CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
DECISÃO POR SIMPLES DESPACHO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO
TACÓGRAFO
NÃO APRESENTAÇÃO DOS REGISTOS DOS ÚLTIMOS 28 DIAS DE TRABALHO
Sumário


I - Decorre do artigo 39.º, n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro (Regime processual especial aplicável às contraordenações laborais e de segurança social), uma evidente intenção do legislador de simplificar a decisão judicial, ao ponto de permitir que a mesma consista numa mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa.
II - Quando o Juiz decide sem realização da audiência de discussão e julgamento, fica vinculado à prova produzida na instrução que decorreu na fase administrativa e à reapreciação da decisão proferida pela entidade administrativa.
III - A nulidade da decisão judicial por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o juiz não se pronunciou sobre uma questão que foi submetida à sua apreciação, e não quando o juiz se pronuncia, ainda que de modo sucinto.
IV - Inexiste contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando esta última se mostra concordante com a base factual considerada e com a explicada aplicação do direito.
V - Pratica uma contraordenação muito grave, prevista no artigo 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, a empresa que não ilidiu a presunção de culpa que sobre a mesma recai nos termos previstos pelo artigo 13.º da mesma lei, e quando resultou provado que o condutor, seu trabalhador subordinado, não apresentou ao agente fiscalizador a totalidade das folhas de registos referentes aos últimos 28 dias de trabalho, nem apresentou qualquer documento justificativo, declaração ou outro documento de atividade, que permitisse justificar os períodos sem registo.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
Transmosense – Transportadora, Lda. impugnou judicialmente a decisão da Autoridade Para As Condições de Trabalho (ACT), que lhe aplicou uma coima de € 3.000,00, pela prática de uma contraordenação muito grave prevista no artigo 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto.
A 1.ª instância julgou a impugnação improcedente e confirmou a decisão administrativa.
Não se conformando com esta decisão, a impugnante veio interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
Após a admissão do recurso pela 1.ª instância, o Ministério Publico veio oferecer a sua resposta, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O processo subiu à Relação e, na sequência da abertura de “Vista”, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
Não foi oferecida resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*
II. Objeto do recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso, que incumbe apreciar e decidir, são as seguintes:
1. Nulidade da decisão recorrida.
2. Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
3. Não cometimento do ilícito contraordenacional.
*
III. Matéria de Facto
A 1.ª instância, depois de ter mencionado que a questão a decidir era exclusivamente de direito, reteve sinteticamente os seguintes factos, que considerou serem os principais, para o conhecimento da causa:
a) A arguida Transmosense – Transportadora, Lda., tem como atividade o transporte rodoviário de mercadorias;
b) No desenvolvimento dessa atividade, no dia 12/5/2020, na Estrada Nacional n.º 243, na Videla, AA conduzia o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula 72-RP-66, pertencente à arguida e no interesse desta;
c) Tal condutor não se fazia acompanhar de registo de atividade relativos aos dias 14 a 30 desse ano ou de qualquer documento justificativo da sua ausência;
d) A arguida sabia que a lei obriga a apresentação desses documentos e que sanciona a falta de apresentação.
*
IV. Nulidade da decisão recorrida
A recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida, apoiando-se em diversos fundamentos que podem ser, assim, sintetizados:
A) Falta de indicação dos factos não provados e falta de fundamentação, de facto e de direito, com exame crítico das provas;
B) Omissão de pronúncia, quanto às arguidas nulidades da decisão administrativa;
C) Excesso de pronúncia.
Enquadra a arguida nulidade nas situações previstas no n.º 1, alíneas a) e c) do artigo 379.º do Código de Processo Penal.
Analisemos a questão.
A)
Compulsados os autos, verifica-se que a decisão recorrida foi proferida ao abrigo do artigo 39.º, n.ºs 2 e 4 da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro (Regime processual especial aplicável às contraordenações laborais e de segurança social).
