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LICENÇA DE SAÍDA JURISDICIONAL
AUDIÇÃO DO CONDENADO
Sumário
A Decisão do TEP de REVOGAÇAO da LSJ (licença de saída jurisdicional), tem de estar devidamente fundamentada nos termos legais, como qualquer outra decisão e ser precedida da audição do condenado, para cumprimento do contraditório.
As licenças de saída jurisdicionais dos reclusos não são definitivas ou imodificáveis, podendo ser alteradas, modificadas ou mesmo revogadas pelo TEP se em função do escopo que pretendem alcançar, circunstâncias supervenientes o justificarem, mas tal não significa que as decisões que alterem, modifiquem ou revoguem a saída jurisdicional por factos supervenientes, possam ser livre e discricionariamente tomadas.
As decisões do Juiz do TEP devem nesta matéria, como de resto em qualquer outra, ser sempre fundamentadas (art.º 97º/5 do C.P.P, art.º 146º do RGEP e o art.º 205º da CRP), com especificação dos motivos de facto e de direito, após observado o necessário e incontornável princípio do contraditório.
A condenação em infracção disciplinar do recluso por si só, desacompanhada de qualquer outra factualidade não permite extrair a ilação que deixou de existir “fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.
Tal como sucede antes de decidir sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão (art.º 495º/1 e 2 do C.P.P) também aqui o Sr. Juiz do TEP deve ouvir o recluso (sempre que possível pessoalmente ou não sendo possível notificando-o para se pronunciar por escrito), antes de se decidir pela revogação ou não da LSJ. (sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes, em conferência na 3.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa:
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I – RELATÓRIO
1 – No dia 3 de Outubro de 2019, a Srª Juíza que se encontrava colocada no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa – Juiz 3, proferiu o despacho que se transcreve (fls 89 e vº):
“Em 29/05/19 foi concedida ao recluso A______ uma licença de saída jurisdicional, de 4 dias, a gozar a partir de 05/06/19, cujo gozo foi entretanto suspenso pelo Sr. Director do EP, não a chegando a iniciar, porquanto entre a sua concessão e a sua concretização teria ocorrido facto ilícito disciplinar (posse de várias cópias e originais do registo de ferramentas da secção de obras, bem como aproximadamente uma resma de papel A4 em branco) (art.º 138º, nº 4, do RGEP).
Foi instaurado processo disciplinar, no âmbito do qual foi aplicada ao recluso a medida disciplinar de repreensão escrita pela prática da referida infração.
O recluso interpôs recurso hierárquico da decisão de suspensão da LSJ proferida pelo Exmo. Sr. Director do EPVJ, bem como da medida disciplinar aplicada (repreensão escrita).
Tal recurso foi rejeitado ao abrigo da alínea a) do art.º 196º do CPA pelo Exmo. Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 67 a 72, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Assim, confirmou-se a aplicação ao recluso de medida disciplinar em consequência de se ter provado a prática de facto que integra infracção disciplinar, motivo pelo qual os pressupostos da concessão da licença de saída jurisdicional sofreram alteração superveniente, designadamente quebrando-se a confiança no futuro comportamento responsável do recluso, para além do retrocesso na evolução do cumprimento da pena (art.ºs 78º, n.º 1, al. a), nº 2, al. a), do CEPMPL).
Face ao exposto, de acordo com o art.º 138.º, n.º 4, do RGEP, revogo a licença de saída jurisdicional acima referida.
Notifique ao recluso, seu defensor (quando o houver) ou mandatário e ao Ministério Público.
Comunique ao E.P.
Lx, d.s.”
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2 – O condenado A_______ após dois pedidos de aclaração do despacho ambos indeferidos pelo TEP, interpôs recurso dessa decisão (fls 1 a 13).
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
A)
O presente recurso pretende que seja declarada ilegal esta revogação de licença de jurisdicional
- Ver consequentemente reconhecidos como dias de liberdade os 4 dias sofridos em cativeiro pelo recluso e que o mesmo seja deles, compensado na sua utilização, oportunamente
- E atualizada a sua ficha biográfica expurgando da mesma esta revogação de licença precária .
B)
Na sequência de decisão datada de 29.05.2019 pela Mmª Juiz do TEP de Lisboa foi concedida licença de saída jurisdicional ao recluso recorrente pelo período de 4 dias que seria usufruída a 06.06.2019.
C)
Chegado o recluso à portaria, foi vistoriado pelo Senhor Guarda Prisional V_______ que verificando que o recorrente/recluso levava em sua posse folhas em branco de papel A4 que lhe foram facultadas em cursos de formação, por advogados e um companheiro, pelo menos, dado o seu gosto pela escrita,
E os triplicados do livro de circulação de ferramentas que utilizava para seu uso pessoal na secção de obras onde então trabalhava, reteve-o na portaria, chamou o Senhor Chefe Silva que lhe impediu de sair.
D)
Importa esclarecer esse Venerando Tribunal que esses triplicados são exatamente funcionais como qualquer outro livrinho utilizado nos serviços públicos ou privados e no caso, destinava-se um a ser guardado no arquivo no EP (original), outro na Secção (duplicado) e o triplicado pertencia ao recluso como comprovativo de que uma vez utilizadas certas ferramentas da secção de obras, as devolvera intactas e na sua totalidade.
E)
Acontece que o aqui Recorrente requereu por escrito ao Exmº Senhor Diretor do EP de Vale de Judeus solicitando expressa autorização escrita do mesmo, para nesse dia 06.06.2019 sair levando consigo os seus documentos profissionais e pessoais que destinava a arquivar em casa, posto dispor já de pouco espaço para o efeito na sua cela.
Tal pedido foi expressamente autorizado por despacho escrito do Senhor Diretor do EP de Vale de Judeus no despacho que se junta, com autorização expressa para sair em Junho de 2019 na sua Licença de Saída Jurisdicional para a data agendada e prevista .
F)
Mostra-se na plataforma citius a 11.06.2019 informação ao TEP de que no dia 07.06.2019 se procedeu à suspensão da Licença de Saída “por despacho oral”, uma vez que se instaurara ao recluso procedimento disciplinar e não “imediatamente” como o exige seja feita tal comunicação, nos termos do artº 138º nº 4 do RGEU.
G)
Por despacho da Mmª Juiz notificado a 17.06.2019 ordenou a Mmª Juiz que se aguardasse o desfecho do processo disciplinar e que fossem devolvidos sem cumprimento ao TEP os mandados de libertação emitidos, sem que o recluso fosse sequer ouvido a respeito o que consubstancia irregularidade, oficiosamente cognoscível, nos termos do disposto no artº 123º nº 2 do CPP .
