RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
Sumário


Mesmo quando o trabalhador, despedido sem justa causa, opta pela indemnização de antiguidade, os salários de tramitação são devidos até ao trânsito em julgado da decisão final no processo.

Texto Integral



Processo n.o 20069/17.8T8LSB.L3.S1


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


Relatório


AA, intentou acão declarativa, com processo comum contra Embaixada da Líbia em Lisboa, alegando em síntese que as partes celebraram um contrato de trabalho a termo em 01.02.1993, o qual vigorou ininterruptamente até 31.05.2017, sem que o referido termo se encontrasse justificado, motivo pelo qual entende que o termo deve ser considerado nulo e o contrato convertido em contrato por tempo indeterminado. Continua, sustentando que foi dispensado sem processo disciplinar prévio e requer, a final, que seja decidido o seguinte:


- Declarada a nulidade do termo aposto no contrato celebrado em 1 de fevereiro de 1993 e a consequente conversão do mesmo em contrato sem termo ou por tempo indeterminado que cessou por iniciativa da Ré em 31 de Maio de 2017, ou, caso assim não se venha a entender, declarar a subsistência, ininterrupta, do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré desde 1 de Fevereiro de 1993 a 31 de Maio de 2017;


- Declarada a ilicitude da cessação do contrato de trabalho, promovida pela Ré e, em consequência, a Ré condenada a pagar ao Autor, todas as quantias retributivas (remuneração e subsídios) que se venceram desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declarar a ilicitude da cessação, acrescidas de juros, à taxa legal, desde as datas dos respetivos vencimentos até efetivo e integral pagamento;


- A Ré condenada a pagar ao A. uma indemnização por danos de natureza não patrimonial em montante não inferior a € 10.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a data da decisão até efetivo e integral pagamento;


- A Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização calculada em 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração, caso venha a optar pela indemnização em substituição da reintegração.


Frustrou-se a conciliação das partes.


A Ré contestou, sustentando, em suma que celebraram um contrato com um regime sui generis de caducidade e estabeleceram que, verificado o respetivo termo, o Autor teria direito a uma compensação equivalente a um mês de vencimento, tendo a Ré pago ao Autor um total de 93.420,00€ a título de compensação pelo termo dos contratos celebrados, pedindo, em reconvenção, que seja efetuada a compensação, levando em linha de conta o que lhe foi pago pela caducidade do contrato de trabalho, com aquilo que a Ré tiver que pagar ao Autor, se o Tribunal considerar que a cessação do contrato de trabalho constituiu um despedimento ilícito.


O Autor optou pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração.


Proferiu-se despacho saneador.


O processo seguiu os seus termos e durante a audiência de julgamento, o tribunal de 1a instância proferiu despacho nos seguintes termos: “Atendendo ao teor dos articulados, entende o Tribunal que as questões em apreço são de índole jurídica não carecendo de prova testemunhal para a boa decisão da causa. Com exceção do supra exposto poder-se-á considerar os factos alegados pelo Autor relativamente aos danos não patrimoniais, alegadamente por si sofridos.


Assim, por eventualmente se entender ser matéria controvertida, a prova a produzir nesta audiência de julgamento deverá cingir-se a essa matéria.”


Foi proferida Sentença em 09.07.2018 na qual se decidiu o seguinte:


Pelo exposto, e nos termos de direito invocados, o Tribunal julga a ação procedente, e, em consequência, decide:


1) Declarar a nulidade do termo aposto no contrato celebrado entre Autor e Ré e convertê-lo consequentemente em contrato sem termo.


2) Declarar ilícita a cessação do contrato de trabalho, promovida pela Ré e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor:


a. todas as quantias retributivas (remuneração e subsídios) que se venceram desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, com um valor de 5.000,00€ mensal, deduzindo as importâncias que o Autor auferiu a título de subsídio de desemprego (constante do facto provado 22, devendo a Ré entregar tal quantia à Segurança Social, acrescidas de juros, à taxa legal, desde as datas dos respetivos vencimentos até efetivo e integral pagamento;


b. uma indemnização por danos de natureza não patrimonial em montante de 5.000,00€, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação (02.10.2017) até efetivo e integral pagamento;


c. uma indemnização calculada em € 181.875,00, referente a 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração, tendo por referência a antiguidade do A. à data do despedimento, isto é, 24 anos e 3 meses, acrescida de juros, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da sentença até efetivo e integral pagamento.


