INCUMPRIMENTO DO CONTRATO PROMESSA
INDEMNIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
Sumário

I.- O regime do contrato-promessa permite que o contraente adimplente (cumpridor) obtenha a celebração do contrato definitivo, se pedir ao tribunal que se substitua ao contraente inadimplente (artigo 830.º/1, do CC), nos casos em que mantém o interesse na prestação.
II.- Se o contraente adimplente pretende que o contrato não produza os seus efeitos, tendo, em consequência da mora, deixado de ter interesse na prestação (situação que deve ser apreciada objetivamente), ou se concedeu um prazo razoável e, mesmo assim, a obrigação não foi cumprida, obteve para si uma situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa, pelo que poderá responsabilizar o inadimplente por todos os prejuízos que lhe causou a não celebração do contrato definitivo (artigo 805.º/1 e 808.º do CC).
III.- O montante destes prejuízos pode ser pré-fixado pelas partes como cláusula penal, assim se evitando longas e futuras discussões sobre esta questão.
IV.- Em regra, se o contraente pede a execução específica do contrato não pode pedir cumulativamente o pagamento da cláusula penal, a não ser que esta tenha sido inicialmente prevista, em concreto, também para a mera situação de mora ou atraso na celebração do contrato definitivo (artigo 811.º/1, do Código Civil).
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 12/20.8T8BNV.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…)

Recorrido: (…)

*
No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3, foi proposta ação declarativa pelo recorrente propôs contra o recorrido, pedindo que seja proferida sentença que substitua a declaração do R., necessária ao destaque, e consequente registo como prédio urbano autónomo, do lote urbano descrito no Alvará de Licenciamento de Operação de Loteamento n.º (…), emitido pelo Município de Salvaterra de Magos, em 13 de março, com as características que identifica.
O A. pediu ainda a condenação do R. no pagamento da quantia de € 20.000,00, título de cláusula penal, face ao incumprimento das suas obrigações contratuais.
Alega, em síntese que são filhos e únicos herdeiros de (…), correndo termos o processo de inventário no Cartório Notarial da Dra. (…), em Salvaterra de Magos, no qual intervém como cabeça-de-casal.
Na pendência do processo de inventário, em 22.07.2017, celebrou com o R. um contrato promessa de partilha, através do qual acordaram:
- Constituir um lote da casa de rés-do-chão, com a área total de 1360 m2, que será adjudicado ao R. (…), pelo valor de € 45.000,00, com a obrigação de dar tornas ao A. (…), no valor de € 15.000,00, no prazo de 90 dias a contar da data do registo do novo prédio como imóvel autónomo, obrigando-se ambos a assinarem com urgência tudo o necessário;
- Manter em comum o restante prédio rústico, até que seja possível efetuar o respetivo destaque, ou seja, a partir de 31.10.2021;
- Partilhar o restante prédio rústico, adjudicando ao R. (…), uma parcela com a área de 9.286,99 m2 e ao A. (…), uma parcela com a área de 4.643,66 m2;
- Conferir a posse ao A. e ao R. das parcelas atrás identificadas, desde a data da assinatura do contrato promessa.
- Em caso de incumprimento, o contraente faltoso fica obrigado a pagar ao contraente cumpridor, a quantia de € 20.000,00, a título de cláusula penal.
O A. deu entrada do processo de loteamento no Município de Salvaterra de Magos, que foi autorizado a 13.03.2019, tendo sido emitido o Alvará de Loteamento n.º (…), com a obrigação de pagamento ao Município da compensação de áreas não cedidas e taxas relativas à emissão do Alvará.
Com data de 20.03.2019, o R. notificou o A. para proceder ao pagamento da sua quota-parte nas despesas, no prazo de 5 dias, por não ter sido possível levantar a licença, sob pena de considerar definitivamente incumprido o contrato promessa de partilha.
O R. remeteu em 28.04.2019 uma nova carta a considerar definitivamente incumprido o contrato, por não ter sido efetuado o pagamento das despesas por parte do A.
O A. transmitiu ao R., através da carta datada de 14.08.2019, que a sua parte nas despesas haviam sido pagas junto do Município em 08.05.2019 e que procedeu ao levantamento do Alvará que juntou no processo de inventário, factos de que o R. foi notificado em 05.06.2019, pelo Cartório Notarial, para intervenção conjunta destinada a realizar o registo predial do lote urbano.
Reclama o incumprimento do R. relativamente ao processo de registo do lote urbano, fixando ao R. o prazo de 5 dias para indicar dia e hora para encetar o processo de registo predial junto do Cartório Notarial de Salvaterra de Magos.
Não tendo o R. correspondido ao solicitado, por carta datada de 18.09.2019, comunicou ao R. o incumprimento definitivo do contrato promessa.
Mais alega que não retira qualquer rendimento da parcela que lhe foi conferida posse, enquanto que o R. tem na sua posse o lote urbano, que veio a ceder a terceiros, mediante uma contrapartida, adiando o processo de registo do prédio urbano, de forma a protelar o pagamento das tornas.
*
O R. contestou invocando que o processo de inventário constitui causa prejudicial, requerendo a suspensão dos presentes autos até que os bens sejam adjudicados aos herdeiros.
Na contestação, o R. vem dizer que foi o A. que incumpriu o contrato promessa pois tem protelado o desenvolvimento do processo, atrasando o pagamento da sua parte nas despesas, e depois na realização do registo do prédio urbano, vindo a requerer a suspensão do processo de inventário pelo prazo de 60 dias com fundamento na intenção de interpor uma ação de execução específica, invocando a troca de correspondência entre ambos, divergindo ambos na interpretação das cláusulas do contrato relativamente aos prazos fixados.
O R. impugnou os factos alegados pelo A.
O R. pediu a condenação do A. como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização, a liquidar a final, por deduzir uma pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar.
*
No requerimento junto pelo A. em 04.01.2021, foi referido que a senhora notária proferiu despacho a remeter o processo de inventário para o tribunal, seguindo este os seus trâmites sob Proc.º 700/20.9T8BNV, do Juízo Local Cível de Benavente.
Com o requerimento atrás referido foi junta a fls. 76 cópia do despacho que ordenou a suspensão do Inventário Processo n.º 700/20.9T8BNV até que seja proferida decisão final na presente ação.
*
Em sede de saneador foi conhecido do fundo da causa e proferida a seguinte decisão:
Termos em que, com os fundamentos expostos, julgo:
a) a acção improcedente, por não provada, absolvendo o R. do pedido; e
b) improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé.
Custas pelo A.
*

Não se conformando com o decidido, o recorrente apelou da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

