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REGISTO CRIMINAL
NÃO TRANSCRIÇÃO
PENA SUSPENSA
Sumário
Para o efeito do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio (não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do referido Diploma), a pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução, nos termos do art.º 50.º do Código Penal, traduz “pena não privativa de liberdade”, não havendo razões para neste domínio afastar o sentido da doutrina fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016, publicado no Diário da República n.º 193/2016, Série I, de 2016-10-07, ainda que reportada ao n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redação dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro (versão anterior daquela Lei n.º 37/2015). (sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:
I - Relatório:
I - 1.) Inconformado com o teor do despacho aqui melhor constante de fls. 6 e verso, no qual a Mm.ª Magistrada Judicial do Juízo Local Criminal do Barreiro (Juiz 2), indeferiu a pretensão que havia formulado no sentido da não transcrição, no seu certificado de registo criminal, da condenação por si sofrida nos autos a que alude o NUIPC acima indicado, recorreu o Arguido RS para a presente Relação, apresentando na síntese das razões da sua discordância, as seguintes conclusões:
1.ª - O n.º 1 do art.º 13.º da Lei n.º 37/2015 de 05 de Maio prevê, expressamente, a possibilidade de não transcrição de decisão condenatória nos certificados requeridos para fins não judiciais, fazendo-a depender da verificação de dois pressupostos de natureza formal – condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade e inexistência de condenação anterior por crime da mesma natureza – e de um pressuposto de natureza substancial – das circunstâncias que acompanharam o crime não se poder induzir perigo de prática de novos crimes;
2.ª - No caso vertente, o arguido RS foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, sob regime de prova e não regista qualquer condenação anterior por crime da mesma natureza;
3.ª - Mostram-se assim verificados os pressupostos de natureza formal [o acórdão do STJ n.º 13/2016 fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 17.º da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto – de teor essencialmente idêntico ao já referido n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015 de 05 de Maio;
4.ª - Quanto ao mais, é de considerar que do acórdão condenatório resulta que o arguido se encontra inserido em termos sociais, familiares e laborais, demonstrou arrependimento e valoração crítica da sua conduta, concluindo-se pelo que se aponta no sentido da verificação do pressuposto de natureza substancial a que alude o normativo já supra referido;
5.ª - O arguido requereu a não transcrição da sua condenação no certificado do registo criminal, estritamente para fins de emprego;
6.ª - O Tribunal aquo - talvez a reboque da errónea posição do próprio Ministério Público - mal, indeferiu tal pretensão, apenas e só por entender que a pena de prisão suspensa na sua execução, mantem a natureza de uma pena privativa da liberdade.
7.ª - Um e outro (Tribunal aquo e Ministério Público junto do mesmo), certamente por lapso, ainda que gravoso, olvidaram o teor do acórdão proferido pelo STJ n.º 13/2016, uniformizador de jurisprudência, no sentido de que, para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98 de 18/08 – de teor essencialmente idêntico ao n.º 1 do artigo 13.º da Lei nº 37/2015 de 05 de Maio – a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade!
8.ª - Estando o Tribunal aquo vinculado àquela interpretação, era-lhe inviável indeferir a pretensão de não transcrição requerida pelo arguido, unicamente por entender, contrariamente àquele referido acórdão, que a pena suspensa aplicada ao arguido tem natureza de privativa da liberdade, o que se impõe reparar.
Termos em que, em face do exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência:
§) Revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, reconhecendo que a pena aplicada ao arguido, de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período mediante regime de prova, é uma pena não privativa da liberdade, defira a não transcrição da mesma para os certificados a que se referem os números 5 e 6 do artigo 10.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio,
I - 2.) Respondendo ao recurso interposto, o Digno Procurador da República junto do Tribunal a quo concluiu por seu turno:
1.º - A interpretação efectuada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016 que fixou jurisprudência no sentido de que “a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro” não pode ser extensível à norma do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015.