3) Absolver o Autor do pedido reconvencional deduzido. “


Inconformada, a Ré interpôs recurso de Apelação.


Foi proferido Acórdão em 11.7.2019, no qual se decidiu “Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em anular a sentença recorrida e determinar a ampliação da matéria de facto nos termos acima expostos, com inquirição das testemunhas arroladas nos autos, restrita à matéria da reconvenção e da resposta do autor.”


Remetidos os autos ao Tribunal de 1a instância, nesta se realizou nova audiência de julgamento e se proferiu nova Sentença a 6.1.2020, nos seguintes termos:


DECISÂO


Pelo exposto, e nos termos de direito invocados, o Tribunal julga a ação procedente, e, em consequência, decide:


1) Declarar a nulidade do termo aposto no contrato celebrado entre Autor e Ré e convertê-lo consequentemente em contrato sem termo.


2) Declarar ilícita a cessação do contrato de trabalho, promovida pela Ré e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor:


a. todas as quantias retributivas (remuneração e subsídios) que se venceram desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, com um valor de 5.000,00€ mensal, deduzindo as importâncias que o Autor auferiu a título de subsídio de desemprego (constante do facto provado 22, devendo a Ré entregar tal quantia à Segurança Social, acrescidas de juros, à taxa legal, desde as datas dos respetivos vencimentos até efetivo e integral pagamento;


b. uma indemnização por danos de natureza não patrimonial em montante de 5.000,00€, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação (02.10.2017) até efetivo e integral pagamento;


c. uma indemnização calculada em € 181.875,00, referente a 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração, tendo por referência a antiguidade do A. à data do despedimento, isto é, 24 anos e 3 meses, acrescida de juros, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da sentença até efetivo e integral pagamento.


A Ré interpôs novo recurso de Apelação.


Em 27.01.2021 foi proferido Acórdão no qual se decidiu “Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em anular a sentença recorrida e determinar a ampliação da matéria de facto nos termos acima expostos, com inquirição da testemunha BB, restrita à matéria da reconvenção e da resposta do autor, sem necessidade de repetição dos depoimentos das testemunhas CC e DD, devendo o tribunal “a quo” envidar todos os esforços e diligências para que aquela testemunha venha a ser ouvida, elaborando-se posteriormente uma nova sentença que conheça somente do pedido reconvencional, do pedido relativo às retribuições entre o despedimento e a propositura da ação e do pedido fixação da indemnização em substituição da reintegração.”.


Remetidos uma vez mais os autos ao Tribunal de 1a instância, foi realizada nova audiência e proferida nova Sentença em 14.07.2021, nos seguintes termos:


DECISÃO


Pelo exposto, e nos termos de direito invocados, o Tribunal julga a acção procedente, e, em consequência, decide:


1) Declarar a nulidade do termo aposto no contrato celebrado entre Autor e Ré e convertê-lo consequentemente em contrato sem termo.


2) Declarar ilícita a cessação do contrato de trabalho, promovida pela Ré e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor:


a. todas as quantias retributivas (remuneração e subsídios) que se venceram desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, com um valor de 5.000,00€ mensal, deduzindo as importâncias que o Autor auferiu a título de subsídio de desemprego (constante do facto provado 22, devendo a Ré entregar tal quantia à Segurança Social, acrescidas de juros, à taxa legal, desde as datas dos respetivos vencimentos até efetivo e integral pagamento;


b. uma indemnização por danos de natureza não patrimonial em montante de 5.000,00€, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação (02.10.2017) até efetivo e integral pagamento;


c. uma indemnização calculada em € 181.875,00, referente a 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração, tendo por referência a antiguidade do A. à data do despedimento, isto é, 24 anos e 3 meses, acrescida de juros, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da sentença até efetivo e integral pagamento.”.


A Ré interpôs recurso de apelação.


Por Acórdão de 27.04.2022, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu:


Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência:


A)- Declarar nula a sentença recorrida na parte em que excedeu o conhecimento do pedido relativo às retribuições entre o despedimento e a propositura da ação, do pedido de fixação da indemnização em substituição da reintegração e do pedido reconvencional.


