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ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
INDIVISIBILIDADE
PREJUÍZO
Sumário
I - O juízo a fazer acerca da divisibilidade da coisa comum reporta-se ao momento e ao estado em que se encontra a coisa, quando a divisão é requerida, para se aquilatar do requisito "prejuízo" - artº 209 do Código Civil. II - Se da divisão resultar diminuição do valor da coisa impõe-se concluir pela indivisibilidade. III - Se o prédio pretendido dividir não se apresenta como um todo, nele tendo sido construídos dois imóveis destinados a habitação, tendo logradouros/leiras não afectos a fins económicos autónomos das casas de que fazem parte, não tendo sido alegados, nem provados, factos que obstem à divisão - artºs 1376 e 1377 do Código Civil - assim, não perdendo aqueles logradouros/leiras a sua ligação às habitações da Autora e dos RR., respectivamente, e sendo fruídos por quem é dono das casas, a divisão não afecta a sua natureza de parte componente dos prédios urbanos, pertencentes aos litigantes, impondo-se concluir pela inexistência de prejuízo e, logo, pela divisibilidade material do prédio.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
B.........., intentou, em 19.12.2002, pelo Tribunal Judicial da Comarca de .......... – .. Juízo – acção de divisão de coisa comum, contra:
C.......... e mulher D...........
Pedindo que se proceda à venda ou adjudicação do prédio identificado na petição inicial.
Alegou, em síntese, que juntamente com os RR. é comproprietária de um prédio que é indivisível em substância, não lhe convindo permanecer numa situação de indivisão do referido prédio.
Os AA. são donos de 2/7 e os RR. de 5/7 do identificado prédio.
Na sua contestação, os Réus alegam que já ocorreu a divisão material do prédio em causa, tendo cada uma das partes entrado na posse exclusiva do seu quinhão há mais de 50 anos.
Por outro lado, o prédio em causa é divisível.
A Autora respondeu, impugnando os factos alegados pelos RR.
Foi elaborado despacho saneador do qual não houve reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, que decorreu de acordo com o formalismo legal, conforme consta da acta.
O Tribunal respondeu aos factos de fls. 102 a 107 da forma que consta de fls. 157 a 162, não tendo havido qualquer reclamação.
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A final, foi proferida sentença que decidiu:
“Julgar a presente acção improcedente por não provada, absolvendo-se os RR. de todos os pedidos formulados, reconhecendo-se a divisibilidade material do prédio identificado na petição inicial”.
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Inconformada recorreu a Autora que, alegando, formulou as seguintes conclusões:
1 – A douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente, por provada, e em consequência, decida pela indivisibilidade do prédio objecto dos autos, determinando a sua adjudicação ou venda, porquanto;
2 – Baseia-se o Tribunal “a quo” na definição de logradouro para determinar da divisibilidade ou indivisibilidade do prédio dos autos;
3 – Decidindo, por violação do disposto nos artigos 204°, 1376° e 1377°, todos do Código Civil que as leiras, que compõem o prédio rústico objecto dos autos, são logradouro quer, as duas mais a Norte, da casa de habitação dos apelados e, a mais a Sul de um prédio propriedade da aqui apelante e referido da al. E) da matéria assente;
4 – E, como tal, devendo ser-lhes atribuída a mesma natureza que os prédios de que são logradouro, conclui pela exclusão da impossibilidade de fraccionamento referido no artigo 1376º do Código Civil, Ora;
5 – Salvo o devido respeito, por melhor opinião em sentido contrário, entende a apelante que só é logradouro de um prédio urbano qualquer terreno desde que seja parte integrante do mesmo.
6 – Tal é aliás a jurisprudência dominante.
7 – A leira que tem sido utilizada pela apelante não é contígua ao prédio urbano daquela, referido em 3. das presentes conclusões, nem o fim a que se destina tal prédio está provado nos autos. E,
8 – Constitui juntamente com as duas leiras mais posicionadas a Norte e que têm sido utilizadas pelos apelados, uma unidade de cultura autónoma.
9 – Não sendo dissociável a natureza das três leiras objecto dos autos e componentes do mesmo prédio rústico, bem como não sendo idêntica a existência dos pressupostos que afastam a indivisibilidade das leiras entre si, não pode o Tribunal “a quo” fazer tábua rasa da unidade económica que é o prédio rústico aqui referido, concluindo pela situação de divisibilidade do mesmo quando os pressupostos dessa divisibilidade, atentos os argumentos do próprio Tribunal “a quo” só se verificam em relação a uma das partes.
