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EXAME DE DETECÇÃO DE ÁLCOOL NO SANGUE
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA AUTO-INCRIMINAÇÃO
Sumário
- A recolha de amostra de sangue, numa situação decorrente de um acidente de viação, em que legalmente se preconiza a detecção de eventual alcoolemia aos respectivos intervenientes, ainda que falecidos e mesmo que sejam peões, sendo que o Cód. da Estrada, no seu art.º 156.º, n.º1, determina que sejam submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, “sempre que o seu estado de saúde o permitir”, apesar de contender com o direito à integridade pessoal e o direito à reserva da vida privada do examinando, igualmente não comporta um juízo de desconformidade constitucional. - A intervenção nos referidos direitos fundamentais dirige-se à salvaguarda da eficácia da pretensão punitiva do Estado, relativamente a normas sancionatórias criadas como garantia de efetiva tutela material de outros direitos fundamentais valiosos - a vida, a integridade física, a propriedade privada - abarcados pela proteção da segurança da circulação rodoviária. - O direito à integridade pessoal não impede o “estabelecimento de deveres públicos dos cidadãos que se traduzam em (ou impliquem) intervenções no corpo das pessoas (v. g., vacinação, colheita de sangue para testes alcoolémicos, etc.)”, desde que a obrigação não comporte a sua execução forçada, sem prejuízo da punição em caso de recusa. - Também não pode considerar-se que a colheita de sangue para exame pericial à respetiva taxa de álcool viole o direito à não auto-incriminação, posto é que a jurisprudência mais recente tem vindo pacificamente a aceitar que tal se circunscreve, essencialmente, ao direito ao silêncio e não, também, ao direito de não ser compelido a realizar determinados exames com vista à obtenção de provas, não alcançáveis por outra via. - De todo o modo, o certo é que a colheita de sangue com vista à realização de perícia à taxa de álcool não só não constitui em si qualquer declaração, como também nem sequer visa a condenação do respetivo sujeito, destinando-se antes e exclusivamente a averiguar a verdade material sobre o seu estado de influenciado de álcool, que é desconhecido e, à partida, tanto pode servir a acusação como beneficiar a defesa.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:
I - Relatório:
I - 1.) No Juízo Local Criminal do Seixal, foi o arguido JG, com os demais sinais dos autos, submetido a julgamento em processo comum, com a intervenção do tribunal singular, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.ºs 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal.
Proferida a respectiva sentença, veio aquele a ser condenado pela mencionada infracção na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), ou seja, na multa total de €450,00, e bem assim, na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período 4 (quatro) meses.
I - 2.) Inconformado com o assim decidido, recorreu o Arguido JG para esta Relação, sintetizando os motivos da sua irresignação com a apresentação das seguintes conclusões:
1.ª - Nos presentes autos, a acusação refere que o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, apresentando uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,24 g/l.
2.ª - Porém, a mesma acusação refere que no dia, hora e local em causa, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula 68..., tendo sido interveniente em acidente de viação.
3.ª - Na decisão recorrida estes factos foram dados como provados.
4.ª - Tendo ocorrido um acidente de viação, prescreve o artigo 156.º, n.ºs 1 e 2 do C.E. que:
"1 - Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 153.º.
2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influência pelo álcool e ou por substâncias psicotrópicas."
5.ª - Dado o enquadramento legal aludido, mesmo nas situações de acidente, a preferência do legislador é a realização de teste ao ar expirado.
6.ª - Em caso de acidente de trânsito, o legislador impõe, assim, que seja fiscalizada a presença de álcool nos respetivos intervenientes, devendo tal efetuar-se através de exame de pesquisa de álcool no ar expirado e, caso este não seja possível, através de pesquisa de álcool no sangue ou, na impossibilidade deste, mediante exame médico.
7.ª - O exame de sangue é a via excecional para a recolha de prova admitida na lei para tal efeito, apenas admissível em casos expressamente tipificados, designadamente quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível (artigos 153.º, n.º 8 e 156.º, n.º 2 do C.E.).