2.º - A jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça relativamente a determinada interpretação normativa não pode ser aplicada a normas legais que sejam posteriores à norma legal que foi interpretada no âmbito da fixação de jurisprudência, porquanto o acórdão em causa não se pronunciou sobre a norma do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, mas sim sobre a norma do artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98 e, efectivamente, a Lei n.º 37/2015 veio revogar expressamente a Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, conforme dispõe o artigo 46.º, n.º 1, do primeiro diploma legal referido.
3.º - Assim, não é possível estender o âmbito interpretativo do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016 à Lei n.º 37/2015, e mais concretamente ao seu artigo 13.º, na medida em que esta lei veio revogar expressamente a Lei n.º 57/98 sobre a qual o referido Acórdão se debruçava e, consequentemente, veio revogar o artigo 17.º, n.º 1, de tal lei que o aresto em causa interpretava.
4.º - Deste modo, entendemos que não é aplicável ao caso em apreço a interpretação dada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016 à norma do artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98 e, por conseguinte, somos de parecer que, para efeitos de não transcrição da pena no certificado de registo criminal, a pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, não deixa de assumir a natureza de uma pena privativa da liberdade.
5.º - Ainda que assim não se entenda, verifica-se que, no caso em apreço, o requerimento do arguido/recorrente com vista à não transcrição da condenação no seu certificado de registo criminal para efeitos profissionais teria sempre que ser indeferido, tendo em conta que o arguido/recorrente foi condenado pela prática de crime de violência doméstica (crime este que tem a natureza de crime contra as pessoas e contra a integridade física) e, pretendendo o arguido vir a exercer a actividade de vigilante (segurança privada), nunca poderia tal condenação ser omitida do seu certificado de registo criminal, sobretudo para os efeitos do disposto no artigo 22.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, da Lei n.º 46/2019, de 8 de Julho.
6.ª- Dispõe esta norma legal o seguinte: 1 – Os administradores, gerentes e todos os funcionários com funções de direção, supervisão e chefia de sociedades que exerçam a atividade de segurança privada devem preencher, permanente e cumulativamente, os seguintes requisitos: a) (…) d) Não ter sido condenado por sentença transitada em julgado pela prática de crime doloso contra a vida, contra a integridade física, contra a reserva da vida privada, contra o património, contra a vida em sociedade, designadamente o crime de falsificação, contra a segurança das telecomunicações, contra a ordem e tranquilidade públicas, contra a autoridade pública, designadamente os crimes de resistência e de desobediência à autoridade pública, por crime de detenção de arma proibida, ou por qualquer outro crime doloso punível como pena de prisão superior a 3 anos, sem prejuízo da reabilitação judicial; 2 – O pessoal de vigilância deve preencher, permanente e cumulativamente, os requisitos previstos nas alíneas a) a d), f) e g) do número anterior.
7.º - Verifica-se, deste modo, ser indubitável que na Lei n.º 46/2019 o legislador seguiu o “caminho apontado” pelo Tribunal Constitucional e pretendeu corresponder ao juízo de inconstitucionalidade contido no acórdão 376/18, renovando a redacção antecedente do preceito sobre as incompatibilidades, constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro, por forma a estabelecer um elo de conexão relevante entre o crime pelo qual o interessado foi condenado e a tutela do interesse colectivo subjacente ao exercício da actividade de segurança privada.
8.º - Importa salientar que no Acórdão n.º 748/2014, o mesmo Tribunal tinha decidido pela conformidade constitucional da norma de redacção idêntica à que hoje consta no artigo 22.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do regime do exercício da actividade de segurança privada “quando interpretada no sentido de que a condenação pela prática de um crime de violência doméstica determina automaticamente o indeferimento do pedido de renovação do cartão profissional de segurança privado”.
9.º - Não restam dúvidas de que a não renovação do cartão profissional de segurança privado é reconduzível a uma situação de perda de direitos profissionais, para efeitos do disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição. Essa não renovação configura-se como um efeito automático da condenação por um dos crimes elencados no preceito em crise, decorrendo mecanicamente desta. O mesmo é dizer que a entidade administrativa competente para decidir da renovação não goza, nesta matéria, de qualquer margem de apreciação no sentido de poder apurar, casuisticamente, da existência de uma conexão entre a condenação na prática de um determinado crime e a perda do direito profissional em causa.