B)- Alterar a sentença, na parte não declarada nula, nos seguintes termos:


1- Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 70.000,00 (Setenta mil Euros) correspondente a todas as retribuições que se venceram desde 30 dias antes da data da propositura da ação, até à data do trânsito em julgado parcial da 1a sentença proferida nos autos, deduzindo as importâncias que o Autor auferiu a título de subsídio de desemprego (constante do facto provado 22) devendo a Ré entregar tal quantia à Segurança Social, acrescidas de juros, à taxa legal, desde as datas dos respetivos vencimentos até efetivo e integral pagamento;


2- Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 125.000,00 (Cento e Vinte e Cinco Mil Euros) a título de indemnização em substituição de reintegração, acrescida de juros, à taxa legal, desde o trânsito em julgado deste acórdão até efetivo e integral pagamento.


3- Julgar procedente o pedido reconvencional e em consequência condenar o autor a pagar à ré do montante de € 93.420,00 (Noventa e Três Mil Euros, Quatrocentos e Vinte Euros), a deduzir da quantia referida em 2).”


Inconformado, o Autor interpôs recurso de revista.


No seu recurso questiona a decisão recorrida ao condenar a Ré ao pagamento das retribuições vincendas até à data do trânsito em julgado parcial da 1.a sentença deduzida nos autos, afirmando que cinde arbitrariamente a declaração de ilicitude e os seus efeitos (Conclusão G: “ou existe caso julgado quanto à decisão que declarou a ilicitude da
cessação do contrato de trabalho por tempo indeterminado vigente entre o A. e
a R. e, em consequência, tal questão encontra-se definitivamente decidida em
todas as suas vertentes, designadamente quanto a um dos seus efeitos [o valor
e critérios que levaram à fixação da indemnização em substituição da
reintegração] ou, em alternativa, não existe caso julgado quanto a essa questão
e, em consequência, a ilicitude e respetivos efeitos podem ser apreciados em
sede de recurso, com os efeitos e consequências previstos na lei”; ver também Conclusão QQ).


Contesta igualmente a alteração da matéria de facto introduzida pelo Tribunal da Relação como sendo violadora das regras de distribuição do ónus da prova. Afirma, igualmente, que “as decisões tomadas nos dois acórdãos citados (de 11/07/2019 e de 27/01/2021) vinculam o Tribunal que as proferiu que assim fica impedido de decidir contra o que já anteriormente tinha decidido e, sobretudo, contra o que manifestou ser a sua respetiva convicção, no caso de dúvida quanto a tais factos” (Conclusão BB), invocando uma nulidade à luz do disposto no artigo 615.o, n.o 1, alínea b) do CPC.


Impugna igualmente a redução no montante da indemnização substitutiva da reintegração (Conclusões AAA e seguintes).


Rematava, pedindo que fosse declarada a ilicitude da cessação do contrato de trabalho e a Ré fosse condenada a pagar ao Autor:


i) Todas as quantias retributivas (remunerações e subsídios) que se venceram desde o dia 14/08/2017, até ao trânsito em julgado da decisão, com o valor mensal de 5.000,00 euros mensal, acrescidas de juros vencidos e vincendos às respetivas taxas legais desde as datas dos respetivos vencimentos até efetivo e integral pagamento, deduzindo as importâncias que o A. auferiu a título de subsídio de desemprego (facto provado 22.) que a Ré deve entregar à Segurança Social;


ii) Uma indemnização por danos de natureza não patrimonial em montante de 5.000,00, acrescida de juros às respetivas taxas legais, desde a data da citação (02/10/2017) até efetivo e integral pagamento;


iii) Uma indemnização em substituição da reintegração, no montante de 181.875,00 euros, calculada em 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração, considerando a antiguidade de 24 anos e 3 meses, acrescida de juros às respetivas taxas legais desde o trânsito em julgado da decisão até efetivo e integral pagamento.


Pedia ainda que fosse declarado totalmente improcedente o pedido reconvencional da Ré.


A Ré contra-alegou.


Em conformidade com o disposto no artigo 87.o n.o 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso de revista.