A) DA MATÉRIA DE FACTO

a) Ao contrário do indicado na sentença recorrida em “Motivação”, a fls. 13, 6º parágrafo, os factos constantes sob os nºs 1º a 11º dos “Factos Provados” não se podem considerar como assentes por confissão do Recorrente;

b) Como se deixou dito nestas alegações sob os nºs 4.3, a fls. 8, a 4.7, a fls. 9, estes apenas se podem considerar como provados por acordo das partes e/ou documentalmente;

c) Pelo que se pede a correspondente alteração em “Motivação”;

d) Em 17) dos “Factos Provados” a Senhora Juiz «a quo» considera assente “factos” veiculados em documento que, por lapso, foi junto com a PI;

e) E, retira ainda ilação – o R fez juntar ao processo de inventário em 10/09/2019 – que dele não consta;

f) O Recorrente em PI, para além de não identificar o “documento” supra, não articula qualquer facto constante deste que, reafirma, erroneamente juntou ao articulado;

g) Atendendo ao artigo 5.º do CPC é ao Tribunal processualmente vedada a possibilidade de julgar provado em sentença facto essenciais nucleares não alegados;

h) Ao fazê-lo, nos termos expostos nestas alegações sob os nºs 4.8 a 4.15, fls. 10 a 14, estaremos perante a nulidade parcial da sentença como consta, a final, na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;

i) Assim, por força deste, deverá ser o n.º 17 dos FP considerado como não alegado e, consequentemente, não ser atendido na presente demanda, sem prejuízo da nulidade parcial da sentença recorrida;

B) DA MATÉRIA DE DIREITO

j) Entendeu a Senhora Juiz «a quo» considerar improcedentes os pedidos deduzidos pelo Recorrente ou seja, a execução especifica do contrato promessa de partilhas celebrado com o Recorrido e, concomitantemente, a condenação deste ao pagamento da clausula penal moratória prevista contratualmente;

k) Entendeu também, quanto ao primeiro tema, que o Recorrente não pretenderia a execução especifica do contrato pois alegou, nas cartas remetidas ao Recorrido e em PI, que o incumprimento deste levou ao incumprimento definitivo do contrato;

l) Sob os pontos 5.6 a 5.11 das alegações, de fls. 16 a 20, que se dão por reproduzidos, o Recorrente demonstra à saciedade que, ao contrário do Recorrido, não alega ou articula factos concernentes ao incumprimento definitivo do contrato mas, e tão só, a mora deste não cumprimento de obrigação inerente ao processo de loteamento;

m) Por não cumprimento do prazo fixado pelas partes para o efeito;

n) Na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância indica-se que o prazo fixado em contrato, de forma genérica, na clausula 2ª, nº2, apenas é aplicável em sentido estrito ou seja, ao processo de loteamento até à obtenção do alvará;

o) Descurou-se de considerar que este, porque obrigações decorrentes e inerentes ao loteamento, era também aplicável ao previsto nos nºs 3º e 4º da indicada clausula ou seja, ao processo de registo do loteamento, escritura parcial de partilhas e, finalmente, às almejadas adjudicação e pagamento de tornas (cfr. 5.17 a 5.18, fls. 23 a 25, destas alegações);

p) Entendeu ainda a Sra. Juiz a quo que estamos perante prazo de natureza genérica, cujo cumprimento é acessório ao cumprimento das obrigações principais;

q) Como se disse (cfr. 5.14 a 5.16 das alegações), as partes concretizaram, fixaram o prazo, no âmbito da sua liberdade contratual e ultrapassado este, mantendo-se incumprimento da obrigação, no que ora tange ao Recorrente, o Recorrido incorreu em mora, como se indica nestas alegações de 5.19 a 5.27, que se dão por reproduzidos.

r) Ou seja, em súmula, o Recorrido, ao não assinar, ou mandatar terceiro para o efeito, pedido conjunto para registo do loteamento em conservatória, após notificação para o efeito feita pelo Cartório Notarial a 05/06/2019 e não ter cuidado de dar satisfação à interpelação feita pelo Recorrente em 14/08/2019, entrou em mora relevante no cumprimento desta sua obrigação, fundamento bastante para o pedido de execução especifica formulado;

s) Consta da sentença recorrida que não é admissível a pretendida cumulação da execução especifica do contrato-promessa com o pagamento da clausula penal prevista contratualmente;

t) Diz-nos a Lei que a cumulação é permitida se a cláusula penal tiver sido estabelecida pelos contratantes para atraso na prestação;

u) Os contratantes, dentro do principio da liberdade contratual, fizeram constar em contrato que o incumprimento de algum obrigaria a pagar ao outro o valor de € 20.000,00;

v) Importa apurar se a inclusão desta cláusula tem natureza moratória ou seja, no vertente caso, se ultrapassado o prazo previsto no n.º 2 da clausula 2ª do contrato, fixado por ambos como se adiantou em 5.12 a 5.18 destas alegações, levaria à sua aplicação;

w) Ora, está nos autos sobejamente demonstrada o entendimento de Recorrido e Recorrente, e o que pretendiam com a inclusão desta clausula, como reiteradamente o afirmam nos documentos por si produzidos e constantes dos números 12, 13, 15, 16 e 18 dos “Factos Provados”;

x) Pelo que esta cláusula fixa o valor de indemnização devida no caso de não haver cumprimento pontual da obrigação;

y) Posto isto, pelo exposto, dever-se-á alterar os factos provados nos moldes atrás indicados e, revogar-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância no que se refere à decisão de considerar improcedentes os pedidos formulados pela Recorrente e, consequentemente, por não haver matéria bastante provada para fundamentar a decisão de mérito, proferido Douto Acórdão que ordene, ainda, a continuação dos trâmites normais da presente demanda, com o que se fará justiça.


*

O recorrido contra-alegou, concluindo:

I – Questão prévia: não foi o recorrido, até à presente data, notificado da instauração de recurso pelo recorrente, a mandatária do recorrido surpreendida aquando da consulta do processo no Citius, que o recorrente havia dado entrada das alegações de recurso, por email, sem que para tal tivesse notificado a mandatária do recorrido.

II – Estamos, salvo melhor entendimento, perante uma nulidade processual por omissão de um ato previsto na lei, o que se argui, para todos os efeitos legais.

III – Vem o recorrente interpor recurso, da sentença absolutória proferida no âmbito dos presentes autos, que absolveu o recorrido do pedido de execução especifica do contrato promessa e do pedido de condenação do R., no pagamento de € 20.000,00, a título de cláusula penal, pontos 2 e 3 do capítulo III, da sentença recorrida.

IV – No que se reporta à matéria de facto, alega o recorrente que o facto vertido em 17 dos factos provados da decisão foi incorretamente julgado provado.