Ou seja, a decisão sobre a impugnação judicial foi prolatada por simples despacho, por o Meritíssimo Juiz a quo ter considerado que os autos continham todos os elementos necessários à prolação de decisão, e por a tanto não se terem oposto o Ministério Público e a recorrente.
De acordo com o n.º 4 do aludido artigo, o juiz fundamenta a sua decisão (sentença ou despacho judicial), tanto no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicável e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa.
Decorre desta norma uma evidente intenção do legislador de simplificar a decisão judicial, ao ponto de permitir que a mesma consista numa mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa.
Todavia, sempre terá de ser cumprido o dever de fundamentação da decisão, em matéria de facto e de direito.[2]
Para fundamentar a decisão recorrida , no que respeita à matéria de facto, escreveu-se na mesma:
«2. FACTOS PROVADOS.
2.1. A questão a decidir é apenas de direito, mas importa reter sinteticamente os principais factos com interesse para a decisão:
a) A arguida Transmosense – Transportadora, Lda., tem como atividade o transporte rodoviário de mercadorias;
b) No desenvolvimento dessa atividade, no dia 12/5/2020, na Estrada Nacional n.º 243, na Videla, AA conduzia o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula 72-RP-66, pertencente à arguida e no interesse desta;
c) Tal condutor não se fazia acompanhar de registo de atividade relativos aos dias 14 a 30 desse ano ou de qualquer documento justificativo da sua ausência;
d) A arguida sabia que a lei obriga a apresentação desses documentos e que sanciona a falta de apresentação.»
É certo que não foram, expressamente, elencados quaisquer factos não provados, conforme refere a recorrente.
Contudo, uma vez que não foi realizada audiência de discussão e julgamento, o tribunal ficou vinculado à prova produzida na instrução que decorreu na fase administrativa, e reapreciou a decisão proferida pela ACT.
E infere-se da decisão recorrida que a fundamentação de facto constante da decisão administrativa foi adquirida, embora o Meritíssimo Juiz a quo apenas tenha enunciado, sinteticamente, os principais factos com interesse para a decisão.
Verifica-se como que uma remissão para a fundamentação factual da decisão administrativa, ainda que se salientem aqueles que foram considerados os “principais factos com interesse para a decisão”.
O Meritíssimo Juiz a quo não decidiu mediante audiência. E só neste caso é que haveria necessidade de fazer constar da decisão recorrida os factos que considerava provados e os que julgava não provados.
Sobre esta matéria, escreveu João Soares Ribeiro[3]:
«Quando o juiz decide mediante audiência, isso significa que não fica vinculado à prova produzida na instrução que decorreu na fase administrativa. O tribunal realiza não apenas uma reapreciação da decisão proferida pela autoridade administrativa, mas também um verdadeiro julgamento dos factos imputados ao arguido que motivaram a condenação».
Deste modo, não pode proceder a arguida nulidade da decisão recorrida, com fundamento na falta de indicação dos factos não provados.
Igualmente não procede a alegada falta de fundamentação, de facto e de direito, com exame crítico das provas.
A fundamentação de facto existe, como se extrai do trecho da decisão recorrida supracitado.
E, através da introdução que precede o elenco dos factos provados, compreende-se que, o Meritíssimo Juiz a quo considerou adquiridos os factos recolhidos na fase administrativa do processo, pois a questão a decidir era apenas de direito, pelo que não teria que apresentar qualquer “exame crítico” das provas.[4]
Nessa medida, considera-se explicada, de modo inteligível, a decisão factual proferida.
Finalmente, a fundamentação de direito e as circunstâncias que determinaram a medida da sanção aplicada, são apresentadas e desenvolvidas no ponto 3 da sentença recorrida, ao longo de 9 páginas.
Face a todo o exposto, julgamos que o dever de fundamentação previsto no n.º 4 do artigo 39.º da Lei n.º 107/2009, foi devidamente cumprido.
Por conseguinte, improcede a primeira razão que fundamenta a arguida nulidade da decisão recorrida.
