ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO NÃO PATRIMONIAL
EQUIDADE
Sumário


I-Independentemente das várias formas de cálculo do dano biológico, seja pelo parâmetro de dano futuro seja pelo parâmetro de dano não patrimonial, na verdade - não existindo, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados -, a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou completar o resultado obtido pela aplicação de fórmula financeira criada em função da verificação de situação de incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão habitual, que, no caso dos autos, não se verificou durante um período de tempo: a lesada era estudante à data do acidente e continuou a estudar até 2022, altura em que inicia a atividade profissional remunerada.
II- Assim, considerando a idade da A., à data do acidente (20 anos), a sua longa expectativa de vida e o grau dessa incapacidade apurado (5 pontos), que era estudante à data do acidente e que nesta altura já trabalha, tendo, entretanto, tirado a licenciatura e mestrado em ciências da comunicação, o que a qualificou em termos académicos e eventualmente profissionalmente e lhe confere a possibilidade de poder vir a auferir um vencimento superior ao que aufere (levando em conta, nomeadamente, a sua elevada nota final de curso e que este é o seu primeiro emprego); considerando-se, porém, ainda a maior dificuldade de a A. poder vir a ter trabalho na sua área de formação, devido às dificuldades que tem na fala (havendo quem esteja na plenitude das suas capacidades para desempenhar a referida função - que a A. não está - é provável que tal possa vir a levar à “preterição” da A., na contratação para o exercício daquelas funções), tem-se por equitativa uma indemnização, a título de dano patrimonial biológico, no valor de € 32.000,00.
III- No cálculo dos danos não patrimoniais decorrentes de acidente de viação estando em causa critérios de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, sendo que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.
IV- Mas, a utilização de critérios de equidade na fixação da indemnização não impede que se tenham em conta as exigências decorrentes do princípio da igualdade e a inerente uniformização de critérios, pelo que devem sempre ser considerados os padrões indemnizatórios geralmente adotados pela jurisprudência em casos análogos.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

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I. Relatório ( que se transcreve):

AA instaurou ação, na forma de processo comum, contra A..., S.A., agora designada Seguradoras ..., S.A.
Invocou que:
O veículo automóvel, seguro na R., em que seguia como passageira, foi embater num outro veículo que seguia à sua frente, em consequência do que, sofreu ferimentos e diversos danos patrimoniais e não patrimoniais.

Pediu que:

Se condenasse a R. a pagar-lhe:
a) A quantia de 156,79 €, referente a despesas médicas e medicamentosas;
b) A quantia de 100.000,00 €, a título de danos patrimoniais, em razão da incapacidade funcional que a afeta na fala, na mastigação e deglutição e na vida pessoal;
c) A quantia de 70.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, referente às dores sofridas e que continua a sofrer, incluindo o dano estético;
d) A quantia de 104.720,00 €, pelas despesas indicadas nos artigos 68º e 69º ou, em alternativa, caso a dita não se determinasse em concreto por não se provar, que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia que se viesse a liquidar em sentença, atinente às ditas despesas;
e) Os juros de mora, calculados à taxa de lei, que se vencessem sobre as indicadas quantias, desde a citação até integral pagamento;
f) A quantia que viesse a ser liquidada em execução de sentença, atinente a danos patrimoniais, incluindo despesas médicas e medicamentosas e outras, como tratamentos, intervenções cirúrgicas, perda de ganho, etc. e ainda os que surgissem em razão de incapacidade para o trabalho, geral ou específica ou do esforço acrescido para o realizar, prejuízos não patrimoniais atinentes às lesões e sequelas resultantes do sinistro, que ainda não eram passíveis de ser quantificados, a título de danos futuros, porque previsíveis e prováveis.
Contestou a R.
Não questionou a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro na eclosão do sinistro, invocando porém que, a A. não fazia uso do cinto de segurança e, se fizesse uso de tal dispositivo, as lesões que sofreu não teriam sido tão graves como foram.
Impugnou grande parte dos danos invocados pela A.
Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual, designadamente, foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizaram-se perícias médico-legais.
A A. veio ampliar o pedido, no montante de € 1.027,93, referente a despesas que entretanto realizou.”
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno a R., a pagara à A., a quantia líquida de € 79.206,02 (setenta e nove mil duzentos e seis euros e dois cêntimos).
b) Condeno a R., a pagar à A., a quantia que se vier a liquidar, relativa às despesas que a A. venha a ter com: 1) os “demais tratamentos associados” à colocação/troca da goteira, que terá de fazer o resto da vida; 2) a substituição da goteira em período inferior ao de 2 em 2 anos, quando tal ocorra devido a situações de “desgaste acentuado ou outras ocorrências como fraturas ou novos tratamentos dentários que impeçam a correta utilização da goteira”; 3) as consultas que venha a realizar para “controlo da vitalidade dos dentes 21 e 25” e “reabilitação do dente 21”; 4) “consultas SOS por existência de quadro sintomatológico e, quando necessário, sessões de estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS)”; 5) deslocações/transporte necessários para se submeter a tratamentos; 6) medicação analgésica;
c) Condeno a R., a pagara à A., os juros moratórios, incidentes sobre as quantias de € 27.500,00, € 32.000,00, € 14.000,00 e € 3.300,00, contados desde a data da presente decisão até integral pagamento;
d) Condeno a R., a pagar à A., juros moratórios, incidentes sobre as quantias de € 133,79 e € 1.175,00, contados desde a citação da R. até integral pagamento e, incidentes sobre a quantia de € 1.097,23, contados desde a notificação da R. da ampliação do pedido até integral pagamento;
e) Absolvo a R., do demais peticionado.
Custas a cargo da A. e da R., na proporção dos respetivos decaimentos - art. 527º, n º 1 e 2, do C.P.C.”
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Inconformada com a decisão, veio a A interpor recurso, e formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

“1-Não foi suficientemente valorizado o dano biológico, que no caso assumiu natureza de dano essencialmente patrimonial mas também de dano não patrimonial.
2-De igual forma não foram justamente valorizados os demais danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
3-Em consequência, foram fixadas pelo Tribunal a quo indemnizações relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais que se revelam insuficientes e inaptas a um integral e justo ressarcimento desses prejuízos.
4-Para compensar os danos patrimoniais e não patrimoniais, tendo como referência à realidade objectiva e concreta dos factos relatados e provados nos autos e ao princípio da equidade afiguram-se adequadas, respectivamente, uma indemnização de 50.000,00 € e de 40,000, 00 €, a que acrescem juros, calculados à taxa de lei.
5-O tribunal recorrido fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 496º, nºs 1 , 3 e 4 tendo em conta os factores referidos no artigo 494º e do preceituado nos artigos 564º, nº 2 e 566, nº 3, todos do Código Civil.

Termos em que deve o recurso proceder e em consequência ser revogada a douta decisão recorrida no que toca à fixação dos montantes indemnizatórios reportados ao ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo substituída por outra que estabeleça para os danos patrimoniais uma indemnização de 50.000,00 € e para os danos não patrimoniais uma indemnização de 40.000,00 €, a ambas acrescendo juros à taxa legal e condenando-se a Ré a pagar tais quantias. ”
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A R. respondeu ao recurso, concluindo pela falta das respetivas razões invocadas pela A. e deduziu recurso subordinado e apresentou as seguintes conclusões ( que se transcrevem):