V – O recorrido discorda da posição do recorrente, porquanto tal foi um facto articulado pelo R.

VI – Por outro lado, refere o artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do C.P.C., de que além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

A) (…)

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

VII – Termos em que se deve manter o n.º 17 dos factos provados.

VIII – Veio o recorrente requerer a execução especifica do contrato promessa de partilha outorgado pelas partes, de forma a substituir a declaração de vontade do R. para concretização do registo como prédio autónomo.

IX – A execução especifica do contrato-promessa está sujeita ao regime do artigo 830.º do Código Civil. In casu, interessa o n.º 1 do citado artigo: “se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa

1. Que alguém se tenha obrigado a celebrar certo contrato;

2. Que não cumpra promessa;

3. Que não exista convenção em contrário à execução específica;

4. Que a natureza da obrigação assumida não se oponha à execução específica.

XI – O n.º 1 do artigo 830.º, na parte em que se refere ao não cumprimento da promessa, remete para o regime da mora do devedor, especialmente para a noção de mora constante do n.º 2 do artigo 804.º do CC, e para o momento da constituição em mora constante do n.º 1 e n.º 2 do artigo 805.º do mesmo diploma.

XII – Não existe mora do recorrido no contrato promessa, assim vejamos; Alega o recorrente que o recorrido se encontra em mora, por alegadamente não ter dado resposta à notificação de 14/08/2019, e que não terá assinado a documentação necessária para o registo predial do loteamento. A essa carta respondeu o recorrido em 22/08/2019 dizendo que aguardava que o recorrente, na qualidade de cabeça-de-casal, o informasse como pretendia realizar o registo ficando através da sua mandatária a aguardar pelo envio da documentação necessária para proceder ao registo do loteamento. Com a mesma informação, o recorrido juntou aos autos de inventário requerimento, reiterando que estava na disponibilidade para efetuar o registo do loteamento, e que deveria ser o cabeça-de-casal a fazer chegar tal documentação à mandatária do recorrido, o que até à presente data não aconteceu.

XIII – Entende o recorrido que não existe da sua parte incumprimento do contrato promessa em causa, porquanto este sempre teve uma postura diligente, pagando atempadamente a sua quota-parte nas despesas, e prontificando-se a tudo assinar, conforme documentos (cartas e requerimento junto ao processo de inventários), já juntos aos autos com a contestação. O mesmo não aconteceu com o recorrente, que demorou meses para pagar as despesas decorrentes do pedido de destaque.

XIV – Termos em que será de concluir que o recorrido não se encontra em mora, e, por conseguinte, que não se verificam os requisitos da execução especifica.

XV – Por outro lado, o recorrente por carta datada de 18/09/2019, veio a notificar o recorrido do alegado “incumprimento definitivo” do contrato promessa de partilha, facto que mais uma vez se reitera, não aconteceu. Efetivamente, como consta da sentença recorrida, o pedido de execução especifica, é incompatível com o incumprimento definitivo do contrato. Pois, a execução especifica pressupõe o cumprimento do contrato, e não a cessação do mesmo.

XVI – Assim, deverá também com o fundamento da incompatibilidade entre a execução especifica e o incumprimento definitivo, improceder a pretensão do recorrente.

XVII – O recorrente requer ainda a condenação do recorrido no pagamento a título de cláusula penal, alegadamente efetivamente, como consta da sentença recorrida, o pedido de execução especifica, é por incumprimento das obrigações contratuais, da quantia de 20.000,00 euros, conforme cláusula 10ª do contrato promessa de partilha.

XVIII – Quanto ao funcionamento da cláusula penal, refere o disposto no artigo 811.º do Código Civil:

1. O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário.

2. O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes.

3. O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal.

XIX – Conforme refere o atrás citado artigo 811.º, n.º 1, o recorrente não pode cumulativamente exigir o cumprimento da obrigação principal e o pagamento de uma cláusula penal. Pelo que, se concorda com a douta sentença, quando na mesma refere que não é admissível cumulativamente a execução especifica do contrato promessa com o pagamento da cláusula penal.

XX – Há ainda a considerar que existem dois tipos de cláusulas penal: clausula penal compensatória e clausula penal moratória.

XXI – Também assim considera Menezes Leitão (in “Direito das Obrigações”, vol. II, ed., pág. 290, “É possível estabelecer face ao artigo 811.º, n.º 1, uma contraposição entre a cláusula penal compensatória e a cláusula penal moratória. Enquanto a primeira é estabelecida para o incumprimento definitivo da obrigação, a segunda é prevista para a simples mora no cumprimento. Daí que a cláusula penal compensatória não seja cumulável com a exigência do cumprimento da obrigação principal, que o credor não pode exigir cumulativamente do devedor o cumprimento da obrigação e a penalização estipulada para a falta definitiva de cumprimento.

Pelo contrário, na cláusula penal moratória, essa cumulação é possível, uma vez que a penalização não toma como referência a não realização da obrigação principal, mas antes a sua não realização no tempo devido.”

XXII – O recorrente defende no seu recurso que a clausula penal que peticiona, trata-se de uma clausula penal moratória e por isso compatível com a execução específica.

XXIII – O recorrido, salvo melhor opinião, discorda do recorrente, uma vez que, conforme já defendido neste articulado, em 3.5 a 3.7, que se reitera, não estamos perante um incumprimento do contrato pelo recorrido, não havendo por conseguinte, lugar ao pagamento de clausula penal moratória ao recorrente.

Termos em que se requer que seja mantida a sentença proferida em 1ª instância, sendo julgado improcedente o recurso interposto pelo recorrente, com o que se fará Justiça.