B)
No que respeita à alegada omissão de pronúncia quanto às arguidas nulidades da decisão administrativa, desde já adiantamos que também este fundamento terá de ser julgado improcedente.
Na sua impugnação judicial, a recorrente invocou diversas (e confusas) “nulidades” da decisão proferida pela ACT.
No recurso, sintetiza, deste modo, as nulidades que invocou:
- Excesso de pronúncia;
- Contradição da fundamentação;
- Inexistência de fundamentação quanto a factos que foram dados como provados;
- Ausência de indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção da autoridade administrativa.
E não obstante venha alegar a omissão de pronúncia sobre as mesmas, acaba por declarar, entrando em contradição, que o tribunal a quo, afinal, decidiu sobre a nulidade por falta de fundamentação e sobre a nulidade por excesso de pronúncia, pelo que, face a tal declaração, retiraremos da questão a dirimir a alegada omissão de pronúncia quanto aos 1.º e 3.º fundamentos do elenco que apresentou.
Sem embargo, sempre se dirá que o excerto da decisão recorrida que, seguidamente, se transcreve, evidencia a apreciação dos mencionados fundamentos:
«Em primeiro lugar, afigura-se que assiste alguma razão relativamente ao estilo e alcance da fundamentação da decisão da ACT, nomeadamente quando alude confusamente a situações que não constam do auto de notícia (tais como “a arguida não fez nem apresentou prova de ter organizado o trabalho do condutor”). Porém, o que rigorosamente aí se diz é que não se fez prova que a arguida organizou devidamente o trabalho do condutor, que o condutor não conduziu nos dias assinalados, e depois, na fundamentação, que a formação revela-se insuficiente, etc.. Ora, o mero julgamento indevido de um facto como provado ou como não provado, em princípio, não gera qualquer nulidade. Isso é uma questão de mérito: um facto pode ser julgado correta ou incorretamente como provado ou como não provado. A questão da nulidade é prévia ao próprio julgamento, como sucede, por exemplo, quando se dá como provado um facto relevante que nem sequer consta do auto de notícia (devendo aí constar) ou da acusação e sobre o qual não houve prévio contraditório.
Ao que parece, esta prolixa descrição de factos provados e não provados das decisões da ACT deriva das sucessivas arguições de nulidades sobre a falta de fundamentação, particularmente quanto ao elemento subjetivo do tipo de infração.
Afigura-se que há algum exagero na apreciação de hipóteses que nunca foram concretizadas e discutidas no processo antes da decisão. E a ACT não precisa de tecer todas essas considerações que acabam por se reconduzir à questão da culpa do agente, pois, ao contrário do que é repetidamente afirmado, a culpa presume-se em face de determinadas circunstâncias: uma empresa de transportes tem obrigação de, por meio dos seus condutores, apresentar a documentação legalmente exigível nas inspeções na estrada. Por conseguinte, a ACT não precisa de tecer múltiplas considerações sobre a organização do trabalho ou a formação que é dada aos condutores pelas arguidas, porque isso é algo que não foi levado ao auto de notícia, nem foi devidamente investigado e, numa perspetiva meramente abstrata e destituída de factos, é completamente irrelevante para a decisão.
Essas divagações não geram a nulidade da decisão, mas apenas a desconsideração pelo tribunal, que se limitará a apreciar o mérito da decisão unicamente em função dos factos sumariamente elencados e dos argumentos apresentados pela arguida.».
Avancemos…
Quanto ao fundamento da “contradição da fundamentação”, compulsada a impugnação judicial, se bem compreendemos, o mesmo surge em relação às seguintes situações:
- contradição entre o facto provado n.º 7 e a decisão;
- contradição entre a decisão de dar como provado e não provado o ponto 10:
- contradição no âmbito da matéria da formação, por ter sido mencionado que a formação foi claramente insuficiente e, mais adiante, se ter concluído que a arguida não fez qualquer prova nessa matéria.