Acresce que,
10 – O Tribunal “a quo” deve, nos termos do disposto no artigo 660º/2 do Código de Processo Civil, no processo declarativo comum, aplicável aos autos “ex-vi” artigo 1053º/3 do Código de Processo Civil) – “(…) resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (…). Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
11 – Nos presentes autos não houve reconvenção.
12 - O Tribunal “a quo” não se deveria ter pronunciado pelo reconhecimento da divisibilidade material do prédio identificado em 1° da petição inicial.
13 – O Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 204°, 1376°, 1377°, todos do C. Civil e 668°, al. d) do Código de Processo Civil.
Os RR. contra-alegaram, pugnando pela confirmação do julgado.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta a seguinte matéria de facto:
Factos Assentes (especificação):
- Por escritura pública de doação, outorgada no Cartório Notarial de .......... em 14/5/1970, E.......... e mulher F.......... doaram à sua filha G.......... 5/7 indivisos de um prédio que aí identificaram como composto por terreno de sequeiro e ramadas, sito no .........., freguesia de .........., concelho de .........., a confrontar do norte com H.......... e proprietário, nascente com I.......... e J.........., sul e poente com caminho, inscrito na respectiva matriz sob o artigo rústico nº 919, e doaram à A., então casada com L.........., sob o regime da comunhão geral de bens, os restantes 2/5 indivisos do mesmo prédio – (al. A);
- O dito L.......... faleceu em 14/05/1984, no estado de casado com a Autora, sem ter feito testamento e doações, deixando a suceder-lhe a Autora mulher e dois filhos, que são a M.......... e N.......... – (al. B);
- Por morte do marido da Autora, procedeu-se a inventário orfanológico, cujos autos correram termos na então secção única do Tribunal Judicial de .......... com o n.º../84 – (al. C);
- Tendo, por este inventário, sido adjudicado, exclusivamente, à Autora a verba nº9 – 2/7 de um terreno a cultura, designado Quintal, sito na .........., limites de .........., concelho de .........., a confrontar do Norte e nascente com O.........., Sul e poente com caminho, inscrito na respectiva matriz sob o artigo rústico nº919, não descrito na Conservatória – (al. D);
- Pela mesma escritura pública referida em A), E.......... e mulher doaram ainda à Autora sua filha 1/3 indiviso de um prédio urbano aí identificado como composto por casa de habitação e logradouro, sito em .........., freguesia de .........., concelho de .........., a confrontar do norte, nascente e poente com caminho e do sul com o .........., inscrito na respectiva matriz sob o artigo nº13 – (al. E);
- E doaram à sua filha G.......... um prédio urbano que aí identificaram como composto por casa de habitação térrea, sita em .........., freguesia de .........., a confrontar do nascente com I.......... e J.........., Norte com H.........., do Sul com o proprietário e do poente com caminho, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 88º – (al. F);
- Por escritura pública de 9 de Março de 1990, outorgada no Cartório Notarial de .........., os antes referidos G.......... e marido declararam vender aos RR., e estes declararam comprar-lhes, por quatro milhões de escudos, a fracção indivisa de 5/7 do prédio identificado em A) tal como aí é identificado, e o prédio identificado em F), tal como também aí está identificado – (al. G);
- Encontra-se inscrita na matriz predial urbana da freguesia de .......... sob o artigo nº 355, uma casa de habitação e anexo, com a superfície coberta de 100 m2, e logradouro com 634 m2 – (al. H);
- Encontrando-se tal prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de .......... sob o nº 00218/230902 – Freguesia de .........., estando registada a aquisição da sua propriedade plena a favor dos RR. pela inscrição G-1 – (al. I);
- Os prédios tal como são referidos em A) e F) são contíguos, situando-se este último a Norte do identificado em A) – (al. J).