Fundamentação


De Facto


Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias:


1. Entre A. e Ré foi celebrado, a 1 de fevereiro de 1993, o seguinte contrato:





2. Por iniciativa da R., foram assinados três documentos nesse período.


3. Em 1 de Novembro de 2004:








4. Em 1 de Janeiro de 2010:








5. E em 2 de janeiro de 2012:











6. Todos os documentos fazem referência ao contrato assinado em 1 de fevereiro de 1993, prevendo expressamente que a produção de efeitos se reporta àquela data, e procedem à atualização do vencimento do A., que, na data da cessação do contrato de trabalho, era de € 5.000,00 (cinco mil euros) líquidos, correndo por conta da R. os descontos a efetuar para o regime contributivo da Segurança Social.


7. Por carta datada de 27 de fevereiro de 2017, subscrita pelo Encarregado de Negócios da Embaixada da Líbia, Dr. EE, cuja cópia consta de fols. 26, foi comunicado ao A. que a R. iria dispensar os respetivos serviços a partir do final do mês de Fevereiro de 2017 por força das recomendações da comissão constituída pela decisão do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Líbia, acrescentando que os meses de Março e Abril de 2017 seriam considerados como “meses de aviso segundo a legislação portuguesa”. (Alterado pelo Tribunal da Relação)


8. O contrato veio a cessar no dia 30 de abril de 2017.


9. Aquando da cessação do contrato de trabalho, a R. efetuou uma transferência bancária para a conta do A. no montante de € 54.166,68 (cinquenta e quatro mil cento e sessenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos), alegando que esse valor seria o “referente aos anos de trabalho de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e aos proporcionais de 2017, e referente aos proporcionais do subsídio de férias e de Natal de 2017 e férias não gozadas nos anos anteriores, valor com que o autor não concordou” (Alterado pelo Tribunal da Relação).


10. Logo que o A. se apercebeu desse depósito, efetuado por transferência bancária, dirigiu à R. uma carta, datada de 9 de junho de 2017, manifestando a sua discordância com a cessação do contrato e referindo que os créditos pagos são em montante inferior ao que lhe seria devido por via dessa cessação ilícita.


11. Ao longo dos 24 anos em que exerceu funções na Embaixada da Líbia, o A. foi sempre um trabalhador exemplar, cumprindo as funções para as quais foi contratado, com zelo e grande dedicação.


12. Em muito contribuindo, face ao domínio da língua portuguesa e árabe, para a boa imagem da R.


13. Foi por isso com muita surpresa que o A. recebeu a notícia de cessação do contrato de trabalho.


14. O que lhe causou grande tristeza, atendendo à dedicação que sempre colocou na execução do trabalho por conta da R.


15. E angústia por sentir que dificilmente poderá voltar ao mercado de trabalho atendendo à sua idade (58 anos) e à especificidade das funções que exerceu.


16. Passando desde essa altura a andar preocupado e receoso do seu futuro e do respetivo agregado familiar de que era a principal fonte de rendimento.


17. Em 02.10.2007 foi paga ao Autor, pela Ré, a título de indemnização por fim de contrato e sem ser a título de vencimentos, a quantia de € 9.887,50. (Alterado pelo Tribunal da Relação)


18. Em 12.02.2008 foi paga ao Autor, pela Ré, a título de indemnização por fim de contrato e sem ser a título de vencimentos, a quantia de 8.173,00€. (Alterado pelo Tribunal da Relação)


19. Em 28.05.2009 foi paga ao Autor, pela Ré, a título de indemnização por fim de contrato e sem ser a título de vencimentos, a quantia de 4.488,00€. (Alterado pelo Tribunal da Relação)


20. Em 16.07.2013 foi paga ao Autor, pela Ré, a título de indemnizações por fim de contratos e sem ser a título de vencimentos, a quantia de 35.871,50€. (Alterado pelo Tribunal da Relação)


21. Em 31.05.2017 foi paga ao Autor, pela Ré, a título de indemnização por fim de contrato e sem ser a título de vencimentos, a quantia de 35.000,00€. Alterado pelo Tribunal da Relação)


22. O Autor recebeu, a título de subsídio de desemprego, o valor diário de 35,11€ desde 16.06.2017 até 15.12.2017, o valor diário de 31,60 desde 16.12.2017 até 31.12.2017 e o valor diário de 35,74€ desde 01.01.2018 que ainda se encontra a receber.


