeição dos mesmos às exigências de contraditório estabelecidas, única forma de evitar atropelos relativamente à normalidade da gestão do processo, principalmente aos direitos das partes.
O regime previsto aponta para a oficiosidade da intervenção do Tribunal relativamente a esses factos, mas isso não impede, aliás tudo aconselha a que as partes, no contexto da audiência, suscitem o aditamento dos mesmos à Base Instrutória e o estabelecimento do contraditório que permita a respetiva utilização como suporte da decisão a proferir.
No caso dos autos, nada foi requerido no contexto da audiência, vindo os Autores suscitar a questão da ampliação da matéria de facto em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação, o que manifestamente atropela os princípios relativos à gestão do processo.
Com efeito, mau grado o CPT preveja essa intervenção oficiosa não estabelece qualquer disciplina que ultrapasse os quadros que emergem do processo civil e se sobreponha aos mesmos, pelo que aquela disciplina terá de ser articulada com o regime geral que resulta do Código de Processo Civil.
Não é, pois, possível tratar a omissão de intervenção sobre a factualidade relevante na perspetiva das partes, prevista no artigo 72.º do CPT, como se a mesma tivesse sido alegada nos articulados respetivos pelas partes, o que poderia viabilizar o recurso ao disposto no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil.
Na verdade, não se mostram preenchidos os requisitos definidos no artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, para ampliação da matéria de facto dada como provada «em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito».
Com efeito, nos termos daquele dispositivo e do n.º 1 do artigo 730.º do Código de Processo Civil, o Supremo pode mandar «julgar novamente a causa», quando «entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».
Porém, conforme se vem entendendo uniformemente, a faculdade concedida a este Supremo Tribunal de ordenar a ampliação da matéria de facto, só pode ser exercida no respeitante a factos articulados pelas partes ou de conhecimento oficioso, em consonância com o prevenido no artigo 264.º do Código de Processo Civil.
Acresce que apesar da oficiosidade do exercício dos poderes previstos no artigo 72.º, tais poderes nada têm a ver com os factos de conhecimento oficioso previstos no n.º 2 do referido artigo 264.º do Código de Processo Civil.
Tenha-se ainda presente a disciplina que emerge do artigo 511.º do Código de Processo Civil relativamente à inclusão de factos na BI, necessariamente articulados pelas partes, a necessidade de reclamação relativamente à não inclusão e a forma de impugnação das decisões que recaiam sobre essas reclamações.”
Ora, atento tudo o que acabámos de referir e expor, dúvidas não restam que para que o Tribunal da Relação pudesse conhecer do recurso da sentença da 1.ª instância, na parte em que é invocado o incumprimento do disposto no artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, teria a recorrente que ter efetuado todo o percurso processual supra exposto, o que não ocorreu.
Pelo que bem andou o Tribunal da Relação ao rejeitar o aditamento de factos peticionado nos termos do artigo 72.º do CPT, não padecendo a decisão recorrida, neste segmento de qualquer vício, o que não impede que o Tribunal da Relação ao julgar o recurso em matéria de facto, possa fazer uso dos poderes previstos na parte final da alínea c) do n.º2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil. “ – fim de transcrição. [17] Código do Trabalho anotado, Direção de Pedro Romano Martinez, Almedina, 9.ª edição, 2013, p. 982. [18] Segundo o artigo 18º da petição inicial:
“
18º
Às relações laborais aqui em apreço veio também a aplicar-se, de forma sucessiva, um Acordo de Empresa (AE) entre a NNN e o SITEMAQ, Sindicato da Marinha Mercante, Indústrias e Energia, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, nº 32, de 29/08/2008, nº 13, de 8/4/2009, nº 22, de 15/06/2010, nº 13, de 08/04/2013 e nº 36, de 29/09/2018 (Documentos nºs 1, 2, 3, 4 e 5 ora juntos).” – fim de transcrição.
Tal matéria mostra-se expressamente aceite no artigo 33º da contestação. [19] Recorde-se que os artigos 349º e 551º ambos do CC regulam:
(Noção)
Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto
desconhecido.
ARTIGO 351º
(Presunções judiciais)
As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.