*
As questões que importa decidir são:
1.- A impugnação da matéria de facto;
2.- O pedido de execução específica do contrato-promessa e o concomitante pedido de condenação no pagamento da cláusula penal.
*
A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:
Factos Provados:
1 – Autor e Réu são os únicos filhos e herdeiros de (…), falecido a 28/06/2015 (artigo 5º da petição inicial).
2 - Por óbito deste foi instaurado processo de inventário no Cartório Notarial da Sra. Dr.ª (…), em Salvaterra de Magos, que ali correu trâmites sob o n.º 4004/2015 (artigo 6º da petição inicial).
3 - Enceta-se este com o “Auto de Declarações do Cabeça-de-Casal”, ora A, e posterior apresentação da relação de bens onde consta, prédio misto, sito na Rua do (…), n.º (…), na vila e freguesia de Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, composto por parcela de terreno hortícola, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo (…), a Secção (…), onde se encontra ainda edificada casa de rés-do-chão, destinada a habitação, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…), com a área coberta de 154m2, e descoberta de 1.206m2, tendo o prédio a área total de 15.291m2 (artigo 7º da petição inicial).
4 - Na pendência de processo de inventário, A e R celebraram Contrato de Promessa de Partilha no passado dia 22/07/2017, sobre o imóvel supra referido, de que foi dado conhecimento ao processo de inventário (artigo 8º da petição inicial).
5 - Com data de 22 de julho de 2017, A. e R., segundo e primeiro outorgantes, celebraram o Contrato de Promessa de Partilha, de que existe cópia a fls. 52 e 53, onde consta o seguinte:
Cláusula Segunda
1- Faz parte da herança aberta por óbito de (…) o seguinte bem comum:
Prédio misto, sito na Rua do (…), n.º (…), em Marinhais, na freguesia de Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, composto por parcela de tereno hortícola, inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…), no qual se encontra edificada uma casa de rés-do-chão, destinada a habitação, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…), com a área coberta de 154 m2 e descoberta de 1.206 m2, tendo o prédio na sua totalidade a área de 15.291 m2.
2- O primeiro contraente e segundo contraente acordam em constituir um lote da casa de rés-do-chão, descrita no número anterior, com a área total de 1.360 m2, sendo obrigação de ambos tudo assinarem com urgência, em vista desse fim.
3- O imóvel identificado no número anterior será adjudicado ao primeiro contraente, pelo preço de 45.000,00 euros, (…) constituindo-se o mesmo na obrigação do pagamento, no valor de 15.000,00 euros (…), de tornas a favor do segundo contraente.
4- O prazo máximo para o pagamento das tornas indicado no número anterior é de noventa dias, a contar do seu registo predial como imóvel autónomo, obrigando-se os outorgantes a assinarem a escritura de partilha parcial, sob pena de aplicação das condições das cláusulas 6ª e 8ª, além de se retomar a tramitação do Inventário pendente sob o n.º 4004/2015, ora suspenso.
5- Os contraentes obrigam-se a dar entrada do pedido de informação prévia junto da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, no prazo de 15 dias a contar da presente data, sob pena de ser aplicável a sanção indicada na parte final do número anterior.
6- O primeiro contraente e segundo contraente acordam em que o restante prédio, que após a constituição do lote terá a área de 13.932 m2, fique em comum entre ambos, até que seja possível efetuar o respetivo destaque, ou seja a partir de 31/10/2021.
Cláusula terceira
O primeiro contraente e segundo contraentes prometem partilhar o prédio rústico aludido no número seis da clausula anterior da seguinte forma:
1. Pelo presente contrato acordam em que ao primeiro contraente venha a ser adjudicado, após a constituição do destaque uma parcela de terreno com a área de 9.286,99m2, que confronta a Norte com o próprio, a Nascente com (…), a Poente com Rua do (…) e a Sul com Rua dos (…).
2. Pelo presente contrato acordam em que ao segundo contraente venha a ser adjudicado, após a constituição do destaque, uma parcela de terreno com a área de 4.643,66m2, que confronta do Norte com (…), a Nascente com Rua dos (…), a Poente com (…) e a Sul com Rua dos (…).
Cláusula Quarta
1- As parcelas de terreno referidas na clausula anterior, ficam desde a assinatura do presente contrato na posse do contraente a que vão ser adjudicadas.
2- (…) Cláusula Sexta
No caso de incumprimento do presente contrato por qualquer das partes, poderá o outro requerer a execução específica nos termos do artigo 830.º do Código Civil. (…)
Cláusula Nona
1- A escritura definitiva de partilha do lote de terreno deverá realizar-se no prazo máximo de três meses após a autorização do destaque.
2- As despesas referentes ao destaque, bem como da escritura, serão pagas na proporção do quinhão de cada contraente, sendo encargo pessoal os custos inerentes ao registo das suas partes.
Cláusula Décima
Em caso de incumprimento de algum dos contraentes das clausulas do presente contrato, o mesmo deverá pagar ao outro contraente a título de clausula penal o valor de 20.000,00 euros (vinte mil euros). (...)” (artigo 12º da petição inicial).
6 - Por este (contrato), A e R, prometem proceder a duas divisões do “prédio mãe”:
a) A primeira, constituição de lote urbano, inclui o urbano existente e logradouro, com a área total de 1.360m2.
b) A segunda, divide a parte rústica em duas parcelas, com as áreas referidas (artigo 13º da petição inicial).
7 - O lote urbano a constituir seria adjudicado ao R, ficando este obrigado a pagar ao A. tornas no valor de € 15.000,00 (artigo 14º da petição inicial).
8 - No prazo de 90 dias a contar do seu registo como imóvel autónomo (artigo 15º da petição inicial).
9 - O A deu entrada de processo de loteamento (n.º …) no Município de Salvaterra (artigo 16º da petição inicial).
10 - Neste (processo) é proferido despacho do Sr. Presidente da Câmara, a 13/03/2019, autorizando a operação solicitada com a consequente emissão de alvará, onde consta o seguinte:
“(…) é emitido o Alvará de Licenciamento da operação de loteamento n.º (…), em nome da herança de (…) que titula o licenciamento da operação do loteamento do prédio sito na Rua do (…), na localidade e freguesia de Marinhais, Município de Salvaterra de Magos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o n.º (…), da freguesia de Marinhais, e inscrito nas matrizes predial rústica sob o artigo (…), Secção (…) e predial urbana sob o artigo (…), da freguesia de Marinhais (…).
A operação de loteamento respeita o disposto no Plano Diretor Municipal do Município de Salvaterra de Magos e apresenta (…) as seguintes características:
- área do prédio a lotear: 1360m2;
- área total de implantação: 195 m2;
- área total de construção: 195 m2;
- número de lotes: 1
Características do lote:
- área do lote: 1.322,40 m2;
- finalidade: habitação unifamiliar e anexo/garagem;
- área de implantação: 195 m2;
- área de construção: 195 m2;