8.ª - No caso de ter sido efetuado exame de sangue, a legalidade da prova só fica demonstrada se da matéria de facto, ou pelo menos da motivação, for possível concluir que tal exame ocorreu por não ter sido possível a realização de pesquisa de álcool no ar expirado.
9.ª - Mas esta conclusão tem de ser esclarecedora e inequívoca, pois estando em causa uma invasão da integridade física do arguido e uma limitação do seu direito à não autoincriminação é necessário proceder-se à demonstração de que o exame de sangue não constituiu um método proibido de prova, por não ter sido possível o exame de pesquisa de álcool no ar expirado.
10.ª - Nos autos, o arguido foi interveniente num acidente de viação quando conduzia um veículo ligeiro de passageiros na via pública.
11.ª - Tendo resultado ferimentos para o arguido, foi o mesmo conduzido para o Hospital Garcia da Horta, onde foi submetido a exame de sangue, através da colheita de sangue.
12.ª - A questão que o arguido coloca no presente recurso é saber se a ter havido colheita ao sangue a que foi sujeito constituiu, ou não, tal colheita, um método proibido de prova, nos termos dos artigos 32.º, n.º 8 da C.R.P. (Constituição da República Portuguesa) e 126.º do C.P.P., determinante da nulidade da prova através desse meio obtida.
13.ª - A única referência na decisão recorrida em que se aflora esta questão é a propósito das declarações da testemunha FC - Guarda da GNR: "Disse ainda que o arguido se queixava de dores no peito, motivo pelo qual não foi possível proceder à realização do teste qualitativo no local, tendo o mesmo sido conduzido ao hospital de ambulância.".
14.ª - O arguido, como consta da motivação da matéria de facto, afirma que não lhe foi feita recolha de sangue no Hospital Garcia da Horta.
15.ª - Mas mesmo admitindo que foi feita tal colheita e que o arguido não se recorda, a matéria de facto, ou, pelo menos a motivação de tal matéria, tinha obrigatória e expressamente de referir, os motivos pelos quais não foi possível realizar o exame de ar expirado, designadamente, que o mesmo não teria sido possível atento o estado de saúde incapacitante do arguido.
16.ª - E sobre esta colheita de sangue, sobre a legalidade ou não de tal colheita, nomeadamente sobre se previamente foi averiguado da possibilidade de o arguido realizar o teste através de ar expirado, de que forma foi feita essa averiguação e como se terá chegado à conclusão da impossibilidade de o arguido não ter feito o teste de ar expirado, o julgador a quo na fundamentação da matéria de facto, de um modo em nosso entender e com todo o respeito pela decisão recorrida, não esclarecedor, nada fundamenta, não dando resposta clara ou efetiva sobre o que importa apurar: se na sequência do acidente e/ou por causa deste, não foi possível realizar ao arguido o teste de alcoolemia através de ar expirado.
17.ª - Entende o recorrente que se verifica na sentença recorrida a violação pelo Tribunal a quo de normas legais relativas à validade dos meios de prova para a deteção do estado de influenciado pelo álcool, ao fundamentar a decisão de facto no resultado da perícia ao teor de álcool realizada com base em amostra de sangue, sem que se tenha assegurado da excecionalidade que pudesse justificar o afastamento da determinação da taxa de álcool no sangue através do método de pesquisa no ar expirado.
18.ª - Dos elementos de prova constantes dos autos, nomeadamente do teor da participação do acidente de fls. 6 a 8, do aditamento de fls. 3, não consta que não foi possível efetuar o teste através do ar expirado e do documento de fls. 68 e seguintes - relatório completo de episódio de urgência - nada consta sobre se foi colhido sangue para alcoolemia, como normalmente consta.
19.ª - Deveria constar de tal relatório a recolha do sangue com essa finalidade, a indicação da prescrição médica, a eventual autorização do doente e quem estava presente nessa recolha.
20.ª - Embora neste relatório se diga que o doente está etilizado, nada refere qualquer recolha de sangue para efeitos de alcoolemia.
21.ª - A análise e valoração desta prova não está suficientemente esclarecida na decisão recorrida.