De Direito


O presente recurso de revista coloca as seguintes questões:


Em primeiro lugar, a correção da decisão do Tribunal da Relação quanto á matéria de facto, ao alterar os factos 7, 9, 17, 18, 19, 20 e 21 e suprimir o facto não provado A. A este respeito o Recorrente invoca a violação das regras do ónus da prova.


Em segundo lugar, a questão de saber até que momento é que são devidos salários de tramitação caso o trabalhador ilicitamente despedido opte pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração.


Depois o cálculo da indemnização por antiguidade que foi fixada pelo Tribunal da Relação em 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade e fração.


Depois, ainda, a procedência do pedido reconvencional da Ré.


Relativamente à decisão do Tribunal da Relação quanto à matéria de facto, importa começar por sublinhar que os poderes do Supremo Tribunal de Justiça nesta sede são extremamente reduzidos. Com efeito, este Tribunal limita-se, em princípio, a aplicar o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido (artigo 682.o, n.o 1 do CPC) e “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (n.o 3 do artigo 674.o). Assim, o facto de o Tribunal da Relação no domínio da livre apreciação da prova ter alterado os factos 7, 9, 17, 18, 19, 20, 21, não é sindicável neste recurso de revista, tanto mais que o fez por força da interpretação de documentos juntos ao processo. Como também não é sindicável a supressão do facto não provado A. Por outro lado, o artigo 662.o n.o 4 determina que “[d]as decisões da Relação previstas nos números 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”. Assim, este Tribunal não pode sindicar a oportunidade do exercício deste poder-dever da Relação. Sublinhe-se, em todo o caso, que não se vislumbra qualquer contradição entre ordenar a produção de novos meios de prova para depois decidir face aos já existentes, seja porque essa produção não foi possível, seja porque acabou por não se revelar tão útil como se esperava. Seja como for, está-se no domínio da livre apreciação da prova. E também não se verifica qualquer nulidade por força do artigo 615.o n.o 1 alínea b) por oposição entre a decisão e os seus fundamentos. Poderá ter existido, como refere o parecer do Ministério Público, um erro de julgamento, mas o mesmo não é suscetível de recurso de revista por força das disposições legais já citadas (artigo 674.o, n.o 3 e artigo 662.o n.o 4 do CPC).


Assim nesta parte não se pode conhecer o recurso do Autor.


O despedimento, mesmo que ilícito, começa por produzir os efeitos extintivos a que vai dirigido. Contudo se o trabalhador o conseguir impugnar com sucesso a sua eficácia extintiva é suprimida. Daí que a doutrina dominante entre nós considere que o despedimento ilícito é, em rigor, inválido, mais precisamente anulável1. A sua declaração de ilicitude pelo tribunal acarreta que o contrato de trabalho não cessou. E daí que sejam devidos os salários de tramitação2, isto é, os salários que o trabalhador deixou de receber por causa do despedimento, os quais, sublinhe-se, são devidos quer haja reintegração do trabalhador, quer este opte pela indemnização de antiguidade. A obrigação de pagar tais salários resulta de o empregador se ter recusado culposamente, na sequência do despedimento ilícito, a receber a prestação do trabalhador. Acrescente-se que a demonstração da subsistência do contrato resulta também do facto de que a antiguidade do trabalhador para efeitos, por exemplo, de cálculo da indemnização substitutiva da reintegração será aferida, mesmo nesse caso, até ao trânsito em julgado da decisão judicial. É certo que esta visão não é pacífica e que um outro segmento doutrinal considera que o despedimento ilícito não é inválido3 e que tudo o que está em jogo é a reparação de um dano causado por um incumprimento contratual, acaba por reconhecer que “da ilicitude do despedimento pode resultar que o contrato não cessou, tendo continuado em vigor, apesar de, durante um certo lapso, não ter sido cumprido”4.