- número de pisos acima e abaixo da cota soleira: 1 piso acima da cota soleira;
- número de fogos: 1;
Prazo para a conclusão das obras de urbanização: 1 ano (…)” (artigo 17º da petição inicial).
11 - O Alvará de Licenciamento, datado de 13/03/2019, ficou disponível no dia seguinte e, previamente ao seu levantamento, A. e R. teriam de proceder ao pagamento ao Município da compensação de áreas não cedidas e de taxas relativas à sua emissão (artigo 18º da petição inicial).
12 - O R. enviou ao A. a carta datada de 20.03.2019, de que existe cópia a fls. 21 verso, na qual consta o seguinte:
“Venho por este meio, na qualidade de herdeiro do prédio que pertence à herança indivisa de (…), declarar que desde 14 de março de 2019 foi emitido o despacho de aprovação do processo de loteamento do prédio urbano sito em Rua do (…), para levantamento do respetivo alvará. Sendo que se encontra em dívida o valor de 1.412,51 euros na Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, referente à sua quota-parte nas despesas da herança.
O valor da minha quota-parte nas despesas da herança encontra-se liquidada desde 18.03.2019, sendo que fui informado que na presente data não foi ainda possível levantar a respetiva licença por não estar ainda liquidado (…) o valor da sua quota-parte nas despesas.
Pelo que, de forma a dar cumprimento ao contrato promessa de partilha celebrado em 21 de julho de 2017, solicito a V. Exa. que efetue o pagamento do montante em dívida no prazo máximo de 5 dias, de forma a que possamos celebrar a escritura de partilha.
Declaro ainda que, caso o pagamento da sua quota-parte nas despesas da herança não seja efetuado no referido prazo, pois, a ausência do seu pagamento é o impedimento que impossibilita o levantamento da licença de loteamento, considero como definitivamente incumprido o contrato de promessa de partilha com as demais consequências legais” (artigo 19º da petição inicial).
13 - O R. enviou ao A. a carta datada de 28.04.2019, de que existe cópia a fls. 22, na qual consta o seguinte:
“Venho por este meio declarar, conforme referi na minha carta anterior, que considero face à ausência de pagamento da sua quota-parte dos emolumentos para levantamento da licença decorrente do processo de loteamento a ser constituído, que permitirá a realização da escritura de partilha, que existe pela sua parte um incumprimento definitivo da cláusula nona do contrato de promessa de partilha.
Pelo que se considera definitivamente incumprido o contrato de promessa de partilha, nos termos da clausula aludida, sendo nestes termos considerada a aplicação da cláusula 10ª referente ao incumprimento do contrato que alude o seguinte: “em caso de incumprimento de algum dos contraentes das cláusulas do presente contrato, o mesmo deverá pagar ao outro contraente a título de cláusula penal o valor de 20.000 euros (vinte mil euros).
Pelo que, na qualidade de contraente do contrato promessa de partilha celebrado em 22 de julho de 2017, venho pelo presente declarar o incumprimento definitivo da cláusula nona pela sua parte, por não ter efetuado o pagamento dos emolumentos, apesar de ter sido notificado para efetuar o pagamento dos emolumentos pelo desenhador encarregue do processo e por carta registada por mim enviada anteriormente, aplicando-se as consequências legais descritas na clausula décima do referido contrato, bem como a instauração da competente ação de execução específica”.
14 - O A. juntou no processo de inventário o requerimento por si subscrito, datado de 5 de junho de 2019, de que existe cópia a fls. 25, no qual consta o seguinte:
“(…) vem pelo presente dar conhecimento que a operação de loteamento já se encontra aprovada tendo sido emitido o respetivo alvará número (…), conforme cópia que se junta.
Uma vez que para o processo de registo predial do loteamento é necessária a intervenção conjunta de todos os interessados, ou seja, dos titulares inscritos, requer a V. Exª. se digne agendar data e hora para que o restante interessado compareça no Cartório para esse fim e, desta forma, poder dar execução ao contrato promessa de compra e venda”.
15 – O A. remeteu ao R. a carta datada de 14 de agosto de 2019, de que existe cópia a fls. 22 verso a 23 verso, com o seguinte teor:
“Refª: Contrato Promessa de Partilhas; V/ cartas datadas de 20/03/2019 e de 28/04/2019.
Exmº Senhor Acuso a receção das suas cartas em epígrafe, que mereceram a minha atenção. A estas só agora passo a responder por o ali veiculado não ter salvo melhor opinião, não ter fundamentação legal.
1 – Carta datada de 20 de março de 2019 (…)
2 – Carta datada de 28 de abril de 2019.
2.1 - Considera por esta, no seguimento da anterior, que, face à ausência do meu pagamento, existe incumprimento definitivo pela minha parte das obrigações por mim assumidas e clausuladas sob o nº 9) do contrato promessa de partilhas;
2.2 - Relembro a V. Exa o prazo ali previsto e, atendendo-se a este, que o incumprimento destas minhas obrigações só poderia ocorrer ao fim de três meses após a autorização do destaque, o que ocorreu, de facto, a 14 de março, pelo que o incumprimento de qualquer um dos outorgantes só se poderia verificar a partir de 13 de Junho se a mora na celebração da escritura, diga-se, fosse imputável a alguma das partes (cfr. cláusula 11ª do aludido contrato);
2.3 - Como bem sabe, procedi ao pagamento à Câmara Municipal dos valores em dívida no processo de destaque, proporcionais ao meu quinhão, a 8 de maio, levantei o respetivo alvará de licenciamento e acarretei para o processo de inventário em curso no Cartório de Salvaterra de Magos, sob o n.º 4004/2015, todos os elementos necessários, e que apenas dependiam da minha iniciativa.
2.4 - Destes factos, foi notificado a 5 de junho de 2019, pelo Cartório Notarial, solicitando-se a V. Exa. data e hora para se proceder ao pedido de registo predial do loteamento, que obriga a intervenção conjunta de todos interessados, não tendo dado resposta a esta solicitação.
Por aquela notificação ficou também ciente que a celebração da escritura de partilhas, só poderia ocorrer após o registo predial do loteamento.
2.5 - Posto isto, dado o devido esclarecimento, verifico que o processo de registo predial não deu entrada por incumprimento das suas obrigações contratuais, com a consequente mora na celebração da escritura definitiva, que lhe é imputável.
2.6 - Em súmula: não aceito que haja qualquer incumprimento definitivo, ou não, da minha parte, das obrigações contratuais assumidas no contrato promessa de partilhas, pelos motivos referidos. Aliás, todo este procedimento assumido por V. Exa. desde o início que se encontra inquinado e, pura e simplesmente, é nulo.
2.7 - Sem querer tecer mais considerações, aguardo que V. Exa. indique data e hora, no prazo de cinco dias úteis, para, no Cartório Notarial de Salvaterra de Magos, se encetar o processo de registo predial do loteamento, que obriga a intervenção conjunta de todos os interessados” (artigos 20º e 21º da petição inicial).