“ 1. A apelante não se conforma com a sentença proferida nestes autos, no que tange a sua condenação a pagar à autora AA as quantias de 27.500,00€ e de 32.000,00€, a título de indemnização pelo dano não patrimonial e pelo dano patrimonial futuro, respectivamente, sofridos em consequência do acidente dos autos;
2. Por razões de economia e celeridade processuais, dão aqui por reproduzidos os pontos 9 a 42 e 62 a 68 dos factos provados;
3. O Tribunal a quo condenou a apelante a pagar à autora a quantia de 27.500,00€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, com o que a apelante não se conforma, sendo do entendimento de que tal decisão peca por excessiva., distanciando-se não apenas da factualidade que vem dada como demonstrada, mas também do sentido das decisões que vêm sendo proferidas pela nossa Jurisprudência em casos análogos.
4. O cálculo da indemnização por danos não patrimoniais é sempre feito com base em critérios de equidade e atendendo a uma série de factores tais como o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado, devendo ser proporcionado à gravidade do dano.
5. Além disso, as indemnizações fixadas a este título devem aproximar-se em casos semelhantes, sob pena de não serem justas, por tratarem de maneira diferente situações idênticas.
6. Pelo que se impõe a análise de situações semelhantes, e até mais graves do que aquela que aqui está causa, para aquilatar da bondade do decidido.
7. Para o efeito, dá-se aqui por reproduzida súmula acima levada a cabo pela recorrente, relativa aos seguintes Acórdãos: Ac. STJ 03 de Dezembro de 2015 (Proc.3969/07.0TBBCL.G1.S1, 2ª secção); Ac. STJ 04 de Junho de 2015, (Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1,7º secção); Ac. STJ 07 de Abril de 2016 (Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1); Ac. STJ 19 de Fevereiro de 2015 (Proc. 99/12.7TCGMR.G1.S1, 2ª secção); Ac. STJ 21 de Janeiro de 2016 (Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1, 7ª secção); Ac. STJ 26 de Janeiro de 2016 (Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1, 6ª secção); Ac. STJ 28 de Janeiro de 2016 (Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, 2ª secção);
8. Os casos citados, todos eles de gravidade muito superior àquela que ora nos ocupa, reportam-se a sinistrados com idade sensivelmente semelhantes ou superiores à idade da autora aquando do acidente, sendo que, as lesões e consequências sofridas por tais lesados suplantam, muitas vezes, as lesões sofridas e consequências sofridas pela autora no acidente em mérito.
9. Considerando a, felizmente, menor gravidade das lesões sofridas pela autora em comparação com os casos citados, todos os demais factos provados e recorrendo ainda a critérios de equidade, entende a recorrente que o valor da compensação pelos danos não patrimoniais a arbitrar à apelada não deveria exceder os 20.000,00€.
10. Ainda a propósito desta questão cumpre sublinhar que a indemnização arbitrada pelo Tribunal recorrido (e mesmo aquela pela qual se pugna), são muito superiores à que o legislador entendeu que seria, no caso, ajustada.
11. Com efeito, mediante a aplicação da portaria 377/2008, de 26 de Maio, entretanto alterada pela portaria 679/2009, de 25 de Junho, a compensação da autor por danos não
patrimoniais (na sua vertente de dano biológico, quantum doloris e dano estético) seria na
ordem dos 5.000,00€.
12. O que evidencia, salvo melhor opinião, a sobrevalorização da indemnização atribuída para compensar os danos não patrimoniais da autora, fixada na sentença recorrida, e bem assim, da justeza da pretensão recursiva da ré no que a este ponto respeita.
13. Assim, considera a apelante que a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora deve ser reduzida para o montante de 20.000,00€, o que se pede.
14. Por outro lado, a decisão recorrida fixou em 32.000,00€ a indemnização devida à autora AA como ressarcimento da vertente do dano patrimonial futuro, decorrente da incapacidade funcional por ela sofrida em consequência do sinistro dos autos, com o que a recorrente não se conforma.
15. Vem demonstrado nos autos que em consequência do presente sinistro a autora padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos e que as sequelas de que é portadora são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, implicando, no entanto, esforços suplementares.
16. Não tendo resultado demonstrado o efectivo rebate da incapacidade da autora nos rendimentos do seu trabalho, ainda assim, a ora recorrente não põe minimamente em causa que as lesões e sequelas que advieram à recorrida em consequência do presente sinistro terão de ser devidamente compensadas, já que aquela nenhuma culpa teve na ocorrência do acidente.
17. Contudo, quando tais sequelas não acarretam qualquer prejuízo económico na esfera patrimonial do recorrido, os danos delas derivados deveriam ser compensados através da componente não patrimonial da indemnização a arbitrar, o que não sucedeu no caso dos autos.
18. Ainda que assim se não considere, o que muito se respeita, crê a recorrente que o montante indemnizatório fixado à autora pelo dano dito patrimonial futuro se mostra também exagerado.
19. A decisão a proferir, no que a este ponto se refere, deve ter em consideração o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos de que a autora ficou a padecer, a idade com que ingressou no mercado de trabalho (25 anos), o rendimento por si auferido (1.069,04€, por mês), a dedução de ¼ ao valor indemnizatório encontrado por calculo aritmético e a equidade resultante das decisões proferidas pelos nossos Tribunais Superiores em casos semelhantes ou comparáveis
20. Sopesando os sobreditos pressupostos de facto, analisados à luz da equidade resultante da análise e comparação com as situações tratadas no Acórdão do STJ de 21/01/2016, proferido no processo 1021/11.3TBABT.E1.S1 e no Acórdão da Relação de Lisboa 11/11/2014, proferido no processo 2987/11.9TBPDL.L- 71 (cujo teor aqui se dá por reproduzido), constata-se o desequilíbrio em que incorreu a decisão ora posta em crise, ao arbitrar à recorrente a quantia de 32.000,00€ a título de dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade funcional permanente de que ficou a padecer.
21. Assim, perante as considerações acima expendidas acerca da indemnização do dano corporal permanente quando não se demonstra uma perda efectiva de rendimento, nem de capacidade de ganho; perante as decisões supra elencadas; e perante a necessidade de proceder a uma redução da quantia indemnizatória devida à recorrida em virtude da antecipação de capital que a indemnização constitui, no valor de, pelo menos 25%, justifica-se a redução da indemnização arbitrada para um valor não superior a 25.000,00€.
22. Em face do exposto, a sentença recorrida deve ser revogada, neste segmento, e substituída por outra que fixe em 25.000,00€ a indemnização a arbitrar à recorrida pelo défice funcional permanente de 5 pontos de que a mesmo ficou a padecer em consequência do acidente dos autos.
23. A decisão recorrida viola o preceituado no artigo 566º do Código Civil.”
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Os recursos foram recebidos nesta Relação, considerando-se devidamente admitidos, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar os recursos deduzidos.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em:
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A- Do recurso apresentado pela recorrente/Autora:

A reapreciação de direito ( quanto ao quantum indemnizatório a atribuir à A.:

A.1. Quanto à fixação da indemnização a título de dano biológico em consequência da perda ou diminuição das suas capacidades funcionais decorrentes do défice funcional de 5 pontos, deveria seria fixada num montante nunca inferior a 50.000€.
A.2 Quanto à indemnização por dano não patrimonial, deveria ser fixada em quantia não inferior a € 40.000.
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B- Do recurso apresentado pela recorrente/ré:
B.1. – do quanto indemnizatório fixado para os danos por a indemnização fixada ter sido desproporcional aos danos sofridos e atenta a comparação com a gravidade de outros casos decididos pela jurisprudência:
B.1.1- Quanto ao dano patrimonial futuro ( dano biológico) deveria ser reduzida de 32.000€ para o valor de € 25.000,00?
B.1.2- Quanto aos danos não patrimoniais deveria ser reduzida de 27.500€ para o valor de € 20 000,00?
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III. Fundamentação de facto.