Da Base Instrutória (questionário):
- Desde 1990, os RR., tratam o solo do tracto de terreno correspondente às duas leiras situadas mais a Norte no prédio referido em A) – cultivando-o, regando-o, colhendo os frutos aí produzidos, tratando das ramadas e colhendo as uvas, ocupando-o com objectos de sua pertença, aí fazendo construções, vedando-o com muros e portão – (art. 10º);
- Sem violência – (art. 11º);
- Ou oposição de quem quer que fosse – (art. 12º);
- Sem interrupção no tempo – (art. 13º);
- À vista de toda a gente – (art. 14º);
- Ignorando os vícios dos títulos da sua aquisição e que lesavam direitos de outrem – (art. 15º);
- O solo do tracto de terreno correspondente às leiras posicionadas a Norte estão separadas da leira posicionada a Sul por um muro de suporte de terras, com cerca de 1,40 m de altura – (art. 16º);
- Não existindo qualquer acesso directo da posicionada a Sul para as outras duas leiras a Norte – (art. 17º);
- Existindo um desnível de cerca de 1,40 m entre a leira posicionada a Sul e as duas leiras que se lhe posicionam a Norte – (art. 18º);
- E estando a posicionada a Sul murada (pela Autora e seu falecido marido) na sua confrontação poente – (art. 19º);
- Na confrontação poente existe um portão fechado que dá acesso directo ao contíguo caminho público – (art. 20º);
- O solo do tracto de terreno correspondente às duas leiras que se situam a Norte encontra-se, em conjunto com a casa de habitação referida em F), murado, nas suas confrontações nascente e poente, possuindo, nesta confrontação poente, uma cancela e um portão, que lhe dão acesso directo a caminho público, cancela e portão estes fechados com chaves – (art. 21º);
- O solo do tracto de terreno a que correspondem as duas leiras situadas a Norte, vem sendo utilizado, há mais de 20 anos, como logradouro/quintal da casa de habitação referido em F) – (art. 22º);
- Desde 1990, o solo do tracto de terreno a que correspondem as duas leiras situadas a Norte tem sido utilizado como logradouro/quintal do prédio que é a casa de habitação onde residem os RR., posicionada a cerca de 6 m desse tracto de terreno, nele se plantando flores e arbustos e aí se cultivando batatas, hortaliças e outros produtos agrícolas para consumo exclusivo dos habitantes dessas casas e servindo para nele se estacionarem veículos dos habitantes dessas casas e para nele se depositarem objectos não afectos a agricultura – (art. 23º);
– Desde 1990 que o solo do tracto de terreno/leira situada mais a Sul, vem sendo utilizado como logradouro/quintal do prédio identificado em E), posicionando-se a cerca de 10 m desse tracto de terreno, nele se plantando flores e arbustos e aí se cultivando batatas, hortaliças e outros produtos agrícolas para consumo exclusivo dos habitantes desse prédio e servindo para nele se depositarem objectos não afectos a agricultura, não possuindo qualquer finalidade ou função agrícola ou económica autónomas – (art. 24º);
- O tracto de terreno correspondente às duas leiras situadas mais a Norte, integram o logradouro do prédio inscrito no art. 355º e referido em I) – (art. 25º);
- Corre termos na Câmara .......... processo de licenciamento para ampliação e restauro de casa de habitação – alpendre com a área de 131 m2 e que incidem sobre o prédio referido em I) – (art. 26º);
- Foi vontade e intenção das pessoas que outorgaram a escritura pública referida em G), os aí vendedores G.......... e marido, transmitirem aos RR. um único prédio, ou seja, a casa e o logradouro, constituído pelas duas leiras posicionadas a Norte, então fruído e utilizado como efectivo logradouro dessa casa tendo os RR. a vontade e intenção de adquirirem o mesmo – (art. 27º);
- Até à data em que o prédio objecto dos autos foi objecto da escritura de compra e venda referida em G), foi sempre a Autora, primeiro com o consentimento e anuência de seus pais e depois de 1970, por si e com a permissão da sua irmã, G.........., quem cultivou, semeando e colhendo os seus frutos, tratou das ramadas aí existentes e colheu as suas uvas, e ocupou, usou e fruiu na totalidade, o prédio identificado A) – (art. 31º);
- Tal só deixou de acontecer após a venda efectuada pela supra referida G.......... aos RR., referida em G) – (art. 32º);
- Preferindo, então, deixar de ocupar, usar e fruir o prédio referido em A) para evitar litígio com os ora RR. - (art. 33º);
- Sendo certo que o mesmo prédio e não cada uma das leiras está vedado, em todo o seu lado poente e sul, enquanto confina com o caminho por um muro construído pela Junta de Freguesia local – (art. 34º);
- E do lado nascente, na confrontação com um prédio contíguo, propriedade de terceiro, por um outro muro, construído no decurso do ano de 2002 pelos RR. – (art. 35º);
- Muro a cuja construção não se opôs a Autora – (art. 36º);
- O prédio identificado em A) é composto por 3 leiras de terreno, cada uma delas constituída em plano superior às restantes, sendo que o terreno tem uma configuração ascendente dirigida de Sul para Norte – (art. 37º);
- A leira a Sul é mais baixa do que as existentes a Norte – (art. 38º);
- Todas as leiras de terreno que compõem o prédio dos autos encontram-se, em virtude de tal sobreposição de terrenos, assentes em dois muros de suporte de terras – (art. 39º);
- A leira mais a Sul está separada da leira do meio por um muro de suporte de terras com cerca de 1,40m de altura – (art. 40º);
- A leira, posicionada a meio das restantes, é separada da localizada mais a Norte por um muro de suporte de terras com cerca de 1,65 metros de altura – (art. 41º);
- Até às obras efectuadas no muro situado a poente do prédio identificado em A), o acesso entre as leiras fazia-se por uns lanços de escadas que ligavam as leiras entre si – (art. 43º).
