INCIDENTE DE RECUSA
DEMORA ABUSIVA DO PROCESSO
Sumário

É de qualificar como destinada a provocar demora abusiva do processo, da previsão do artigo 670.º, n.º 1, do CPC ex vi art.º 4º do CPP, a atuação do arguido que através do incidente de recusa, requerimentos e interposição de recursos pretende obstaculizar a execução do julgado.

Texto Integral

Processo nº 5553/19.7T8LSB-C.L1-3
Desembargador Relator Alfredo Gameiro
3ª Secção
 Datado de 29 Abril 2020
 Decisão por Unanimidade
 Descritores - Incidente de recusa; demora abusiva do processo
Sumário
É de qualificar como destinada a provocar demora abusiva do processo, da previsão do artigo 670.º, n.º 1, do CPC ex vi art.º 4º do CPP, a atuação do arguido que através do incidente de recusa, requerimentos e interposição de recursos pretende obstaculizar a execução do julgado.


Decidem, em conferência, na 3ª Seção do Tribunal da Relação de Lisboa
*
No âmbito destes autos vindos do Tribunal Central de Instrução Criminal o Ministério Público interpôs recurso da decisão que, no encerramento da instrução, despronunciou o ora arguido F_____ por um crime de adesão a associação criminosa para a prática do tráfico de estupefacientes do art.º 28º, nº 2 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de janeiro e, do mesmo passo, revogou a medida de coação de prisão preventiva que fora decretada no primeiro interrogatório judicial de arguido detido e subsequentemente mantida substituindo-a pela de apresentações periódicas e proibição de ausência para o estrangeiro sem autorização do tribunal.
Em 2019.12.11, na sequência da conferência, foi proferido acórdão que concedeu provimento ao recurso determinando que (i) o tribunal recorrido procedesse à alteração da qualificação jurídica para o crime de promoção e liderança de associação criminosa dos nºs 1 e 3 do citado art.º 28° do Dec. Lei nº 15/93 e (ii) alterando a medida de coação impondo a de prisão preventiva.
Em 2019.12.12, o arguido arguiu nulidades do acórdão e requereu a «suspensão da emissão de mandados de detenção».
Em 2019.12.15, o arguido atravessou requerimento “sugerindo” aos subscritores do acórdão de 2019.12.11 «que de motu próprio» (sic) solicitassem "escusa".
Em 2019.12.16, o arguido atravessou novo requerimento pedindo que fosse indicado «de forma especificada, em concreto, os factos que preenchem os requisitos do "perigo de fuga" e de "continuação da actividade criminosa"».
Por acórdão de 2020.01.15 foi indeferida a arguição das nulidades invocadas e indeferidos também os demais requerimentos aludidos.
Em 2020.01.20, o arguido suscitou a recusa dos «Senhores Juízes Desembargadores da 3ª secção do TRL, subscritores do acórdão de 11-12-2019».
Em 23.04.2020, o STJ comunica a este Tribunal da Relação o indeferimento do incidente de recusa e que o acórdão não transitou em julgado porquanto o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao qual foi atribuído efeito devolutivo.
Ainda, em 20.01.2020, o arguido vem também suscitar a nulidade/inexistência do acórdão proferido em 15.01.2020, na parte em que não admitiu a interposição de recurso para o STJ.
Ora, este último requerimento apresenta-se na mesma linha de atuação que já havia sido censurada por este tribunal nos acórdãos acima identificados.
O histórico do processo revela que o arguido tem vindo a protelar de forma manifestamente ostensiva o trânsito da decisão que determinou a alteração da medida de coação impondo a de prisão preventiva.
Por outras palavras, é manifesto que os requerimentos e recursos interpostos pelo arguido F________, até ao presente, manifestamente infundados, apresentam-se como meios dilatórios de obstar à baixa do processo à 1ª instância, e cumprimento do julgado.
O artigo 618.º do CPC permite a defesa contra as demoras abusivas nos seguintes termos: “Nos casos em que não seja admissível recurso da decisão, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 670º”.                                
Por sua vez, o artigo 670.ºdo CPC sob a epígrafe “Defesa contra as demoras abusivas”, preceitua:
1 — Se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, leva o requerimento à conferência, podendo esta ordenar, sem prejuízo do disposto no artigo 542.º, que o respetivo incidente se processe em separado.
2 — O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados.
3 — A decisão da conferência que qualifique como manifestamente infundado o incidente suscitado determina a imediata extração de traslado, prosseguindo os autos os seus termos no tribunal recorrido.
4 — No caso previsto no número anterior, apenas é proferida a decisão no traslado depois de, contadas as custas a final, o requerente as ter pago, bem como todas as multas e indemnizações que hajam sido fixadas pelo tribunal.
5 — A decisão impugnada através de incidente manifestamente infundado considera-se, para todos os efeitos, transitada em julgado.
Estas disposições são aplicáveis aos autos por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal.
Sobre o uso deste procedimento pronunciou-se a Relação do Porto[1] no qual expressa: 
Se ao relator parecer manifesto que o sujeito processual, com determinado requerimento, pretende obstar ao cumprimento do julgado, à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, deve lançar mão do procedimento previsto no art.º 720.º, do CPC[2], determinando a extracção de translado e a remessa imediata do processo.
Afigura-se-nos, por isso, ser de fazer uso de tal normativo, sem prejuízo de qualquer decisão em contrário desta Relação não inutilizar qualquer direito fundamental do arguido recorrente.
Assim, porque os tribunais não podem nem devem pactuar com este tipo de atuações, onde se visa apenas obstar à concretização do direito já há muito definido - decisão que determinou a alteração da medida de coação impondo a de prisão preventiva -, entende este coletivo lançar mão do disposto no art.º 670.º do CPC.
Nestes termos, determina-se a extração de translado desde a decisão instrutória (incluso) até ao presente acórdão, que ficará nesta Relação, para decisão da arguição da nulidade/inexistência do acórdão proferido em 15.01.2020 e atos posteriores, com observância do disposto no nº 4 do artigo 670º do CPC.
Após, determina-se a imediata remessa destes autos ao tribunal de 1ª instância de onde provieram, para execução do decidido nesta 2ª instância, nos termos do aludido artº 670º do CPC, aplicável por força do artº 4º do Código de Processo Penal.
O acórdão ora proferido determina o trânsito condicional dos presentes autos.
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DECISÃO:
Acordam os juízes da 3ª Secção deste Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 670º do CPP, aplicável ex vi do disposto no art.º 4º do Código de Processo Penal, em determinar a imediata extração de traslado, nos termos suprarreferidos, prosseguindo estes autos os seus termos no tribunal recorrido, para onde serão imediatamente remetidos, a fim de ser executado o julgado, considerando-se para todos os efeitos o trânsito condicional da decisão proferida.
O arguido/recorrente será notificado desta decisão, no traslado.
Após cumprimento da extração do translado, com a respetiva notificação do arguido/recorrente, deverá ser aberta conclusão para prolação de decisão atinente ao requerimento deduzido pelo arguido datado de 20.01.2020.
Lisboa e Tribunal da Relação, aos 29 de abril de 2020
Processado e revisto pelo relator (art.º 94º, nº 2 do CPP).
Alfredo Costa
Vasco Freitas
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[1] Acórdão nº 192/08.0TABGC.P1, datado de 6.04.2011 in www.dgsi.pt
[2] Corresponde ao atual art.º 670º do CPC