22.ª - Não basta as declarações da testemunha FC de que o arguido tinha dores no peito e não se fez o teste qualitativo no local para se concluir que este estivesse impedido de realizar o teste pelo método do ar expirado.
23.ª - Nada na fundamentação indicia que o arguido não estaria em condições físicas para realizar o teste através de ar expirado.
24.ª - Da prova produzida não se apurou se as dores no peito inviabilizavam a realização de tal teste, do relatório completo de urgência nem sequer resulta que o arguido tivesse ferimentos ou queixas no peito, as queixas e ferimentos eram na cabeça e perna e foram a este membro e à cabeça que se realizaram os exames de diagnóstico.
25.ª - A decisão recorrida é completamente omissa quanto a mostrarem-se verificados os pressupostos legais para se proceder à colheita de sangue para análise - situação em que a colheita de sangue seria legal.
26.ª - E é omissa porque da prova produzida, não resulta apurado qualquer facto que permita concluir se tal exame de sangue ocorreu «por não ter sido possível a realização» de «exame de pesquisa de álcool no ar expirado».
27.ª - O apuramento desta matéria constitui elemento necessário à validação do exame de sangue realizado, na medida em que apenas a impossibilidade de realização de exame de pesquisa de álcool no ar expirado torna válido e, por isso, eficaz, o respetivo exame de sangue, determinando a condenação do arguido.
28.ª - Não foi produzida qualquer prova se, após o acidente e antes de o arguido ser conduzido à unidade hospitalar, era possível o arguido ter realizado o teste de alcoolemia através de pesquisa no ar expirado.
29.ª - Nestes termos, não se tendo apurado se o exame de sangue foi efetuado por impossibilidade de realização de exame quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, não deveria o Tribunal recorrido ter valorado o exame de sangue para condenar o arguido.
30.ª - Deve, por isso, ser considerada inválida a perícia efetuada à amostra de sangue recolhida ao recorrente e, consequentemente, dar-se como não provada a taxa de álcool no sangue que alegadamente o arguido apresentava nas circunstâncias de tempo e lugar em causa nos autos.
40.ª - A recolha de sangue feita de forma ilegal, constitui meio de prova nulo nos termos do artigo 126.º, n.º 1 do C.P.P. e 32.º, n.º 8 da C.R.P., encontrando-se violados estes preceitos legais.
41.ª - A decisão recorrida violou, também, o disposto nos artigos 153.º, 156.º, n.ºs 1 e 2.º do C.E., 1.º, n.º 1 e 3 e 4.º, n.º 1 da Lei 18/2007, de 17/05.
42.ª - Pelo que deve julgar-se inválido o meio de prova resultante do exame químico-toxicológico de fls. 5 e, assim, dar-se como não provados os factos n.ºs 2, 3, 4 e 5 dos factos provados, substituindo-se a decisão recorrida por outra que absolva o arguido da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo pelos artigos 292.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, al. a), 41.º e 47.º do C.P..
Termos em que, declarando a arguida nulidade e revogando a sentença recorrida, deve ser proferido acórdão que absolva o arguido do crime imputado.
I - 3.) Na sua resposta, a Digna magistrada do Ministério Público junto do Tribunal “a quo”, concluiu por seu turno:
1.º - A prova foi corretamente valorada e interpretada;
2.º - A fundamentação da sentença a quo não violou o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objetiva, e de harmonia com a experiência comum, e como tal não pode concluir-se que a mesma prova gerou factos incertos, que impliquem dúvida razoável que afaste a valoração efetuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto.
3.º - A douta sentença proferida nos autos não padece dos vícios apontados pelo recorrente, não existindo qualquer tipo de vício nem nulidade.
II - Subidos os autos a esta Relação a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer propugnando igual improcedência.
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No cumprimento do preceituado no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Tendo lugar a conferência.
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Cumpre, pois, apreciar a decidir:
III - 1) De harmonia com as conclusões apresentadas, as quais entre nós, de forma tida por consensual, definem e delimitam o respectivo objecto, com o recurso interposto tem em vista o Arguido JG submeter como questão principal a apreciar por esta Relação, a eventual nulidade do exame/perícia à amostra de sangue que lhe foi efectuada nos autos, que por ser inválida, acarretaria a não prova dos factos 2 a 5 e a sua consequente absolvição do mesmo.