Nas palavras de Manuel de Andrade a prova por presunção é a prova por indução ou inferência (prova conjectural) a partir dum facto provado por outra forma – e não destinado a representar a representar nem mesmo a indicar (como o sinal ou contramarca) o facto que constitui o thema probandum.
Chama-se presunção à própria inferência; ou ainda (menos propriamente) o facto que lhe serve de base – facto que mais rigorosamente, se designará por base da presunção” – fim de transcrição - Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora,1979, pág. 215,
E também ensinava este Professor que as presunções podem ser:
- legais ou de direito, sendo estas as estabelecidas pela própria lei (vide artigo 349º do CC segundo o qual
Noção);
Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
- naturais – de facto, judiciais, simples ou de experiência, sendo que estas resultam das máximas de experiência, do curso ou andamento natural das coisas, da normalidade dos factos (regras da vida; …), sendo livremente apreciadas pelo juiz (artigo 351º).
Todavia a força destas pode ser arredada por simples contraprova.
Segundo o acórdão do STJ , de 24 de outubro de 2019, Relatora Conselheira Maria Clara Sottomayor , acessível em www.dgsi.pt, as presunções judiciais “ são meios lógicos ou mentais de descoberta de factos ou operações probatórias que se firmam mediante regras de experiência, e permitem ao julgador extrair conclusões de factos conhecidos e provados para firmar factos desconhecidos. À semelhança da prova testemunhal (artigo 351.º do Código Civil), esta operação depende apenas da convicção do julgador, extraída a partir dos demais factos provados, notórios ou de conhecimento oficioso. As presunções judiciais representam assim processos mentais do julgador, numa dedução decorrente de factos conhecidos, e são o produto das regras da experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e das regras de experiência, conclui que aquele denuncia a existência doutro facto. No fundo, ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, o juiz pode utilizar a experiência da vida, da qual resulta, com forte grau de probabilidade, que um facto é consequência de outro. As presunções judiciais hão-de basear-se nas máximas de experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.
Em regra, as presunções admitem a prova do contrário ou a contraprova, que devem ser dirigidas contra o facto presumido, destinando-se a convencer o juiz de que, não obstante a realidade de facto que serve de base à presunção, o facto presumido não se verificou ou o direito presumido não existe. Estas presunções judiciais só são admitidas nos casos e nos termos em que o é a prova testemunhal (artigo 351.º do Código Civil).
Neste domínio, o Supremo Tribunal de Justiça só tem poderes para intervir, no caso de terem sido dados como provados, por presunção judicial, factos para cuja demonstração a lei exige um meio de prova com força probatória superior, por exemplo, um documento autêntico. Contudo, não é esta a problemática do presente recurso. E, na apreciação da conformidade das ilações inerentes às presunções judiciais ou de facto com as regras de experiência e de normalidade do acontecer, ou no controlo da verosimilhança ou congruência dos juízos feitos pelo tribunal recorrido, não pode o Supremo Tribunal de Justiça intervir, por ser um tribunal de revista que conhece apenas de questões de direito e não tem competência para modificar os factos nem para corrigir erros de julgamento ou erros na apreciação da matéria de facto ou formação de juízos de facto.” – fim de transcrição. [20] Segundo as suas clªs 1ª e 2ª:
Cláusula 1.ª
Âmbito
1 — O presente acordo de empresa obriga, no território nacional, à actividade de reboques marítimos, obrigando, por uma parte, a NNN, e, por outra, o Sindicato outorgante e os trabalhadores ao serviço daquela por este representados.
2 — O presente acordo abrange 1 empregador e 32 trabalhadores.
3 — A quaisquer matérias não reguladas pelo presente acordo, nomeadamente as referidas no artigo 541.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, será aplicável o disposto nesse Código.
Cláusula 2.ª
Vigência
1 — O presente AE entra em vigor após a publicação no Boletim de Trabalho e Emprego e vigorará por um período de 24 meses, renovando-se sucessivamente por iguais períodos até ser substituído por outro.
2 — As tabelas salariais e demais cláusulas de expressão pecuniária terão uma vigência de 12 meses e produzirão efeitos a partir de 1 de Janeiro de cada ano.