“Factos provados:
1 - No dia 16/09/2013, pelas 20 horas, a A. seguia, como passageira, no veículo de marca ..., matrícula ..-EU-.., conduzido por BB, na Auto-Estrada n º ..., em ..., concelho ..., vindo do ... em direção a ....
2 - Subitamente, de modo imprevisto, o referido veículo, que seguia a cerca de 100 km/hora, enfaixou-se na traseira de um veículo de mercadorias, marca ..., com a matrícula ..-BC-.., conduzido por CC, pertencente a Transportes J..., Lda., onde ficou agarrado/preso.
3 - A A. ia sentada no banco de trás do veículo e, com o balanço propiciado pelo embate, foi projetada para a frente, batendo com o rosto na superfície dura das “costas” do banco da frente e, depois, foi sendo projetada no interior do veículo, à medida que este ressaltava, durante alguns minutos em que aquele seguiu “atrelado” ao identificado veículo de mercadorias.
4 - O proprietário do veículo onde seguia a A., tinha transferido para a R., a sua responsabilidade civil, através de contrato de seguro titulado pela apólice n º ...58.
5 - O veículo onde seguia a A., foi puxado e arrastado pelo veículo de mercadorias, deixando a A. aterrorizada, em estado de choque, apavorada e angustiada;
6 - Durante um lapso de tempo que, à A. pareceu uma eternidade.
7 - A A. ficou ferida, desorientada e em pânico, gritando, pensando que ia morrer.
8 - A A. foi transportada para o Hospital ..., onde lhe foi prestada assistência.
9 - Em consequência do ocorrido, a A. sofreu traumatismo da mandibula com ferida incisa e escoriações na face anterior da perna esquerda, edema no dorso do pulso esquerdo e lordose cervical com esboço de cifose centrada em C5.
10 - Foi suturada com 14 pontos no queixo e teve de andar com o pulso ligado e o braço completamente imobilizado junto ao peito.
11 - Durante 4 meses não pôde comer comida sólida, teve de se alimentar de líquidos, ingerindo leite e sumos através de “palhinha”, face à impossibilidade de abrir a boca.
12 - E, passados 6 meses, ainda não conseguia abrir bem a boca.
13 - Ainda hoje não consegue comer certos alimentos que sejam duros e de mastigação mais exigente e difícil, devido à dor que então sente.
14 - Durante 6 meses, a A. viveu com as dores causadas pelas lesões sofridas e com o trauma do sinistro.
15 - Durante a noite, sonhava com o ocorrido e, durante o dia, pensava no que ocorreu, o que lhe causava sofrimento.
16 - Ainda hoje recorda e vive traumatizada com aquele momento.
17 - E quando se deita para dormir, tem medo de fechar os olhos, pois vivencia a situação aflitiva que experienciou.
18 - A A. ficou com hematomas e também com dores, ainda hoje mantendo dores.
19 - Em 09/10/2013, a A. consultou um dermatologista, por causa de uma ferida que tinha no queixo, sequela do embate, que a incomoda.
20 - Por este especialista foram-lhe receitadas, considerando o estado dessa lesão, umas placas de gel, que teve de aplicar todas as noites, sobre a mesma, durante mais de um ano.
21 - Foi-lhe receitada uma goteira, que tem de usar para o resto da sua vida, assim como tem de fazer, para o resto da vida, os demais tratamentos associados e a manutenção da própria goteira.
22 - A A. tem de usar a goteira diariamente, durante o máximo de tempo possível, pelo menos 8 horas.
23 - A A. tem muito cansaço muscular ao nível do maxilar;
24 - Sente dores e estalidos nos ouvidos ao falar;
25 - Tendo, por isso, dificuldade em falar por algum tempo e necessidade de se calar, após algum tempo a falar.
26 - A goteira incomoda a A., gerando-lhe compressão nos dentes e impossibilidade de articular algumas palavras.
27 - O uso da goteira durante a noite, torna a noite da A. difícil de suportar, pois ainda não se habituou a ela, nem sabe se alguma vez se vai habituar.
28 - Devido ao uso noturno da goteira, tem dificuldades no dia-a-dia, pois não dorme bem e por isso sente-se irritada e enervada.
29 - A A. sente estalidos nos ouvidos também quando come, tendo a sensação de que os dentes de trás se vão soltar.
30 - Dói-lhe também a cabeça nas partes temporais.
31 - A A. fica irritada, nervosa e entra, por vezes, em desespero, devido às dores que sente.
32 - Tem vindo a ser assistida por um psicólogo.
33 - Está sujeita a ter artroses nos maxilares.
34 - Fez tratamentos na Clínica ..., em ..., que lhe causaram incómodo e desconforto.
35 - Por vezes, o maxilar desencaixa e fica com a boca fechada, imobilizada, sem a poder abrir.
36 - A primeira vez em que isso aconteceu, entrou em pânico, por não conseguir abrir a boca, o que conseguiu, depois de algum tempo, com dor.
37 - A A. também tem dor na cervical e na cabeça.
38 - Tornou-se uma pessoa triste, amargurada e deprimida.
39 - A A., em consequência do embate, tem formação quística adjacente aos tendões extensores do punho esquerdo, o que a incomoda.
40 - A A. ficou com uma cicatriz no queixo, com 4 cm de comprimento, que a incomoda muito e a desfeia, sentindo necessidade de a cobrir diariamente com base.
41 - À A. foi dada alta, quanto à parte de medicina dentária, em 15/05/2017.
42 - A A. nasceu a .../.../1993.
43 - Na altura do embate, tinha feito os exames nacionais para entrar na universidade, pretendendo tirar o curso de ciências da comunicação.
44 - Devido ao ocorrido, já não se inscreveu, tendo perdido um ano de estudos.
45 - Entretanto, frequentou e acabou, o mestrado em ciências da comunicação, com uma nota final de 18 valores.
46 - Aquando do embate, ficaram deteriorados e incapazes de uso, os seguintes objetos da A.:
a) Uma carteira da marca ...”, no valor de 120,00 €;
b) Um telemóvel da marca ..., no valor de 100,00 €;
c) O vestido que a A. trazia vestido, no valor de 25,00 €;
d) Um MP3, no valor de 30,00 €;
e) Extensões de cabelo, no valor de 900,00 €;
47 - A A. teve despesas médicas e medicamentosas no valor de 133,79 €.
48 - A A. vai ter de substituir a goteira, de 2 em 2 anos, (salvaguardando-se casos excecionais intermédios de desgaste acentuado ou outras ocorrências como fraturas ou novos tratamentos dentários que impeçam a correta utilização da goteira), importando em, pelo menos, € 500,00 cada substituição;
49 - Em consequência das lesões que sofreu, a A. carece de consultas, vitalícias, anuais, para controlo da goteira oclusal, importando cada consulta em, pelo menos, € 60,00.
50 - Em consequência das lesões que sofreu, a A. carece de consultas, vitalícias, anuais, para controlo da vitalidade dos dentes 21 e 25 (caso se verifique a sua necrose terão indicação para endodontia), sendo recomendada a reabilitação do dente 21 (podendo ser necessário o recurso a reabilitação com facetas ou coroa após desvitalização).
51 - É recomendada consulta SOS por existência de quadro sintomatológico e, quando necessário, sessões de estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS).
52 - Para proceder aos tratamentos, a A. tem de se deslocar e de suportar os respetivos custos de transporte.
53 - Em consequência das lesões sofridas com o embate, a A. adquiriu 3 goteiras, nos anos de 2019, 2020 e 2021, com o que despendeu, respetivamente, € 200,00, € 250,00 e € 250,00;
54 - E realizou uma ortopantomografia, com o que despendeu € 30,00;
55 - Assim como realizou uma consulta de dermatologia á cicatriz, com o que despendeu € 65,00;
56 - E foi-lhe receitada, para diminuir a visibilidade da cicatriz, uma pomada, com cuja aquisição despendeu € 3,43.
57 - Para observação e acompanhamento das sequelas que lhe advieram do sinistro, foi a uma consulta no Centro de Saúde ..., no que despendeu € 4,50;
58 - Realizou também uma ecografia osteoarticular, com que despendeu € 45,00;
59 - Assim como realizou um raio x ao punho, no que despendeu € 25,00;
60 - E por causa da formação quística adjacente aos tendões extensores do punho esquerdo, foi a uma consulta de ortopedia, na qual pagou € 45,00;
61 - E realizou um TAC, que lhe foi aconselhado em razão das dores de que padecia na cervical, pelo qual pagou € 110,00.
62 - A A. sofreu um quantum doloris de grau 3/7 ou 4/7.
63 - Ficou com um dano estético de grau 3/7;
64 - E com uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 1/7.
65 - Ficou ainda a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos.
66 - As sequelas de que ficou a padecer, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, implicando, porém, esforços suplementares.
67 - A A. aufere, desde Agosto de 2022, o salário bruto de € 1.069,04.
68 - A A. carece de tomar medicação analgésica.
Factos não provados:
1 - Aquando do embate, a A. não fazia uso do cinto de segurança.
2 - Foi por não fazer uso do cinto de segurança que, a A. foi projetada para a frente e embateu com a face nas costas do banco dianteiro da viatura e com o tronco e os membros em componentes do interior do veículo.
3 - Caso a A. fizesse uso do cinto de segurança, não teria sofrido as projeções que sofreu e as lesões que a mesma teria sofrido não teriam tido a gravidade que tiveram, na sua cabeça e na sua cara.
4 - Uma vez por ano, a A. precisa de fazer 12 sessões de fisioterapia, no 1º mês, 3 vezes por semana, após a colocação de cada nova goteira, no montante unitário de 50,00 €.”
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IV. Do objeto do recurso.
 