10.º - Embora necessária, a falta deste poder casuístico de valoração não é condição suficiente para apurar inequivocamente da inconstitucionalidade do preceito. Determinante é, ainda, que não seja possível antecipar uma ligação abstratamente forte entre o crime praticado e a atividade sob licenciamento, isto é, uma conexão apta a justificar a proporcionalidade do caráter “automático” ou “rígido” do efeito.
11.º - Ora, sendo certo que a solução perspetivada pelo legislador acaba por retirar da prática de um qualquer crime doloso cuja moldura penal abstrata seja superior a três anos de prisão, uma conclusão sobre a inaptidão da pessoa para o desempenho da atividade de segurança privada, só o faz após ter previsto na primeira parte da norma a prática de um crime contra a integridade física, como incompatível com o exercício profissional em causa.
12.º - Sendo assim, no caso em apreço, existe uma ligação suficientemente forte entre o tipo legal de crime efetivamente preenchido e o tipo de atividade profissional cuja inibição se pretende induzir através da norma sob escrutínio.
13.º - Afigura-se-nos assim que a norma constante do artigo 22.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, na redacção da Lei nº 46/2019, de 8 de Julho, interpretada com o sentido de que deve ser indeferido o requerimento de não transcrição nos certificados do registo criminal para o exercício da actividade de segurança privada da condenação pelo cometimento de crimes de violência doméstica, abstractamente puníveis com pena de prisão superior a três anos, não contende com os princípios constitucionais da não automaticidade das penas ou da proporcionalidade, nem com o direito ao exercício da profissão, consagrados nos artigos 18.º, 30.º e 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
14.ª - Assim sendo, entendemos que, de todo o modo, nunca poderia ser deferido o pedido de não transcrição no certificado de registo criminal do arguido/recorrente da condenação sofrida pelo mesmo no âmbito dos presentes autos, na medida em que o que o arguido/recorrente pretende é a apresentação de certificado de registo criminal para o exercício da actividade de segurança privada e, como se viu, para se aferir da idoneidade do arguido/recorrente para o exercício de tal actividade é obrigatória a informação sobre condenações pela prática de crime contra a integridade física puníveis com pena de prisão de máximo abstracto superior a três anos.
15.ª- Consequentemente, e face a todo o exposto, decidindo-se em conformidade com as questões levantadas na resposta apresentada pelo Ministério Público e negando provimento ao recurso interposto pelo arguido/recorrente.
II – Subidos os autos a esta Relação, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer propugnando igual sentido decisório.
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No cumprimento do preceituado no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Após o exame preliminar seguiram-se os vistos legais.
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Teve lugar a conferência.
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Cumpre apreciar e decidir:
III – 3.1.) De harmonia com as respetivas conclusões, a questão essencial suscitada pelo recurso interposto pelo Arguido RS convoca o deferimento da sua pretensão de não transcrição, no seu certificado de registo criminal, da condenação sofrida nos autos ora em referência.
III – 3.2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro o teor da decisão de que ora se recorre:
1. Vem o arguido RS requerer a não transcrição da sua condenação no seu certificado de registo criminal, para efeitos estritamente profissionais.
O Ministério Público promove que seja indeferido o requerido pelo arguido, uma vez que se verifica que o arguido foi condenado em pena de prisão superior a um ano e, como tal, não pode beneficiar da não transcrição da sentença para o seu certificado de registo criminal, atento o disposto no art.º 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.
Cumpre apreciar e decidir
2. O artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, dispõe que “Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º”.
No âmbito dos presentes autos foi o arguido condenado numa pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e quatro meses.
A pena de prisão suspensa na sua execução, mantem a natureza de uma pena privativa da liberdade.
Assim, tendo em consideração que o arguido foi condenado numa pena de 1 ano e 4 meses de prisão, não se verifica desde um dos pressupostos de não transcrição da sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º, previstos no artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.