[21] Acordo de empresa entre NNN Lisboa - Reboques Marítimos, S.A. e o SITEMAQ Sindicato de Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra – Revisão global
CAPÍTULO I
Âmbito e Vigência
Cláusula 1.ª
Âmbito
1- O presente Acordo de Empresa obriga, no território nacional, à atividade de reboques marítimos, obrigando, por uma parte, a NNN Lisboa - Reboques Marítimos, S.A., e, por outra o Sindicato outorgante e os trabalhadores ao serviço daquela por este representado.
2- O presente acordo abrange o 1 empregador e 38 trabalhadores.
3- A quaisquer matérias não reguladas pelo presente acordo, nomeadamente as referidas no artigo 492.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, será aplicável o disposto nesse Código.
Cláusula 2.ª
Vigência
1- O presente AE entra em vigor após a publicação no Boletim de Trabalho e Emprego e vigorará por um período de 24 meses, renovando-se sucessivamente por iguais períodos até ser substituído por outro.
2- As tabelas salariais e demais cláusulas de expressão pecuniária terão uma vigência de 12 meses e produzirão efeitos a partir de 1 de Janeiro de cada ano.
Cláusula 56.ª
Manutenção dos direitos adquiridos
A presente revisão altera o Acordo de Empresa celebrado entre a NNN. e o SITEMAQ, assinado em 5 de maio de 2010 e publicado em Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 22, de 15 de junho de 2010. [22] Todavia, segundo aresto da Relação do Porto de 6.1.1994,
“I - Um facto não alegado pelas partes e contido na resposta a um quesito pode ser considerado na decisão se a ele se chegar por presunção simples, natural, judicial ou de experiência, por via de dedução dos factos provados consentida pelos artigos 349 e 351 do Código Civil. “– vide Acórdão nº 9350723 de Tribunal da Relação do Porto, de 6 de Janeiro de 1994, Relator Oliveira Barros, in https://tribunal-relacao.vlex.pt/vid/-30128176. [23] Segundo acórdão da Relação de Évora, de 12-01-2017, proferido no processo 152793/14.5YIPRT.E1, Relator Manuel Bargado, acessível em www.dgsi.pt:
“
Para Castro Mendes, factos instrumentais são «os que interessam indirectamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes» [2 - Direito Processual Civil, 1968, vol. 2º, p. 208.].
Anselmo de Castro define-os como «factos que não pertencem à norma fundamentadora do direito e em si lhe são indiferentes e que apenas servem para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção (constitutivos). Por outras palavras: têm apenas a função possível de factos-base de presunção, e, como tais, dada a sua função instrumental e auxiliar da prova, estão subtraídos ao princípio dispositivo» [3- Direito Processual Civil Declaratório, vol. 3º, pp. 275/276.].
Teixeira de Sousa refere-se-lhes como sendo «os que indiciam aqueles factos essenciais» [4- Introdução ao Processo Civil,1993, p. 52.].
Um exemplo esclarecedor é o apontado por Antunes Varela: numa ação de cobrança de dívida o réu alega na contestação ter já entregue ao autor a quantia devida e, no decurso da instrução, uma das testemunhas afirma ter o autor declarado, em tempos, a determinada pessoa, que recebera, efetivamente, essa quantia [5- Manual de Processo Civil, 1985, pág. 415.].
Ora, (…)” – fim de transcrição. [24] Este aresto logrou o seguinte sumário:
“
1.- Os factos complementares ou concretizadores são aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção.
2.- Se não forem oportunamente alegados e se nem as partes nem o tribunal, ao longo da instrução da causa, os introduzirem nos autos, garantindo o contraditório, a decisão final de mérito será desfavorável àquele a quem tais factos (omitidos) beneficiavam.
3. Sem prejuízo de às partes caber a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram a causa de pedir, a reforma do processo civil atribuiu ao Tribunal a assunção de uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo.
4. Reconhecendo-se agora ao Juiz, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
5. Os factos essenciais, a que se refere o art.º 5º do CPC, têm necessariamente de ser complementares ou concretizantes de outros factos essenciais oportunamente alegados em fundamento do pedido ou da excepção.
6. Essa complementaridade ou concretização tem de ser aferida pela factualidade alegada na petição inicial, isto é, pela causa de pedir invocada pelo autor, ou pela factualidade que fundamenta a excepção invocada na contestação.