III – 2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro a matéria de facto que se mostra definida:
Factos provados:
1) No dia 16/3/2018, pelas 06:20 horas, o arguido JG conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Seat, com a matrícula 68..., na Estrada Nacional 10, Seixal, tendo sido interveniente em acidente de viação, ocorrido ao KM 13.
2) Submetido a exame para detecção de álcool no sangue, apurou-se que o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,24 g/l.
3) Antes de iniciar o exercício da condução, o arguido ingerira bebidas alcoólicas em quantidade que sabia influenciar a sua capacidade para conduzir veículos.
4) Tendo representado que a quantidade de bebidas alcoólicas por si ingerida era idónea a determinar-lhe uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l.
5) Agiu de forma consciente e voluntária, sabendo ser proibida a sua conduta e tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.
Com relevância para a decisão da causa provou-se ainda o seguinte:
6) O arguido está em situação de desemprego há aproximadamente duas semanas.
7) Vive com a sua mãe que é consultora informática em casa arrendada.
8) Completou o 12.º ano de escolaridade.
9) Está a frequentar um curso de fotografia.
10) Não tem antecedentes criminais.
Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa não ficaram por provar quaisquer factos.
Importa também consignar a justificação exarada em suporte da convicção assim materializada:
A convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, coerência do raciocínio e de atitude e sentido de responsabilidade manifestados - que, porventura, transpareçam em audiência.
Assim, para apuramento da factualidade provada em 1), atentou-se nas declarações do arguido que a confirmou, em conjugação com o depoimento da testemunha FC, militar da GNR, que em depoimento sereno, objetivo e consistente igualmente a confirmou. Referiu que no dia 16/3/2018, pelas 06:20 horas se encontrava de serviço, tendo-se dirigido à Estrada Nacional 10, Seixal em virtude da ocorrência de um acidente de viação, em que havia sido interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Seat, com a matrícula 68.... Mais confirmou a autoria e teor do aditamento à participação de acidente de viação de fls. 3 e participação de acidente de viação de fls. 6 a 8.
Para apuramento da referida factualidade atentou-se ainda no depoimento da testemunha SL, distribuidor e que em depoimento isento, sereno e objetivo igualmente a confirmou. Referiu que no dia no dia 16/3/2018, pelas 06:20 horas circulava na Estrada Nacional 10, Seixal atrás da viatura embatida pelo arguido, tendo presenciado o acidente de viação em que aquele foi interveniente.
No que tange à factualidade vertida em 2) e 3), o arguido prestando declarações negou que tivesse ingerido quaisquer bebidas alcoólicas e que conduzisse sob o efeito do álcool. Mais referiu não lhe ter sido recolhida qualquer amostra de sangue no hospital para onde foi conduzido após o acidente.
Ora, pese embora o arguido tenha pretendido fazer crer ao Tribunal que não conduzia sob o efeito do álcool, certo é que as suas declarações, quanto a esta factualidade não mereceram a credibilidade do Tribunal, por não se afigurarem nem consistentes, nem seguras.
Por outro lado, a versão apresentada pelo arguido não só não foi corroborada por nenhum elemento de prova, como foi contrariada pela demais prova produzida.
Na verdade, a testemunha FC, que se dirigiu ao local do acidente, referiu que o arguido à sua chegada se apresentava visivelmente embriagado, cheirando a álcool, falando com voz arrastada e que pese embora estivesse de pé, encontrava-se encostado. Mais referiu a testemunha que o arguido lhe disse quando abordado para apresentar os documentos de identificação e da viatura que “Sr. Guarda, estou muito bêbado”. Disse ainda que o arguido se queixava de dores no peito, motivo pelo qual não foi possível proceder à realização do teste qualitativo no local, tendo o mesmo sido conduzido ao hospital de ambulância. Disse que como é procedimento habitual em ocorrências de acidente de viação, se dirigiu ao hospital Garcia de Orta para onde o arguido foi conduzido de ambulância e que presenciou, já no hospital, a recolha de sangue, apurando-se que conduzia com taxa crime. Mais referiu que o arguido foi sempre colaborante e que lhe foram explicados todos os procedimentos, não tendo manifestado qualquer oposição. Referiu ainda que o arguido pese embora sonolento, esteve sempre consciente e que só após a recolha de sangue é que adormeceu.