Ora, no que respeita ao facto provado n.º 7 constante da decisão administrativa, a alegada contradição baseia-se na não aceitação da demonstração da factualidade em causa, sem ter sido acrescentado o motivo porque não foram apresentados ao registos em falta, matéria esta que impediria, no entender da recorrente, que a entidade administrativa tivesse concluído que «[c]abe à arguida, conforme já referido e infra melhor desenvolvido, enquanto entidade empregadora, a responsabilidade em termos contraordenacionais, pelos atos cometidos pelos seus trabalhadores no exercício das respetivas funções».
Afigura-se-nos, porém, que a questão suscitada foi objeto de pronúncia no âmbito do trecho da decisão recorrida citado supra, no fragmento onde se refere: « Ora, o mero julgamento indevido de um facto como provado ou como não provado, em princípio, não gera qualquer nulidade. Isso é uma questão de mérito: um facto pode ser julgado correta ou incorretamente como provado ou como não provado.(…)»
Quanto às demais acusadas contradições, as mesmas também foram objeto de pronúncia no segmento da decisão que apreciou as nulidades.
No fundo, o que está em causa é a apreciação da decisão da entidade administrativa que, manifestamente, tentou acautelar e ter em conta todos os aspetos que, normalmente, são levados aos processos em que se aprecia uma contraordenação semelhante à que se discute nos autos.
E a análise e interpretação da decisão administrativa, feitas pelo tribunal a quo, comportam a pronúncia sobre as arguidas nulidades, baseadas na “contradição da fundamentação”.
Finalmente, quanto ao fundamento da alegada ausência de indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção da ACT, o mesmo funda-se na argumentação crítica de que a entidade administrativa não relevou a prova (documental e testemunhal) apresentada pela recorrente na fase de instrução administrativa – cfr. Artigos 58.º a 61.º da impugnação judicial[5].
Aprofundando, o que está em causa é uma discordância com o decidido, em matéria de facto e uma alegada falta de fundamentação da decisão factual.
Quanto a esta última, a própria recorrente, como vimos anteriormente, acabou por declarar que, afinal, tal matéria foi objeto de pronúncia pelo tribunal a quo.
No que diz respeito à primeira (discordância com o decidido), mais uma vez remetemos para o segmento que apreciou o conjunto das nulidades, em especial, para o seguinte fragmento: «Ora, o mero julgamento indevido de um facto como provado ou como não provado, em princípio, não gera qualquer nulidade. Isso é uma questão de mérito: um facto pode ser julgado correta ou incorretamente como provado ou como não provado. A questão da nulidade é prévia ao próprio julgamento, como sucede, por exemplo, quando se dá como provado um facto relevante que nem sequer consta do auto de notícia (devendo aí constar) ou da acusação e sobre o qual não houve prévio contraditório.».
Em suma, afigura-se-nos que a abordagem conjunta das arguidas nulidades da decisão da ACT, conseguiu pronunciar-se sobre todas as situações invocadas, ainda que de modo sucinto.
Assim sendo, resta-nos concluir pela improcedência da segunda razão que fundamenta a arguida nulidade da decisão recorrida.
C)
Para finalizar o conhecimento dos fundamentos em que se estribou a arguida nulidade da decisão recorrida, importa apreciar se ocorreu excesso de pronúncia por, na fundamentação de direito, ter sido considerado que existia uma relação laboral entre o condutor AA e a recorrente quando, segundo esta, tal vinculo contratual não consta dos factos assentes.
Analisemos.
Na decisão proferida pela ACT consta da factualidade provada que a recorrente era a entidade empregadora do condutor AA, que tinha a categoria profissional de motorista.
Na decisão recorrida fez-se constar que:
a) A arguida Transmosense – Transportadora, Lda., tem como atividade o transporte rodoviário de mercadorias;
b) No desenvolvimento dessa atividade, no dia 12/5/2020, na Estrada Nacional n.º 243, na Videla, AA conduzia o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula 72-RP-66, pertencente à arguida e no interesse desta.