7. Só são atendíveis os factos essenciais não alegados nos articulados e os instrumentais, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa.” – fim de transcrição. [25] Vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao NCPC, Almedina, 2014 - 2.ª Edição, págs. 42 e 43. [26] Que estatui:
Condenação extra vel ultra petitum
O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. [27] Nomeadamente na redacção actual supra transcrita. [28] 1 - Sendo certo que esta partindo de determinado facto, chega por mera dedução lógica à demonstração da realidade de um ou facto.
2. As presunções naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência. [29] Diploma aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto. [30] Segundo o artigo 3.º
- Entrada em vigor
1 - O Código do Trabalho entra em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003. [31] Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. [32] Vide artigo 14º do diploma. [33] Que logrou o seguinte sumário:
“
I– Invocando o autor as limitações decorrentes de uma intervenção cirúrgica ao joelho direito que o impossibilitaram de passar uma procuração forense a Advogado que o representasse nos autos e constatando-se que o autor, 13 dias após a intervenção cirúrgica, se deslocou ao Hospital para uma consulta de Fisiatria e que 14 dias depois voltou a deslocar-se ao Hospital para uma consulta de Ortopedia, não demonstrou o mesmo qualquer limitação física que o impedisse de passar a procuração forense, sendo de concluir que o autor teve actuação negligente ao não dar adequado andamento ao processo durante mais de 9 meses, assim se justificando plenamente a deserção da instância.
II– O princípio do “favor laboratoris” não tem a ver com as regras do ónus da prova, sendo antes inspirador do legislador laboral.” – fim de transcrição. [34] Vide ac. da Relação de Lisboa, de 27-02-2008, proferido no Processo: 10688/2007-4, Relator Isabel Tapadinhas, acessível em www.dgsi,pt que logrou o seguinte sumário:
“
I - A comunicação escrita a que alude o art.º 447.º, nº 1 do Cód. Trab. é uma formalidade ad probationem, não produzindo a sua falta a invalidade da denúncia
II - O princípio do favor laboratoris constitui uma técnica de resolução de conflitos entre lei e convenção colectiva e não tem qualquer aplicação quando está em causa uma questão de interpretação da declaração negocial.” – fim de transcrição. [35] Que logrou o seguinte sumário:
“
1. Por não se tratar de contrapartida da execução da prestação laboral, as quantias auferidas por tripulante de cabina, a título de ajudas de custo PN, ajudas de custo PNC, ajudas de custo complementares PNC, vencimento de horário PNC e subsídio de assiduidade não relevam para cálculo da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
2. Deve considerar-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorra todos os meses de actividade do ano (onze meses).
3.No domínio do Código do Trabalho de 2003, as normas legais reguladoras do contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
4. A média dos valores pagos a tripulante de cabina, a título de comissões de venda a bordo e de retribuição especial PNC, quando tais atribuições patrimoniais ocorram em todos os meses de actividade (onze meses), será de atender para efeitos de cálculo da retribuição de férias e subsídio de férias, salvo no período entre 1 de Dezembro de 2003 e 1 de Março de 2006 (entrada em vigor do AE de 2006).” – fim de transcrição. [36]Aliás, segundo o acórdão nº 338/2010, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República , nº 216/2010, , Série I, de 8 de Novembro de 2010, págs.4994 a 5031 , que , além de outras normas , não declarou a inconstitucionalidade dos nºs 1 e 2 a 5 do artigo 3º do CT/2009 ( Declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 356.º, n.º 1, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro; não declara a inconstitucionalidade das seguintes normas do Código do Trabalho: n.ºs 1 e, em consequência, 2 a 5 do artigo 3.º; alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 140.º; n.º 1 do artigo 163.º, e artigos 205.º, 206.º, 208.º, 209.º, 392.º, 497.º, 501.º e 10.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro):
“
II - Fundamentação.
- 5 - Conflito entre fontes de regulação.
- O requerente levanta a questão da constitucionalidade de todo o artigo 3.º do Código do Trabalho. Mas, na verdade, de forma imediata é antes de mais a constitucionalidade do n.º 1 que está em causa.
O problema levantado radica no facto de o n.º 1 do artigo 3.º da actual versão do Código do Trabalho permitir o afastamento da lei laboral por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (IRCT) (convenções colectivas de trabalho e instrumentos não negociais, como as portarias de extensão e as decisões arbitrais).