A autora e a Ré, nas alegações de recurso, respetivamente, utilizaram a mesma sistematização da sentença, a qual dividiu a indemnização a atribuir em duas vertentes: quanto ao dano biológico na vertente de dano patrimonial e quanto aos danos não patrimoniais em sentido restrito.
Insurge-se a Ré contra os montantes atribuídos a título de danos não patrimoniais, por no seu entender, o valor de 27.500,00 € atribuídos na sentença para compensar os danos morais ser exagerado, nomeadamente no confronto com outras decisões dos nossos tribunais para casos, no seu entendimento, bem mais gravosos. Para o efeito invoca jurisprudência dos tribunais superiores e dentro daqueles valores ali encontrados para casos similares, bem como dentro dos critérios ajustados pelo legislador nestas matérias nas portarias em vigor, entende que a indemnização deveria ser fixada em € 20.000.
A autora entende que a indemnização por tais danos deveria ter sido fixada em 40.000€, contudo não invoca qualquer jurisprudência em casos similares.
Insurge-se ainda a Ré contra o montante atribuído a título de dano biológico, entendendo que deveria ser enquadrado na vertente não patrimonial, por no seu entender, o valor de 32.000,00 € atribuído na sentença ser exagerado, nomeadamente no confronto com outras decisões dos nossos tribunais em casos como o da autora em que não exercia qualquer atividade profissional à data do acidente e em que não resultou demonstrado o efetivo rebate da incapacidade da autora nos rendimentos do seu trabalho, pelo que entende a indemnização deveria ser fixada em € 25.000.
A autora entende que a indemnização por tais danos deveria ter sido fixada em 50.000€.
*
Vejamos.

A sentença recorrida discorre, ainda que não exaustivamente, sobre os conceitos em causa quando falamos de indemnização por danos não patrimoniais e dano biológico, pelo que nos dispensamos de prosseguir tal caminho, ali já de alguma forma trilhado, ainda que quando entendamos necessário o faremos, nomeadamente para contextualizar a questão.
Apenas salientamos, desde já, que a indemnização, como refere certa jurisprudência, “deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico” impondo-se que a jurisprudência caminhe seguramente para indemnizações não miserabilistas.
Por outro lado, igualmente realçamos, conforme alguma jurisprudência defende, a intervenção do tribunal de recurso deverá ser limitada e restrita na fixação deste tipo de danos, não se justificando essa intervenção caso se entenda que a indemnização foi adequadamente fixada, sendo reveladora de bom senso.
Antunes Varela/Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, 1.º vol., anotação ao art. 494.º já alertavam: “estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que «os tribunais devem seguir não são fixos, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» – só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos.
O juízo equitativo é critério primordial e sempre corretor de outros critérios e que preside na ponderação da fixação de ambas as indemnizações ( por dano não patrimonial e dano biológico).
Daí que conforme é realçado no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 19.10.2017, (in www.dgsi.pt) “como é posição sucessivamente reiterada pelo nosso mais Alto Tribunal, o tribunal está apenas sujeito aos critérios que emergem do preceituado no Código Civil e, em particular ao critério da equidade, pois que os critérios consagrados na Portaria n.º 377/2008, de 26.05 (ou na Portaria n.º 679/2009, de 25.06, que procedeu à sua alteração/atualização), não obstante possam (ou devam) ser considerados pelo julgador, não se sobrepõem aos que decorrem do restante sistema substantivo e, sobretudo, em primeiro lugar, do Código Civil.
De facto, como se pode alcançar da nossa jurisprudência, é pacífico o entendimento de que os critérios previstos nas citadas Portarias não substituem os critérios de fixação da indemnização consignados no Código Civil e não vinculam os tribunais em tal tarefa casuística, visando, sobretudo, em sede de apresentação de proposta célere e razoável por parte das seguradoras ao lesado, servir de critério orientador para esse confessado fim.”, com o que se responde, desde já, à questão enunciada pela ré seguradora nas conclusões 11ª do seu recurso subordinado.

Os traços fundamentais que permitem identificar o caso dos autos traduzem-se no seguinte quadro fundamental para uma lesada que na data dos factos tinha 20 anos e de que se realçam os seguintes factos para a resolução dos presentes recursos:

““(…)
1 - No dia 16/09/2013, pelas 20 horas, a A. seguia, como passageira, no veículo de marca ..., matrícula ..-EU-.., conduzido por BB, na Auto-Estrada n º ..., em ..., concelho ..., vindo do ... em direção a ....
2 - Subitamente, de modo imprevisto, o referido veículo, que seguia a cerca de 100 km/hora, enfaixou-se na traseira de um veículo de mercadorias, marca ..., com a matrícula ..-BC-.., conduzido por CC, pertencente a Transportes J..., Lda., onde ficou agarrado/preso.
3 - A A. ia sentada no banco de trás do veículo e, com o balanço propiciado pelo embate, foi projetada para a frente, batendo com o rosto na superfície dura das “costas” do banco da frente e, depois, foi sendo projetada no interior do veículo, à medida que este ressaltava, durante alguns minutos em que aquele seguiu “atrelado” ao identificado veículo de mercadorias.
4 - O proprietário do veículo onde seguia a A., tinha transferido para a R., a sua responsabilidade civil, através de contrato de seguro titulado pela apólice n º ...58.
5 - O veículo onde seguia a A., foi puxado e arrastado pelo veículo de mercadorias, deixando a A. aterrorizada, em estado de choque, apavorada e angustiada;
6 - Durante um lapso de tempo que, à A. pareceu uma eternidade.
7 - A A. ficou ferida, desorientada e em pânico, gritando, pensando que ia morrer.
8 - A A. foi transportada para o Hospital ..., onde lhe foi prestada assistência.
9 - Em consequência do ocorrido, a A. sofreu traumatismo da mandibula com ferida incisa e escoriações na face anterior da perna esquerda, edema no dorso do pulso esquerdo e lordose cervical com esboço de cifose centrada em C5.
10 - Foi suturada com 14 pontos no queixo e teve de andar com o pulso ligado e o braço completamente imobilizado junto ao peito.
11 - Durante 4 meses não pôde comer comida sólida, teve de se alimentar de líquidos, ingerindo leite e sumos através de “palhinha”, face à impossibilidade de abrir a boca.
12 - E, passados 6 meses, ainda não conseguia abrir bem a boca.
13 - Ainda hoje não consegue comer certos alimentos que sejam duros e de mastigação mais exigente e difícil, devido à dor que então sente.
14 - Durante 6 meses, a A. viveu com as dores causadas pelas lesões sofridas e com o trauma do sinistro.
15 - Durante a noite, sonhava com o ocorrido e, durante o dia, pensava no que ocorreu, o que lhe causava sofrimento.
16 - Ainda hoje recorda e vive traumatizada com aquele momento.
17 - E quando se deita para dormir, tem medo de fechar os olhos, pois vivencia a situação aflitiva que experienciou.
18 - A A. ficou com hematomas e também com dores, ainda hoje mantendo dores.
19 - Em 09/10/2013, a A. consultou um dermatologista, por causa de uma ferida que tinha no queixo, sequela do embate, que a incomoda.
20 - Por este especialista foram-lhe receitadas, considerando o estado dessa lesão, umas placas de gel, que teve de aplicar todas as noites, sobre a mesma, durante mais de um ano.
21 - Foi-lhe receitada uma goteira, que tem de usar para o resto da sua vida, assim como tem de fazer, para o resto da vida, os demais tratamentos associados e a manutenção da própria goteira.
22 - A A. tem de usar a goteira diariamente, durante o máximo de tempo possível, pelo menos 8 horas.
23 - A A. tem muito cansaço muscular ao nível do maxilar;
24 - Sente dores e estalidos nos ouvidos ao falar;
25 - Tendo, por isso, dificuldade em falar por algum tempo e necessidade de se calar, após algum tempo a falar.
26 - A goteira incomoda a A., gerando-lhe compressão nos dentes e impossibilidade de articular algumas palavras.
27 - O uso da goteira durante a noite, torna a noite da A. difícil de suportar, pois ainda não se habituou a ela, nem sabe se alguma vez se vai habituar.
28 - Devido ao uso noturno da goteira, tem dificuldades no dia-a-dia, pois não dorme bem e por isso sente-se irritada e enervada.
29 - A A. sente estalidos nos ouvidos também quando come, tendo a sensação de que os dentes de trás se vão soltar.
30 - Dói-lhe também a cabeça nas partes temporais.
31 - A A. fica irritada, nervosa e entra, por vezes, em desespero, devido às dores que sente.
32 - Tem vindo a ser assistida por um psicólogo.
33 - Está sujeita a ter artroses nos maxilares.
34 - Fez tratamentos na Clínica ..., em ..., que lhe causaram incómodo e desconforto.
35 - Por vezes, o maxilar desencaixa e fica com a boca fechada, imobilizada, sem a poder abrir.
36 - A primeira vez em que isso aconteceu, entrou em pânico, por não conseguir abrir a boca, o que conseguiu, depois de algum tempo, com dor.
37 - A A. também tem dor na cervical e na cabeça.
38 - Tornou-se uma pessoa triste, amargurada e deprimida.
39 - A A., em consequência do embate, tem formação quística adjacente aos tendões extensores do punho esquerdo, o que a incomoda.
40 - A A. ficou com uma cicatriz no queixo, com 4 cm de comprimento, que a incomoda muito e a desfeia, sentindo necessidade de a cobrir diariamente com base.
41 - À A. foi dada alta, quanto à parte de medicina dentária, em 15/05/2017.
42 - A A. nasceu a .../.../1993.
43 - Na altura do embate, tinha feito os exames nacionais para entrar na universidade, pretendendo tirar o curso de ciências da comunicação.
44 - Devido ao ocorrido, já não se inscreveu, tendo perdido um ano de estudos.
45 - Entretanto, frequentou e acabou, o mestrado em ciências da comunicação, com uma nota final de 18 valores.