Pelo exposto, indefere-se o requerido pelo arguido.
Notifique.
III - 3.3.1.) Com relevo para a apreciação da questão acima indicada, decorre dos autos que o Arguido RS, por sentença transitada em julgado em 11/03/2021, foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, sujeita a regime de prova.
No requerimento que apresentou para solicitar aquela não transcrição, alegou, entre o mais, que exerce a atividade de vigilante, razão pela qual em função do preceituado nos art.ºs 17.º, n.º 2, e 22.º do DL n.º 34/2013, de 16 de maio, precisará de apresentar anualmente um certificado de registo criminal.
Sendo que nessa conformidade, o averbamento da condenação acima referida poderá inviabilizar a obtenção do respetivo título profissional (licença para o exercício da atividade de vigilância privada).
Assumindo, nessa conformidade, o pedido de não transcrição uma finalidade exclusiva de emprego.
Decorre ainda de fls. 26/7, que a pena acima mencionada, nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do Cód. Penal, foi já declarada extinta, uma vez que no decurso do respetivo prazo de suspensão não ocorreram motivos para a sua revogação.
III - 3.3.2.) Preceitua com efeito o artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, sob a epígrafe de “Decisões de não transcrição”, que:
“Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º”.
Que certificados são estes?
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:
a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;
c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.
6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.
O Diploma aludido no início do preceito anteriormente citado (Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro), veio estabelecer medidas de proteção de menores em cumprimento do artigo 5.º da Convenção do Conselho da Europa contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual de Crianças, sendo que os termos da referida prejudicialidade, deverão depois ser mais especificamente correlacionados com os mencionados crimes de violência doméstica, maus tratos e contra a liberdade e autodeterminação sexual.
Do conjunto de disposições nele estabelecidas, pela sua pertinência para a questão a tratar, importa aqui destacar o preceituado no respetivo art.º 2.º.
Artigo 2.º
Medidas de prevenção de contacto profissional com menores
1 - No recrutamento para profissões, empregos, funções ou actividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, a entidade recrutadora está obrigada a pedir ao candidato a apresentação de certificado de registo criminal e a ponderar a informação constante do certificado na aferição da idoneidade do candidato para o exercício das funções.
2 - Após o recrutamento a entidade empregadora ou responsável pelas atividades está obrigada a pedir anualmente a quem exerce a profissão ou as atividades a que se refere o número anterior certificado de registo criminal e a ponderar a informação constante do mesmo na aferição da idoneidade para o exercício das funções.
3 - No requerimento do certificado, o requerente especifica obrigatoriamente o fim a que aquele se destina, indicando a profissão, emprego, função ou actividade a exercer e indicando ainda que o seu exercício envolve contacto regular com menores.
4 - O certificado requerido por particulares para os fins previstos nos n.ºs 1 e 2 tem a menção de que se destina a situação de exercício de funções que envolvam contacto regular com menores e deve conter, para além da informação prevista nos n.ºs 5 a 8 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio:
a) As condenações por crime previsto nos artigos 152.º, 152.º-A ou no capítulo V do título I do livro II do Código Penal;
b) As decisões que apliquem penas acessórias nos termos do n.º 1 do artigo 69.º-B, do artigo 69.º-C e do artigo 152.º do Código Penal, ou medidas de segurança que interditem a atividade;
c) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas nas alíneas anteriores e não tenham como efeito o cancelamento do registo.
5 - Ao certificado requerido por particulares para o fim previsto no n.º 1 não é aplicável o disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto.
No caso em apreço, seja pelo requerimento apresentado seja pela sentença condenatória a que acedemos, não decorre, em primeira linha, que exista a uma interferência direta com aquela área de proteção ou que a atividade a desenvolver pelo Arguido envolva, prima facie, contacto frequente com menores.
A factualidade que justifica a sua condenação reporta-se a situações que envolvem exclusivamente a sua ex-companheira/namorada.