E no sentido de que o arguido se encontrava sonolento mas consciente à chegada ao hospital aponta o relatório de urgência do Hospital Garcia de Orta de fls. 68 e seguintes datado de 16.03.2018, pelas 07:14 horas, do qual resulta ainda que o mesmo estava etilizado.
De igual modo, resulta indubitável do relatório final do Serviço de Química e Toxicologia Forenses de fls. 5 que no dia 16.03.2018 pelas 08:00 horas foi colhida amostra de sangue ao arguido no Hospital Garcia de Orta, acusando uma TAS de 1,24, g/l, já após dedução da margem de erro de 0,18g/l.
Por outro lado, também a testemunha SL, que referiu ter presenciado o acidente de viação em que o arguido foi interveniente e que quer o arguido, quer o indivíduo que seguia com o mesmo no lugar do pendura aparentavam estar alcoolizados.
Ora, aqui chegados e conjugando o depoimento das sobreditas testemunhas com o teor do aditamento à participação de acidente de viação de fls. 3, participação de acidente de viação de fls. 6 a 8, relatório de urgência do Hospital Garcia de Orta de fls. 68 e seguintes datado de 16.03.2018, pelas 07:14 horas do qual resulta além do mais, que o arguido estava etilizado, bem como o relatório final do Serviço de Química e Toxicologia Forenses de fls. 5 do qual resulta que no dia 16.03.2018 pelas 08:00 horas foi colhida amostra de sangue ao arguido no Hospital Garcia de Orta, acusando uma TAS de 1,24, g/l, já após dedução da margem de erro de 0,18g/l, conclui-se pela verificação da factualidade vertida em 2) e 3) dos factos provados.
No que tange ao elemento subjectivo enformador das condutas em análise referido em 4) e 5), o mesmo resulta do cotejo da matéria objectiva dada como provada, que permitiu a este Tribunal, com base nas declarações do arguido e demais prova produzida, em conjugação com as regras de experiência comum, concluir pela sua verificação.
As condições pessoais, familiares e económicas do arguido referidas em 6) a 9) dos factos provados apuraram-se com base nas declarações que prestou em sede de julgamento.
A ausência de antecedentes criminais referidos em 10) dos factos provados resultam da análise do certificado de registo criminal constante de fls. 67.
III - 3.1.) Passando de imediato a apreciar a questão acima deixada enunciada, a primeira nota que gostaríamos de consignar, é a de que lendo e relendo a sentença agora colocada em crise, em parte alguma conseguimos detectar em que segmento considerativo da mesma o Tribunal recorrido se refira ou emita pronúncia em relação à nulidade que ora se invoca.
O que se consigna, na sua parte saneadora, pode não ser conclusivo: “inexistem questões prévias e incidentais de que cumpra conhecer”.
Mas percorrendo o processo até essa fase, também não a encontramos suscitada.
Sabemos que o Arguido não apresentou contestação, pelo que também não pode ter sido aí.
Não vemos também que tenha sido suscitada em momento prévio ao julgamento.
Conferimos mesmo as alegações da Defesa proferidas nessa ocasião.
E sem prejuízo das referências e dúvidas apostas ao modo como tal exame terá sido realizado ou mesmo à sua existência (o Arguido nega estar alcoolizado e que lhe tenha sido feito qualquer exame para detecção do álcool seja por ar aspirado seja por pesquisa no sangue), nunca ouvimos a expressão nulidade ou proibição de prova.
Ora se a questão em causa era assim tão relevante, … então, para dizer o menos, perdeu-se a oportunidade adequada para a debater e investigar.