62 - A A. sofreu um quantum doloris de grau 3/7 ou 4/7.
63 - Ficou com um dano estético de grau 3/7;
64 - E com uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 1/7.
65 - Ficou ainda a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos.
66 - As sequelas de que ficou a padecer, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, implicando, porém, esforços suplementares.
67 - A A. aufere, desde Agosto de 2022, o salário bruto de € 1.069,04.
68 - A A. carece de tomar medicação analgésica.”

Quanto aos danos não patrimoniais:

Para o ressarcimento de tais danos de cariz não patrimonial, a Autora peticionava o quantitativo total de € 70.000,00 (setenta mil euros), o qual, porém, foi considerado na sentença excessivo e na análise do caso concreto faz-se a seguinte ponderação singela: “Os danos não patrimoniais sofridos pela A. reconduzem-se essencialmente aos sofrimentos físicos e psíquicos que a A. teve aquando do sinistro, assim como os que teve posteriormente, bem como os que continuará a ter pelo resto da sua vida (importando, a este respeito, destacar que, aquando do sinistro, a A. era uma jovem com apenas 20 anos de idade e que, atenta a sua esperança média de vida, o seu sofrimento se prolongará por muitos anos).
A culpa da produção do acidente foi exclusiva do condutor do veículo seguro na R.
Desconhece-se a situação económica da A. (parecendo modesta).
Para fixação do quantum indemnizatório, importa também ter em conta os valores que os tribunais superiores vêm fixando em casos semelhantes.
Atento o exposto, afigura-se-nos adequado fixar uma indemnização a título de danos não patrimoniais, no montante de € 27.500,00..”
A recorrente ré cita jurisprudência no que entende serem casos mais graves do que o caso concreto e com indemnizações mais reduzidas e “ considerando a, felizmente, menor gravidade das lesões sofridas pela autora em comparação com os casos citados, todos os demais factos provados e recorrendo ainda a critérios de equidade, entende a recorrente que o valor da compensação pelos danos não patrimoniais a arbitrar à autora não deveria exceder os 20.000,00€”.
E enumerou os ali citados acórdãos: Ac. STJ 03 de Dezembro de 2015 (Proc.3969/07.0TBBCL.G1.S1, 2ª secção); Ac. STJ 04 de Junho de 2015, (Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1,7º secção); Ac. STJ 07 de Abril de 2016 (Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1); Ac. STJ 19 de Fevereiro de 2015 (Proc. 99/12.7TCGMR.G1.S1, 2ª secção); Ac. STJ 21 de Janeiro de 2016 (Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1, 7ª secção); Ac. STJ 26 de Janeiro de 2016 (Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1, 6ª secção); Ac. STJ 28 de Janeiro de 2016 (Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, 2ª secção)- e que oscilam em indemnizações entre os 20.000€, 40.000€ e os 50.000€ ( sendo que os valores mais elevados respeitam a casos de jovens entre os 17 e os 22 anos de idade, é bem certo com percentagens mais elevadas de incapacidade geral permanente), para concluir que o caso concreto não sendo tão grave como aqueles deveria ser fixada uma indemnização de 20.000€.
A autora, no recurso, entende ser de fixar a indemnização em 40.000€, compensação mais ajustada aos factos dados como provados.
Desde já dir-se-á que não menosprezando a jurisprudência das nossas Relações, contudo, entende-se que se deve considerar preponderante a jurisprudência do STJ, dada a natureza da sua intervenção e a função de uniformização da jurisprudência.
Por outro lado, aqueles casos citados têm questões semelhantes à dos presentes autos, contudo não são de gravidade superior à do caso vertente, porquanto cada caso é um caso, com vicissitudes próprias, e a solução mais justa importa que atinja a justiça relativa do caso concreto, circunstância alias realçada pela ré seguradora/recorrente nas suas alegações.
 Obviamente, para além da ponderação das circunstâncias do caso concreto, é relevante o arrimo que a decisão encontra na mais recente jurisprudência em casos semelhantes.
Novamente a este propósito se reafirma o já supra afirmado: estando em causa critérios de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, sendo que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.
Esta afirmação assume maior relevância a propósito da indemnização por danos não patrimoniais posto que a mesma não se destina obviamente a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida (Vaz Serra, BMJ 278º, 182).
Acresce que  “o juiz deve procurar um justo grau de compensação, sendo fundamental, pois, a determinação do mal efectivamente sofrido por cada lesado, as suas dores e o seu sofrimento psicológico” ( Ac do STJ  de 25-02-2009, processo n.º 3459/08-3ª; e AC do STJ de 15-04-2009, processo n.º 3704/08-3ª)
Por outro lado, como se diz no ac. deste STJ de 28.02.2008 in www.dgsi.pt/jstj “nada impede que ... se arbitre indemnização por danos não patrimoniais, a uma vítima sobrevivente de um acidente de viação, superior ao montante médio atribuído pela jurisprudência ao dano morte”.
Finalmente, como é assinalado no Ac. desta RG de 18-06-2020 (in dgsi) e citando o Acórdão do STJ, de 9.9.2014, (in www.dgsi.pt) deverá ainda ter-se em consideração a natureza mista de reparação do dano e punição que caracteriza a indemnização por danos não patrimoniais, a qual é assinalada por diversos autores citados no referido aresto, designadamente:
- pelo Prof. Menezes Cordeiro que ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança, aliás, de qualquer indemnização”;
- pelo Prof. Galvão Telles que sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma «pena privada», estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”;
- pelo Prof. Menezes Leitão que destaca a índole ressarcitória/punitiva da reparação por danos morais, quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”;
- pelo Prof. Pinto Monteiro, o qual sustenta que a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante”.
Acresce que a concreta determinação do quantitativo da compensação, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjetivismo e procurar alcançar uma aplicação tendencialmente uniformizadora – ainda que evolutiva – do direito, devem ser considerados os padrões indemnizatórios geralmente adotados na jurisprudência em casos análogos.

Ponderadas adequadamente tais circunstâncias do caso e os critérios jurisprudenciais que – numa jurisprudência atualista – devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, não se vê que o critério seguido pela decisão recorrida se afaste, de modo significativo, dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, nomeadamente no Supremo Tribunal de Justiça, conduzindo frequentemente a valores indemnizatórios da ordem entre os 20.000€ e os 50.000€ (importando notar que, em alguns arestos, o valor indemnizatório arbitrado era questionado apenas pela seguradora/ recorrente, pelo que estava fora do objeto do recurso qualquer ampliação do montante fixado na Relação, porquanto se trata de casos apreciados no STJ), de que são exemplos os casos citados pela Ré seguradora/recorrente.
Entre estes valores igualmente poder-se-ia citar outros casos que oscilam entre tais valores:

“- No Ac. do STJ de 21-03-2013 (relator: Salazar Casanova) , entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 40.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 47 anos de idade à data do acidente, ficou com uma IPP equivalente a 15%, compatível com o exercício da sua actividade, mas implicando algum esforço suplementar, sofreu, traumatismo na coluna constitui um processo doloroso, constante e com agravamento ao longo da vida e largamente limitativo a nível familiar, de lazer e desportivos; o tempo de doença com impossibilidade para o trabalho e de condução automóvel cerca de 7 meses - a intervenção cirúrgica, o internamento hospitalar (4 dias), os tratamentos de fisioterapia efetuados (20)  e os que deverá fazer ao longo da vida, o ter andado 6 meses com colar cervical, tudo lhe causou dor e abalo psíquico..
- No Ac. 13-07.2017 (relator: Tomé Gomes) entendeu adequado o montante indemnizatório de € 60.000 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 36 anos de idade à data do acidente porquanto e quanto aos danos estético, da afirmação pessoal, das dores e do desgosto sofridos, apurou-se, em síntese, que o 1º Autor sofreu traumatismos vários, foi submetido a várias cirurgias, sentiu dores de grau 7/7, apresenta múltiplas cicatrizes, com dano estético permanente de 4/7, teve uma incapacidade temporária de mais de mil dias, totalmente incapaz para a sua atividade em 248 dias, tudo a fazê-lo sentir-se uma pessoa triste e diminuída.
-No Ac. 19-09-2019 (relatora: Maria do Rosário Morgado) entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 50.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 45 anos à data do acidente, em que i) foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica; (ii) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; (iii) sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; (iv) sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; (v) a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; (vi) o recorrente sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional;.
-No Ac. 14-12-2016 (relator: Maria da Graça Trigo) as instâncias entenderam confirmar o montante indemnizatório de € 35.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, não estando em discussão no recurso de revista e referente a lesado com 43 anos à data do acidente, e que ficou afetado com um défice funcional permanente de 11 pontos e que sofreu, em consequência do acidente, várias cirurgias, ficou com traumatismos abdominais que sucederam-se à ocorrência do acidente e dele foram resultantes e ficou com: a. Deformidade de 1/3 superior do antebraço esquerdo e cicatriz distrófica;b. Pseudo-artrose (atrófica) do cúbito esquerdo, que, dada esta dificuldade de consolidação não é de excluir uma infecção sub-clínica que poderá agudizar em qualquer momento; (inoperável, mantendo o material de osteossíntese);c. Fractura do fémur consolidada com calo exuberante;d. Cicatrizes no antebraço e coxa esquerda;e. Claudicação do membro inferior esquerdo; esta limitação funcional repercute-se na sua actividade profissional pois, para o seu exercício necessita de prender os animais e saltar gradeamentos de acesso aos locais onde se encontram, o que actualmente faz com acrescida dificuldade; Suportou dores, quer no momento do acidente quer posteriormente nos tratamentos e convalescença, tanto mais que foi sujeito a quatro intervenções cirúrgicas; Estas intervenções cirúrgicas importaram um total, 31 dias de internamento e as que se referem à dor abdominal importaram mais 17 dias de internamento; As lesões que sofreu e os exames e tratamentos a que se submeteu causaram ao Autor dores e angústia desde o acidente, para fazer face às quais, e durante dois anos, teve de tomar analgésicos e medicamentos para dormir; Necessitou igualmente de acompanhamento psicológico; As dores que sofreu e sofre são consideráveis na ordem grau de 5/7 enquanto o dano estético é médio, grau 3/7.
-- no Ac de 04-07-2019- Revista n.º 633/14.8TBPFR.P1.S1 - 1.ª Secção ( relator- Pedro Lima Gonçalves) entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 50.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 18 anos à data do acidente, com défice funcional de 18 pontos e 5 cirurgias com tratamentos prolongados e com dores num grau de 6 em 7.
- no Ac de 06-06-2019- Revista n.º 1209/16.0T8CBR.C1.S1 - 7.ª Secção  ( relator Maria do Rosário Morgado) entendeu-se adequado o montante indemnizatório de € 22.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 64 anos à data do acidente, com défice funcional de 10 pontos e resultando dos factos provados que: (i) a recorrente foi sujeita a intervenções cirúrgicas; (ii) sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; (iii) sofreu um dano estético quantificado em 2 pontos; (iv) e ficou a padecer de um quadro ango-depressivo; revela-se ajustado o montante de € 22 000 fixado pela Relação (em lugar do valor de € 30 000 achado em 1.ª instância) para compensar os danos não patrimoniais por aquela sofrido.
-No Ac. 21.01-2021 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), apesar de estar em discussão o dano biológico, no caso as instâncias entenderam confirmar o montante indemnizatório de € 50.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, e referente a lesado com 32 anos à data do acidente, défice funcional de 27 pontos e as dores que sofreu e sofre são na ordem grau de 5/7 enquanto o dano estético é médio, grau 3/7, num caso em que ali levou pontos na cabeça e no nariz, tendo ficado internada até 9 de Maio de 2014 para terapêutica e vigilância; teve fratura na face, e foi internada para redução e contenção da fratura da face, cirurgia ao crânio com placas de titânio; Tal consubstanciou a implementação de agrafos à volta de todo o crânio; Teve alta com indicação para manter a antibioterapia, evitar esforços acrescidos, não se assoar ou fungar e com marcação de nova consulta; Por indicação médica a A. realizou tratamentos de acupuntura; Por indicação médica a A. realizou para a sua recuperação tratamentos de fisioterapia consistentes em massagens manuais, técnicas de cinesioterapia, correção postural e calor húmido; dores constantes no pé e punho direito, na região facial, no nariz, dificuldade na abertura bucal e sensibilidade dentária; A A. apresenta queixas associadas a insónias, isolamento, oscilação emocional e irritabilidade fácil; A A. foi e está sujeita a consultas e tratamentos de fisioterapia, acupunctura e psicologia;Antes do acidente a A. praticava ténis, fazia equitação e ginásio; Após o acidente, pelas dores e limitações inerentes às sequelas, a A. deixou de praticar aqueles desportos que lhe traziam bem-estar e boa disposição; A A. viu-se confrontada durante aquele período de incapacidade, todos os dias, com o mau estar causado pelas dores que sentia; Assim como, temperamentos de mau humor, como consequência da condição física; Foram atribuídos à A. 2 pontos, numa escala máxima de 5, quanto à repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer por ter deixado de praticar equitação; Antes do acidente a A. era uma pessoa bastante ativa e alegre; Após o acidente a A. foi sujeita a um corte total do cabelo, devido aos agrafos que levou face a face em torno do crânio; Tal situação levou a um desgosto pela aparência que ficou;
- no Ac. 18-03-2021 ( relator Ferreira Lopes), apesar de estar em discussão o dano biológico, no caso as instâncias entenderam confirmar o montante indemnizatório de € 50.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos, e referente a lesada ( médica) com 50 anos à data do acidente, défice funcional de 13 pontos, e as dores que sofreu e sofre são na ordem grau de 5/7 enquanto o dano estético é de grau 4/7,  e que em consequência do acidente teve vários internamentos e cirurgias.”

No caso dos autos merecem particular relevo, para a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, (i) as concretas lesões sofridas pela Autora no acidente; (ii) os exames médicos e tratamentos a que foi submetida, com aplicação e uso de goteiras para toda a sua vida; (iii) foi suturada com 14 pontos no queixo e teve de andar com o pulso ligado e o braço completamente imobilizado junto ao peito; (iv) durante o período de 4 meses não pôde comer comida sólida, teve de se alimentar de líquidos, ingerindo leite e sumos através de “palhinha”, face à impossibilidade de abrir a boca e, passados 6 meses, ainda não conseguia abrir bem a boca e ainda hoje não consegue comer certos alimentos que sejam duros e de mastigação mais exigente e difícil, devido à dor que então sente(v) as dores físicas sofridas pela Autora, quantificáveis de grau 4, numa escala de 1 a 7, e as que vai continuar a sofrer durante toda a sua vida; (vi) o período que mediou entre o acidente e a consolidação das lesões (tendo-lhe sido dada alta, quanto à parte de medicina dentária, em 15/05/2017 e o acidente foi em 2013); (vii) o dano estético de grau 3 numa escala de 7; (viii) a futura carência de ajudas medicamentosas; (ix) o défice da integridade física e psíquica de 5 pontos de que ficou a padecer permanentemente; (x) o padecimento psicológico, os constrangimentos e os sentimentos de tristeza e desgosto com as deformidades com que ficou a padecer e cicatrizes; (xi) as lesões e sequelas que permanecem, sentindo-se uma pessoa triste, amargurada e deprimida.; (xii) a idade da Autora à data do acidente, que era de 20 anos.
Em suma, e tendo em consideração os critérios jurisprudenciais habitualmente seguidos e que supra explanamos, a necessidade de nos afastarmos de critérios miserabilistas, as circunstâncias do caso concreto, considera-se que não merece censura o estabelecimento de indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de € 27.500, pois que ainda que nada conste em concreto relativamente a qualquer comportamento concreto que a autora tenha deixado de adotar ou qualquer atividade real que tenha abandonado, a verdade é que o caso sub judicio na sua especificidade  implica uma onerosidade e gravidade objetiva e subjetiva (pelas lesões ( físicas, psíquicas) e pelo seu reflexo adverso nas potencialidades pessoais e no padrão futuro de vida de sinistrada de 20 anos de idade e com uma média de vida para viver de cerca de 63 anos, desde a data do acidente) que não justifica qualquer redução do valor indemnizatório arbitrado, nem o seu aumento.
Por tudo o exposto, não merece censura a decisão recorrida, neste particular.
*
Quanto ao dano biológico:

Na sentença seguiu-se o entendimento de que ainda que no caso a lesada não tivesse iniciado qualquer atividade laboral aquando do sinistro, pois era estudante, deveria ser-lhe fixada uma indemnização por perda de capacidade de ganho, e atendendo-se ao valor do salário médio que atualmente aufere, atenta a profissão que exerce e dentro da área para a qual se licenciou, com grau de mestre, fixou-lhe uma indemnização de 32.000€ a título de dano biológico na vertente patrimonial, utilizando vários critérios, desde cálculos aritméticos temperados com o recurso à equidade.
A ré seguradora entende que entre os valores encontrados na jurisprudência (que citou- no Acórdão do STJ de 21/01/2016, proferido no processo 1021/11.3TBABT.E1.S1 e no Acórdão da Relação de Lisboa 11/11/2014, proferido no processo 2987/11.9TBPDL.L- 71) para casos similares e que fixam a indemnização entre os € 32.500 e os 25.000€, deveria no caso concreto ser fixada a indemnização a título de dano biológico na  vertente não patrimonial no valor de € 25.000, atenta a idade o grau de incapacidade ( menor do que aqueles casos).
A autora, no recurso, entende deveria ser fixada em 50.000€, com recurso a critérios de equidade.
Vejamos.
Prima facie, importa recordar, que a maioria da jurisprudência, reconhecendo a existência das três vertentes em que tem sido feito o enquadramento do dano biológico (dano patrimonial, dano não patrimonial ou tertium genus), entende aquela como a mais adequada e que o chamado dano biológico reconduz-se a um dano corporal que consiste na diminuição ou lesão da integridade psico-física da pessoa em si e por si considerada sendo que qualquer que seja o enquadramento jurídico, o que é indiscutível é que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui um dano ressarcível, pelo que haja ou não afectação da capacidade de ganho do lesado impõe-se sempre o ressarcimento autónomo do dano biológico.
A propósito, lê-se no recente AC do STJ de 21.01.21 o seguinte “ Como se escreveu, por exemplo, no acórdão deste Supremo Tribunal  de 20 de Novembro de 2020, www.dgsi.pt, proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.1, “Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt, 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 103/2002.L1.S1), “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» – acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978); a perda de rendimento que resulte da redução, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. Nº 428/07.5TBFAF.G1-S1). A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”.  Assim, cfr, ainda os acórdãos de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.p, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 3 de Dezembro de 2015, www.dgsi.pt, proc.n.º 3969/07.0TBBCL.G1.S1, ou de 19 de Setembro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1.”.