III - 3.3.3.) Como decorre do despacho recorrido, a razão pela qual a pretensão formulada pelo Arguido foi indeferida, assentou na circunstância de a pena que lhe foi aplicada ser superior a um ano de prisão (no caso, 1 ano e 4 meses), e bem assim, naquela outra, de embora ter ficado suspensa na sua execução, a mesma continuar a manter a natureza de “pena privativa de liberdade”.
Assim não consideramos.
Elemento estrutural para este posicionamento continua a ser o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016, que fixou doutrina no sentido de que “a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro”.
Tal como aí doutamente se refere:
“5 - Sobre a natureza jurídica da “pena suspensa”, esta é, enquanto pena de substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, uma pena autónoma e, pois, por definição própria, natureza e modo de execução, uma pena não privativa de liberdade (…).
A sua autonomia resultava claramente do artigo 47.º do Projecto da Parte Geral de 1963 do Código Penal da autoria de Eduardo Correia quando dispunha que as penas principais eram “1.º a prisão, 2.º a multa, 3.º a sentença condicional e, 4.º, o regime de prova”.
Aliás, esse Autor, na Comissão Revisora do Código Penal, bateu-se para que a então denominada sentença condicional (depois condenação condicional) tivesse carácter de pena autónoma e não que constituísse um instituto especial de execução da pena de prisão.
Que a suspensão da execução da pena não deixa de ser outra pena diversa da pena de prisão, isso resulta também das suas Lições, onde salienta que “A condenação condicional não deixa, porém, de funcionar com uma eficácia retributiva e preventiva e, portanto, como uma pena” [...]. “Daí que, como diz Beleza dos Santos, o instituto se possa considerar uma verdadeira pena” (10). Também no ponto 11 da “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 117/I resultante dos trabalhos daquela Comissão Revisora que, posteriormente veio dar corpo ao mesmo item, agora da II parte (Parte Geral) da introdução ao Código Penal de 1982, se assinalou que “Outras medidas não detentivas são a suspensão da execução da pena (artigos 48.º e ss) e o regime de prova (artigos 53.º e ss)”. “Substitutivos particularmente adequados das penas privativas de liberdade [...].”
“[...] A condenação condicional ou instituto da pena suspensa correspondente ao instituto da sursis continental significa uma suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime [...]”.
O elemento histórico de interpretação, com incidência em parte considerável nos trabalhos preparatórios do CP aponta, pois, para a consideração de que a suspensão da execução referenciada ao artigo 50.º é uma pena autónoma não privativa da liberdade.
Também o correspondente elemento racional ou teleológico quer desse normativo, quer do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, enquanto reportado a um dos fins das penas, ou seja, à ressocialização do condenado, aponta para o carácter autónomo e substitutivo da pena de prisão, a qual desaparece desde que o condenado cumpra as obrigações que lhe foram fixadas.
E, ainda que a suspensão venha a ser revogada, levando, assim, ao cumprimento da pena de prisão (n.º 2 do artigo 56.º do CP), tal não significa perda do seu carácter autónomo e obstáculo à não transcrição no certificado de registo criminal, como a pena principal de multa não deixa de ser uma pena não privativa da liberdade (com possibilidade de não ser transcrita) pelo facto de o seu não pagamento poder levar à conversão em prisão subsidiária (artigo 49.º do CP).
Em abono da autonomia da “pena suspensa” (e das demais penas de substituição) relativamente à pena de prisão substituída aponta ainda o elemento sistemático.
Com efeito, o CPP regula em separado a execução de uma e outra pena (idem, quanto às demais penas de substituição), como se extrai do artigo 477.º versus artigos 492.º.
Clara é também a doutrina. No mesmo contexto, Figueiredo Dias refere que o nosso Código Penal recebeu um conceito diferente e mais amplo de penas principais, abrangendo para lá das penas de prisão e de multa, a suspensão da execução da pena, o regime de prova, a admoestação e a prestação de trabalho a favor da comunidade.
Assumindo que tais penas são verdadeiras penas, dotadas de conteúdo autónomo de censura medida à luz dos critérios gerais de determinação da pena, conclui que “não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no Código Penal, aliás, continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz -se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena”. “[...] Estas outras penas [...] conformam uma categoria nova, com o sentido e a sua teleologia próprias.