Ora, é verdade que não consta nestas duas alíneas, especificadamente, que a recorrente era a entidade empregadora do condutor.
Porém, não podemos olvidar que o tribunal a quo apenas decidiu de direito, pelo que considerou adquiridos os factos recolhidos na fase administrativa do processo, ainda que só tenha salientado, de modo expresso, os que considerou principais, com interesse para a decisão.
Em consequência, a qualidade de empregadora da recorrente está contida na fundamentação de facto adquirida.
Aliás, esta relação laboral nunca foi, nem é agora, posta em causa pela recorrente.
Ademais, a existência de uma relação laboral entre o condutor e a empresa não constituiu um facto essencial do ilícito contraordenacional imputado.
O conceito de condutor utilizado pela legislação que tipifica o ilícito é um conceito amplo que abrange qualquer pessoa que conduza o veículo, independentemente da natureza do vínculo jurídico existente entre condutor e a empresa.[6]
Em conclusão, não se considera existir o acusado excesso de pronúncia.
Enfim, resta-nos concluir pela total improcedência das arguidas nulidades da decisão recorrida.
*
V. Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão
A recorrente alega a existência de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão em duas situações distintas. São elas:
1.ª Na parte em que se julgou improcedente a arguida nulidade da decisão administrativa por excesso de pronúncia, apesar de ter sido reconhecido, na fundamentação, que a ACT exagerou na apreciação de hipóteses que nunca foram concretizadas e discutidas nos autos.
2.ª Na decisão que julgou existir uma relação laboral entre o condutor e a recorrente, quando tal vínculo contratual não consta dos factos assentes.
Analisemos.
No que concerne à 1.ª situação referida, entendemos que não se verifica a acusada contradição, porque o Meritíssimo Juiz a quo teve o cuidado de explicar que a «prolixa descrição de factos provados e não provados das decisões da ACT deriva das sucessivas arguições de nulidades sobre a falta de fundamentação, particularmente quanto ao elemento subjetivo do tipo de infração.»
E ainda que tenha considerado «que há algum exagero na apreciação de hipóteses que nunca foram concretizadas e discutidas no processo antes da decisão» e que «a ACT não precisa de tecer todas essas considerações que acabam por se reconduzir à questão da culpa do agente, pois, ao contrário do que é repetidamente afirmado, a culpa presume-se em face de determinadas circunstâncias: uma empresa de transportes tem obrigação de, por meio dos seus condutores, apresentar a documentação legalmente exigível nas inspeções na estrada», bem como que «a ACT não precisa de tecer múltiplas considerações sobre a organização do trabalho ou a formação que é dada aos condutores pelas arguidas, porque isso é algo que não foi levado ao auto de notícia, nem foi devidamente investigado e, numa perspetiva meramente abstrata e destituída de factos, é completamente irrelevante para a decisão», acabou por concluir que «[e]ssas divagações não geram a nulidade da decisão, mas apenas a desconsideração pelo tribunal, que se limitará a apreciar o mérito da decisão unicamente em função dos factos sumariamente elencados e dos argumentos apresentados pela arguida.».
Por outras palavras, ainda que se tenha reconhecido algum exagero da decisão factual administrativa, entendeu-se que a única consequência a extrair era a desconsideração, pelo tribunal, de toda a matéria que se revelasse irrelevante ou inócua para a boa decisão da causa, e não a declaração da procedência da arguida nulidade por excesso de pronúncia.
A decisão que julgou improcedente a mencionada nulidade está, pois, em concordância, com a sua fundamentação.
Além disso, a mesma não merece censura, atendendo ao princípio da economia processual consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo contraordenacional laboral, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 4.º do Código de Processo Penal, 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Consequentemente, improcede a 1.ª situação de contradição, que foi invocada.
No que respeita à 2.ª situação identificada supra, a mesma também não pode proceder.