O requerente considera esta possibilidade inconstitucional e invoca os artigos 2.º, 9.º, alíneas b) e d), 58.º, 59.º e 81.º, alíneas a) e b), para defender que a Constituição garante «um estatuto laboral mínimo de protecção» que se traduziria no chamado princípio do tratamento mais favorável do trabalhador.
Referindo-se expressamente ao problema do valor dos IRCT, Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem a impossibilidade de a lei poder consentir o seu próprio afastamento por IRCT: «[as convenções colectivas de trabalho] têm obviamente eficácia infralegislativa, não podendo contrariar a lei imperativa; a lei não pode sequer consentir ela mesma a sua derrogação por convenção colectiva, por força do artigo 112.º, n.º [5], mas não está impedida de estabelecer regimes mínimos ou supletivos {Código do Trabalho, artigo [3.º]}» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 748).
O preceito do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Trabalho é idêntico ao n.º 1 do artigo 4.º da versão de 2003, o qual por sua vez viera pôr em crise o tradicional princípio do tratamento mais favorável do trabalhador que aparecia enunciado no artigo 13.º da antiga Lei do Contrato de Trabalho, que dispunha: «As fontes superiores prevalecem sempre sobre as fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabeleçam tratamento mais favorável ao trabalhador.»
Deve, no entanto, começar por se dizer que o preceito do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Trabalho aparece mitigado.
Desde logo, o n.º 2 proíbe que a lei seja afastada por portaria de condições de trabalho [esta disposição surgiu na sequência da pronúncia do Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva, no Acórdão n.º 306/2003, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 18 de Julho de 2003, onde ficou decidido que as portarias de condições de trabalho violam o artigo 112.º, n.º 6 (actual n.º 7), da Constituição pois «têm carácter normativo inovatório» e 'não se ligam a nenhum instrumento de regulamentação colectiva negocial anterior»].
Além disso, o n.º 3 - aditado em 2009, provavelmente na sequência da discussão que a questão suscitou (v. Livro Branco da Relações Laborais, pp. 98 e 99) - elenca, em 13 alíneas, uma série de matérias relativamente às quais os instrumentos de regulamentação colectiva só podem afastar a lei se dispuserem em sentido mais favorável ao trabalhador (mantendo, pois, a lei a lógica do princípio do tratamento mais favorável em determinadas matérias que se consideram nucleares).
Relativamente a estas matérias, a lei assegura um mínimo imperativo (garantido) aos trabalhadores, estando os IRCT absolutamente impedidos de regulamentar in pejus.
Como explica Maria do Rosário Ramalho, Direito do Trabalho, parte i, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 280, a respeito do princípio do tratamento mais favorável na actual versão do artigo 3.º do Código do Trabalho que data de 2009: «Assim, no que se refere a esta matéria, o actual Código do Trabalho ficou a meio caminho entre a legislação tradicional nesta matéria (que tinha a exigência máxima quanto ao requisito da maior favorabilidade para o afastamento da lei pelas convenções colectivas de trabalho) e o Código do Trabalho de 2003, que perfilhava o entendimento oposto. Em suma, trata-se de uma solução de compromisso, uma vez que se mantém o princípio da supletividade geral das normas legais perante as convenções colectivas de trabalho, mas se atenua esse princípio com a exigência da maior favorabilidade em matérias mais significativas do ponto de vista das garantias dos trabalhadores.»
Também Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, pp. 125 e segs.) sustenta que: «[N]ão está em causa o primado da lei imperativa. Tal como na LCT, em que se falava de 'oposição' da lei, o CT obsta ao 'afastamento' das normas legais por fonte inferior, quando daquelas normas 'resultar o contrário', isto é, que não podem ser afastadas. São duas maneiras de dizer a mesma coisa. [...] No CT, o ponto de partida da operação interpretativa-qualificativa incidente sobre a norma legal (para se poder aplicar a fonte inferior de conteúdo diferente) já não é a presunção de que essa norma admite variação em sentido mais favorável ao trabalhador mas a de que admite variação em qualquer dos sentidos. Tal presunção só é afastada se da norma legal resultar inequivocamente que nenhuma variação é legítima ou que só o será num dos sentidos possíveis, ou seja, usando as palavras da lei, 'se dela resultar o contrário'. Tal é a 'posição de princípio' adoptada pelo legislador de 2003 e mantida (como tal) na revisão de 2009 (artigo 3.º, n.º 1). No entanto, o Código revisto restringe fortemente o alcance dessa directiva geral. O artigo 3.º, n.º 3, supõe a prevalência do tratamento mais favorável, relativamente a um largo elenco de matérias, no qual se compreende tudo o que pode considerar-se essencial na construção do estatuto sócio-laboral derivado para o trabalhador do contrato de trabalho.»