A categoria das penas de substituição. Penas estas que, podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas, radicam todavia, tanto histórica como teleologicamente, no [...] movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas da liberdade, nomeadamente de penas curtas de prisão”.
Ainda de acordo com o mesmo Autor, a pena de suspensão de execução da prisão constitui uma pena de substituição em sentido próprio, dado ter carácter não institucional ou não detentivo, isto é, é cumprida em liberdade, e pressupor prévia determinação da medida da pena de prisão, sendo a mais importante das penas de substituição, pelo âmbito e frequência com que é imposta, podendo ser aplicada, como hoje dispõe o artigo 50.º, n.º 1, do CP, em substituição de uma qualquer pena de prisão de medida não superior a 5 anos, ou seja, não só de penas curtas, mas de penas de média duração.
Diversa não é a posição de Jescheck, para quem a suspensão da pena constitui um meio autónomo da reacção jurídico-penal com uma pluralidade de possíveis efeitos.
Simas Santos e Leal-Henriques, aderindo a esse Autor, fazem questão de sublinhar que “a suspensão da execução da pena é, quanto a nós, uma pena”.
A ela se refere também André Lamas Leite como “a sanção substitutiva de mais largo espectro”.
6 - Acresce que a jurisprudência do STJ, em diversos dos seus arestos, há muito vem reafirmando o carácter autónomo da suspensão relativamente à pena de prisão.
(…)
g) - É essa a interpretação que melhor se harmoniza com a letra da lei, com o espírito do legislador, com a sua concepção histórica, com o contexto normativo-sistemático e com os fins das normas e os fins das penas, em particular de prevenção especial ou socialização em liberdade do condenado, especialmente no que tange ao acesso a um posto de trabalho ou emprego ou outra actividade que exija a apresentação do certificado de registo criminal.”
III - 3.3.4.) Poder-se-á contrapor, como o faz o Ministério Público na sua resposta, que esta é uma interpretação dirigida ao art.º 17.º, n.º 1, da referida Lei e não ao art.º 13.º da Lei 37/2015.
É verdade!
Mas se bem conferir, o texto normativo, em relação a esse condicionalismo, é exatamente o mesmo, e não vemos razões para introduzir nesse domínio uma qualquer alteração interpretativa.
O entendimento subjacente ao mencionado Acórdão n.º 13/2016 continua a merecer o beneplácito praticamente pacífico da Jurisprudência.
Neste sentido, conferir a título de exemplo, os acórdãos da Relação do Porto de 18/11/2020 no processo n.º 181/174GBAMT-A.P1, da Relação de Évora de 22/02/2022, no processo n.º 23/15.5T9MRA-A.E1, da Relação de Lisboa 11/06/2015, no processo n.º 126/11.5PDCSC.L1-9, acessíveis nos respetivos sites da DGSI).
Pelo que discordamos da fundamentação normativa que justifica o indeferimento da pretensão formulada pelo Arguido propugnada pelo Tribunal a quo.
Quiçá, poderão intercetarem-se eventualmente outras condicionantes normativas neste problema. Mas no que aqui releva, o objeto do recurso está delimitado pelas respetivas conclusões e só por estas.
Donde, nessa conformidade, haverá apenas que revogar o despacho supra referido e determinar a sua substituição por outro, que assuma como pressuposto que para os efeitos do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, a condenação em pena de prisão suspensa na execução constitui uma pena não privativa da liberdade.
Assim
IV – Decisão:
Nos termos e com os fundamentos indicados, na procedência do recurso interposto pelo Arguido RS, acorda-se em revogar o despacho supra identificado e determinar a sua substituição por outro que assuma como pressuposto, que para os efeitos do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, a condenação em pena de prisão suspensa na execução constitui uma pena não privativa da liberdade.
Lisboa, 27 de junho de 2023
Luís Almeida Gominho
Jorge Batista Gonçalves
Maria da Graça Santos Silva