H)
Desta sanção disciplinar (ato administrativo) recorreu o recluso hierarquicamente para o Excelentíssimo Senhor Diretor da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais em 07.07.2019.
Este recurso não tem efeitos suspensivos em nada impedindo o TEP de decidir como se requereu por várias vezes ao TEP designadamente por requerimento de refª 33093534 como qualquer outro recurso mesmo criminal que os não tenha.
Contudo a Mmª Juiz do TEP mandou aguardar pelo despacho da DGRSP colocando o recluso sem aceder a licenças e o EP a precárias via RAI que não lhe foi retirado até 07.11.2019.
I)
No processo disciplinar não se fez qualquer prova de que o recluso tivesse praticado uma infração disciplinar. ( Cfr certidão integral do mesmo e cópia do recurso hierárquico apresentado)
Com efeito o Guarda responsável pelo setor de obras aonde trabalhava o recluso confirmou a sua versão dos factos: os papéis constituíam os triplicados pertencentes ao arquivo pessoal dos reclusos ( o comprovativo deles de que devolviam o material ), assim como o fizeram todas as testemunhas chegando a declarar que tais triplicados saiam muitas vezes do EP como lixo.
O instrutor do processo não aceitou prova de que as folhas A4 brancas foram obtidas legitimamente pelo recluso, sendo que ele as possuía.
Não permitiu o contraditório à mandatária das testemunhas de acusação.
Nem teve em consideração a defesa que invocou a nulidade do auto de apreensão redigido um dia depois e dado a assinar um dia depois ao recluso, fazendo o autuante constar sobre o documento a data de dia 06.06.2019, bem sabendo que só a 07 o assinou o recluso porque não o elaborou na ocasião da alegada apreensão.
Mas o TEP nem se interessou em consular sequer o processo disciplinar.
J)
Como reconhecerão Vªs Exªs conscienciosamente in extremis ainda que justa fosse a sanção que não foi, como claramente resulta dos autos de processo disciplinar e do facto do recluso ser armadilhado com a autorização do Diretor para sair nessa licença de saída com os seus papéis profissionais e depois retido por os levar, em qualquer caso, sem conceder, não há memória de uma licença ser revogada por causa de uma mera repreensão escrita.
L)
A decisão de recorrida apoia-se numa fundamentação de tal modo ininteligível juridicamente que não pode ter-se sequer por fundamentada:
Alega que a DGSRP confirmou a sanção disciplinar . Ora isso não aconteceu posto que o despacho que recaiu sobre o recurso hierárquico, merecendo ou não crítica, foi:
“É de rejeitar o presente recurso hierárquico, ao abrigo do art.º 196º al. a) do CPA pois a matéria é da competência do CEPMPL(...)”
Ou seja, nem sequer foi conhecido do recurso, quanto mais agora mantida a sanção aplicada!
Depois invoca-se para revogar a licença a competência do Diretor para a suspender: “revogo ao abrigo do artº 138º nº 4 do RGEU”
Verifica-se pois a nulidade a que se refere o art.º 379 nº 1 al c) do CPP.
O recluso não foi ouvido a respeito da matéria da suspensão em violação do disposto no art.º 123º nº 2 do CPP.
Nestes termos,
Por todo o exposto esta decisão é nula, injusta, ilegal devendo ser substituída por outra que conformando-se à forma legal e conceda ao recluso:
- Ver consequentemente reconhecidos como dias de liberdade os 4 dias sofridos em cativeiro pelo recluso
e que o mesmo seja deles, compensado na sua utilização, oportunamente
- E atualizada a sua ficha biográfica expurgando da mesma esta revogação de licença precária
Assim se fazendo Justiça!
3– O Ministério Público respondeu à motivação apresentada (fls 109 a 112 dos autos), pugnando pela manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos, concluindo (transcrição):
“ (…) Como sobredito, extrai-se do art.º 138º nº 4 do RGEP que a prática de ato ilícito antes do início de gozo de licença de saída jurisdicional, é causa de suspensão do gozo dessa saída.
A decisão de suspensão do gozo da LSJ e subsequente comunicação ao TEP, mostra-se assim corretamente fundada no art.º 138º nº 4 do RGEP.
O apuramento dos factos determinantes da decisão de suspensão em referência, é da competência do EP, evidenciando os autos que foi instaurado processo disciplinar, realizadas diligências instrutórias e proferida decisão final.
A lei não confere ao TEP competência material para proceder disciplinarmente contra o recluso, nem, como tal, nessa fase, decidir sobre o mérito dessa causa.
Ao TEP competia apenas aguardar, como aguardou, pelo desfecho do processo disciplinar instaurado contra o recluso, só assim podendo decidir sobre se o mesmo podia ou não gozar da licença de saída jurisdicional antes concedida.
O processo disciplinar findou com aplicação de medida disciplinar em consequência de se ter provado a prática do facto ilícito determinante da decisão de suspensão do gozo da licença de saída jurisdicional.
Essa decisão não foi contrariada pelos sucessivos recursos interpostos pelo recorrente.
Consequentemente, impunha-se assim ao tribunal concluir, como o fez na decisão recorrida, “que se confirmou a medida disciplinar”.
Sendo patente que, ao invés do pugnado pelo recorrente, o tribunal não referiu que a DGRSP confirmou a decisão disciplinar.
O que o Tribunal quis realçar, e de forma assaz fundamentada, é que ao não ter sido alterada a decisão disciplinar em sede de recurso, a mesma se manteve.
Sendo também patente que o tribunal insere essa afirmação em sede de fundamentação da decisão proferida, fundamentação essa cristalinamente presente na decisão.
Não sendo assim também procedente, conforme invocado, a alegação de que a decisão padece de falta de fundamentação.
Tal como não deve ser considerada procedente a invocada violação do princípio do contraditório, porquanto:
Nesta matéria, nem o CEPMPL nem RGEP impõem a instauração de processo de incidente de incumprimento, ou que se proceda a nova audição do recluso.
Audição essa que inclusivamente também não é obrigatória no momento antecedente à decisão de concessão de licença de saída jurisdicional, conforme resulta cristalino do preceituado no art.º 191º nº 2 do CEPMPL.
(…) De concluir é pois, que não foi violada pelo Tribunal “a quo” qualquer dispositivo legal, pelo que deverá ser negado provimento ao presente recurso.(…)”
4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls 101.