Como já vimos, anteriormente, a decisão recorrida deu por adquiridos os factos constantes da decisão da ACT. Do elenco destes factos resulta a qualidade de empregadora da recorrente.
Logo, a fundamentação factual mostra-se concordante com a fundamentação de direito, (que considerou a existência de um vínculo laboral entre o condutor e a recorrente) e com a decisão.
Improcede, assim, igualmente, esta alegada contradição.
Terminando, improcede, na totalidade, a segunda questão suscitada no recurso.

*
VI. Ilícito contraordenacional
Em sede de recurso, a recorrente pugna pela absolvição do ilícito contraordenacional que lhe foi imputado.
Apreciemos a questão, salientando, em jeito de esclarecimento prévio, que este tribunal apenas tem de apreciar a questão em si, não estando obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos e razões invocados pela recorrente para tentar convencer o acerto da posição que defende.[7]
Analisemos, pois.
A decisão recorrida confirmou a decisão da ACT que aplicou à recorrente uma coima de € 3.000,00, pela prática de uma contraordenação muito grave, prevista no artigo 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto.
Estatui a aludida norma legal que constitui contraordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado de fiscalização, de cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e de impressão efetuados, que o conduto esteja obrigado a apresentar.
Este normativo conjuga-se com o artigo. 36. º do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, que dispõe o seguinte:
Registos que devem acompanhar o condutor
1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;
ii) O cartão de condutor, se o possuir; e
iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006.
2. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) O seu cartão de condutor;
ii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, nos termos do presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006;
iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii), no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico.
3. Os agentes autorizados de controlo podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados, impressos ou descarregados registados pelo tacógrafo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de quaisquer disposições, como as do artigo 29.º, n.º 2, e do artigo 37.º, n.º 2, do presente regulamento.
De acordo com as aludidas normas legais, o condutor que conduza veículo equipado com tacógrafo deve apresentar, quando os agentes de controlo o solicitem, as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores (dias de calendário, subentenda-se).
A não apresentação das folhas de registo, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização, constitui contraordenação muito grave, nos termos previstos pelo artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto.
De modo reiterado, esta Secção Social vem considerando, unanimemente, que o artigo 36.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014, pretende, essencialmente, assegurar a imediata apresentação aos agentes do controlo das folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores.[8]
Nos termos legais, é a obrigação de apresentação que constitui o dever imposto pela norma.
Não sendo apresentadas todas ou alguma(s) das aludidas folhas de registo, deve o condutor apresentar um documento comprovativo que justifique a ausência das folhas de registo em relação aos dias em falta, pois só por esta via, o agente encarregado da fiscalização pode concluir que todas as folhas existentes com referência ao período temporal imposto pela norma, lhe foram apresentadas ou não e, nesta última situação, autuar o agente infrator.[9]
No caso que se aprecia, com arrimo nos factos provados, apurou-se que no âmbito de uma ação de fiscalização rodoviária, realizada no dia 12/05/2020, na Estrada Nacional n.º 243, na Videla, AA, trabalhador subordinado da recorrente, conduzia o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula 72-RP-66, pertencente à sua entidade patronal, no interesse desta.
Sucede que o identificado condutor não era possuidor da totalidade das folhas de registos referentes aos últimos 28 dias de trabalho, designadamente não apresentou ao agente fiscalizador as folhas de registo dos dias 14 e 30 de abril de 2020, nem apresentou qualquer documento justificativo, declaração ou outro documento de atividade, que permitisse justificar os períodos sem registo.
Por conseguinte, os factos provados levam-nos a concluir pelo preenchimento do elemento objetivo do ilícito, uma vez que o condutor não apresentou ao agente encarregado da fiscalização, as folhas de registo dos 28 dias anteriores, nem apresentou documento que justificasse a omissão.
Avancemos para a apreciação do elemento subjetivo do ilícito.
O artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, veio dispor que “1. A empresa é responsável por qualquer infração cometida pelo condutor”, sem prejuízo da possibilidade da exclusão dessa responsabilidade no caso do n.º 2 desse preceito, de harmonia com o qual “2. A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, (…), e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006 (…)”, caso este em que essa responsabilidade é do trabalhador, como se diz no seu n.º 3, nos termos do qual “3. O condutor é responsável pela infração na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22º.”.
Este preceito veio dar execução ao disposto nos artigos 10.º, n.º 3, e 19.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 561/2006, dele resultando a imputação da contraordenação ao empregador, salvo se este fizer a prova prevista no n.º 2 do mesmo.
Sobre a temática da responsabilidade da empresa, escreveu-se com interesse no Acórdão desta Secção Social, de 01/10/2015, P. 77/15.4T8STC.E1[10]:
«Como já se deixou analisado, nos termos do Regulamento (CE) 561/2006, mais concretamente do seu artigo 10.º, n.º 2, as empresas de transportes são responsáveis por qualquer infração cometida pelos condutores da empresa.
E compreende-se que assim seja: por um lado, como bem se assinala na sentença recorrida, «amiúde a razão do trabalhador violar regras de direito estradal e laboral e de correr riscos – e pôr o restante tráfego em perigo – radica no volume desproporcionado de trabalho que lhe é cometido e na respetiva organização.
Note-se que são as empresas, de ordinário, que tem interesse no resultado daquela conduta do trabalhador e não este»; por outro lado, cometendo-se às empresas de transportes a obrigação de estas cumprirem a disposto no regulamento e de darem instruções adequadas aos condutores e efetuarem controlos regulares (n.º 2 do artigo 10.º do Regulamento 516/2006), essas instruções e controlo não podem deixar de abranger o que se refere à necessidade dos condutores se fazerem acompanhar dos documentos necessários com vista às entidades de fiscalização aferirem da observância ou não das normas do regulamento.
E é nesta mesma linha que se deverá interpretar o disposto no artigo 13.º, n.º 2, da Lei n.º 27/10, de 30-08, ao prescrever que a responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85 e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006: sublinhe-se, está em causa a necessidade do cumprimento pela empresa não só do disposto no capítulo II do Regulamento 561/2006, como também do Regulamento 3821/85.
Ora, a obrigatoriedade da apresentação dos documentos encontra-se especificamente prevista neste regulamento, embora com a redação introduzida pelo artigo 26.º do Regulamento 561/2006.
Por isso, quer do artigo 10.º do Regulamento 516/2006, quer do Regulamento 3821/85, resulta a responsabilidade da empresa pela infração.
Para excluir essa responsabilidade caberia então à empresa demonstrar que pôs à disposição do trabalhador todos os documentos necessários para que as entidades de fiscalização pudessem aferir da observância ou não das normas dos regulamentos, sendo da exclusiva responsabilidade do condutor não se ter feito acompanhar de tais documentos e/ou da sua não apresentação àquelas entidades.»
Reportando-nos à situação dos autos, não resulta dos factos assentes que a recorrente entregou ao seu motorista a documentação necessária que permitiria justificar a não apresentação dos registos em falta e que tenha instruído o trabalhador para apresentar tal documentação, em eventual ação de fiscalização, às entidades de fiscalização para aferirem do cumprimento das obrigações legais.
Tanto basta para se concluir que, no caso concreto, a recorrente não ilidiu a presunção de culpa que sobre a mesma recai, razão pela qual também se mostra preenchido o elemento subjetivo do ilícito, sob a forma de negligência por a empresa não ter agido com o dever de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.
Destarte, a factualidade provada é suficiente para concluir pela imputação (objetiva e subjetiva) do ilícito contraordenacional à recorrente.
Nesta sequência e considerando que não vem posto em causa o concreto montante da coima, resta-nos concluir pela improcedência do recurso e, por consequência, pela manutenção da decisão recorrida.
Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.