Relativamente aos “salários de tramitação” importa, desde logo, ter em conta que historicamente a jurisprudência não atribuiu relevância decisiva ao elemento literal, atendendo frequentemente à teleologia das normas legais. O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.o 1/2004 de 9 de janeiro5 decidiu que “[d]eclarada judicialmente a ilicitude do despedimento, o momento a atender, como limite temporal final, para a definição dos direitos conferidos ao trabalhador pelo artigo 13.o, n.os 1, alínea a), e 3, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.o 64-A/89, de 27 de Fevereiro, é, não necessariamente a data da sentença da 1.a instância, mas a data da decisão final, sentença ou acórdão que haja declarado ou confirmado aquela ilicitude”. Assim e apesar da letra do preceito da LCCT citado se referir a “sentença” o Tribunal não considerou a letra da lei decisiva. O Tribunal que sublinhou que a sua conclusão se reportava tanto aos casos em que estivesse em causa a reintegração do trabalhador, como aqueles em que ele tivesse optado pela indemnização afirmou que “não faria nenhum sentido que se criasse no período que decorre entre a data da sentença de 1.a instância que veio a ser impugnada e a data da decisão final um hiato ou um vácuo na protecção do trabalhador, privando-o das retribuições que teria auferido ao longo desse período não fora o despedimento ilícito e desprezando esse mesmo período para efeitos de antiguidade”. O Acórdão afirma também expressamente que “[é], a nosso ver, esta a orientação que melhor salvaguarda os interesses do trabalhador que, de um modo geral, o legislador laboral primacialmente visou proteger, em atenção à sua qualidade de parte mais frágil na relação de trabalho”.


Também o Acórdão do Tribunal Constitucional n.o 284/2011 proferido a 7 de junho de 2011 (Relator Conselheiro Pamplona de Oliveira). No Acórdão que incidiu precisamente sobre um caso em que o trabalhador alvo de um despedimento ilícito tinha optado pela indemnização de antiguidade, o Tribunal sublinha, entre a sua rica argumentação, que “a solução oposta [a de negar os salários de tramitação a partir da decisão da 1.a instãncia] levaria (...) à desprotecção do trabalhador, que ficaria privado de rendimentos pelo simples facto de o trabalhador ter decidido interpor recursos da decisão da 1.a instância, protelando o trânsito em julgado da decisão”, acrescentando que “[n]ão se atribuindo o direito aos salários intercalares até ao trânsito em julgado da sentença, o trabalhador deixaria de auferir os salários por facto que não lhe era imputável”.


Não se ignora que a solução encontrada pelo Tribunal da Relação – considerar que os salários de tramitação só são devidos até à data da sentença quando esta declarou a ilicitude do despedimento e este segmento decisório não foi impugnado pelo empregador- é sufragado por parte da doutrina. Assim PEDRO FURTADO MARTINS depois de destacar que enquanto o artigo 437.o n.o 1 do CT de 2003 se referia a “decisão do tribunal”, o artigo 390.o n.o 1 refere-se agora a “decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento”, afirma que “a diferença pode ter consequências se no recurso interposto da decisão da primeira instância não for atacada a declaração da ilicitude, mas apenas outros aspetos, como seja o valor de certos créditos”. E acrescenta “[u]ma vez que a decisão sobre a licitude já transitou num caso como este os salários intercalares serão apenas os devidos até à data da sentença”.


Não partilhamos, de todo este entendimento.


A tese mencionada conduziria a que se por exemplo, em um despedimento não precedido de despedimento disciplinar a sentença declarasse ilícito o despedimento e o empregador não recorresse deste segmento decisório, o trabalhador que tivesse optado pela indemnização não teria direito a salários de tramitação a partir desse momento mesmo que o empregador tivesse recorrido para questionar, por exemplo, a antiguidade do trabalhador, a sua retribuição base ou até o caráter abusivo da sanção (veja-se o artigo 331.o do CT e o seu n.o 6, alínea b). Acresce que pensamos que só na aparência é que a letra da lei aponta para a solução preconizada por PEDRO FURTADO MARTINS. Com efeito, a lei passou a referir-se a decisão do tribunal para abranger tanto as sentenças como os acórdãos, o que era controvertido no domínio da legislação anterior ao Código de 2003. Trata-se, em todo o caso, de uma decisão que entra em caso julgado e que põe fim ao processo. A declaração de que o despedimento é ilícito feita na sentença pode ser um segmento decisório autónomo para efeitos de “dupla conformidade” ou para efeitos de recurso e caso julgado, mas não é em si mesma a decisão final do processo, a decisão sobre a ilicitude e suas consequências. E podem invocar-se nesse sentido não só o elemento teleológico – a referida necessidade de proteção do trabalhador – como o elemento sistemático: é que a antiguidade do trabalhador para efeitos de cálculo da indemnização se conta ao trânsito em julgado da decisão judicial (artigo 391.o, n.o 2 do CT), não se duvidando aqui que a lei se refere ao trânsito em julgado da decisão final. E não faria sentido que se considerasse que o contrato subsiste até esse momento para efeitos de antiguidade, mas não de salários de tramitação.