5 – A Srª Procuradora-Geral-Adjunta nesta Relação, não emitiu qualquer parecer (fls 119).
6- Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objecto do recurso
A questão colocada pelo recorrente nas conclusões da motivação, as quais delimitam o objecto e poderes cognitivos deste Tribunal ad quem, é apenas uma:
- A decisão recorrida proferida pelo TEP em 3.10.2019 é ilegal e deve ser revogada nomeadamente por falta de fundamentação?
2. Analisando
Veio o recorrente invocar que a decisão de recorrida apoia-se numa fundamentação de tal modo ininteligível juridicamente que não pode ter-se sequer por fundamentada.
Alega para o efeito e em resumo o seguinte:
“Alega (a srª JUIZA do TEP) que a DGSRP confirmou a sanção disciplinar. Ora isso não aconteceu posto que o despacho que recaiu sobre o recurso hierárquico, merecendo ou não crítica, foi: “É de rejeitar o presente recurso hierárquico, ao abrigo do art.º 196º al. a) do CPA pois a matéria é da competência do CEPMPL(...)” Ou seja, nem sequer foi conhecido do recurso, quanto mais agora mantida a sanção aplicada! Depois invoca-se para revogar a licença, a competência do Director para a suspender: “revogo ao abrigo do art.º 138º nº 4 do RGEU”. Acresce que o recluso não foi ouvido a respeito da matéria da suspensão da licença de saída que lhe havia sido concedida em 29.5.2019, tendo sido cometida uma irregularidade nos termos previstos no artº 123º nº 2 do CPP. Nestes termos, o recorrente conclui ser essa decisão nula, injusta, e ilegal devendo ser substituída por outra que conformando-se à forma legal, conceda ao recluso: - Ver consequentemente reconhecidos como dias de liberdade os 4 dias sofridos em cativeiro pelo recluso e que o mesmo seja deles, compensado na sua utilização, oportunamente, actualizando-se a sua ficha biográfica em conformidade.
(...)
Quid Juris?
Afigura-se-nos que assiste razão ao arguido quanto à falta de fundamentação da decisão recorrida, no sentido de ser inevitável a revogação da licença de saída jurisdicional que lhe havia sido concedida, por decisão do TEP em 29.5.2019.
Senão vejamos.
O regime de concessão de licenças de saída jurisdicional mostra-se regulado nos art.º 76º a 79º, 189º a 192º do CEPMPL e 138º do RGEP.
Dispõe o art.º 76º do Código de Execução da Penas e Medidas Privativas de Liberdade – Lei 115/2009, de 12.10 que: 1- Podem ser concedidas ao recluso, com o seu consentimento, licenças de saída jurisdicionais ou administrativas. 2- As licenças de saída jurisdicionais visam a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade (...).
Resulta, por sua vez, do art.º 78º do Código de Execução da Penas e Medidas Privativas de Liberdade – Lei 115/2009, de 12.10, que define os requisitos e critérios gerais das licenças de saída que:
1 — Podem ser concedidas licenças de saída quando se verifiquem os seguintes requisitos: a) Fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; b) Compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social; c) Fundada expectativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena ou medida privativa da liberdade. 2 — Tendo em conta as finalidades das licenças de saída, ponderam-se na sua concessão: a) A evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade; b) As necessidades de protecção da vítima; c) O ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar; d) As circunstâncias do caso; e e) Os antecedentes conhecidos da vida do recluso. 3 — Na concessão de licenças de saída podem ser fixadas condições, adequadas ao caso concreto, a observar pelo recluso.
Foi à luz destas normas e em observância do formalismo legal consagrado, que o Tribunal de Execução de Penas fundada e correctamente concedeu em 29.5.2019 ao recorrente a licença de saída jurisdicional, a gozar nos termos e condições então fixados nessa decisão.
Porém, prevê o art.º 138º nº 4 do RGEP:
“ Quando, entre a data da concessão de licença de saída e a data da sua concretização, ocorra facto ilícito ou alteração superveniente dos pressupostos legais de concessão de licença, o diretor suspende a execução do manado de saída , dando de imediato conhecimento do facto ao Tribunal de execução de penas”.
E por sua vez dispõe o art.º 103º alínea o) do CEPMPL: “…o recluso praticar no E.P ou durante a saída custodiada qualquer facto previsto na lei como crime cujo procedimento dependa de queixa ou da acusação particular”.
E vistos os preceitos legais aplicáveis, importa agora atentar no resumo dos factos relevantes a ter em consideração:
1- O ora recorrente nasceu em 28.5.1973 é casado, tem o 12º ano, trabalhava como Técnico do Ambiente, e cumpre a sua primeira condenação em pena única e efectiva de 10 anos de prisão, pela prática como autor de crimes de furto, receptação e falsificação relacionados com a actividade laboral que exercia à data da sua reclusão, como empresário do sector agro-florestal, utilizando para o efeito máquinas e alfaias agrícolas tendo entrado no EP de Vale de Judeus em Fevereiro de 2014.
2- Desde 21.3.2016 estava a trabalhar no sector das obras do E.P, serviço que sempre prestou com grande empenho, sentido de responsabilidade, lealdade e boa fé, colaborando com o EP mesmo noutras tarefas sempre que solicitado e necessário.
3- Realizou várias acções de formação tendo obtido um Louvor numa delas e tem desenvolvido acções de voluntariado, designadamente com a Instituição Desafio Jovem e a Capelania do E.P.
4- É recomendado pelo Padre Capelão do E.P, pelo Desafio Jovem e por cerca de 3 dezenas de entidades públicas e privadas designadamente juntas de freguesias da sua área de residência, associações de solidariedade social, bombeiros, onde já foi voluntário
5- O seu comportamento prisional pauta-se, segundo o relatório do seu próprio educador pelo respeito e civismo e boa relação com todos os intervenientes.
6- Goza de amplo apoio familiar, recebendo visitas regulares e permanente atenção e cuidados por parte de familiares e amigos.
7- Em Outubro de 2018 sofreu um acidente de trabalho e sofre com as sequelas que tal acidente lhe deixou.
8- Em matéria de saúde tem sido acompanhado por depressão profunda, angústia e ansiedade, com transtorno do sono pela psiquiatria e psicologia do E.P. em virtude do agravamento da sua situação dentro do E.P por força do procedimento disciplinar de que foi alvo em 2019 e consequente revogação da sua LSJ.
9- Em matéria disciplinar o condenado já havia sido antes condenado em medidas disciplinares por infracções cometidas no E.P em 2015 e em 2017: medida de repreensão escrita aplicada em 22.2.2016 (artº 105º da Lei 115/2009) e duas outras vezes sofreu medidas de advertência, aplicadas em 19.4.2017 e 14.11.2017 (art.º 98º/5 e art.º 103º da Lei nº 115/2009) – cfr. ficha biográfica junta a fls 62 dos autos.
10- Na sequência de decisão datada de 29.5.2019 pela Srª Juíza do TEP, foi concedida ao recluso ora recorrente, licença de saída jurisdicional pelo período de 4 dias, devendo a mesma ser gozada a partir de 5.6.2019 (cfr documento junto a fls 31/32 dos autos).
11- Foram emitidos os mandados de libertação e notificado o recluso para se apresentar na portaria do E.P para dele sair, no dia 6.6.2019.
12- Ali chegado foi vistoriado pelo guarda prisional de serviço, relativamente aos bens que transportava consigo, o qual encontrou na posse do recluso, folhas em branco de papel A4 e originais e cópias de documentos relativos ao registo de ferramentas da secção de obras do E.P de Vale de Judeus, pelo que de imediato lhe foram os mesmos apreendidos, foi lavrado o respectivo Auto de Apreensão (onde consta que foram apreendidos impressos de registo de ferramentas da secção de obras – originais e cópias – e uma resma de papel A4 em branco - ) e Auto de Notícia e reportado de imediato o incidente ao Guarda com funções de chefia e seu superior hierárquico, que por sua vez o reporta ao Director do E.P, tendo sido então suspensa nesse mesmo dia a sua licença de saída jurisdicional (doravante LSJ) pelo Guarda prisional que procedeu à referida vistoria.
13- O Director do E.P de Vale de Judeus TEP profere despacho escrito datado de 7.6.2019 determinando a abertura de um processo disciplinar comum e como medida cautelar, a suspensão da LSJ (com a menção de que fora proferido despacho oral em 6.6.2019 determinando essa suspensão) e ainda a suspensão do RAI e da colocação laboral do recluso.
14- Por comunicação feita em 11.6.2019 pelo Director do E.P de Vale de Judeus (cfr registo constante da plataforma Citius) este informa o TEP que no dia 7.6.2019 procedeu por escrito à suspensão da LSJ do recluso (oralmente decretada em 6.6.2019) e que na mesma data fora instaurado um processo disciplinar ao recluso A__________ em virtude da ocorrência de facto com relevância disciplinar, posterior à concessão da referida licença de saída jurisdicional, nos termos do art.º 138º/4 do RGEP aprovado pelo D.L nº 51/2011 de 11.4.
15- Nesta sequência, foi em 17.6.2019 proferido despacho judicial pela Srª Juiza do TEP que versou sobre esta comunicação, tomando formalmente conhecimento da suspensão da LSJ decretada pelo Director do E.P, solicitando a devolução do mandado de saída jurisdicional e determinando que o E.P informasse o TEP logo que fosse proferida a decisão final no processo disciplinar, com envio de cópia da respectiva decisão, a fim de ser decidido se seria de revogar ou não a licença de saída anteriormente concedida.
16- Foi instaurado o referido processo disciplinar em 7.6.2019 o qual culminou com a decisão datada de 1.7.2019 do Director do E.P de Vale de Judeus de aplicação ao arguido da medida disciplinar de apreensão escrita (cfr documentos de fls 39 a 43), pela prática em 6.6.2019 da referida infracção – posse de várias cópias e originais do registo de ferramentas da secção das obras, bem como aproximadamente de uma resma de papel A4 em branco – tendo ficado escrito no relatório final daquele procedimento disciplinar o seguinte “o recluso A_____ fez seus e pretendia levar para o exterior documentos e folhas que não lhe pertenciam ou seja praticou factos disciplinarmente censuráveis, sendo a conduta do arguido típica, ilícita e culposa e agindo com dolo directo.”
17- O recorrente havia requerido por escrito ao Director do EP de Vale de Judeus que lhe fosse permitido sair no dia 6.6.2019 com os seus documentos profissionais e pessoais (os quais destinava arquivar em casa por já não possuir espaço suficiente na sua cela para esse efeito).
18- Tal pedido foi expressamente autorizado por despacho escrito do Director do E.P de Vale de Judeus, com referência à saída do recluso que se iria verificar em Junho de 2019, cfr documento junto a fls 6 dos autos.
19- O recluso A______ refere que em relação às ferramentas que eram utilizadas pelos reclusos no trabalho das obras a decorrer dentro do E.P, havia que as devolver ao E.P depois da sua utilização e havia documentos comprovativos dessa devolução, sendo que o original ficava guardado no arquivo do E.P, outro na secção das obras e um terceiro ficava na posse do arguido que utilizara as ferramentas como comprovativo de que procedera à devolução desse material intacto e na sua totalidade.
20 - O recluso alega que aqueles que foram encontrados na sua posse eram apenas os originais dos triplicados que lhe pertenciam (e algumas cópias desses originais) por lhe terem sido legitimamente entregues dentro do E.P tendo como finalidade servirem de prova de que havia entregue as ferramentas por si utilizadas, acrescentando ainda que cabia aos reclusos dar a esses triplicados o destino que quisessem, podendo até “serem deitados para o lixo”.
21- E com base nesta argumentação o arguido insurge-se contra a decisão de suspensão da saída jurisdicional, proferida pelo Director do E.P de Vale de Judeus em 7.6.2019 bem como contra o processo disciplinar que lhe foi instaurado nessa mesma data e ainda contra a medida disciplinar (repreensão escrita) aplicada em 1.7.2019 e interpõe uma reclamação hierárquica dessa decisão que pôs termos ao processo disciplinar, para o Director Geral dos Serviços Prisionais (cfr. documento junto a fls 79 a 83 dos autos).
22- Nessa reclamação insurge-se contra a suspensão que havia sido decretada em 6.6.2019 e também contra a medida disciplinar aplicada, por entender agiu de boa fé e que não cometeu qualquer infracção disciplinar.
23- Sustenta a sua posição na seguinte argumentação: “O arguido transportava consigo algumas folhas brancas da sua propriedade e alguns papéis que correspondem ao triplicado que faz prova de que ele transportar e devolvera intactas algumas ferramentas do seu trabalho, para os arquivar em sua casa uma vez que o seu espaço de arquivo no EP era escasso e havia sido autorizado pelo Director do E.P por escrito que poderia sair com papéis do seu arquivo pessoal e profissional. Entendeu o arguido que os papéis que levava consigo constituíam o seu arquivo não se tratando de documentos confidenciais ou sequer classificados, relativamente aos quais o E.P tivesse dado indicações de que deveriam os mesmos ser arquivados em determinado local até determinada data” A suspensão decretada constitui um acto anulável porquanto foi praticado por quem não detinha competência legal para o efeito (foi decretado pelo Guarda que lhe fez a vistoria) e nem foi comunicado ao TEP nos termos do art.º 138º/4 do RGEU - posto que foi decretada no dia 6.6.2019 cerca das 15h e foi comunicada ao Director do E.P no dia 7.1.2019 e ao TEP no dia 11.6.2019, não tendo o Sr Director do E.P sequer visto logo no dia 6.6.2019 , os papéis que lhe foram apreendidos, pois estava em funções fora do E.P nesse mesmo dia.”
24- Pede a anulação do despacho que determinou a abertura do processo disciplinar ao abrigo do art.º 161º/2 al c) do CPA, porquanto entende que não cometeu qualquer infracção disciplinar alegando para o efeito “depois de autorizar o recluso a sair com a documentação, não podia deixar de conhecer o senhor Director que o recluso estava de boa fé, e fez confiança no seu despacho que o autorizou a sair com a mesma, a qual não constituía segredo ou documentos que não fossem pertença do recluso, bem como as folhas brancas que explicou ter obtido através de acções de formação e através de pessoas que lhas ofereceram”.
25- A referida reclamação hierárquica veio a ser indeferida ao abrigo do art.º 196º alínea a) do C.P.A pelo sr. Director Geral dos Serviços Prisionais em 20.8.2019 (cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido) sem se conhecer do mérito das questões colocadas pelo arguido, simplesmente negando competência para apreciar tal matéria e remetendo a mesma para o TEP.
26- Sendo certo porém, que a Srª Juíza do TEP havia igualmente por escrito, decidido não ser competente para apreciar/validar as medidas de carácter disciplinar que fossem aplicadas pelo Director do E.P na sequência de procedimento disciplinar aos reclusos (cfr se pode ler na decisão judicial de fls 63/64 dos autos proferida em 12.7.2019 “decorre da lei – CEPMPL- que esta medida disciplinar não é judicialmente impugnável para o TEP”).
27- Em resultado do exposto no ponto 25. veio o TEP considerar estar confirmada a medida disciplinar aplicada ao arguido em 1.7.2019, por se ter provado a prática pelo arguido de facto que integra uma infracção disciplinar, entendendo por isso a Srª Juíza do TEP que os pressupostos da concessão da licença de saída jurisdicional sofreram alteração superveniente, referindo ter-se quebrado a confiança no futuro comportamento responsável do recluso para além do retrocesso na evolução do cumprimento da pena (nos termos previstos no art.º 78º/1/a) e nº 2 al a) do CEPMPL).
E em consequência, de acordo com o art.º 138º/4 do RGEP, revogou em 3.10.2019 a licença de saída jurisdicional ao arguido, despacho esse objecto do presente recurso.
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Tudo visto, os factos e o direito, entendemos que assiste inteira razão ao recluso/recorrente, quando alega não estar a referida decisão do TEP de 3.10.2019, suficientemente fundamentada.
Com efeito, dela não constam factos suficientes que tenham a virtualidade de conduzir à conclusão a que chegou a Sr.ª Juíza do TEP no sentido de estar claramente demonstrado ter havido uma quebra da confiança no futuro comportamento responsável do recluso para além do retrocesso na evolução do cumprimento da pena.
Nos termos acima expostos, dúvidas não existem de que está transitada em julgado a decisão do E.P de Vale de Judeus que em 1.7.2019 aplicou ao recluso a medida disciplinar de repreensão escrita, e neste ponto não poderá já proceder qualquer argumentação que o condenado ora recorrente venha invoca, no sentido de que não praticou qualquer infracção disciplinar susceptível de ser alvo de uma medida disciplinar.
Na verdade, compulsados os autos, verifica-se que após a instauração do competente procedimento disciplinar, onde foi observado o contraditório e o recluso A______ teve ocasião de defender a sua posição, o Director do E.P entendeu (bem ou mal, não cabendo a este Tribunal superior apreciar agora o mérito dessa decisão) que o incidente ocorrido no dia 6.6.2020 e acima descrito nos factos relevantes sob o ponto 12) configurava uma infracção disciplinar porquanto o “recluso tentou fazer sair bens do E.P para o qual não estava autorizado e para o qual não tinha legitimidade, assim infringindo objectiva e subjectivamente o preceituado no artº 103º alínea o) do C.E.P.M.P.L.” censurando por isso o recluso com a medida disciplinar da repreensão escrita prevista na alínea a) do art.º 105º/1 do CEPMPL, ordenando a destruição das cópias dos documentos por falta de utilidade das mesmas e a reutilização das folhas em branco pelos serviços.
Mas já o mesmo não se verifica quanto à questão da LSJ, porquanto a revogação desta medida foi alvo de contestação pelo arguido através do presente recurso e é essa a questão sobre a qual nos iremos agora debruçar na nossa análise.
Ora não podemos deixar de sublinhar aqui que o TEP na ponderação dos vários factores a ter em conta, antes da prolação da decisão que proferiu em 3.10.2019, no sentido da revogação da LSJ do recluso A_____ não foi sensível a vários aspectos importantes, que quanto a nós não poderão deixar de ser considerados relevantes e deverão ser equacionados na decisão a tomar. Antes de mais importa fazer aqui umas breves considerações sobre o enquadramento jurídico desta medida ora em análise, a Licença de Saída Jurisdicional (LSJ).
Sublinhe-se que o nosso Código Penal contempla um sistema punitivo alicerçado no entendimento de que a pena deve visar a protecção dos bens jurídicos - prevenção geral positiva - e a reintegração do agente na sociedade - prevenção especial positiva.
Sob a epígrafe Finalidades das Penas e das Medidas de Segurança, estabelece o nº 1 do art.º 40º do Código Penal que a aplicação de penas "... visa a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade".
Por seu turno, dispõe o art.º 42º, nº 1 do mesmo Código que "... a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes".
O CEPMPL aprovado pela Lei nº 115/2009 de 12.10 e o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais aprovado pelo D.L nº 51/2011 de 11.4, integram e sistematizam o quadro normativo vigente em matéria de execução das penas e medidas privativas de liberdade.
O regime de execução da pena é flexível e orientado para preparar o recluso para quando em liberdade, poder conduzir a sua vida de modo socialmente responsável,
As decisões que integram o regime de execução da pena não são rígidas nem estanques, mas antes podendo como resulta do artº 138º/2 do CEPMPL, ser modificadas, substituídas ou extintas pelo Tribunal de Execução de Penas a quem, após trânsito em julgado da sentença condenatória, compete acompanhar e fiscalizar a execução da pena.
Segundo o art.º 69º/2 do RGEP o plano individual de readaptação estabelece objectivos a atingir pelo recluso bem como medidas de apoio e controlo a adoptar pelo E.P, contemplando entre outras “os contactos com o exterior” na alínea f) deste preceito.
Os contactos com o exterior, regulados no Título XI do livro I do CEPMPL constituem assim um elemento importante para a flexibilização do regime da execução da pena.
Daqueles, e no que ao caso presente importa, realçamos as licenças de saída jurisdicionais do E.P que visam “a manutenção e promoção de laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade” – art.º 76º/2 do CEPMPL (…).
1) Da suspensão da LSJ decretada pelo Director do EP de Vale de Judeus
No que respeita à suspensão da LSJ que foi decidida pelo Director do E.P de Vale de Judeus, e ao contrário do defendido pelo recluso neste recurso não nos parece que a mesma possa ser considerada irregular quanto à sua forma (pelo facto de ter sido decretada oralmente no dia 6.6.2019 e só por escrito no dia 7.6.2019) posto que resulta dos autos ter sido comunicado ao Director do E.P o incidente que motivou tal suspensão no próprio dia 6 e apenas por impedimento inadiável deste, não foi a suspensão decretada por escrito logo no dia 6) sendo igualmente discutível que o arguido tivesse que ser ouvido pelo Director antes de tal suspensão ser decretada, atenta a natureza desta medida – com efeito o artº 134º/ 4 do RGEP não faz referência a essa audição e tal suspensão trata-se de uma medida cautelar (provisória) e urgente.
Por outro lado, também se considera que quanto ao timing da comunicação a fazer ao TEP sobre essa decisão da suspensão, não foi cometida nenhuma irregularidade, porquanto ao ser decidida a suspensão em 6.6.2019 e ocorrendo a comunicação ao TEP no dia 11.6.2019, ainda assim está quanto a nós preenchida a exigência legal do artº 138º/4 do RGEP que determina seja feita uma “comunicação imediata” (uma vez que foi feita 5 dias após e estando já em curso o procedimento disciplinar com base nos factos que determinaram essa suspensão em 6.6.2019).
2- Da impugnação da medida disciplinar aplicada em 1.7.2019
O arguido veio impugnar a medida disciplinar que lhe foi aplicada em 1.7.2019 pelo Director do E.P de Vale de Judeus, interpondo uma reclamação hierárquica dessa decisão para o Director Geral dos Serviços Prisionais (cfr documento junto a fls 79 a 83 dos autos) e nessa reclamação insurge-se contra a suspensão que havia sido decretada em 6.6.2019 e também contra a medida disciplinar aplicada, por entender agiu de boa fé e que não cometeu qualquer infracção disciplinar.
Como já vimos, a bondade desta argumentação do arguido, não chegou a ser alvo de nenhuma apreciação de mérito por um Tribunal ou entidade administrativa com poderes de supervisão, porquanto tal reclamação veio a ser indeferida em 20.8.2019 ao abrigo do artº 196º alínea a) do C.P.A pelo sr. Director Geral dos Serviços Prisionais (cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido) sem conhecer do mérito das questões colocadas pelo arguido, simplesmente negando ter competência para apreciar tal matéria e atribuindo tal competência ao TEP.
Contudo, a Srª Juíza do TEP havia igualmente por escrito já decidido não ser competente para apreciar/validar as medidas de carácter disciplinar que fossem aplicadas pelo Director do E.P na sequência de procedimento disciplinar aos reclusos (cfr. se pode ler na decisão judicial de fls 63/64 dos autos proferida em 12.7.2019 “decorre da lei – CEPMPL- que esta medida disciplinar não é judicialmente impugnável para o TEP”).
Parece-nos assim ser inquestionável o facto de a medida disciplinar aplicada ao condenado em 1.7.2019 apesar de contestada pelo recluso, ter acabado por se tornar definitiva por uma questão formal e não porque qualquer entidade superior (judicial ou administrativa) a tivesse validado, não tendo sido oportunamente suscitado o conflito negativo de competência no âmbito da apreciação da contestação daquele (conflito gerado entre o Director Geral dos Serviços Prisionais que se declarou incompetente em 20.8.2019 e a Srª Juíza do TEP que também se havia declarado incompetente para o efeito por decisão proferida em 12.7.2019).
Ora esta realidade não podia naturalmente deixar de pesar na decisão a proferir pelo TEP aquando da avaliação que se lhe impunha fazer para determinar se havia ou não justificação legal para revogar a LSJ concedida em 29.5.2019
3- Do mérito da decisão proferida pelo TEP em 3.10.2019
É ao TEP que compete nos termos do art.º 138º/4 alínea b) e art.º 79º/1 do CEPMPL, conceder e revogar as licenças de saída jurisdicional.
Ou seja, resulta do regime legal que as ditas licenças de saída não são definitivas ou imodificáveis, podendo ser alteradas, modificadas ou mesmo revogadas se em função do escopo que pretendem alcançar, circunstâncias supervenientes o justificarem, dando-se assim corpo ao processo evolutivo do regime de execução da pena.
Daí o preceituado no art.º 138º/4 do RGEP, que permite que até por acção de uma entidade administrativa a decisão de concessão de uma licença para saída possa sofrer um revés ditado por circunstâncias supervenientes (…).
Mas tal não significa que as decisões que alterem, modifiquem ou revoguem a saída jurisdicional por factos supervenientes possam ser livre e discricionariamente tomadas.
As decisões do Juiz do TEP devem nesta matéria, como de resto em qualquer outra, de acordo com o exigido pelo art.º 146º do RGEP e o art.º 205º da CRP ser sempre fundamentadas, com especificação dos motivos de facto e de direito, após observado o necessário e incontornável princípio do contraditório.
A Srª Juíza do TEP no caso presente, fundamentou a sua decisão de revogação da LSJ ao abrigo do artº 138º /4 do RGEP, no facto de ter ficado provado que o recluso A_____ foi autor de uma infracção disciplinar pela qual foi punido em 1.7.2019 com uma medida de repreensão escrita pelo sr. Director do EPVJ e consequentemente, ter entendido que os pressupostos da concessão da licença de saída jurisdicional sofreram alteração superveniente, referindo ter-se quebrado a confiança no futuro comportamento responsável do recluso para além do retrocesso na evolução do cumprimento da pena (nos termos previstos no art.º 78º/1/a) e nº 2 al a) do CEPMPL). Mas antes de assim decidir a srª Juiza do TEP não procedeu à audição do recluso ora recorrente, sobre essa questão da revogação da LSJ, isto é, não notificou o recluso ou o seu defensor para se pronunciarem sobre esta matéria tendo-se limitado a auscultar o M.P que promoveu no sentido de ser revogada tal licença (fls 46 e vº e fls 88 destes autos).
Quid júris?
Este Tribunal não teve acesso aos documentos que em concreto foram apreendidos ao recluso em 6.6.2019 (por não constarem cópias dos mesmos nos autos) pelo que também não poderá fazer aqui um juízo sobre a bondade da sua argumentação na parte em que alega encontrar-se de “boa fé” (invocando que tais documentos se tratavam apenas de “triplicados” dos registos da entrega das ferramentas por ele utilizadas e cópias desses triplicados e folhas A4 que obtivera licitamente).
Contudo não poderemos deixar de sublinhar o facto de ser estranho que o recluso se tivesse dado ao trabalho de requerer uma autorização escrita do Director do E.P de Vale de Judeus para transportar para fora do E.P “documentos relativos ao seu arquivo pessoal e profissional”, tenha obtido autorização escrita do mesmo para esse efeito e depois tivesse arriscado sair do E.P no dia 6.6.2019 com documentos que sabia não podia transportar para o exterior, sabendo que iria ser revistado e arriscando com tal conduta um eventual procedimento disciplinar. Por outro lado, não deixa também de ser estranho o que consta do seu procedimento disciplinar a propósito deste ponto: “os documentos (relativos ao registo das ferramentas apreendidos ao arguido) até poderão servir de controlo ao recluso mas nunca são documentos pessoais uma vez que estão directamente relacionados com a sua actividade laboral dentro do E.P – registo de ferramentas(materiais) – e por isso nunca poderia fazer sair para o exterior do E.P (…) o que está aqui em causa é o facto de o recluso pretender sair com documentos para o exterior do E.P e isso nunca foi permitido ao recluso e não recebeu instruções para isso”.
Do que nos é dado perceber pelos elementos constantes dos autos, existiu quanto a nós, claramente uma divergência acerca dos documentos que o arguido estava ou não autorizado a levar para o exterior no dia 6.6.2019, sendo razoável aceitar, de acordo com as regras da experiência e do normal encadeamento dos acontecimentos da vida que tivesse havido uma errada percepção por parte do arguido acerca do âmbito da autorização que lhe fora concedida pelo Director do E.P (cfr documento junto a fls 6 dos autos) e que abrangia quer documentos relativos ao seu dossier pessoal quer relativos ao seu dossier profissional - sendo certo que havendo o arguido referido ter interesse em levar consigo 5 dossiers e 10 pastas de documentos, é pressuposto que esses mesmos documentos tivessem sido vistoriados pelos guardas do E.P antes de ele sair no dia 6.6.2019.
Ou seja, sem embargo de a decisão que pôs termos ao processo disciplinar ter já transitado em julgado e não poder ser sindicada, pelo TEP ou por este Tribunal da Relação, ainda assim, para efeitos da decisão a proferir pelo TEP quanto à eventual revogação da LSJ perante tudo o que acima fica exposto, deveria ter-se considerado ser verosímil a tese de que o arguido tivesse incorrido em erro sobre o âmbito da autorização que lhe fora concedida pelo Director do E.P e estivesse convencido ser-lhe permitido levar para o exterior os documentos que lhe foram apreendidos no dia 6.6.2019 e em consequência ter-se considerado não haver factos suficientes que permitissem fundamentar uma quebra da confiança no seu comportamento futuro – não se encontrando em nosso entender, factos descritos na decisão recorrida que permitam alicerçar com segurança, a conclusão contrária que foi sustentada pela Sr.ª Juíza do TEP.
Com efeito, a condenação em infracção disciplinar do recluso por si só, desacompanhada de qualquer outra factualidade (como aconteceu na decisão recorrida) não permite extrair a ilação que deixou de existir “fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”. Mutatis mutandis, com as devidas distâncias, impõe-se recordar que tal sucede também no caso de ser cometido um novo crime pelo arguido, no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão, pois que tal reiteração na prática de um ilícito crime não acarreta de forma automática e imediata a revogação da suspensão anteriormente decretada (art.º 56º/1 b) do C.P.) Ao formular o juízo de prognose, o Tribunal aceita um "risco prudencial" que radica na expectativa de que o perigo de perturbação da paz jurídica, resultante da libertação, possa ser comunitariamente suportado, por a execução da pena ter concorrido, em alguma medida, para a socialização do delinquente (Sandra Oliveira e Silva, ob. cit., pág. 21; Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, Parte General, quinta edição, Comares, pág. 915).
O juízo de prognose depende do conhecimento tanto quanto possível perfeito das grandezas que condicionam o comportamento criminoso: a individualidade humana com todas as suas incógnitas e o mundo social com todos os seus imprevistos.
A previsão da conduta futura do indivíduo delinquente (prognose criminal individual) deve assentar na análise dos seguintes elementos:
a) As concretas circunstâncias do caso;
b) A vida anterior do agente;
c) A sua personalidade;
d) A evolução desta durante a execução da pena de prisão;
Verificado um juízo favorável sobre o comportamento futuro do delinquente, que justifique a concessão da licença de saída jurisdicional, esta só deverá depois ser revogada se no decurso da sua execução o recluso praticar actos que resultem em incumprimento das condições em aquela foi concedida ou quando por força de factos supervenientes, resultar da análise do comportamento do arguido no momento em que a vai gozar, que essa medida se revela incompatível "com a defesa da ordem e da paz social", ou não houver garantia de que o mesmo não se subtrairá à execução da pena ou medida privativa da liberdade, nos termos exigidos no art.º 78º/1 do CEPMPL – aprovado pela Lei nº 115/2009 de 12.10
Analisado o caso concreto dos autos, para efeitos de concessão da licença de saída jurisdicional (à semelhança do que sucede para a concessão da liberdade condicional) entendemos que tudo visto e analisado se impõe considerar que uma análise correcta e exaustiva de todos os elementos constantes dos autos, era possível ao TEP em 3 de Outubro 2019 formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido uma vez colocado em liberdade por 4 dias (no âmbito da LSJ), não obstante a sua condenação numa medida disciplinar aplicada em 1.7.2019, não havendo factos suficientemente gravosos que implicassem infirmar esse juízo de prognose favorável.