Seja como for, julgamos que não se verifica qualquer invalidade, como a postulada, relativamente ao meio de prova em causa.
III - 3.2.) A situação que origina os presentes autos decorre de um acidente de viação (colisão), que por indicação legal (que encontra larguíssimo cumprimento por parte das autoridades policiais ou militares (GNR) envolvidas nessa área), preconiza a detecção de eventual alcoolemia por parte dos respectivos intervenientes, ainda que falecidos, e mesmo que sejam peões.
Como já foi anotado, nessas circunstâncias, o Cód. da Estrada, no seu art.º 156.º, n.º 1, determina que sejam submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, “sempre que o seu estado de saúde o permitir”.
Quando assim não for possível, “o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influência pelo álcool e ou por substâncias psicotrópicas” (cfr. respectivo n.º 2)
Regulando depois a Lei os casos em que este também não possa ser efectuado ou em que o examinado se recuse a procedê-lo (n.º 3).
A este título, se bem se conferir, o “Aditamento à Participação” com que abrem estes autos (ainda do dia 16), não deixa de informar que a realização da “despistagem quantitativa” do eventual grau de alcoolemia por parte do 1.º condutor (o Arguido) não foi possível, uma vez que “o seu estado de saúde (…) não o permitia”.
Já em julgamento, a testemunha FC que o subscreve, terá pormenorizado, como se refere na sentença agora colocada em crise, “que o arguido se queixava de dores no peito, motivo pelo qual não foi possível proceder à realização do teste qualitativo no local, tendo o mesmo sido conduzido ao hospital de ambulância”.
É certo que se agita o argumento de que na urgência aquele apresentava ferida contusa supraciliar direita dores na coxa, joelho, tornozelo esquerdo, e que terá negado qualquer traumatismo ou queixas álgicas e tóraxico-abdominais, como ali se menciona.
Mas importa não cairmos em equívocos: No recurso apresentado não se mostra processualizada qualquer impugnação de facto ou em que se tenha observado o disposto no art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal.
Logo, não vamos tecer quaisquer considerações sobre a bondade de tais declarações (na contraposição, por exemplo, do declarado pelo Arguido) ou efectuar comentários directos à convicção que a Mm.ª Juíza tenha alcançado.
Anotaremos tão-somente, que o Arguido foi admitido no Hospital Garcia da Horta como “muito urgente” com a classificação de “grande traumatismo”, que insistia em abandonar o serviço e acabou por ter alta “contra parecer médico”…
No relatório de urgência mais se refere “que adormece com facilidade, mas facilmente despertável - está etilizado”.
Colhe-se dos autos que o outro condutor interveniente no acidente foi submetido a exame de ar aspirado, o que só reforça a conclusão de que algo existiu para justificar um procedimento diferenciado.
Ao que se indica, houve colisão pelo menos parcialmente frontal de veículos, os airbaig´s terão disparado e o Recorrente utilizaria cinto de segurança.
III - 3.3.) Outro aspecto que muito se enfatiza, é a da não existência de registo processual da referida colheita de amostra de sangue.
Ora a este propósito, uma vez mais aquele “Aditamento à Participação” não deixa de fazer consignar, que no Hospital acima já mencionado foi efectuada ao Recorrente “colheita de amostra de sangue para posterior envio à Delegação Nacional de Medicina Legal da área respectiva”.
O que o respectivo “relatório final”, melhor constante de fls. 5 corrobora, especificando até o momento da sua realização: pelas 08 horas e 00 minutos do dia 16/03/2018.
III - 3.4.) Como fui deste enunciado, a actuação da GNR foi distinta em relação aos dois condutores, mostra-se concretizada processualmente, seja na sentença seja em momento processual anterior, o motivo pela qual se optou (e para nós bem), por não se ter efectivado o exame por pesquisa no ar aspirado, da mesma forma que não vemos que dúvidas objectivas possam ser apostas a que a perícia materializada a fls. 5 dos autos se reporta a uma colheita de sangue realizada ao Recorrente no tempo em que permaneceu na referida unidade hospitalar.