O requerente contesta ainda, assim, a possibilidade de afastamento de normas legais por normas constantes de IRCT que possam ser de sentido menos favorável ao trabalhador. Coloca-se, então, a questão do estatuto constitucional do princípio do tratamento mais favorável do trabalhador.
Resta saber se tal princípio possui força constitucional, impondo-se ao próprio legislador e se implicará a regra da imperatividade da lei, entendida como norma mínima, em face das convenções colectivas de trabalho.
Ainda na doutrina, Jorge Leite [«Código do Trabalho - Algumas questões de (in)constitucionalidade», in Questões Laborais, n.º 22, ano x, 2003, p. 274] considera que uma norma (como o artigo 3.º, n.º 1, do Código do Trabalho) que permita o afastamento da lei por IRCT é inconstitucional, concluindo: «Mal se compreenderia, aliás, como poderá o Estado desempenhar a incumbência constitucional de assegurar as condições de trabalho (n.º 2 do artigo 59.º) - de todas e não apenas das que enumera a título exemplificativo nas alíneas do número do citado artigo - se a lei que as estabelece permitir, ao mesmo tempo, o seu afastamento por convenção colectiva.»
No mesmo sentido, Milena Rouxinol («O princípio do tratamento mais favorável», in Questões Laborais, n.º 28, ano x, 2006, pp. 174 e 175), depois de fazer coincidir o princípio do tratamento mais favorável com o princípio da norma mínima, afirma: «O princípio da norma mínima traduz-se assim numa apreensão da problematicidade concreta na esfera da normatividade jurídica. Com efeito, não se vê como pode lograr-se o desiderato de compensação da desigualdade fáctica e jurídica entre trabalhador e empregador se os mínimos legais puderem ser afastados in pejus por instrumentos hierarquicamente inferiores [...] Em direito do trabalho, a justiça repõe-se pela desigualdade, de modo que se as forças sindicais assentirem na redução dos mínimos legais de tutela do trabalhador, ainda que tal opção seja assumida em situação de equilíbrio negocial, resultará gorada a protecção que o legislador defere ao - ainda e sempre - contraente débil da relação laboral e frustrado o propósito de justiça material.»
A questão não se pode, porém, limitar à existência, ou não, de um princípio do tratamento mais favorável. Será sempre necessário saber qual é o seu exacto sentido e alcance constitucional. Implicará ele realmente um «princípio da norma mínima», como pretende alguma doutrina? E exigirá um tal princípio, caso se aceite, uma regra de imperatividade da lei (e dos mínimos de protecção que ela contém) não apenas em face do contrato individual de trabalho, mas, também, em face dos instrumentos de regulamentação colectiva?
Não há dúvida de que o conjunto dos direitos dos trabalhadores associados à ideia de democracia económica, social e cultural nos induzem a afirmar que a Constituição pretende dar um «tratamento favorável», uma especial protecção àquelas pessoas que trabalham num vínculo de subordinação, vivendo e alimentando-se a si e às suas famílias geralmente com base na retribuição resultante desse trabalho. É esta ideia que justifica a generalidade dos direitos e garantias dos trabalhadores e a uma tal ideia justificadora poderemos chamar princípio do tratamento mais favorável do trabalhador.
Todavia, ainda que se admita um tal princípio do tratamento mais favorável, a sua validade constitucional nunca nos exime da questão das suas condicionantes e limites. A pura e simples defesa do princípio do tratamento mais favorável, no contexto de um determinado modelo de Estado (o Estado social), das tarefas que lhe correspondem e dos direitos económico-sociais dos trabalhadores não é suficiente. Esta posição tem de se inserir num contexto mais vasto.