Fundamentação:
Sendo, em regra, pelo teor das conclusões do recorrente que se afere do objecto do recurso – à parte as questões de conhecimento oficioso – importa saber:
- se o prédio identificado nos autos é divisível, o que passa por saber se as três leiras nele existentes, são logradouro das casas aí construídas;
- se, no caso concreto, a sentença poderia pronunciar-se pela divisibilidade material do prédio identificado na petição inicial.
Vejamos:
Duas teses antagónicas se perfilam nos autos.
A Autora, alegando que o prédio do qual é dona de 2/7, e os RR. de 5/7, é indivisível em substância, sendo que a fracção que lhe pertence foi adquirida por usucapião e, mesmo que assim se não se considere, que, por escritura de doação de 14.5.1970, tal fracção lhe foi doada.
Os RR., em articulado, menos lacónico e mais explicativo, em suma, sustentam que as fracções materialmente já correspondem a prédios distintos e divididos, invocando que assim aconteceu, quer em relação à fracção da Autora, quer à sua, por usucapião e, além disso, que a leira “pertencente” à fracção da Autora, quer as duas “pertencentes” à sua fracção integram o logradouro das casas existentes [quer da sua, quer da Autora], pelo que, mesmo que não se considere que o prédio já foi dividido em substância, na proporção correspondente, já não existe compropriedade mas unidades prediais distintas, pelo que o prédio pode ser dividido em substância.
Na sentença recorrida foi julgado improcedente o pedido da Autora, por se considerar que não houve divisão através do instituto da usucapião, por os actos de posse de uns e outros dos pleiteantes se terem iniciado em 1990 e, por isso, não estar decorrido o lapso temporal imprescindível à prescrição aquisitiva, e por outro lado, considerou que as referidas leiras, no fundo, são logradouro ou quintal dos prédios urbanos da Autora e dos RR., e por eles fruídas, em função da titularidade dos prédios, sendo suas partes integrantes, nada obstando à divisão.
Processualmente à acção de divisão de coisa comum são aplicáveis as regras constantes dos arts.1052º a 1056º do Código de Processo Civil.
Um parênteses para afirmar que tendo sido contestada a indivisibilidade alegada pela Autora, parece-nos não ter sido observada a ortodoxia processual do art.1053º do Código de Processo Civil, já que tendo, a final, a sentença concluído pela divisibilidade, não só não se apoiou em quaisquer diligências probatórias que, oficiosamente, poderia ter ordenado – nº4º do citado normativo – nem sequer houve intervenção pericial – no sentido de se concluir ou não, pela divisibilidade – nº5 do mesmo normativo.
A acção de divisão de coisa comum desenvolve-se em duas fases distintas: numa primeira fase, de cariz declarativo, define-se o direito; numa segunda fase, que é de índole executiva, procura-se dar execução ao direito declarado.
Todavia, porque as partes não suscitaram, a propósito, qualquer questão, nem o recurso versa sobre tal temática, que não é de conhecimento oficioso, prosseguiremos.
O art. 1412º, nº1, do Código Civil estabelece:
“Nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”.
A lei, considerando os inconvenientes da indivisão, consagra, expressamente, o direito dos comproprietários a modificarem o estatuto real da compropriedade [Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código Civil”, vol. V, 1997, pág. 183 em comentário ao art. 1412º do Código Civil escreve: “O nºl corresponde ao princípio fundamental, reconhecido pelo direito romano, segundo o qual “in communione nemo compellitur in vitus detineri” […]. A cessação da indivisão, por acordo entre todos os comproprietários pode verificar-se por vários modos: divisão da coisa, sua venda ou doação a uma ou mais pessoas, etc. Faltando o acordo de todos os participantes a lei indica como via normal para fazer cessar a comunhão, a divisão, que pode ser in natura ou divisão do preço. Segundo a doutrina dominante o direito de cada um dos participantes fazer cessar a comunhão é considerado um direito potestativo”] através da divisão da coisa comum.
Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. III, em comentário a este normativo, assinalam:
“O facto de se falar na indivisão da coisa e na forma de lhe pôr termo não significa que o direito conferido ao comproprietário vise forçosa ou sistematicamente a divisão da coisa em substância.
A divisão pode ser impossível, quer em virtude das prescrições da lei (art. 1376°, 1), quer pela própria natureza da coisa (art. 209°), e nem por isso deixa de ter aplicação o direito que o artigo 1412º atribui ao comproprietário. […].
Quer isto dizer, por conseguinte, que o direito de que trata o artigo 1412º é, no fundo, um direito de dissolução da compropriedade (dissolução da comunhão é precisamente a expressão usada na epígrafe do art. 1111° do Código Civil Italiano), que normalmente se opera mediante a divisão em substância da coisa, mas que também pode realizar-se através da partilha do seu valor (ou preço)”.
A Autora alegou, na sua petição, a indivisibilidade do prédio, como preceitua o nº1, do referido art. 1052º do Código de Processo Civil.
Assente que são coisas imóveis os prédios rústicos e urbanos e as suas partes integrantes – art. 204º, nº1, a) e) do Código Civil – importa saber se, como coisas de tal natureza, são divisíveis.
O art. 209º do citado diploma estatui – “São divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam”.
Os civilistas citados na obra indicada, Vol. I, pág. 202, ensinam:
“Ainda neste caso o conceito é predominantemente jurídico e não naturalístico ou físico, já que, materialmente, todas as coisas são divisíveis.
Atende o artigo, para fixar a indivisibilidade, a três circunstâncias: não se alterar a substância, não se diminuir o valor e não se prejudicar o uso da coisa.
Faltando qualquer delas, a coisa é indivisível.
Independentemente deste critério, há casos de indivisibilidade determinada por lei (vide, por exemplo, arts. 696°, 1376° e 1546°) e pode haver também indivisibilidade resultante de convenção (pactum ne dividatur) (arts. 1412° e 2101°, nº2).” – (sublinhámos).
Dos três critérios indicados pela lei, assume particular relevo o que pondera o valor da coisa, que não pode ser prejudicado (diminuído) pela divisão.
O juízo a fazer acerca da divisibilidade reporta-se ao momento e ao estado em que se encontra a coisa, quando a divisão é requerida, para se aquilatar do requisito “prejuízo”.
Se da divisão resultar diminuição do valor da coisa impõe-se concluir pela indivisibilidade.
A decisão recorrida considerou que o prédio é divisível, sem enquadrar a situação, ao menos ostensivamente, à luz do critério do art. 209º do Código Civil, mas antes por ter considerado que as leiras estão afectas a casas da Autora e dos RR. e que, por constituírem logradouro desses prédios, dele são parte integrante, sendo que a divisão não altera a substância, nem diminui o valor do prédio a fraccionar.
A sentença considerou, na sua lógica argumentativa, que a divisão é possível, já que sob o ponto de vista económico, existindo duas unidades diferentes e autónomas, em termos de individualidade, não existe prejuízo na divisão.
De relembrar que, no que concerne a actos de posse dessas realidades “predialmente divididas”, só não se considerou ter havido divisão com base em actos de posse dos RR. tendentes à aquisição por usucapião dos tractos de terreno que fruem, por faltar, unicamente, o requisito temporal.
Os RR., além de terem comprado à Autora, em 1990, a fracção de 5/7 do prédio referido em A), também lhe compraram um prédio urbano contíguo àquele em que estão em comunhão – cfr. G) e J) dos Factos Assentes.
O prédio referido em A) tem três leiras. Em relação às situadas mais a Norte – duas – vêm os RR. exercendo actos de posse, pacificamente, sem oposição de ninguém e publicamente.
No prédio, a Sul existe uma outra leira, separada fisicamente daquelas duas, tendo esta sido murada pela Autora e seu falecido marido na sua confrontação poente – cfr. respostas aos itens 16º e 19º da Base Instrutória.
Como resulta das respostas aos itens 21º a 25º, essas leiras constituem logradouros dos prédios da Autora – a situada a Sul – e do RR., as duas situadas a Norte, onde existe implantada uma casa pertença destes.