*
VII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

Évora, 11 de maio de 2023
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)

__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Veja-.se o Acórdão da Relação de Coimbra de 26/04/2012, Proc. n.º 162/11.1TTCTB.C1, acessível em www.dgsi.pt, que refere: «A faculdade conferida pelo n.º 4 do artigo 39.º do novo regime legal das contraordenações laborais, aprovado pela Lei n.º 107/09, de 14/09 (permitindo ao julgador a elaboração da sentença basear-se em mera declaração de concordância com a decisão declaratória da autoridade administrativa) apenas é possível quando dessa simples declaração resulte o cumprimento cabal do dever que sobre o julgador impende de fundamentar as suas decisões quanto aos factos e quanto ao direito».
[3] In “Contraordenações Laborais – Regime Jurídico”, Almedina, 3.ª edição, págs. 79 e 80.
[4] Com interesse, António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, in “Notas ao Regime Geral das Contraordenações e coimas”, Almedina, 3.ª edição, pág.176, do qual se destaca o seguinte trecho:
«Consideramos, assim adquirido que a decisão de recurso da entidade administrativa apenas se pode efetuar através de despacho desde que, para além do juízo nesse sentido formulado pelo julgador e da não oposição do Mº Pº e do arguido, não exista prova cujos respetivos meios de produção apenas tenham a possibilidade de ser contraditados em sede de audiência de julgamento. Significa o exposto que apenas quando o juiz considera adquiridos os factos recolhidos em sede administrativa e que não existem outras provas a produzir é que deverá ser decidido através de despacho.
O exposto tem outra consequência a nível processual, nomeadamente ao nível dos poderes de cognição do juiz. Na verdade, se o mesmo entende que deve decidir através de despacho está implicitamente a afirmar que a prova produzida em sede administrativa é a necessária e a suficiente para poder decidir e que, portanto, não relevam outros factos que não aqueles que resultam dos meios de prova pré-existentes. Consequentemente, os seus poderes de cognição, derivados da aplicação do princípio do acusatório, estão limitados pelos factos resultantes da prova já produzida.»
[5] Eis o conteúdo destes artigos:
58. Na verdade, a única conclusão que se consegue retirar de tudo o anteriormente exposto é que a Autoridade Administrativa se limita a fundamentar a sua decisão única e exclusivamente com base no auto de notícia, fazendo tábua rasa da prova junta pela Arguida (documental e testemunhal) ou reportando-a de insuficiente.
59. Mais, a Autoridade Administrativa não só ignora a prova junta e produzida, como não apresenta qualquer fundamentação para a sua total ausência de valoração.
60. De facto, a única alusão que é efetuada à prova testemunhal é em sede de exposição da prova junta e produzida, não lhe sendo efetuada mais nenhuma menção, valoração ou apresentada qualquer fundamentação para que a mesma não tenha sido levada em consideração.
61. Assim, dúvidas não subsistem quanto à nulidade da decisão proferida, seja por ausência de fundamentação quanto à não valoração da prova testemunhal, seja porque simplesmente foi efetuada tábua rasa da mesma.
[6] Neste sentido, o Acórdão desta Secção Social de 29/11/2018, proferido no Proc.3262/17.0T8STR.E1, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, Vol. V., pág. 143, que escreveu:
«Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.».
[8] A título de exemplo, referem-se os Acórdãos de 13/01//2021, P. 1614/20.8Y2STR.E1, de 30/01//2020, P. 1399/19-0T8STR.E1 e de 27/06//2019, P. 2276/18.8T8EVR.E1.
[9] Neste sentido, v.g. Acórdão da Relação do Porto de 05/12/2011, P. 68/11.4TTVCT.P1 [Paula Leal de Carvalho]; Acórdão da Relação de Guimarães, de 20/10/2016, P.1154/15.7T8BCL.G1 [Alda Martins]; Acórdão da Relação de Lisboa, de 16/03/2016, P. 196/15.7T8BRR.L1.4 [José Eduardo Sapateiro].
[10] Consultável em www.dgsi.pt.