Não se trata aqui de compreender genericamente que os regimes jurídico-laborais de protecção favorável aos trabalhadores (favor laboratoris) podem porventura estar em confronto directo com a competitividade dos mercados e com a estabilidade e crescimento das economias, num contexto globalizado em que actuam outras economias e mercados emergentes (v. Consuelo Ferreiro, «La crisis del principio favor laboratoris», in Questões laborais, n.º 31, 2008, pp. 35 e segs.). Está, sim, em causa a inserção do princípio no contexto normativo da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, e desde logo, os direitos e garantias dos trabalhadores individualmente considerados que a Constituição protege devem conciliar-se com outros direitos ou interesses constitucionalmente relevantes.
Deve, desde logo, ter-se em consideração a livre iniciativa económica privada (artigo 61.º da Constituição) que é, na sua essência, «iniciativa económico-produtiva de carácter empresarial», envolvendo «uma dupla faceta - organizativa e operacional» [Evaristo Mendes, anotação ao artigo 61.º, Constituição Portuguesa Anotada, t. i, 2.ª ed., Jorge Miranda e Rui Medeiros (orgs.), Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 1182-1183]. Trata-se, portanto, de uma liberdade de organização da empresa e da actividade empresarial.
Finalmente, os direitos individuais dos trabalhadores não poderão ser isolados dos direitos colectivos desses mesmos trabalhadores, incluindo-se aqui o direito à contratação colectiva (artigo 56.º, n.ºs 3 e 4) pois também eles fazem parte do regime global de protecção do trabalhador que a Constituição institui.
É, pois, necessário ter em consideração o teor do artigo 56.º, n.º 4, da Constituição, que consagra o direito à contratação colectiva. De facto, a Constituição atribui à lei, nos termos do artigo 56.º, n.º 4, a competência para estabelecer as regras respeitantes à eficácia das normas das convenções colectivas de trabalho (literalmente diz: «A lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas.»). É evidente que não se trata de colocar poderes ilimitados nas mãos do legislador. Mas atendendo a que na regulamentação colectiva, que é por definição de exercício colectivo, os interesses dos trabalhadores individuais parecem já devidamente acautelados, admite-se que, dentro das margens dos direitos dos trabalhadores constitucionalmente traçadas, o legislador possa admitir a derrogação de algumas das suas normas, num sentido mais ou menos favorável em relação ao que cada uma dessas normas estabelece (o que não significa necessariamente que, no seu conjunto, a convenção colectiva seja menos favorável aos trabalhadores).
Por outro lado, o direito à contratação colectiva e a autonomia colectiva têm de ser vistos como instrumentos ao serviço dos diversos direitos dos trabalhadores e não como um obstáculo desses direitos.
De resto, é necessário fazer uma distinção entre autonomia colectiva e autonomia individual. Compreende-se mais facilmente a imperatividade em face de um contrato individual de trabalho onde o trabalhador aparece, por definição, como a parte mais fraca do que em face de instrumentos de regulamentação colectiva negociados por associações sindicais no seio das quais os trabalhadores aparecem numa relação distinta da subordinação que caracteriza a sua posição em face das entidades patronais.
Como se diz no Livro Branco que apoiou a preparação da versão do Código do Trabalho de 2009:
«O argumento da igualdade de poderes negociais é, em larga medida, válido, até porque as associações de empregadores enfermam de fraquezas semelhantes às das associações sindicais. Sendo assim, o alargamento da negociabilidade mostrar-se-ia vantajoso para a dinâmica da contratação colectiva sem representar necessariamente risco para os trabalhadores.»
As convenções colectivas permitem uma regulamentação mais adequada às necessidades específicas de cada sector de actividade ou empresa do que a lei geral. É por isso que tendem a ter maior importância. Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, cit., pp. 691 e segs.) fala até de uma sequência esquemática - «autonomia individual, heteronomia, autonomia colectiva» - que corresponderia à linha evolutiva do direito do trabalho. Esclarecendo, depois, que «a combinação da autonomia colectiva e da heteronomia pode, naturalmente, ser doseada de modo variável de sistema para sistema. Em todo o caso - continua - a radicação da autonomia colectiva (pela sua mesma aderência à realidade social) tende a reduzir a importância quantitativa e o papel inovatório da regulamentação de origem estadual [...]»
De facto, o artigo 3.º, n.º 1, estabelece uma presunção de supletividade da lei em relação aos instrumentos de regulamentação colectiva, mas não transforma todas as normas legais em normas supletivas. Pelo contrário, faz menção expressa à possibilidade de, por interpretação, se concluir que a norma legal tem um carácter imperativo, não podendo, portanto, ser afastada por instrumento de regulamentação colectiva (v. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, cit., p. 125).
Por fim, relembre-se novamente que há uma série de matérias em que a lei assegura um estatuto mínimo mesmo em face da contratação colectiva. São, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código do Trabalho, as seguintes matérias relativamente às quais os instrumentos de regulamentação colectiva não podem dispor em sentido menos favorável à lei: a) direitos de personalidade, igualdade e não discriminação; b) protecção na parentalidade; c) trabalho de menores; d) trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica; e) trabalhador-estudante; f) dever de informação do empregador; g) limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal; h) duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração mínima do período anual de férias; i) duração máxima do trabalho dos trabalhadores nocturnos; j) forma dem cumprimento e garantias da retribuição; l) capítulo sobre prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais e legislação que o regulamenta; m) transmissão de empresa ou estabelecimento; n) direitos dos representantes eleitos dos trabalhadores. Em todas estas matérias de maior importância, nuclear e na relação de trabalho, mantém vigência o princípio do tratamento mais favorável.
Tendo em conta os termos da parte final dos n.ºs 1 e 3 do artigo 3.º, o legislador cumpre claramente o mandato constitucional, consubstanciado no disposto no artigo 59.º, n.º 2, da CRP, de fixação de um núcleo irredutível em que é manifesta a preocupação da protecção dos interesses dos trabalhadores.
Acresce que o espaço (como vimos mais limitado do que poderia à primeira vista parecer) que a lei dá à autonomia colectiva afigura-se amplamente justificado à luz do direito de contratação colectiva (artigo 56.º, n.º 4). Note-se que terá necessariamente de se partir do princípio de que esse direito é, globalmente, exercido em benefício dos trabalhadores.
Relembre-se, a este respeito, que por vezes «a contratação colectiva pode ser um processo de troca de certas vantagens emergentes da lei por outras que as entidades representativas dos trabalhadores considerem mais interessantes» (Bernardo Xavier, «A jurisprudência constitucional e o direito do trabalho», p. 231, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 231, n. 62). A lógica de uma rígida prevalência hierárquica da lei em face das convenções colectivas pressupõe uma comparação norma a norma. Ora, muitas vezes pode suceder que uma norma específica constante de uma CCT seja menos favorável do que a lei, mas o conjunto normativo constante da mesma, através de um jogo de compensações, já não o seja.
Tendo tudo isto em consideração, deverá concluir-se que o n.º 1 e em consequência os n.ºs 2 a 5 do artigo 3.º do Código do Trabalho não padecem de qualquer inconstitucionalidade.” – fim de transcrição. [37] Manual de Direito do Trabalho, com a colaboração de P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, 3ª edição, revista e actualizada, Rei dos Livros, págs. 303/304. [38] Norma que comanda:
(Ónus da prova)
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra
quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito. [39] Em que o ora relator foi o 1º adjunto. [40] Segundo o artigo 15º - A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo artigo 3º Decreto-Lei n.º 20/2020, publicado no Diário da República n.º 85-A/2020, Série I de 2020-05-01:
(Aditamento ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março
São aditados ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, os artigos 13.º-A a 13.º-C, 15.º-A, 25.º-A a 25.º-C, 34.º-A e 34.º-B e 35.º-A a 35.º-I, com a seguinte redação):
Artigo 15.º-A
Recolha de assinatura dos juízes participantes em tribunal coletivo
A assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal coletivo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.
Refira-se que os artigos 6 º e 7º do Decreto-Lei n.º 20/2020 estatuem:
Artigo 6.º
Produção de efeitos
O presente decreto-lei produz efeitos a 3 de maio de 2020, salvo no que concerne ao disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, com a redação dada pelo presente decreto-lei, que produz efeitos a 13 de março de 2020.
Artigo 7.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.