O art.º 156.º do Cód. da Estrada, por seu lado, não menciona quaisquer requisitos formais especiais, indicadores do motivo pelo qual aquela forma de realização de pesquisa da alcoolemia que o seu n.º 1 privilegia não se efectivou, que apontem para uma exigência superior à que aqui se mostra satisfeita.
Como o refere o acórdão da Relação de Guimarães de 05/06/2017 no processo n.º 70/16.0PTBRG.G1, pertinentemente convocado pela Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, “as circunstâncias de onde decorre a validade de um meio de prova, se bem que tenham que emanar dos autos, não têm que ser alegadas na acusação nem de constar do elenco dos factos que, a final, são dados como provados e não provados na sentença”.
Nada no processo evidencia que o tal exame tenha sido realizado contra a vontade do Arguido.
Ainda que tirado na hipótese do crime de desobediência (art.º 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, com referência ao artigo 152.º, n.º 3, do Código da Estrada), o sentido da Jurisprudência do Tribunal Constitucional é inequívoca em como “a recolha de amostra de sangue, nas específicas circunstâncias em análise no presente recurso, apesar de contender com o direito à integridade pessoal e o direito à reserva da vida privada do examinando, igualmente não comporta um juízo de desconformidade constitucional.
A intervenção nos referidos direitos fundamentais dirige-se à salvaguarda da eficácia da pretensão punitiva do Estado, relativamente a normas sancionatórias criadas como garantia de efetiva tutela material de outros direitos fundamentais valiosos - a vida, a integridade física, a propriedade privada - abarcados pela proteção da segurança da circulação rodoviária.
Ora, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito à integridade pessoal não impede o “estabelecimento de deveres públicos dos cidadãos que se traduzam em (ou impliquem) intervenções no corpo das pessoas (v. g., vacinação, colheita de sangue para testes alcoolémicos, etc.)”, desde que a obrigação não comporte a sua execução forçada, sem prejuízo da punição em caso de recusa (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, p. 456). – Por todos cfr. acórdão do TC n.º 397/2014, de 07/05/2014, no Processo n.º 937/13.
Mais, como igualmente se refere no já indicado acórdão da Rel. de Guimarães de 05/06/2017, “também não pode considerar-se que a colheita de sangue para exame pericial à respetiva taxa de álcool viole o direito à não auto-incriminação, posto é que a jurisprudência mais recente tem vindo pacificamente a aceitar que tal se circunscreve, essencialmente, ao direito ao silêncio e não, também, ao direito de não ser compelido a realizar determinados exames com vista à obtenção de provas, não alcançáveis por outra via.
De todo o modo, o certo é que a colheita de sangue com vista à realização de perícia à taxa de álcool não só não constitui em si qualquer declaração, como também nem sequer visa a condenação do respetivo sujeito, destinando-se antes e exclusivamente a averiguar a verdade material sobre o seu estado de influenciado de álcool, que é desconhecido e, à partida, tanto pode servir a acusação como beneficiar a defesa.”
Contrapor as declarações do Arguido ou o carácter equívoco da real condição física do Arguido que afinal poderia não ser impeditiva de realizar o exame pelo processo de pesquisa do ar expirado, não havendo impugnação de facto ou a evidenciação de qualquer dos vícios previsto no n.º 2 do art.º 410.º, do Cód. Proc. Penal, não se aceita.
Como a Digna magistrada do Ministério Público em 1.ª Instância o exara na parte final da sua resposta, da fundamentação apresentada pelo Tribunal “não pode concluir-se que a mesma prova gerou factos incertos, que impliquem dúvida razoável que afaste a valoração efetuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto”.
Pelo que nesta conformidade
IV – Decisão:
Nos termos e com os fundamentos mencionados, acorda-se, pois, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido JG.
Pelo seu decaimento, e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que possa beneficiar, pagará o mesmo 3 (três) UCs de taxa de justiça, ex vi dos art.ºs 513.º e 514.º do Cód. Proc. Penal e respectivo Regulamento das Custas Processuais.
Elaborado em computador. Revisto pelo Relator o 1.º signatário.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2020
Luís Gominho
José Adriano