16 - O R. enviou ao A. a carta datada de 22.08.2019, de que existe cópia a fls. 26 verso e 27, na qual consta o seguinte: “(…)
“1.1 - O pagamento da quota-parte das despesas de minha responsabilidade foram efetuadas de imediato e face estarmos perante um incumprimento da sua parte ao negar-se a efetivar o pagamento da sua quota-parte das despesas do processo. (…)
1.2 - Refere V. Exa que o Contrato de Promessa de Partilha, celebrado em 21 de Julho de 2017, prevê o prazo de três meses após autorização do destaque para a celebração da escritura. (…)
2 - O contrato de promessa de partilha tem acordadas duas situações: loteamento da casa de rés-do-chão (…) do qual será realizado uma escritura de partilha parcial (…);
E o destaque da parcela rústica a realizar em 31 de outubro de 2021.
2.1 - Relativamente ao destaque, é que fixa o contrato promessa de partilha, na sua cláusula nona, que a escritura deverá realizar-se no prazo máximo de três meses. (…)
2.2 - Assim, ao contrário da sua interpretação trazida na sua carta em que refere que “tinha três meses após autorização do destaque para celebração da escritura de partilha (…).
3 - Relativamente ao processo de loteamento, o contrato promessa de partilha refere na clausula segunda, o seguinte: “o prazo máximo para o pagamento das tornas indicado no número anterior é de noventa dias a contar do seu registo predial como imóvel autónomo, (…).
3.1- O contrato promessa de partilha celebrado em 21 de julho de 2017, presume-se realizado de boa-fé e que as partes iriam prontamente cumprir as cláusulas constantes do mesmo, (…).
3.4 - Pelo que é infundada a sua defesa (…) quando a falta de pagamento e consequente paralisação do processo do loteamento, ocorreu simplesmente por não ter apresentado qualquer justificação para tal, e face a ter-se negado perentoriamente a pagar as despesas do processo em curso. (…)
4. - Relativamente ao registo do loteamento, que na sua missiva conforme é do seu interesse confunde a aplicação da clausula segunda do contrato promessa de partilha, (prevista para o processo do loteamento) e o previsto na clausula nona (prevista para o processo de destaque), aguardo que V. Exª., na qualidade de cabeça-de-casal, desde o levantamento da certidão, me informe como pretende realizar, sendo que por estarmos representados por mandatário deverá o mesmo ser com a intervenção dos nossos mandatários, sem necessidade de demais procedimentos.
5. - Assim, aguardo o envio da documentação necessária para realizar o registo do loteamento para a minha mandatária, sendo que aguardo também, reproduzir a minhas cartas de 20 de março de 2019 e face à sua manutenção de incumprimento da sua parte do contrato promessa de partilha, da minha carta de 28 de Abril de 2019 o pagamento da quantia prevista, a título do cláusula penal (...)” (artigo 28º da petição inicial)
17 - O R. juntou no processo de inventário o requerimento subscrito pela sua mandatária, datado de 10 de setembro de 2019, de que existe cópia a fls. 31 verso, no qual consta o seguinte:
“(…), interessado nos autos em referência, tendo sido notificado do requerimento do cabeça-de-casal, vem declarar o seguinte:
1 – Mantém o interessado o conteúdo dos seus requerimentos anteriores, bem como a cominação pelo incumprimento do cabeça-de-casal do contrato promessa de partilha, com as demais consequências, nomeadamente a constante da cláusula nona do referido contrato.
2 – Ao contrario do que refere o cabeça-de-casal, em nada o interessado incumpriu o contrato promessa de partilha, ao invés foi este quem o incumpriu conforme referido. O interessado respondeu que por ter a qualidade de cabeça-de-casal este deveria providenciar pela marcação para a assinatura da documentação para formalizar o registo, sendo que, pela facilidade de os intervenientes estarem representados por mandatários, referiu o interessado na sua carta que caso assim pretendesse, poderia o cabeça-de-casal fazer chegar a documentação à sua mandataria, para que o interessado assinasse o registo, pelo que nunca existiu nenhuma oposição em assinar tal documento pelo interessado e assim não existiu o falso fundamento de incumprimento invocado pelo cabeça-da-casal, da parte do interessado, conforme documento que se junta (doc. 1).
3 – Pelo que se refuta desde já o fundamento invocado de incumprimento pelo cabeça-de-casal, por o mesmo não se verificar.
4 – E ainda reitera o interessado a sua disponibilidade para assinar o registo, sendo que aguarda a marcação e/ou envio da documentação para se efetuar o registo do loteamento entretanto aprovado, que ainda não foi concretizado por culpa única e exclusiva do cabeça-de-casal.
5 – Não aceita o interessado qualquer incumprimento que lhe seja imputável pelas razões acima referidas, sendo que não se compreende o fundamento de uma ação de execução especifica quando o proponente declara pretender da sua parte cumprir os termos do contrato, não se aceitando a suspensão requerida nos presentes autos, por a mesma não ter fundamento”.
18 – O A. enviou ao R. a carta datada de 18.09.2019, de que existe cópia a fls. 29 e 29 verso, na qual consta, em súmula, o seguinte:
a) Que a declaração de incumprimento definitivo, com a consequente resolução unilateral, tão repetidamente anunciada pelo R, não tem qualquer valor ou eficácia;
b) Chama a atenção do R. para o n.º 4 da Cláusula 2ª do Contrato de Promessa, nomeadamente, para o prazo ali previsto para pagamento de tornas e celebração da escritura parcial, e que se enceta após o registo predial do lote urbano, para a data da liquidação pelo A. das despesas camarárias e, finalmente, para a data em que o R foi notificado pelo Cartório para indicar data e hora, por forma a encetar-se o processo de registo. (…)
2 - Incumprimento Definitivo do Contrato de Promessa de Partilhas celebrado a 22 de julho de 2017.
2.1 - Por carta de 14 de agosto de 2019, indicava a V. Exa que se encontrava em mora, desde 13 de Junho, ao não dar resposta à notificação supra, o que impediu, por não haver registo predial do loteamento, a celebração da respetiva escritura e o pagamento das tornas a que tenho direito.
2.2 - A final, no prazo de cinco dias, solicitava que indicasse data e hora para, no Cartório, se encetasse o processo de registo que obriga a intervenção conjunta de todos os interessados. A esta, não dá V. Exa resposta, sugerindo apenas envio da documentação para a sua mandatária.
2.3 - V. Exa tem durante todo este processo mantido postura de negligência, caracterizada por omissões e adiamentos de atos de natureza vária, necessários ao bom cumprimento do contrato promessa e inventário a ele subjacente, a correr trâmites pelo Cartório Notarial de Salvaterra de Magos.
2.4 - V. Exa. encontra-se em mora, no cumprimento das suas obrigações, previstas nomeadamente no n.º 4 da cláusula segunda do contrato promessa supra, desde 13 de Junho de 2019.
2.5 - V. Exa, como já mencionado, foi devidamente interpelado para esta, assim como convidado para a fazer cessar, o que não fez.