Em suma, seguimos o entendimento jurisprudencial segundo o qual “a conceptualização do dano biológico não veio «tirar nem pôr» ao que, em termos práticos, já vinha sendo decidido pelos Tribunais, quanto a indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais”, porquanto “onde releva é na fundamentação para se chegar a tal indemnização, afastando as dúvidas que poderiam surgir perante a não diminuição efectiva de  proventos apesar da fixação da IPP ou, em casos de verificação muito rara, como aqueles em que o lesado já estava totalmente incapacitado para o trabalho antes do evento danoso ou até, no que respeita aos danos não patrimoniais, em que ficou definitivamente incapacitado para ter consciência e sofrer com a sua situação”( cfr. entre outros,  AC do STJ de 26-01-2012, in dgsi).
Em qualquer das vertentes, patrimoniais ou não patrimoniais, a indemnização pelo dano biológico deve ser calculada segundo a equidade: artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil.
Por outro lado, e como já referimos supra, a equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações.
Vejamos o caso concreto.
A sentença considerou “ o dano biológico na vertente patrimonial” e ponderou a indemnização de acordo com critérios de equidade, vista a idade da lesada e o défice funcional de 5 pontos de que ficou a padecer e fixou-a em 32.000€, ou seja, um valor próximo do cálculo daquele dano caso se socorresse, como critério orientador, das fórmulas matemáticas clássicas, no que chegou a um cálculo de cerca de € 28.623,55., com ponderação do salário que aufere atualmente ( apesar de que a lesada não exercia qualquer atividade profissional remunerada, à data do sinistro ( 2013), pois era estudante até 2022). Contudo, a sentença, com recurso à equidade, chegou à quantia de € 32.000 ( o que significaria caso tivesse seguido aqueles cálculos nivelou aquele valor por cima) e a autora, igualmente, com recurso à equidade conjugado com aqueles cálculos matemáticos, nivelou ainda mais por cima e chegou ao valor de 50.000€ e a ré nivelou por baixo.
  Dir-se-á ainda, desde já, e na senda do que já afirmámos acerca da natureza do dano biológico, que é de realçar a dificuldade e delicadeza subjacente ao cálculo do dano biológico na vertente patrimonial, enquanto perda futura de capacidade de ganho, pois exige a previsão, sempre problemática, de dados que apenas são constatáveis no futuro e por um muito longo período de tempo, como seja a evolução da economia, da produtividade, do emprego, dos salários ou da inflação (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 19.10.2017, in www.dgsi.pt).
Por outro lado, “ O dano biológico consiste numa lesão corporal que afeta a integridade físico-psíquica do lesado e que implica uma perda da plenitude das suas capacidades pessoais. É um dano complexo posto que, traduzindo-se na ofensa da saúde e integridade física, tem repercussões quer a nível patrimonial, quer a nível não patrimonial. No que respeita às consequências patrimoniais, tal dano pode implicar uma concreta perda de rendimentos, como ocorrerá nas situações em que o lesado deixou de auferir um determinado montante pecuniário durante o período de tempo em que esteve incapacitado para exercer a sua atividade profissional.” ( in AC. supra citado desta RG de 18.06.2020), o que não é o caso.
Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos) ( neste sentido, entre outros Acórdão desta RG de 12.01.2017 e AC do STJ de 10.11.2016).
Acresce que igualmente deverá ter-se em consideração a idade do lesado à data do acidente ( assim analisado na sentença) e não da alta clínica, conforme por vezes é entendido.
Aliás conforme é realçado no AC desta RG de 10.09.2013 : “ na análise desta indemnização, a compensação do dano biológico inevitavelmente associado às sequelas das lesões sofridas, a implicar esforço ou sacrifício acrescido, não só no exercício das tarefas laborais, mas também na vida pessoal – e nessa medida, totalmente autónomo e diferenciado da problemática das referidas perdas salariais – veja-se, neste sentido, Acórdão do STJ de 11/12/2012, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, in www.dgsi.pt. O que conduz a que não se verifique a dita acumulação de indemnizações referentes ao mesmo dano, pois o que se pretendeu ressarcir foi, “não o dano consubstanciado na perda de rendimentos salariais decorrente do grau de incapacidade fixado ao sinistrado no processo de acidente de trabalho (compensado pela entrega do capital de remição), mas antes o dano biológico decorrente das sequelas das lesões sofridas, perspectivado não como fonte de uma perda de rendimentos laborais, mas antes como diminuição global das capacidades gerais do lesado, envolvendo uma verdadeira capitis deminutio para a realização de quaisquer tarefas, que passam a exigir-lhe um esforço acrescido, compensado precisamente com o arbitramento desta indemnização” – cfr. Acórdão do STJ citado..
Com efeito, independentemente da concreta perda de rendimentos, o dano biológico enquanto défice funcional de que passou a padecer o lesado no plano específico das atividades profissionais, tem ainda uma dupla repercussão pois, por um lado, implica um esforço acrescido que o lesado terá que despender para compensar tal défice, de modo a prosseguir uma atividade laboral ( caso a tenha) e, por outro lado, implica uma limitação de oportunidades profissionais, e tudo reportado à data do acidente e não da alta clínica.
Note-se que o caso tem a particularidade de se tratar de uma lesada com 20 anos à data do acidente, e que era estudante e que entretanto licenciou-se e tirou o mestrado, tal como ocorre nos casos de lesados com idade ainda não suficiente para trabalhar ou aposentados sem exercerem atividade profissional, em que não há repercussão direta no vencimento do lesado porque o mesmo simplesmente não existia- isto durante anos e até à atualidade, altura em que já se encontra empregada.
Quanto à possibilidade de consideração das consequências do dano biológico, na vertente patrimonial, mesmo nestes casos e período em que não há uma repercussão direta e imediata no vencimento do lesado, é absolutamente claro o Acórdão do STJ de 20-05-2010, no processo 103/2002.L1.S1: “pelo menos para quem não está irremediavelmente afastado do ciclo laboral, a perda relevante de capacidades funcionais – embora não imediatamente reflectida nos rendimentos salariais auferidos na profissão exercida – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» do lesado num mercado laboral em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, deste modo, fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar como verdadeiros danos patrimoniais.”
Em suma e independentemente das várias formas de cálculo de tal dano biológico, seja pelo parâmetro de dano futuro seja pelo parâmetro de dano não patrimonial, na verdade - não existindo, no caso sub judice, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados -, a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou completar o resultado obtido pela aplicação de fórmula financeira criada em função da verificação de situação de incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão habitual, que, no caso dos autos, se deu como provada e cujo critério a sentença seguiu.
Na jurisprudência do nosso mais alto tribunal- o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. acórdãos de 20/10/2011, proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1, de 10/10/2012, proc. nº 632/2001.G1.S1, de 07/05/2014, proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1, de 19/02/2015, proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 04/06/2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, e de 07/04/2016, cit., todos consultáveis em www.dgsi.pt), a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes fatores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou atividade económica alternativa, aferidas, em regra, pelas suas qualificações. A que acrescem outros fatores que relevam casuisticamente.
“ Temos, assim, que pretender indemnizar a perda da capacidade geral mediante o recurso a comparações com outros casos decididos pelos tribunais, tendo designadamente em conta a idade do lesado à data do sinistro, o índice de incapacidade funcional e o valor indemnizatório fixado, mas esquecendo a referida exigência de ponderação das potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividades económicas alternativas, aferidas em regra, pelas suas qualificações e competências, assim como de avaliação da conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de atividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações ou preparação técnica, constitui, a nosso ver, uma grave falha nos pressupostos do juízo equitativo porque leva a comparar entre si situações factuais não comparáveis” 

No caso dos autos, temos de ter em conta: que a lesada tinha 20 anos na data do sinistro; que a esperança de vida, à data do acidente, das mulheres nascidas em 1993, será de cerca de 83 anos; que a lesada ficou a padecer de incapacidade geral permanente de 5 pontos; que as habilitações da lesada são significativas ( com licenciatura e mestrado ficou mais qualificada em termos académicos e eventualmente profissionalmente), de tal forma que já está empregada e já aufere cerca de 1069€ mensais e ainda cremos ser relevante o que se ponderou na sentença “o aumento salarial que é previsível a A. poder vir a ter; a possibilidade de a A. poder vir a auferir um vencimento superior ao que aufere (levando em conta, nomeadamente, a sua elevada nota final de curso e que este é o seu primeiro emprego); à maior dificuldade de a A. poder vir a ter trabalho na sua área de formação, devido às dificuldades que tem na fala (havendo quem esteja na plenitude das suas capacidades para desempenhar a referida função - que a A. não está - é provável que tal possa vir a levar à “preterição” da A., na contratação para o exercício daquelas funções).
Tudo ponderado, a indemnização por “dano biológico” – nos termos supra equacionados, e em função dos parâmetros que têm vindo a ser adotados pelo Supremo Tribunal e tendo em conta precisamente ter-se apurado uma atividade profissional remunerada desde agosto de 2022, cremos dever situar-se conforme fixado na sentença.
E não se diga que ficou com uma indemnização maior do que se fosse calculada com base nos parâmetros de um dano com afetação da atividade profissional ou que se tratou de modo mais favorável a autora do que noutros casos tratados jurisprudencialmente.
Com efeito, sejam as decisões supra referidas, seja nas mais recentes do STJ a respeito da fixação de indemnização pelo dano biológico, a verdade é que a grande maioria é tratada em matéria de indemnização por dano patrimonial futuro, num quadro em que os lesados ou trabalham ou recebem subsídios e têm uma profissão durante todo o período em causa ( no caso vertente, a lesada era estudante à data do acidente e continuou a estudar até que em 2022 inicia a atividade profissional remunerada) e a incapacidade não impede o exercício da profissão, mas torna o exercício profissional, e a vida, mais penosa em consequência das sequelas do acidente.
Ainda assim e mesmo comparando com tais casos, entendemos que a fundamentação supra transcrita, sendo certo que ainda fez um cálculo aritmético tendo por base o seu a remuneração mensal atual da lesada, temperado com critérios de equidade, pelo que na sua conclusão ficou perfeitamente alinhada com as considerações que supra fizemos em matéria dos critérios jurídicos que devem presidir à fixação da indemnização pelo dano biológico, nas várias dimensões em que o mesmo se projeta, mantendo-se dentro do âmbito da discricionariedade concedida pela equidade, e sendo o espelho da aplicação da justiça ao caso concreto mediante ponderação, prudencial e casuística, das concretas circunstâncias da situação em análise.
Por outro lado, o valor indemnizatório fixado, está em perfeita consonância com os critérios jurisprudenciais mais recentes relativos a casos análogos, ainda que a Ré/recorrente alegue o contrário, sendo certo que nos dois casos jurisprudenciais que dá conta a indemnização por dano biológico situa-se entre os €30.000,00 e os 32.000 €, com especificidades diferentes cada um deles
Mutatis mutandis, dir-se-á a respeito da alegação da autora, no recurso, pretendendo a fixação da indemnização em 50.000€.
Em verdade, é bem certo que existirão sempre outros casos que poderão até ascender àqueles valores, ou até mais ou até menos, sem embargo, e como já dissemos, outros haverá que se aproximam do caso concreto.
Por tudo o exposto, não merece censura a decisão recorrida, neste particular.
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VI- Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso de apelação intentado pela autora, bem como o recurso subordinado intentado pela Ré seguradora, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela R/recorrente e autora na proporção do decaimento.
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Guimarães, 11 de maio de 2023

Anizabel Sousa Pereira (relatora)
Jorge dos Santos e
Margarida Gomes Pinto