Há, pois, que neste aspeto dar razão ao Recorrente e condenar a Ré no pagamento dos salários de tramitação até ao trânsito em julgado deste Acórdão, com as deduções legais.


Relativamente ao cálculo da indemnização de antiguidade, o Acórdão recorrido fixou a indemnização em 30 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade ou fração.


Fê-lo com a seguinte argumentação:


“[A]companhando o critério previsto nos artigos 381o e 391o do CT, parece-nos adequada a fixação indemnizatória tendo em conta que o autor foi despedido sem demonstração da existência dos pressupostos de que depende o despedimento com justa causa, embora com base num encadeado de contratos escritos que vinham já de 1993 (ou seja, há mais de 24 anos) que, erroneamente, davam a perceção à Ré de poder fazer cessá-los nos termos dos respetivos contratos tendo a cessação ocorrido apenas por determinação que a ré Embaixada da Líbia recebeu do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Líbia (facto provado no 7) o que suporta um entendimento que coloca a ilicitude num grau reduzido”.


Tal como o douto Parecer do Ministério Público junto aos autos não podemos acompanhar esta argumentação. O facto de a Ré ter agido segundo as instruções de outrem não diminui o grau de ilicitude do seu comportamento. E deve afirmar-se que não é reduzida a ilicitude de um comportamento que consistiu em manter um trabalhador em uma situação de extrema precariedade (mais de vinte anos de contratos a termo sucessivos) e em terminar a relação laboral dando vinte dias de aviso prévio. Mas, e por outro lado há que ter em conta o valor da retribuição (artigo 391.o, n.o 1 do CT), cinco mil euros, que face à realidade sócio-económica portuguesa se afigura relativamente elevado. Assim, fixa-se o valor da indemnização em 35 dias de retribuição base e diuturnidades por cada no de antiguidade ou fração, contando-se a antiguidade até ao trânsito em julgado deste Acórdão.


Considerando estar provado que a relação laboral se iniciou a 1 de fevereiro de 1993, que a retribuição mensal era de 5000 euros e que por força do disposto no n.o 2 do artigo 391.o na fixação da indemnização, “o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial”, ou seja deste Acórdão, o montante da indemnização de antiguidade será de 31 (30 anos e uma fração) X 5833,33, o que perfaz € 180.833,23 (cento e oitenta mil oitocentos e trinta e três euros e vinte e três cêntimos).


A sentença de 1.a instância condenou a Ré no pagamento de € 5.000 (cinco mil euros) por compensação de danos não patrimoniais sofridos pelo Autor e no seu recurso de revista o Autor vem pedir que lhe seja atribuída “uma indemnização por danos de natureza não patrimonial em montante de 5.000,00, acrescida de juros às respetivas taxas legais, desde a data da citação (02/10/2017) até efetivo e integral pagamento”. Face aos factos dados como provados, mormente aos factos 13 a 16, deve ter-se por provada a existência do dano não patrimonial, mormente atendendo à tristeza e angústia do Autor.


Face aos factos provados 17 a 21 e considerando o escopo dos pagamentos “a título de indemnização por fim de contrato”, tais quantias foram pagas em razão da pretensa caducidade dos contratos a termo que na realidade não ocorreu. Concorda-se, pois, com o Acórdão recorrido quando afirma que:


“Pediu a ré/apelante em reconvenção a compensação dos montantes pagos ao autor (€ 93.420,00) por virtude das caducidades parcelares dos diversos contratos celebrados desde 1993.


A sentença recorrida, apesar de ter concluído no corpo da sentença que a reconvenção deverá ser improcedente por a ré não ter feito prova do que alegou quanto à natureza e finalidades das quantias em questão, acabou por não fazer menção à reconvenção no decisório propriamente dito.


Atentemos.


Ficou provado que a ré, em virtude da cessação dos contratos que celebrou com o autor e a título de indemnização por força de cessação de contratos pagou-lhe 9.887,50€ em 2/10/2007; 8.173,00€ em 12.02.2008; 4.488,00€ em 28.05.2009; 35.871,50€ em 16.07.2013; e 35.000,00€ em 31.05.2017 (factos provados nos 17, 18, 19, 20 e 21).


Resulta da sentença proferida em 1a instância a 9/7/2018, nesta parte já transitada em julgado, que as estipulações dos termos constantes daqueles contratos são nulas, pelo que apenas existiu um contrato sem termo desde o início, ou seja, desde 1/2/1993.


Aqueles pagamentos referidos feitos pela ré ao autor decorrem da obrigação contida nas Clas 7as de todos os contratos celebrados entre autora e ré, como se evidencia dos factos provados nos 1, 2, 3, 4 e 5.


Estando judicialmente estabelecido que houve um contrato contínuo desde 1/2/1993 até 30/4/2017, tais pagamentos a título indemnizatório por cessação dos contratos deixaram de ter razão jurídica de existir, não podendo o autor cumular tais indemnizações já recebidas com a prevista no art. 391o do CT, que nestes autos lhe é reconhecida.


E uma vez que os referidos pagamentos foram a título de indemnização por cessação contratual, deve a sua quantia global ser compensado com o valor indemnizatório alcançado nos autos nos termos do art. 391o do CT, por já ter recebido antecipadamente parte da mesma”.


Decisão: Acorda-se em conceder parcialmente a revista, condenando-se a Ré:


1. Condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 180.833,23 (cento e oitenta mil oitocentos e trinta e três euros e vinte e três cêntimos) a título de indemnização em substituição de reintegração, acrescida de juros, à taxa legal, desde o trânsito em julgado deste acórdão até efetivo e integral pagamento.


2. Julga-se procedente o pedido reconvencional e em consequência condena-se o Autor a pagar à Ré o montante de € 93.420,00 (noventa e três mil quatrocentos e vinte euros), a deduzir da quantia referida em 1).


3. Condena-se a Ré a pagar ao Autor uma compensação por danos morais de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros desde a data da citação (02/10/2017) até efetivo e integral pagamento.


4. Condena-se a Ré a pagar ao Autor todas as retribuições (incluindo subsídios de férias e de Natal), com um valor mensal de cinco mil euros, que se venceram desde 30 dias antes da data da propositura da ação, até à data do trânsito em julgado deste Acórdão, deduzindo as importâncias que o Autor auferiu a título de subsídio de desemprego (constante do facto provado 22) devendo a Ré entregar tal quantia à Segurança Social, retribuições acrescidas de juros, à taxa legal, desde as datas dos respetivos vencimentos até efetivo e integral pagamento.


Custas da ação a suportar pelo Autor em 5% e pela Ré em 95%


Custas da reconvenção a suportar pelo Autor.


Lisboa, 24 de maio de 2023


Júlio Gomes (Relator)


Ramalho Pinto


Domingos José de Morais


______________________________________________________

1. Cfr., por todos, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Jurídicas Laborais Individuais, 6.a ed., Almedina, Coimbra, 2016, pp. 841 e ss., p. 867; JOÃO LEAL AMADO, in Direito do Trabalho, Relação Individual, João Leal Amado e Outros, Almedina, Coimbra, 2019, p. 1080; ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Notas breves sobre o despedimento ilícito, RDES 2016, ano LVII, pp. 7 e ss., p. 12.↩︎

2. MARIA DO ROSÀRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., p. 867: “O direito às retribuições intercalares é independente quer do direito á indemnização (tal como é expressamente referido no n.o 1 do art. 390.o), quer do direito do trabalhador à reintegração, se for esta a sua opção. Trata-se da consequência natural da invalidade do despedimento: embora a decisão de despedir tenha sido eficaz durante algum tempo (razão pela qual o contrato deixou de estar em execução e, portanto, o trabalhador deixou de auferir a retribuição), com a declaração de invalidade do despedimento é destruída retroactivamente, nos termos gerais, eplo que se procede á reposição integral da situação contratual – o que passa pela percepção das retribuições que o trabalhador teria direito se o contrato tivesses estado em execução”.↩︎

3. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 10.a ed., Almedina, Coimbra, 2022, p. 1023: “o despedimento ilícito não é inválido”.↩︎

4. PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., p. 1024.↩︎

5. Publicado no Diário da República n.o 7/2004, série I-A de 9 de janeiro de 2004.↩︎