2.6 - Considero, pelos motivos expostos, de natureza relevante e grave, que existe incumprimento definitivo por parte de V. Exa. no cumprimento das suas obrigações contratuais, com as inerentes consequências” (artigos 29º e 30º da petição inicial).
***
Conhecendo.
1.- A impugnação da matéria e facto.
Alega o recorrente que deve ser excluído da matéria de facto, quer provada quer não provada, o fato 17, que é do seguinte teor:
17 - O R. juntou no processo de inventário o requerimento subscrito pela sua mandatária, datado de 10 de setembro de 2019, de que existe cópia a fls. 31 verso, no qual consta o seguinte:
“(…), interessado nos autos em referência, tendo sido notificado do requerimento do cabeça-de-casal, vem declarar o seguinte:
1 – Mantém o interessado o conteúdo dos seus requerimentos anteriores, bem como a cominação pelo incumprimento do cabeça-de-casal do contrato promessa de partilha, com as demais consequências, nomeadamente a constante da cláusula nona do referido contrato.
2 - Ao contrario do que refere o cabeça-de-casal, em nada o interessado incumpriu o contrato promessa de partilha, ao invés foi este quem o incumpriu conforme referido. O interessado respondeu que por ter a qualidade de cabeça-de-casal este deveria providenciar pela marcação para a assinatura da documentação para formalizar o registo, sendo que, pela facilidade de os intervenientes estarem representados por mandatários, referiu o interessado na sua carta que caso assim pretendesse, poderia o cabeça-de-casal fazer chegar a documentação à sua mandataria, para que o interessado assinasse o registo, pelo que nunca existiu nenhuma oposição em assinar tal documento pelo interessado e assim não existiu o falso fundamento de incumprimento invocado pelo cabeça-da-casal, da parte do interessado, conforme documento que se junta (doc.1).
3 - Pelo que se refuta desde já o fundamento invocado de incumprimento pelo cabeça-de-casal, por o mesmo não se verificar.
4 - E ainda reitera o interessado a sua disponibilidade para assinar o registo, sendo que aguarda a marcação e/ou envio da documentação para se efetuar o registo do loteamento entretanto aprovado, que ainda não foi concretizado por culpa única e exclusiva do cabeça-de-casal.
5 - Não aceita o interessado qualquer incumprimento que lhe seja imputável pelas razões acima referidas, sendo que não se compreende o fundamento de uma ação de execução especifica quando o proponente declara pretender da sua parte cumprir os termos do contrato, não se aceitando a suspensão requerida nos presentes autos, por a mesma não ter fundamento”.
Argumenta que o documento n.º 3 junto com a p.i., onde consta o requerimento com o exato teor acima descrito, enviado pelo interessado (…) ao inventário que então corria termos no Cartório Notarial, foi junto por lapso, pelo que não deve ser tomado em consideração pelo tribunal sob pena de se violar o princípio do dispositivo a que alude o artigo 5.º do CPC, devendo, por isso, o facto provado sob o nº 17 ser excluído desse rol de factos.
Com efeito, prossegue, os factos que constam do dito documento não foram alegados pelo ora recorrente na sua p.i., pelo que o tribunal a quo se encontrava impedido de deles conhecer.
Vejamos.
Se o ónus de alegação das partes quanto aos factos essenciais articulados e o poder de cognição do tribunal se encontra limitado aos factos essenciais alegados pelas partes (artigo 5.º/1, do CPC), não é menos verdade que, além destes factos, o tribunal deve ainda considerar os factos instrumentais (não alegados pelas partes), mas que resultem da instrução da causa e, bem assim, os que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar (artigo 5.º/2, a) e b), do CPC).
Ora, o tribunal a quo limitou-se a reproduzir um documento que o autor havia juntado aos autos aquando da petição inicial, pelo que a alegação de que o juntou por lapso não pode ter a força suficiente para deixar de ser considerado pelo tribunal a quo se este entender que este facto instrumental contribui para a boa decisão da causa.
Asserção que é sustentada pelo princípio do aquisitivo processual, a que alude o artigo 413.º do CPC:
O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (…).
Assim sendo, deve concluir-se que não se verifica qualquer violação às regras do ónus de alegação das partes e dos poderes de cognição do tribunal, o que implica a improcedência da apelação nesta parte.
*
2.- O pedido de execução específica do contrato-promessa e o concomitante pedido de condenação no pagamento da cláusula penal.
O pedido deduzido pelo recorrente na petição inicial é o seguinte:
Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente ação ser considerada procedente, por provada, e, consequentemente, ser:
a) Proferida Douta Sentença que substitua a declaração do R, necessária ao destaque, e consequente registo como prédio urbano autónomo, do lote urbano descrito no “ALVARÁ DE LICENCIAMENTO DE OPERAÇÃO DE LOTEAMENTO N.º (…)”, emitido pelo Município de Salvaterra de Magos, Câmara Municipal, de 13 de Março, com as seguintes características:
- Área do prédio a lotear: 1360m2;
- Área total de implantação: 195m2;
- Área total de construção: 195m2;
- Número de lotes: 1;
- Características do lote:
- Área do lote = 1.322,40m2;
- Finalidade: Habitação unifamiliar e anexo/garagem;
- Área de implantação: 195m2;
- Área de construção: 195m2;
- Número de pisos acima e abaixo da cota soleira: 1 piso acima da cota de soleira;
- Número de fogos: 1;
do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos, freguesia de Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, sob o n.º (…);
b) Ser o R condenado a pagar ao A, face ao incumprimento das suas obrigações contratuais, a título de cláusula penal, a quantia de € 20.000,00.
A causa de pedir é a celebração de um contrato-promessa de partilha, que o recorrente, na qualidade de autor e de cabeça de casal, argumenta ter sido incumprido pelo recorrido, seu irmão e interessado na partilha.
O regime do contrato-promessa permite que o contraente adimplente (cumpridor) obtenha a celebração do contrato definitivo, se pedir ao tribunal que se substitua ao contraente inadimplente (artigo 830.º/1, do CC), nos casos em que mantém o interesse na prestação.
Neste caso, a parte quer que o contrato sobreviva e produza os seus efeitos, com a celebração do contrato definitivo.
Ao invés, se o contraente adimplente pretende que o contrato não produza os seus efeitos, tendo, em consequência da mora, deixado de ter interesse na celebração do contrato definitivo (situação que deve ser apreciada objetivamente), ou, após conceder um prazo razoável para cumprir, o inadimplente não cumpriu a prestação (artigo 808.º/1, do CC), considera-se então definitivamente incumprida a obrigação e, seguidamente, poderá responsabilizar o devedor por todo os prejuízos que lhe causou a não celebração do contrato definitivo (artigos 804.º, 805.º/1 e 810.º do CC).
Para conferir celeridade à questão de saber qual o exato montante da indemnização, as partes podem acordar no estabelecimento de uma cláusula penal (artigo 810.º do CC), ao abrigo dos princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual (artigo 405.º do CC), fixando um montante desses prejuízos decorrentes da mora, nos casos em que o contraente cumpridor perdeu o interesse na celebração do contrato definitivo.
O que distingue as duas situações é, pois, a posição que o contraente cumpridor assume perante o incumprimento do contraente inadimplente, se pretende a celebração do contrato definitivo, solicita ao tribunal que se substitua ao faltoso na celebração; se já não pretende a celebração do contrato definito, após ter obtido a seu favor a situação jurídica de incumprimento definitivo culposo do faltoso (concessão de prazo razoável e, mesmo assim, não se celebrou o contrato definitivo) ou a perda do interesse na prestação, pode exigir que a sua posição jurídica patrimonial regresse ao ponto em que se encontrava antes da celebração do contrato-promessa, exigindo o pagamento de todos os prejuízos causados pela mora e incumprimento do contratado, a título de cláusula penal se tiver sido prevista.
Prosseguindo o raciocínio, daqui se conclui que não pode o contraente que cumpriu a sua obrigação pedir cumulativamente a execução específica do contato e o pagamento da cláusula penal que concentra o montante dos prejuízos previamente acordados pelas partes, para a possibilidade de não celebração do contrato definitivo.
Ora, como decorre da análise da causa de pedir e dos pedidos formulados pelo autor e ora recorrente, cumularam-se duas situações incompatíveis entre si: querer a celebração do contrato definitivo (execução específica) e não querer a celebração do contrato (pedido de condenação no montante da cláusula penal).
O recorrente argumenta, para defesa da cumulação dos dois pedidos, com o que dispõe o artigo 811.º/1, in fine, do CC, onde se preveem casos em que se pode verificar a cumulação entre o cumprimento do contrato e o pagamento dos danos moratórios pelo cumprimento em atraso:
1.- O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se este tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário.
Para se lograr saber se a cláusula penal foi prevista para o cumprimento em atraso ou apenas para o incumprimento, deve proceder-se à sua interpretação, tendo a cláusula o seguinte teor:
“Em caso de incumprimento de algum dos contraentes das cláusulas do presente contrato, o mesmo deverá pagar ao outro contraente a título de cláusula penal o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros).
Seguindo Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Penal Compulsória”, 4ª ed., em primeiro lugar devemos distinguir a cláusula penal compensatória, que opera em caso de não cumprimento, da cláusula penal moratória, que opera em caso de atraso (mora) no cumprimento, sendo esta que o recorrente alega que foi acordada na cláusula contratual cima transcrita.
Analisando as cláusulas contratuais do contrato-promessa e o iter negocial que este já sofreu, conclui-se que existiam duas obrigações principais:
1.- Uma escritura de partilha parcial relativo ao lote da casa de rés-do-chão destinada a habitação, com a área total de 1.360 m2, a desacatar, que seria adjudicado ao primeiro contraente (o recorrido).
2.- Uma escritura de partilha de um prédio rústico restante do destaque, a partilhar entre recorrente e recorrido.
A cláusula penal refere-se ao incumprimento definitivo destas duas prestações principais e não ao mero atraso na prestação, sendo que a primeira está em execução final, uma vez que, quanto ao lote referido em 1 já foi emitido e entregue o alvará de loteamento, restando apenas a sua inscrição no registo predial, o que deve ser promovido pelo recorrente porque tem a qualidade de cabeça-de-casal na herança indivisa que, no fundo, é o que está em causa nos autos (dividir a herança).
Por outro lado, o recorrente não constituiu na sua esfera jurídica a situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa, porque pediu a execução especifica do contrato, logo pretende o cumprimento da prestação.
Sem se olvidar que foi o recorrente quem retardou a concessão do alvará de loteamento, porque se atrasou no pagamento do que era devido para o seu levantamento (factos 11 e 15-2.3).
O que leva a não se entender o teor da carta datada de 14-08-2019, no ponto 2.7 (facto15) ao pretender o recorrente, cabeça-de-casal, que seja o interessado seu irmão a designar data para que se proceda à inscrição do dito alvará no registo predial, uma vez que os poderes do cabeça-de-casal incluem a faculdade de diligenciar pela valorização dos bens da herança, mormente praticando atos que os valorizem, como seja um registo predial de prédio urbano destacado de prédio rústico (todos da herança), devendo, por isso, ser o recorrente a designar a data para a realização da inscrição predial do destaque se tal diligência houver de ser praticada por todos os herdeiros (artigo 2091.º do CC).
Só após tal registo será possível registar o terreno rústico e celebrar a escritura de partilha correspondente, referida em 2.-.
Assim sendo, aquilo que os autos demonstram é a existência de uma intensa conflitualidade entre os dois interessados, aliás, habitual em casos de partilhas de bens de herança indivisa (veja-se que recorrente e recorrido alegam incumprimentos definitivos mútuos do contrato-promessa, numa clara concentração de esforços no aprofundamento do problema e não na sua resolução), mas as questões que se prendem apenas com emotivas e inúteis conflitualidades devem ser resolvida pelas partes com o imprescindível apoio dos seus mandatários.
Os tribunais destinam-se a dirimir diferendos entre os cidadãos quando estejam em conflito posições jurídicas e direitos.
O que está em causa nos autos, é, tão só, a questão dos registos prediais.
Nesta sede, tal como bem assinalado pelo tribunal a quo, desde 1 de janeiro de 2009 todos os pedidos de registo predial podem ser efetuados através da Internet, em http://www.predialonline.mj.pt/PredialOnline/, por qualquer cidadão com um cartão de cidadão válido e a assinatura digital ativa ou por advogado, notário ou solicitador, exceto nos casos de processos de justificação, quando não existe documento que comprove a propriedade do imóvel, processos de retificação e processos de impugnação da decisão do conservador.
Mostrando-se concedido e levantado o alvará de loteamento que permite registar o lote com o prédio urbano correspondente, haverá apenas que registar tais atos, da forma referida, e celebrar a primeira escritura de partilhas referida no contrato-promessa, com o que seguirá o registo das restantes duas parcelas rústicas sobrantes e a segunda escritura de partilhas.
Assim sendo, a apelação é improcedente, confirmando-se in totum a sentença recorrida.
***

Sumário: (…)

***

DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente – Artigo 527.º do CPC.
Notifique.

***
Évora, 20-04-2023

José Manuel Barata (relator)

Cristina Dá Mesquita

Rui Machado e Moura