Mas relevante, no sentido de que as partes, de facto, como que consideraram que, desde o início, a divisibilidade material dos prédios estava feita está o ter-se provado – [item 27º] – “Foi vontade e intenção das pessoas que outorgaram a escritura pública referida em G), os aí vendedores G.......... e marido, transmitirem aos RR. um único prédio, ou seja, a casa e o logradouro, constituído pelas duas leiras posicionadas a Norte, então fruído e utilizado como efectivo logradouro dessa casa tendo os RR. a vontade e intenção de adquirirem o mesmo”.
Assim, temos de concluir que as leiras, situadas a Norte da casa dos RR. têm de ser consideradas logradouro [“A lei não define logradouro. A jurisprudência tem sustentado que o logradouro é parcela de terreno adjacente a prédio urbano, exercitando função que com este se conexiona” – Ac. do STJ, de 23.9.1999, in CJSTJ, 1999, III, 32] desse prédio urbano e, por tal, têm essas leiras, ou logradouro do prédio, a mesma natureza dele – art. 204º do Código Civil.
Voltando à Lição de Pires de Lima e Antunes Varela obra citada, vol. I, págs. 195/196:
“Por prédio urbano entende-se “qualquer edifício incorporado no solo com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”…Em conformidade com o critério legal, não devem considerar-se prédios urbanos, mas partes componentes dos prédios rústicos, as construções que não tenham autonomia económica, tais como as adegas, os celeiros, as edificações destinadas às alfaias agrícolas, etc., assim como não devem considerar-se prédios rústicos os logradouros de prédios urbanos, como os jardins, pátios ou quintais. Ao logradouro deve ser atribuída a mesma natureza do edifício a que está ligado…”.
Pela factualidade apurada temos de concluir que o prédio identificado pela Autora não constitui, de facto, uma unidade material, sendo antes dois prédios distintos, bem delimitados e até fruídos separadamente, tudo a apontar para o facto de, da sua divisão, não resultar diminuição do valor e prejuízo para o uso a que se destina o prédio.
O prédio não se apresenta como um todo, configurando antes dois prédios, destinados a habitação, tendo logradouros/leiras não afectos a fins económicos autónomos dos imóveis (casas) de que fazem parte, sendo que não foram alegados, nem provados factos que obstem à divisão – arts. 1376º e 1377º do Código Civil – assim, não perdendo a sua ligação às habitações da Autora e dos RR., respectivamente, e sendo fruídos por quem é dono das casas, a divisão não afecta a sua natureza de parte componente dos prédios urbanos pertencentes aos litigantes.
Não se antevendo, sequer, dificuldades de monta na divisão física dos prédios, não só pelas alterações que conheceram, como, também, por ser antijurídico considerar inseparáveis, “rectius”, indivisíveis, unidades prediais – de facto – com valor económico e autonomia própria, concluímos pela divisibilidade.
Finalmente, a apelante assaca à sentença, nulidade por excesso de pronúncia – art. 668º, nº1, d) do Código de Processo Civil, porquanto, aduz, não se deveria ter pronunciado pelo reconhecimento da divisibilidade material do prédio, tanto mais que não houve reconvenção. [Diga-se que, em princípio é possível deduzir reconvenção no processo de divisão de coisa comum sempre que haja contestação, como no caso (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.03.1997 in www.dgsi.pt e de 5.03.1996, in B.M.J, 455-389; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3.02.1994. in www.dgsi.pt e, ainda, Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 9.1.2001 in CJ., 2001,I,7, de 8.6.1999, in B.M.J., 488-415, de 7.7.1993 in B.M.J., 429-887 e de 3.07.1984 in CJ., 1984, IV, 36)].
Para lá do critério legal da divisibilidade – art. 209º do Código Civil – não ser, como vimos, o da divisibilidade material, mas sim jurídica, precisado o conceito nos termos acima expostos, o certo é que o art. 1053º, nº4, do Código de Processo Civil, impõe o conhecimento oficioso da questão da indivisibilidade, mesmo que não suscitada – “Ainda que as partes não hajam suscitado a questão da indivisibilidade, o juiz conhece dela oficiosamente, determinando a realização das diligências instrutórias que se mostrem necessárias”.
No caso em apreço, a questão da indivisibilidade foi logo suscitada pela ora apelante na petição inicial, pelo que a sentença ao afirmar, ainda que de maneira não muito ortodoxa a “divisibilidade material” (pretenderia dizer jurídica), não enferma da acusada nulidade.
Decisão:
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Porto, 31 de Janeiro de 2005
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale