PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO INTERNACIONAL
REGULAMENTO (UE) 1215/2012
Sumário

O pacto atributivo de jurisdição internacional, previsto no artº 25º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12,  prevalece sobre as normas internas mas desde que se verifiquem dois requisitos, a provar pelo invocante da exceção de incompetência: i) Um de cariz formal atinente à exigência de forma escrita como modo inequívoco de manifestação de vontade dos outorgantes nesse sentido; ii) Outro de cariz substantivo,  qual seja, a suficiente determinação da relação jurídica designada e das questões dela  emergentes que hão-de ser apreciadas e decididas no tribunal escolhido.

Texto Integral


Relator: Carlos Moreira
1.º Adjunto: Rui Moura
2ª Adjunto: Fonte Ramos

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A..., SA”,  instaurou contra  B..., S.A., procedimento de injunção.

Pediu o pagamento da quantia de 206.781,65 euros e juros de mora.

Invocou o fornecimento à requerida de certos bens e equipamentos que ela não pagou.

A requerida contestou invocando, vg. a incompetência territorial do tribunal português, alegando que, por força de acordo nesse sentido, cobra competência Tribunal Belga.

Em função do que foi proferida a seguinte decisão:

«Como é sabido, em matéria de competência internacional versa o art.º 59.º, do Cód.Proc.Civil, «Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º».

Ora, no citado artigo 62.º, estabelecem-se os elementos de conexão que permitem atribuir a competência internacional aos tribunais portugueses, ao passo que no art.º 63.º, se enumeram as matérias da exclusiva competência dos tribunais portugueses.

Prevê, por sua vez, o art.º 94.º, do Cód.Proc.Civil, sob a epígrafe “Pactos privativo e atributivo de jurisdição”:

1- As partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica.

2- A designação convencional pode envolver a atribuição de competência exclusiva ou meramente alternativa com a dos tribunais portugueses, quando esta exista, presumindo-se que seja exclusiva em caso de dúvida.

3- A eleição do foro só é válida quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) Dizer respeito a um litígio sobre direitos disponíveis;

b) Ser aceite pela lei do tribunal designado;

c) Ser justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra;

d) Não recair sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;

e) Resultar de acordo escrito ou confirmado por escrito, devendo nele fazer-se menção expressa da jurisdição competente.

4- Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se reduzido a escrito o acordo constante de documento assinado pelas partes, ou o emergente de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo quer deles conste cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja contido.

No mesmo sentido, o art.º 25.º, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12 (relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial), doravante Regulamento, estabelece que: «(…) se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado: a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; b) De acordo com os usos que as pares tenham estabelecido entre si;(…)».

Como é sabido, na ordem jurídica portuguesa vigoram em simultâneo dois regimes gerais de competência internacional: o regime comunitário e o regime interno.

Porém, quando a acção estiver compreendida no âmbito de aplicação do regime comunitário, deverá ser esse regime a prevalecer sobre o regime interno, por provir de fonte hierarquicamente superior, atento o princípio do primado do direito europeu.

Posto isto, resulta evidente dos autos (concretamente do conteúdo dos documentos juntos de fls. 113 a 121, que as partes acordaram por escrito, assinado no dia 8 de Junho de 2018, que qualquer questão relativa à validade, interpretação ou execução de tal acordo fica sujeita à jurisdição do Tribunal de Comércio de Antuérpia.

Como bem se depreende da petição inicial, embora a sociedade Autora se refira a uma “Carta de Entendimento de 3.12.2019”, é manifesto que os pagamentos acordados na mesma e as demais obrigações aí assumidas emergem dos contratos junto aos autos de fls. 113 a 121, bastando, para tanto, atentar no conteúdo do ponto 2, onde expressamente se refere a obrigação da Autora cumprir as especificações técnicas descritas nos contratos iniciais, isto é, os supra referidos (juntos a fls. 113 a 121), ao que acresce o constante do ponto n.º 4, de tal “Carta”.

Por conseguinte, cumpre averiguar se os requisitos a que se refere o citado art.º 25.º, se encontram verificados in casu, sabendo-se que, como bem tem sido assinalado na jurisprudência do STJ, a validade do pacto de jurisdição deve ser exclusivamente aferida à luz da citada disposição Regulamento.

De facto, como bem se refere no Ac. do STJ de 14.07.2020, proc. n.º 161/18.2T8FAR.E1.S1:

«I- A questão da interpretação, validade e eficácia de um pacto atributivo de jurisdição a tribunais de outros Estados-Membros da União Europeia não pode ser equacionada em função dos conceitos normativos da ordem jurídica portuguesa, devendo, nas ações instauradas a partir de 10-01-2015, ser apreciada à luz do art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12-12-2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.

II - No que concerne à validade de um pacto atributivo de jurisdição, o art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 estabelece, essencialmente, dois requisitos de forma e um requisito substancial.

III - Entre os requisitos formais, conta-se, por um lado, a exigência de celebração por escrito ou por forma equivalente à «forma escrita» [n.º 1, als. a), b) e c), e n.º 2, do citado art. 25.º], ditada pela necessidade de proteção da parte contratante mais fraca, evitando-se que cláusulas atributivas de jurisdição, introduzidas num contrato por uma única das partes, passem despercebidas. E, por outro lado, a existência de acordo de vontades das partes, justificada pelo primado concedido, em nome do princípio da autonomia da vontade, à escolha de uma jurisdição diferente daquela que teria sido eventualmente competente por força do regulamento.

IV - Quanto ao requisito substancial, reportado ao objeto ou conteúdo da cláusula atributiva de jurisdição, exige o citado art. 25.º que a mesma incida, com suficiente precisão, sobre uma relação jurídica específica.»

Ora, analisados os requisitos formais e de substância do citado artigo 25.º em conjugação com o conteúdo da documentação a que se aludiu, é de concluir que os mesmos se encontram verificados, pois que, o pacto atributivo de jurisdição foi celebrado por escrito incidindo a cláusula em questão sobre a relação jurídica das partes de onde deriva o pedido formulado pela Autora.

Neste pressuposto, é de concluir ser este tribunal internacionalmente incompetente para a presente acção.»

2.

Inconformada recorreu a requerente.

Rematando as suas alegações com as seguintes, essenciais,  conclusões:

2 …em nossa opinião, a decisão que veio a ser proferida merece, em nossa opinião, censura, na medida em que não fez uma adequada e cabal análise crítica da prova documental que lhe serve de respaldo, e concomitantemente, resultou assim uma incorreta aplicação do direito.

3. Conforme vertido supra em sede de alegações, nos autos encontra-se comprovado que a autora é uma sociedade anónima de direito português com sede e instalações no Parque Industrial ..., concelho ..., em Portugal, cujo objeto social consiste na exploração da atividade metalomecânica, e que, no quadro das suas valências, produziu e forneceu diversos equipamentos e efetuou diversas operações de assistência técnica, sendo o destino dos bens e o local de tais intervenções exclusivamente uma unidade fabril detida pela ré e ora recorrida sita no Parque Industrial ..., concelho ....

4. A ré é também uma sociedade de direito português com sede e instalações em ..., no concelho ..., em Portugal e, portanto, a relação controvertida, no prisma estritamente material adveniente das respetivas relações comerciais, tal como decorre dos termos da ação formulados pela autora no requerimento injuntivo depois convolado na sua petição inicial, não têm conexão com qualquer outra geografia senão com o território continental português.

5. A génese da relação comercial direta entre a autora e a ré e que dá respaldo à conta corrente e às faturas cujo valor a autora peticiona nos autos decorre do referido documento “Letter of Understanding 03-12-2019” (Carta de Entendimento), documento esse que, conforme melhor escalpelizado supra em sede de alegações, consubstanciou o meio contratual, a nosso ver idóneo e bastante, através do qual as partes em litígio haviam consensualizado a forma de alicerçar as suas obrigações daí emergentes.

6. E certo que, nesse documento fez-se alusão a circunstâncias pretéritas e a outros contratos, designadamente aos incumprimentos relacionados com outras sociedades, a saber, a C..., L.da, NIPC ..., e a D..., esta última sociedade de direito Belga, que havia tido sede e instalações em ..., 17, em ..., na Bélgica, porém também é certo que esse documento não contém expressa qualquer convenção de jurisdição ou eleição de foro, nem tão pouco se pode intuir que as partes pretendessem por essa via represtinar qualquer obrigação nesse sentido que decorresse de contratos ou sequer de outros documentos anteriores, muito menos daqueles cujo desiderato havia sido já cumprido e desse modo extinto o seu âmbito de aplicação.

7. Na data em que foi assinado o documento denominado “Letter of Understanding 03-12- 2019” (Carta de Entendimento), como resulta evidente da documentação dos autos quando devidamente escrutinada, cumpria ainda fazer a instalação e o comissionamento de outros equipamentos entretanto produzidos e a produzir pela autora de acordo com o plano de investimento resultante do contrato originalmente celebrado com a empresa belga D..., portanto, como ficou dito, um outro contrato outorgado em 15.12.2017, no qual, como aqui também se conclui, inequivocamente, não constava expressa qualquer convenção de jurisdição ou eleição de foro.

8. Naquela data, em que a autora e a ré voltam a convergir para sanar divergências transatas mediante a pretensão desta última para retomar os projetos de investimento na sua unidade fabril, o valor remanescente era de 257.770,84 € (Duzentos e cinquenta e sete mil setecentos e setenta euros e oitenta e quatro cêntimos), donde no dito acordo designado por “Letter of Understanding” ficou isso consignado nesses exatos termos, tal como se alcança pelo respetivo suporte documental junto aos autos.

9. Ora, como supra alegado, a nosso ver, o tribunal a quo errou quando foi na esteira do invocado pela ré em sede de matéria de exceção de incompetência internacional, e portanto, passa a respaldar a sua decisão, não no referido contrato original de 15.12.2017, este celebrado entre a autora e a sociedade D..., mas sim no supra referido documento de âmbito e contexto delimitado em que a sociedade belga reconheceu ter uma dívida, e reitera-se, já vencida e acumulada, no montante de 203.559,11 € (Duzentos e três mil quinhentos e cinquenta e nove euros e onze cêntimos), dívida essa que, como se consignou expressamente em 08.06.2018 no preâmbulo desse documento denominado “Delegation of Payment” (Elegibilidade de Pagamento), era relativa a certos e específicos bens de equipamento já entregues e instalados, designadamente “tubagens, coletores, válvulas e estruturas de aço para secadores.”

10.Donde também se deve extrair a conclusão que o tribunal a quo falhou na análise crítica do teor e alcance do próprio documento em que se arvora a sentença, validando a convenção de jurisdição e a eleição de foro, em termos que a mesma resulta extensiva a todo o conjunto de relações entre autora e ré, e às demais também referidas nos autos, portanto, a todas as pretéritas e às futuras.

11. Tanto mais porque, esse erro de análise que depois compromete a correta subsunção ao Direito, resulta da não contextualização desse documento, bem como, da inadequada aferição da respetiva cronologia dos eventos, desde logo, tendo como referência a data em que foi celebrado esse acordo (08.06.2018) denominado “Delegation of Payment”, o qual, a nosso ver, circunscreve-se exclusivamente ao âmbito delimitado da obrigação nele expressamente assumida, a qual, como supra evidenciado circunstanciadamente em sede de alegações, passado pouco tempo até veio a ser extinta com o recebimento por parte da autora, conforme aliás se alcança por meio probatório documental para tal bastante.

12. E também porque, esse documento denominado Delegation of Payment surge, não só no aludido contexto de reiterado de incumprimento por parte de outra sociedade, a indicada C..., como também por parte da D..., mas sobretudo tendo em vista o próprio processo de insolvência (Falência) desta última, o qual entretanto passou a correr termos no Tribunal do Comércio de Antuérpia, daí a razão, para essa obrigação de pagamento, cujo objeto e amplitude especifica se consignaram nesse acordo, ter sido convencionada a submissão à lei Belga e concretamente ao referido foro onde tramitava a dita ação, onde aliás essa empresa belga veio a acabar extinta mediante “Falência por confissão (Moniteur Belge – Bankrupcy by confession – Business court Antwerp, divison Malines)” ocorrida em 21.08.2019.

13.Ora, extrapolar a amplitude de tal convenção e eleição de foro para além do âmbito que consistiu o objeto desse acordo, e portanto, para além do que aí ficou expressamente extipulado, é manifestamente insustentável por completa falta de enquadramento na ratio do aí convencionado

14.Donde, aqui também se conclui que, ainda que a interpretação extraída pelo tribunal a quo, em tese, até fosse consentânea como o teor e a ratio dos documentos juntos aos autos, em concreto o acordo denominado por Delegation of Payment de 8.06.2018, o que em momento algum se concede, e que, portanto, a convenção de jurisdição e eleição de foro aí vertida se pudesse considerar extensiva a todas as circunstâncias anteriores e ulteriores a submeter a juízo, ainda assim, tal decisão resultaria em violação do sentido da Lei, tanto mais porque, não se encontrariam preenchidos todos os requisitos taxativos e cumulativos para validar tais estipulações, atendendo às partes aqui em litígio, em concreto, nos termos elencados no n.º 3 do Artigo 94.º do nosso CPC, que tem por epígrafe “Pactos privativo e atributivo de jurisdição”, porquanto, , as mesmas não estariam justificadas por um interesse sério de ambas as partes ou, sequer, de uma delas, e mais que isso, tal envolveria sempre inconveniente grave para a outra – Cfr. alínea c).

15. Ademais, tendo também em conta as partes que se apresentam em litígio e o objeto da respetiva relação material controvertida, bem como a ponderação do que foi, o único e já extinto, elemento de conexão relevante com a jurisdição belga, é mais que legítimo questionar se a propositura da ação no foro do Tribunal do Comércio de Antuérpia seria aceite pelo mesmo – Cfr. alínea b).

16.Razão pela qual, desconsiderando verdadeiramente aquilo que consubstancia a causa de pedir e o pedido, o tribunal a quo também foi contra o entendimento da Jurisprudência e Doutrina dominante que: “I – A competência internacional dos tribunais portugueses deve ser aferida em função do pedido e causa de pedir invocados pelo autor, importando, no entanto, distinguir, para a delimitação da causa de pedir, a indicação do título (facto jurídico) em que se baseia o direito do autor (artigo 498.º, n.º 4, do CPC) ou do alcance jurídico do título indicado (artigo 664.º do CPC). (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 30-01-2013, Processo 1705/08.3TBVNO.C1.S1, por Unanimidade.)

17. E de tudo o supra exposto resulta ainda que a Sentença proferia pelo tribunal a quo, julgando-se este incompetente para apreciar a presente ação, em bom rigor, pode estar a remeter as partes para um verdadeiro limbo jurisdicional do qual resultaria uma autêntica denegação de justiça, acima de tudo, fazendo esboroar essa mesma função jurisdicional que cabe aos tribunais, e que, também, é uma manifestação de soberania, tal como prevista nos n.os 1 e 2 do Artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa.

Contra alegou a ré pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

1.Nos presentes autos, considerou-se verificada a exceção dilatória de incompetência do tribunal, sendo em consequência julgado este Juízo Central como internacionalmente incompetente para a tramitação da presente ação, absolvendo-se a Ré da instância, tendo o douto Tribunal “a quo” decidido que estando a ação compreendida no âmbito de aplicação do regime comunitário, deverá ser esse regime a prevalecer sobre o regime interno, pois, provem de fonte hierarquicamente superior, atento o princípio do primado do direito europeu.

2. Resulta documentalmente provado dos autos que as partes acordaram por escrito, assinado no dia 8 de junho de 2018, que qualquer questão relativa à validade, interpretação ou execução de tal acordo fica sujeita à jurisdição do Tribunal de Comércio de Antuérpia.

3. O peticionado pela A. nos presentes autos emerge das transações resultantes das relações comerciais reguladas por aquele acordo constante de fls. 113 a 121 dos autos pelo que, encontram-se verificados os pressupostos para a aplicação, ao caso Sub Júdice do art.º 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12-12-2012 será de concluir, como fez acertadamente o douto tribunal a quo ser este tribunal internacionalmente incompetente para a presente ação.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685-A º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda  é a seguinte:

(In)competência do tribunal português.

5.

Apreciando.

Mostra-se adequado, em tese, a argumentação vertida na decisão.

Nem as partes a contestam.

A questão resume-se à subsunção dos elementos fáctico circunstanciais do processo às normas pertinentes consideradas na sentença.

Assim.

Como bem se menciona na decisão, o primado do direito comunitário aqui relevante, qual seja o artº   25º do  Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12 (relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial), prevalece e impõe-se perante o direito interno – cfr. Ac. RL de 14.03.2023, p. 20344/21.7T8LSB.L1-7 in dgsi.pt.

Posto é que estejam presentes os seus requisitos.

No caso vertente, e como bem se expende na decisão recorrida,  tal  preceito exige dois requisitos para que o pacto de competência seja válido e eficaz, a saber:

 i) Um de cariz formal atinente à exigência de forma escrita como modo inequívoco de manifestação de vontade dos outorgantes nesse sentido;

ii) Outro de cariz substantivo, atinente ao objeto do acordo, sendo exigível que o pacto designe, com suficiente determinação, a relação jurídica e as questões emergentes da relação jurídica designada que hão-de ser apreciadas e decididas – cfr. Ac. RC de 11.10.2022, p. 2038/20.2T8LRA.C1 in dgsi.pt.

No caso vertente é manifesto que o primeiro requisito se verifica.

Resta apurar se o segundo também está presente.

Entendemos, na esteira do defendido pela recorrente, que não está.

O pacto de competência , datado de 08.06.2018, foi firmado entre a tríade formada pelas partes e pela  empresa de direito belga D....

Ele reporta-se a fornecimentos efetivados pela requerente a esta empresa belga, pelos vistos já declarada insolvente, cujos bens e produtos foram perfeitamente concretizados, a saber: coletores de tubagem, válvulas e estruturas de aço para secadores.

Tanto quanto se alcança, tal fornecimento foi feito no âmbito do contrato firmado  em 15.12.2017 entre esta empresa belga e a requerente.

No acordo de 08.06.2018, a ora ré assumiu o pagamento apenas para a quantia de 203.559,11 euros.

Fê-lo em substituição da   D....

E, se bem interpretamos e alcançamos, tal  substituição e pagamento de preço respeitavam somente ao fornecimento nele  aludido.

Tanto assim que se fez menção no ponto 7: «a presente delegação não implica qualquer alteração  às obrigações contraídas pela D... para com a A... ……permanecendo vinculada por todos com as obrigações para com a D...»

Acresce que os efeitos do pagamento efetuado pela ora requerida repercutiam-se também nas relações que esta tinha com a D..., pois que ficou consignado no ponto  4 : «qualquer pagamento desta forma efetuado reduzirá, de forma equivalente, as obrigações de pagamento da B...…para com a D...»

Assim sendo,  à data e dadas as circunstâncias, a fixação da competência do Tribunal Belga, faria algum sentido, pois que, ao menos subjetivamente, uma das partes interessadas possivelmente litigantes  era de direito Belga.

Ora analisado o pedido  da requerente verifica-se que, no mínimo, não é líquido que ele se reporte ao fornecimento   abrangido no acordo de 08.06.2018.

E a prova deste facto, como relevante para a procedência da exceção em causa, sobre a requerida impendia – artº 342º nº2 do CC.

Antes pelo contrário, do requerimento inicial emerge que o preço pretendido se reporta, na sua totalidade ou, ao menos, esmagadora maioria, a fornecimentos efetuados pela requerente já após a data de tal acordo, ou seja, nos anos de 2020 e 2021.

E efetuados não à  D..., ou a  esta e à requerida, mas antes e apenas à recorrida.

Não tendo, na economia do alegado pela requerente - que é o que essencialmente releva, pois que esta exceção é aferida em função da causa petendi invocada -,  a D... tido qualquer intervenção quanto a estes fornecimentos e, assim,  ela não sendo responsabilizada pela fornecedora, mas apenas a requerida, falece qualquer elemento que, lógica e racionalmente, pudesse aproximar a causa da legislação belga.

E, ademais, que para estas circunstâncias,  ou seja, para duas empresas com sede em Portugal e relativamente a contratos e fornecimentos firmados e concretizados no nosso país,   mal se compreenderia que a requerente – e até a requerida -  aceitassem um acordo que  atribuía competência aos tribunais Belgas.

Naturalmente que o aludido acordo nesse sentido firmado em 2018 foi aceite pelas aqui partes precisamente porque nele estava, direta ou indiretamente, implicada aquela sociedade de direito Belga D..., e, quiçá, a pedido e por conveniência desta.

Não sendo esta demandada porque, na alegação da requerente, apenas a requerida é responsável pela dívida,  e não sendo líquido que  os fornecimentos aduzidos na pi estejam abrangidos pelo pacto de jurisdição, não está preenchido o requisito do regulamento da suficiente identificação da relação jurídica sujeita a tal pacto.

Pelo que nem em tese legal, por preterição de um dos requisitos do artº 25º do Regulamento, nem em termos de lógica e adequação, por força de critérios práticos, como sejam a celeridade e a economia de meios, se pode concluir que os Tribunais Belgas devam dirimir o litígio, tal como a requerente o delineia.

Procede o recurso.

(…)

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso procedente, revogar a decisão, declarar o tribunal recorrido competente, e ordenar o prosseguimento dos autos.

Custas recursivas pela recorrida.

Coimbra, 2023.05.16.