***
Além de que consideramos também que a decisão recorrida padece de irregularidade por omissão da audição do arguido com violação do contraditório (art.º 123º/2 do C.P.P).
Tal como sucede antes de decidir sobre a eventual revogação da suspensão da pena (art.º 495º/1 e 2 do C.P.P) também aqui deveria a Srª Juiz no TEP ouvir o recluso (sempre que possível pessoalmente ou não sendo possível notificando-o para se pronunciar por escrito), antes de se decidir pela revogação ou não da LSJ, até para sanar quaisquer dúvidas que pudessem persistir, tendo em atenção o facto de a reclamação hierárquica por ele interposta ter sido rejeitada por uma questão formal (respeitante à falta de competência).
E nesta parte, segundamos aqui a posição defendida pelo TRC no Acórdão proferido no processo 660/11.7TXCBR.C1 relatado pela Sr.ª Desembargadora Dr.ª Alcina da Costa Ribeiro e junto aos autos, de onde transcrevemos a seguinte argumentação que fazemos nossa:
“A licença de saída jurisdicional à semelhança da liberdade condicional e de ouras medidas aplicáveis no âmbito da execução da pena de prisão, constitui “um limite aos limites” próprios da execução da pena de prisão, para mais justificado pela ideia de ressocialização que a própria pena de prisão também serve (cfr. art.º 2º/1 e art.º 76º/2 do CEPMPL) , sendo recorríveis as decisões que revoguem a licença (art.º 196º/2 do mesmo diploma). Por isso, nestas circunstâncias a decisão que apreciou os pressupostos de saída jurisdicional, por factos supervenientes, impunha a observância do princípio do contraditório, com a notificação do recluso para se pronunciar como previsto no art.º 32º/5 da CRP (…). O CEPMPL não prevê expressamente de que modo se há-de ouvir o recluso, nem qual a forma de processo adequada à alteração, modificação ou revogação da concessão da saída jurisdicional, com fundamento em factos supervenientes. Contudo existe previsto na lei um processo especial para a concessão da LSJ previsto no art.º 189º a 196º do CEPMPL que prevê duas fases sendo que uma dessas fases é de carácter geral e outra de carácter especial respeitante ao incumprimento das condições impostas na autorização de saída. No caso presente, deve seguir-se a parte geral (por não se aplicar o regime especial incidental do incumprimento) e entender-se que se para conceder ou denegar a pedido do recluso se devem observar os trâmites procedimentais enunciados no art.º 189º a 192º do CEPMPL, o mesmo deve suceder quando se verifiquem alteração das circunstâncias – e não já incumprimento das condições impostas na licença concedida – que justifiquem, a pedido do Director do E.P ou de outra entidade, a revogação, alteração ou modificação da decisão que deferiu a licença de saída. Trata-se de apreciar novos factos e de sobre eles emitir um novo juízo, tudo se passando como se se apreciasse ex novo a licença de saída do recluso. E como se trata de uma alteração de uma decisão que colide com a liberdade já concedida – embora temporária e condicionada – impõe-se como se afirmou acima que se cumpra o princípio do contraditório em relação ao arguido. (,..) Em suma a forma de processo que se adequa à modificação, alteração ou revogação da decisão que concedeu ou denegou a licença de saída jurisdicional, com fundamento em circunstâncias supervenientes – não incluídas no incumprimento das condições nela impostas – é o da licença de saída jurisdicional previsto no art.º 189º a 192º do CEPMPL. E ainda que assim não se entenda deve então recorrer-se ao processo supletivo previsto nos termos do art.º 155º/2 do mesmo diploma legal”.
Em resumo, também nós entendemos tal como ficou dito naquele Acórdão da Relação de Coimbra supra parcialmente transcrito, que qualquer que seja a posição que se assuma em relação à forma processual adequada a apreciar a modificação, alteração ou revogação da decisão que concedeu a LSJ, por força da alteração das circunstâncias, sempre terá que se observar o princípio do contraditório em relação ao recluso, o que não foi feito na 1ª instância no caso presente.
Com efeito, independentemente de o recluso noutros processos ter reagido e se ter manifestado contra a decisão do Director do E.P que em 6.6.2019 lhe suspendeu a LSJ e também ter reagido por via da reclamação hierárquica contra a medida disciplinar que lhe foi por aquele aplicada em 1.7.2019 (na sequência de procedimento disciplinar instaurado nos termos legais), assistia ainda ao recluso o direito de ser ouvido perante a Sr.ª Juíza do TEP - e neste Tribunal deveria ter sido expressamente notificado para se pronunciar sobre os motivos que estiveram na base da suspensão da LSJ pelo Director do E.P (e bem assim para querendo, rebater a promoção do M.P em funções no TEP, no sentido da revogação dessa LSJ que consta de fls 46 vº e fls 88).
Por tudo o acima exposto, procede o recurso do condenado, impondo-se a revogação da decisão recorrida do TEP de 3.10.2019 porquanto a mesma não se mostra suficientemente fundamentada nos termos legais (art.º 97º/5 do C.P.P) e é irregular por não ter sido respeitado o princípio do contraditório (art.º 123º/2 do C.P.P) - irregularidade esta que é do conhecimento oficioso, não resultando dos autos que o recluso tenha renunciado a argui-la.
III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar providoorecurso interposto pelo condenado A____, considerando ilegal por falta de fundamentação, nos termos supra expostos, a decisão recorrida proferida em 3.10.2019.
b) Determinar que os autos baixem à primeira instância (TEP) a fim de que uma vez ouvido o condenado sobre os motivos que determinaram a suspensão da revogação da LSJ decidida pelo Director do E.P em 6.6.2019 e sobre a promoção de revogação dessa LSJ proveniente do MP junto do TEP, e realizadas as diligências que se tiverem por pertinentes e necessárias, seja proferida uma nova decisão.
c) Sem Custas.
Lisboa, 29 de Janeiro de 2020 Ana Paula Grandvaux Barbosa Cristina de Almeida e Sousa