INVENTÁRIO
INTERESSADOS DIRETOS NA PARTILHA
FALTA DE CITAÇÃO DO CÔNJUGE DO HERDEIRO
SOLICITADOR
FACULDADE DE SUBESTABELECER
Sumário


1. A doutrina tem entendido que os interessados diretos na partilha referidos no artº 1085º nº1, alínea a), do CPC, serão os sujeitos que, sendo ou não herdeiros do de cujus, veem a sua esfera jurídica ser atingida, de forma imediata e necessária, pelo modo como se organiza e concretiza a partilha do acervo hereditário.
2. Se entre o herdeiro e o seu cônjuge vigorar o regime de comunhão de adquiridos ou o regime de separação de bens, atenta a não comunicabilidade dos bens adquiridos por via sucessória em consequência da partilha (cf. artºs 1722º, nº1, al. b), e 1735º, CC), não pode, em regra, qualificar-se o cônjuge como interessado direto na partilha. Esse cônjuge não possui legitimidade para requerer o inventário, nem para nele intervir como parte principal, sem prejuízo de considerar-se que, mesmo nos referidos regimes matrimoniais, o cônjuge do herdeiro, em determinadas circunstâncias particulares, pode possuir interesse na partilha. Isto sucede quando o acervo hereditário abranja bens em relação aos quais o direito substantivo condiciona a prática de atos de alienação ou de oneração ao consentimento de ambos os cônjuges. É o que ocorre, com exceção do regime de separação de bens, com a oneração de imóveis ou de estabelecimento comercial (cf. artº 1682º-A, nº1, CC) ou, mesmo no regime da separação de bens, com a alienação, oneração ou arrendamento da casa de morada de família (artº 1682º-A, nº2, e 1682º-B, CC),
3. Assim, não sendo interessado direto, o cônjuge do herdeiro não tem que ser demandado e citado para os termos do inventário, sem prejuízo das intervenções processuais pontuais que a lei lhe consente.

Texto Integral


Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

Em 14 de fevereiro de 2023 foi prolatado o seguinte despacho:
3) - Da falta de junção pela interessada de documento de ratificação do processado, sob cominação, e seus efeitos.
Nos termos do artigo 1090º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe Patrocínio judiciário obrigatório:
É obrigatória a constituição de advogado:
a) Para suscitar ou discutir qualquer questão de direito;
b) Para interpor recurso.
Em anotações a este artigo escrevem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes, Pedro Pinheiro Torres, in O Novo Regime do Processo de Inventário e outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina 2020, página 41 e 42.: “O artigo regula as situações em que o patrocínio judiciário por advogado é obrigatório no processo de inventário. Diferentemente do que sucede no art. 40º, n.º 1, als a) e b), o artigo não faz depender a obrigatoriedade do patrocínio judiciário do valor do inventário ou sequer da recorribilidade de qualquer decisão. Nos termos da al. a), a prática de um ato por um interessado sem a constituição de mandatário judicial é admissível se, nesse ato, não se suscitar ou não se discutir nenhuma questão de direito.”
O requerimento de reclamação da interessada AA (apresentado sob a referência ...29) vem subscrito pela Exma. Senhora Solicitadora BB, com a cédula profissional de solicitador n.º ....
Em anexo a tal requerimento foi carreada uma procuração outorgada, a 14.7.2022, pela interessada CC e marido DD a favor da Sr.ª Solicitadora, conferindo os mais amplos e gerais poderes forenses em Direito permitidos, bem com os especiais de confessar, desistir, transigir, representar e receber todas e quaisquer citações notificações judiciais.
Entendeu o Tribunal que nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º do requerimento de reclamação são suscitadas questões de direito.
Tais questões apenas poderiam ser levantadas e discutidas por I. Advogado (e já não pela Ilustre Sr.ª Solicitadora ou até pela própria parte (ex vi art. 1090.º do Código de Processo Civil).
Determinou, pois, o Tribunal que se notifique a interessada AA, pessoalmente (art. 249.º do Código de Processo Civil), bem como na pessoa da Ilustre Solicitadora constituída, para suprir a suscitada irregularidade/insuficiência de mandato, pela constituição de Ilustre Mandatário que garanta o patrocínio judiciário por advogado quanto às questões de direito suscitadas, que deveria juntar aos autos declaração de ratificação do alegado nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º, no prazo de 10 dias, o que se ordena nos termos do artigo 48.º n.º 2 do Código de Processo Civil., sob pena de considerar-se como não escrito o alegado nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º, do aludido requerimento.
Em resposta ao referido despacho, e no devido prazo legal, o Ilustre Mandatário EE juntou aos autos substabelecimento, com reserva, a seu favor, outorgado por parte da Sr. Solicitadora BB, dos poderes que foram conferidos por AA e marido DD e, ao abrigo dos quais foi alegada a matéria constante dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º do Código de Processo Civil.
Após novo despacho para o efeito, que reiterou o ordenado, o Ilustre Mandatário juntou aos autos declaração de ratificação do alegado nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º, na reclamação quanto às questões de direito suscitadas.
Isto posto, através de uma procuração, uma pessoa pode, voluntariamente, atribuir a outra pessoa poderes para a representar (artigo 262.º do Código Civil).
O procurador pode fazer-se substituir por outrem, substabelecendo os poderes lhe foram conferidos, se o representado o consentir ou se esta faculdade resultar do conteúdo da procuração ou da relação jurídica que a determina (artigo 264.º do Código Civil).
O substabelecimento tem que revestir a forma exigida para a procuração (n.º 3 do artigo 116.º do Código do Notariado).
O substabelecimento está especialmente ligado à dinâmica do mandato forense, permitindo que o advogado com poderes de representação transmita esses poderes a um outro advogado.
A procuração outorgada pela Sr. Solicitadora a favor do Ilustre Mandatário subscritor da declaração de ratificação não prevê a outorga à mandatária da faculdade de substabelecer os poderes forenses gerais e especiais.
Logo, o substabelecimento lavrado a favor do Ilustre Mandatário é ineficaz quanto à interessada e marido, os mandantes – art. 264.º do Código Civil – pois estes últimos não o vieram consentir expressamente nos autos, tal faculdade não resulta do conteúdo da procuração, nem necessariamente da relação jurídica que a determina.
Assim sendo, a interessada AA e marido apenas outorgaram à Sr.ª Solicitadora poderes para alegar toda a matéria vertida nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º e, em rigor, não o fizeram, até ao momento, quanto ao Ilustre Mandatário, apesar de terem sido notificados para o efeito, com cominação expressa.
Donde que, sem qualquer intervenção dos mandantes nos autos, a declaração de ratificação do Ilustre Mandatário, ainda que no prazo legal, de toda a alegação de toda a matéria vertida nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º, não pode produzir qualquer efeito quanto à sanação dos pressupostos da instância em relação à matéria em causa, por falta de constituição de advogado e/ou irregularidade do mandato (arts. 41.º e 48.º do Código de Processo Civil).
Com efeito, a ordenada ratificação daquela matéria não se mostra realizada, porquanto o substabelecimento realizado é ineficaz em relação aos mandantes – art. 268.º, n.º 1 do Código Civil, não tendo o Ilustre Advogado poderes para ratificação do alegado/processado quanto a matéria de direito.
Era a mandante/reclamante e interessada FF quem deveria ter constituído Ilustre Mandatário e ratificado o alegado, conforme foi ordenado pelo Tribunal ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 2 do Código de Processo Civil [e por isso se ordenou tanto a notificação da mandante como da mandatária, note-se].
O que, pelas razões expostas, até ao momento, não sucedeu, apesar do convite à sanação de tal irregularidade ou insuficiência do mandato outorgado a favor da Sr. Solicitadora.
Em rigor, até ao momento, a interessada não juntou qualquer procuração outorgada ao Senhor Advogado, concretamente, conferindo-lhe poderes para ratificar aquela matéria alegada pela Senhora Solicitadora, nem produziu qualquer escrito onde declarasse essa ratificação.
O prazo fixado para a sanação de tal irregularidade encontra-se ultrapassado, considerando-se, quer a notificação datada de 31-10-2022, quer a notificação datada de 10-11-2022.
Dispõe o art. 6.º, n.º 2 do Código de Processo Civil: O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
Ora, entende o Tribunal que o poder-dever de convite ao aperfeiçoamento ou sanação dos pressupostos da instância foi cumprido, tendo sido a parte e a sua Ilustre Mandatário (Sr.ª Solicitadora) sido notificadas regularmente para o efeito, sob cominação de desconsideração do alegado nos arts. 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º
Sucede que, pelas razões expostas, até ao momento não se verifica regularmente cumprido o convite para a sanação da dita irregularidade e dos pressupostos da instância incidental. Salvo melhor entendimento, e uma vez que tal convite foi regulamente notificado às partes, não há lugar à reiteração de aplicação do disposto no art. 6.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (com um novo convite à correção da dita irregularidade após pronúncia do I. Advogado substabelecido) operando, portanto, a cominação anteriormente fixada.
Concluindo, assiste razão ao cabeça de casal, passando a considerar-se sem efeito, logo como não escrito, o disposto nos arts. 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º da reclamação à relação de bens apresentada por falta de constituição de advogado e insuficiência do mandato outorgado à Sr. Solicitadora para alegação de tais questões de direito (arts. 6.º, 41.º, 48.º, 1090.º do Código de Processo Civil).
Notifique.

Inconformada com a decisão, a interessada AA apelou, formulando as seguintes conclusões:

1- ENTENDEU O MERÍTISSIMO JULGADOR QUE, QUANTO AO CÔNJUGE DO HERDEIRO AA, O SEU INTERESSE NA PARTILHA SÓ SERÁ DIRETO SE O REGIME DE BENS EXISTENTE ENTRE O CASAL FOR O DA COMUNHÃO GERAL DE BENS.
2- DISCORDA A RECORRENTE DE TAL ENTENDIMENTO PORQUANTO ESTANDO A HERDEIRA AA CASADA COM O INTERESSADO SECUNDÁRIO (OU INDIRETO), SEU CôNJUGE, NO REGIME DA COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS ESTE TERÁ SEMPRE INTERESSE NA PARTILHA A REALIZAR POR PODER VER AFETADO O SEU PATRIMONIO NESTA, TANTO MAIS QUE EXISTEM BENS IMOVEIS NO ACERVO HEREDITÁRIO A PARTILHAR.
3- TAL AFETAÇÃO NO PATRIMONIO NO CÔNJUGE DO HERDEIRO DIRETO CONFERE ÀQUELE (HERDEIRO INDIRETO OU SECUNDÁRIO) A LEGITIMIDADE EM AGIR TAL QUAL VEM PLASMADA O ART.30 DO CPC E DAÍ ADVIR-LHE A NECESSIDADE DE SER CITADO PARA OS TERMOS DO INVENTÁRIO.
4- NESSE SENTIDO REMETEMOS, COM A DEVIDA VENIA, PARA A ANOTAÇÃO AO ART. 1085 DO NOVO REGIME DO PROCESSO DE INVENTÁRIO QUE, POR ECONOMIA, NOS DISPENSAMOS DE REPETIR (DADO TER OCORRIDO A TRANSCRIÇÃO NAS MOTIVAÇÕES), BEM COMO O QUE A ESTE PROPOSITO ENTENDE A JURISPRUDENCAI AVISADA E A BOA DOUTRINA.
5- O MESMO SE DIGA QUANTO AO CONCEITO DE LEGITIMIDADE PROCESSUAL EM ANOTAÇÃO AO MESMO ARTIGO ONDE SE ESCREVE: ” PARA QUE A PARTILHA REPRODUZA O SEU EFEITO UTIL NORMAL É NECESSÁRIO A PRESENÇA EM JUIZO DE TODOS OS INTERESSADOS DIRETOS (NO CASO A AA) COMO DE TODOS OS INTERESSDOS INDIRETOS OU SECUNDÁRIOS (NO CASO O SEU CONJUGE)-ART. 33 Nº 2 E 3 DO MESMO DIPLOMA LEGAL.
QUANTO A FALTA DA JUNÇÃO PELA INTERESSADA DE DOCUMENTO DE RATIFICAÇÃO DO PROCESSADO
6- SENDO CERTO QUE A RECORRENTE E MARIDO CONFERIRAM PROCURAÇÃO À SENHORA SOLICITADORA COM PODERES GERAIS E ESPECIAIS E SENDO CERTO AINDA QUE NA MESMA NÃO CONSTAM DE FORMA EXPRESSA OS PODERES PARA SUBSTABELECER
7- TAMBÉM É CERTO QUE O ART. 44 Nº 2 DO CPC PRECEITUA” QUE NOS PODERES QUE A LEI PRESUME CONFERIDOS AO MADATÁRIO ESTÁ INCLUIDO O DE SUSBSTABELECER O MANDATO” SENDO ASSIM DESNECESSÁRIA A SUA MENÇÃO EXPRESSA NA PROCURAÇÃO, FACTO QUE ALIAS É ACEITE PELA JURISPRUDENCIA DOMINANTE.
SE ASSIM DE NÃO ENTEDER E QUANTO À SANAÇÃO DA FALTA:
8-É CERTO QUE TENDO OCORRIDO NOTIFICAÇÃO À INTERESSADA AA E À SENHORA SOLICITADORA NO SENTIDO DE SUPRIR A IRREGULARIDADE/INSUFICIENCIA DE MANDATO, FOI JUNTO AOS AUTOS SUBSTABELECIMENTO, SEM MAIS,OUTORGADO PELA SENHORA SOLICITADORA.
9-NESSA SEQUENCIA O MERETISSIMO JUIZ PROFERIU NOVO DESPACHO DATADAO DE 10/11/2022 ORDENANDO-SE QUE “SE RENOVASSE O DESPACHO ANTERIOR”, FACE AO LAPSO OCORRIDO;
10-O DESPACHO ANTERIOR DATADO DE 8/11/2022 FOI, COMO ERA MISTER, NOTIFICADO À INTERESSADA AA E TAMBÉM À SENHORA SOLICITADORA, MAS TAL JÁ NÃO ACONTECEU COM O DESPACHO DATADAO DE 10/11/2022, OU SEJA, A SECRETARIA JUDICIAL NÃO NOTIFICOU A INTERESSADA AA;
11- RESULTANDO, ASSIM, QUE NÃO TENDO SIDO CUMPRIDO NA INTEGRA O SEGUNDO DESPACHO, NÃO FOI NOTIFICADA A PARTE INTERESSADA (A REFERIDA AA) PARA PROFERIR A DECLARAÇÃO DE RATIFICAÇÃO, COMO ERA MISTER QUE SUCEDESSE, UMAVEZ QUE ERA Á
PARTE QUE DEVERIA PROVIDENCIAR PELA DITA RATIFICAÇAO.
12-PELO QUE, SALVO O DEVIDO RESPEITO, DEVER-SE-IA NOTIFICAR DE NOVO A INTERESSADA (AO ABRIGO DO ART. 6 Nº 2 DO CPC) PARA CUMPRIR O SEGUNDO DESPACHO DE 10/11/2022 DO QUAL NÃO CHEGOU A TOMAR CONHECIMENTO.
Termos em que procedendo o presente recurso deverá o douto despacho de fls, e agora colocado em crise, ser revogado e substituído por outro ordene a citação de AA, anulando-se todo o processado posteriormente produzido.
Se assim se não entender, deverá ao abrigo do art. 6 nº 2 do CPC ser notificada a interessada AA para suprir a irregularidade/insuficiência do mandato a que se alude supra.

ASSIM DE PROCEDENDO SE FARÁ JUSTIÇA.
Foram apresentadas contra-alegações pelo cabeça de casal pugnando pela manutenção do decidido.
Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos.

**********
II – Questões a decidir:

Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são, assim, apurar se se deve anular todo o processado por alegada falta de citação do cônjuge da recorrente e se se devem ter por ratificados os atos praticados, apurando igualmente as consequências da alegada preterição da notificação pessoal da recorrente na sequência de novo despacho de insistência prolatado em 10 de novembro de 2022.
*********
III – Fundamentação:

A. Fundamentos de facto:

Os factos provados com relevância para a decisão do recurso são os que constam do relatório.
**********

B. Fundamentos de direito. 

Importará começar por fazer uma nota prévia, para assinalar que a recorrente, de forma assaz confusa, começa por referir que recorre do despacho em que se decidiu “considerar-se sem efeito, logo como não escrito, o disposto nos artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 da reclamação à relação de bens apresentada, por falta de constituição de advogado e insuficiência de mandato outorgado à senhora solicitadora para alegação de tais questões de direito”, mas depois nas suas alegações de recurso, e a despeito de repetir o supra exposto logo a seguir à epígrafe objeto do recurso, faz considerações sobre a alegada falta de citação de DD, cônjuge da recorrente, porventura como questão prévia.
Considerando que nas contra-alegações o cabeça de casal se pronunciou sobre tal matéria, entenderemos que o objeto do recurso também abrange a questão da alegada necessidade de citação do referido cônjuge e seus reflexos no processo, designadamente por poderem, alegadamente, tornar desnecessário o conhecimento do subsequentemente alegado no recurso.
Começa a recorrente por se insurgir contra a decisão do tribunal recorrido que entendeu que o interesse do cônjuge só será direto se o regime de bens do casal for o da comunhão geral de bens.

A este respeito, decidiu o tribunal recorrido:
Verifico que DD não foi citado nos termos do art. 1100.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil.
Importa, pois, perceber se se trata de preterição de uma formalidade essencial suscetível de causar a anulação de todo o processado desde o requerimento inicial ou despacho liminar.
DD é cônjuge de uma interessada direta na partilha e com ela casado no regime da comunhão de adquiridos.
Não é legatário, nem foi instituído herdeiro testamentário.
De acordo com o art. 1085º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil, têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervirem, como partes principais [em todos os atos e termos do processo], os interessados diretos na partilha e o cônjuge meeiro ou, no caso da alínea b) do artigo 1082.º, os interessados na elaboração da relação dos bens.
A legitimidade representa o interesse direto no processo.
Este materializa-se, em concreto, na utilidade derivada da procedência do pedido para o requerente.
O conceito de legitimidade processual afere-se pela regra comum e geral contida no art. 30.º, nº1 do Código de Processo Civil, segundo o qual “o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”.
Não é, assim, um qualquer interesse que confere legitimidade para agir, nem basta um mero interesse indireto ou reflexo.
Importa, pois, abordar, densificando no caso vertente, o conceito de interessado direto na partilha.
Prima facie, tais interessados serão os sucessores do «de cuius», designadamente os seus herdeiros ou legatários - art. 2030º, nºs 1 e 2, do CCivil.
Como salienta o requerente, de acordo com o disposto no art. 2101º, nº 1, do CCivil: qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir partilha quando lhe aprouver – art. 2101º, nº 1, do CCivil.
Contudo, o artigo 1085º, do CPCivil trata de duas espécies de legitimidade, conforme doutamente exarado no aresto supra citado.
O nº 1, al. a) regula a legitimidade processual, ou seja, define quem tem legitimidade para ser parte principal no processo de inventário. Já o n.º 2, als. a) e b), regula a legitimidade para a prática de atos processuais, isto é, define que atos podem ser praticados pelos interessados nele referidos.1
1 TEIXEIRA DE SOUSA – LOPES DO REGO – ABRANTES GERALDES – PINHEIRO TORRES, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Julho de 2020, p. 27.
Entendemos que, quanto ao cônjuge do herdeiro, o seu interesse na partilha só será direto se o regime de bens do casamento for o da comunhão geral.
Só nesta hipótese é que o direito à herança faz parte do património comum, conforme estabelece o artigo 1732º do Código Civil.
Não sendo o regime de bens o da comunhão geral, o interesse na partilha é indireto, pois os direitos ou os bens adquiridos pelo cônjuge que é herdeiro são considerados bens próprios dele [artigo 1722º, n.º 1, alínea b), do Código Civil].

Neste sentido, leia-se o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no Processo n.º 45/10...., datado de 03-07-2012:
“1.O cônjuge do herdeiro apenas será de considerar interessado directo na partilha e apenas terá de ser citado quando tiver interesse directo na partilha, o que, depende do regime de bens do casamento.
2. Sendo o casamento celebrado sob o regime da comunhão geral de bens, o cônjuge terá interesse directo na partilha já que o direito à herança faz parte do património comum, conforme estabelece o artigo 1732º do Código Civil.”
Com efeito, quanto ao conceito de interessado na partilha imporá levar em consideração o disposto no art. 1085.º do Código de Processo Civil, fazendo a destrinça entre interessado direito e interessado.
Segundo o seu n.º 1, os interessados diretos são os herdeiros e o cônjuge meeiro do “de cujus” [vide, ainda, o teor do art. 2101.º, n.º 1 do Código Civil].
Os interessados não diretos [als. a), a c) do n.º 2 do art. 1085.º do Código de Processo Civil] são os legatários, os donatários e os credores.
Salvo melhor entendimento, o cônjuge do herdeiro não deve intervir no inventário como parte principal.
Com efeito, ao ordenar-se (em sede de despacho liminar de 21.5.2022), o cumprimento do disposto no art. 1100.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil, determinou-se a citação dos interessados diretos na partilha, excluindo-se, pois, os cônjuges dos herdeiros interessados diretos.
A tal conclusão não obsta, segundo cremos, a previsão legal de intervenções pontuais destes interessados secundários na marcha do processo, designadamente em sede de conferência de interessados [vide arts. 1682.º, n.º 1 e 1682.º-A do Código Civil, prevendo-se que, em aos bens abrangidos pela indisponibilidade, possa participar nas diligências que abrangem a fase da partilha].
Tais faculdades não se confundem com a legitimidade para requerer inventário e/ou reclamar da relação de bens e/ou opor-se a inventário.
Pelo exposto, a omissão referida não constitui preterição de formalidade essencial e não determina a invalidade do processado até este momento (arts. 187.º, 188.º, n.º 1, al. a), 190.º, 196.º, 198.º, n.º 2, a contrario, todos do Código de Processo Civil).
Notifique.”.

Concordamos integralmente com o despacho do tribunal recorrido e pouco temos a acrescentar ao mesmo.

Dispõe o artº 1085º do CPC:

Artigo 1085.º
Legitimidade
1 - Têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervirem, como partes principais, em todos os atos e termos do processo:

a) Os interessados diretos na partilha e o cônjuge meeiro ou, no caso da alínea b) do artigo 1082.º, os interessados na elaboração da relação dos bens;
b) O Ministério Público, quando a herança seja deferida a menores, maiores acompanhados ou ausentes em parte incerta.
2 - Podem intervir num processo de inventário pendente:
a) Quando haja herdeiros legitimários, os legatários e os donatários, nos atos, termos e diligências suscetíveis de influir no cálculo ou determinação da legítima e de implicar eventual redução das respetivas liberalidades;
b) Os credores da herança e os legatários, nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos;
c) O Ministério Público, para o exercício das competências que lhe estão atribuídas na lei.
Contém as alterações dos seguintes diplomas:
- Lei n.º 117/2019, de 13/09
Consultar versões anteriores deste artigo:
-1ª versão: Lei n.º 41/2013, de 26/06
Com todo o respeito o dizemos, mas a recorrente retira da anotação ao citado artigo, no “O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil” de Teixeira de Sousa, Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pinheiro Torres, alguns segmentos para depois terminar com uma conclusão que a anotação globalmente considerada não consente.
Sigamos a referida anotação, nas partes para aqui relevantes.

O artigo trata de duas matérias bastante distintas:
- o nº1, alínea a), regula a legitimidade processual (legitimatio ad causam), ou seja, define quem tem legitimidade para ser parte principal no processo de inventário;
- o nº2, als. a) e b), regula a legitimidade para a prática de atos processuais (legitimatio ad actum), isto é, define que atos podem ser praticados pelos interessados nele referidos.
A mesma anotação, citando expressão de Alberto dos Reis, qualifica como interessados secundários os referidos nas alíneas a), e b), do nº2, do citado preceito.
Para além da diferença quanto à legitimidade ad actum, tanto os interessados diretos como os secundários têm legitimidade processual para o inventário. Os interessados diretos, porque é entre eles que se realiza a partilha do património hereditário.(…)
O nº 1 determina quem tem legitimidade para requerer a instauração de inventário e nele intervir como parte principal: genericamente, herdeiros (isto é, aqueles que tenham aceitado a herança, de forma expressa ou tácita (artºs 2050º, nº1, e 2056º, nº1, do CC) e cônjuges meeiros. (…).
O processo de inventário destinado a realizar a partilha do acervo hereditário pressupõe que não haja acordo entre os interessados diretos (artº 2102º, nºs 1 e 2, al. a), do CC), pelo que haverá sempre interessados requerentes e interessados requeridos.

E depois, indo ao fulcro da questão que ora nos ocupa:
Vem, de há muito, constituindo matéria controvertida a exata definição do conceito indeterminado de “interessado direto na partilha” (cf. Lopes Cardoso, I, 299 ss.):
a) Ao criar através da Reforma de 94 o conceito indeterminado de interessado direto na partilha, o legislador não pretendeu apenas abranger os herdeiros. Seria inexplicável que, se tais conceitos – o de interessado direto na partilha e o de herdeiro – tivessem exatamente o mesmo sentido, se tivesse utilizado aquele primeiro como estrito sinónimo do bem mais percetível e incontroverso conceito de herdeiro. A figura jurídica do interessado direto na partilha pressupõe que o legislador admitiu que outros sujeitos, que não apenas os herdeiros do de cujus, possam ter legitimidade para requerer e intervir como parte principal.
Os interessados diretos na partilha serão, deste modo, os sujeitos que, sendo ou não herdeiros do de cujus, vêem a sua esfera jurídica ser atingida, de forma imediata e necessária, pelo modo como se organiza e concretiza a partilha do acervo hereditário.
b) Uma das hipóteses em que se justifica a subsunção ao conceito de interessado direto é a do cônjuge do herdeiro, quando, por força do regime de bens que vigore entre os cônjuges, os bens que venham a ser adquiridos na partilha se integrem na comunhão conjugal, ou seja, no património comum de que são contitulares o herdeiro e o respetivo cônjuge (Lopes Cardoso I, 302 s; Câmara et al), 40; cf. RC 3/7/12 (45/10); RE 8/6/17 /706/13); dif, RP 14/2/13 (1625/09). É o que ocorre no caso de vigorar entre os cônjuges o regime da comunhão geral de bens, tendo o cônjuge meeiro manifesto interesse face ao preceituado nos artºs 1732º e 1689º, nº1, CC, no modo como se realiza e concretiza a partilha (cf RC 3/7/12 (45/10); é o que também acontece na hipótese de vigorar entre os cônjuges um regime em que esteja convencionada a comunicabilidade de bens adquiridos a título sucessório, ao abrigo da liberdade de estipulação que é consentida pelo artº 1698º CC; por fim, é ainda o que se verifica quanto à situação do adquirente de quinhão hereditário e respetivo cônjuge, quando o bem adquirido se lhe comunique por força do regime matrimonial de bens.
Não é, contudo, o que ocorre quando o regime de bens do casamento for o da comunhão de adquiridos, que, como regime supletivo (artº 1717º CC), é, atualmente o mais frequente. Isto porque, segundo o disposto no artº 1722º, nº1, al. b), do CC, são bens próprios de cada cônjuge os que lhe advenham por sucessão depois do casamento (sublinhado nosso).
c) No amplo conceito de interessado direto na partilha, largamente acolhido na doutrina e na jurisprudência, inclui-se o cônjuge meeiro, nos casos em que, por força do regime matrimonial, os bens a partilhar devam reverter para a comunhão conjugal. É a solução que melhor se harmoniza com a norma constante do artº 2101, nº1, CC, nos termos da qual qualquer co-herdeiro ou cônjuge meeiro tem o direito de exigir a partilha. Numa interpretação actualista, que é imposta por um sistema que há várias décadas reconhece o cônjuge como sucessível (cf. artº 2133º, nº1, al. a), CC), o cônjuge meeiro referido no artº 2101º, nº1, do CC, não pode deixar de ser quer o cônjuge do inventariado, quer o cônjuge do herdeiro. (…)
Se entre o herdeiro e o seu cônjuge vigorar o regime de comunhão de adquiridos ou o regime de separação de bens, atenta a não comunicabilidade dos bens adquiridos por via sucessória em consequência da partilha (cf. artºs 1722º, nº1, al. b), e 1735º, CC), não pode, em regra, qualificar-se o cônjuge como interessado direto na partilha. Esse cônjuge não possui legitimidade para requerer o inventário, nem para nele intervir como parte principal.
Não pode, porém, olvidar-se que, mesmo nos referidos regimes matrimoniais, o cônjuge do herdeiro, em determinadas circunstâncias particulares, pode possuir interesse na partilha. Isto sucede quando o acervo hereditário abranja bens em relação aos quais o direito substantivo condiciona a prática de atos de alienação ou de oneração ao consentimento de ambos os cônjuges. É o que ocorre, com exceção do regime de separação de bens, com a oneração de imóveis ou de estabelecimento comercial (cf. artº 1682º-A, nº1, CC) ou, mesmo no regime da separação de bens, com a alienação, oneração ou arrendamento da casa de morada de família (artº 1682º-A, nº2, e 1682º-B, CC) (sublinhado nosso).
Em conclusão, a doutrina em que a recorrente se fundamenta, nega a sua pretensão.
Aliás, este entendimento mostra-se expresso por outros autores.
Carla Câmara in “O Processo de Inventário Judicial e o Processo de Inventário Notarial”, 2021, págs. 45-46 refere que “São interessados diretos na partilha os herdeiros (que tenham aceite a herança – cfr. artº 2050 do Código Civil), o cônjuge meeiro (cfr. artigos 1724º e 1730º do Código Civil), o cônjuge do herdeiro casado em comunhão geral (ou, em qualquer regime de bens, mas apenas se estiver em causa direito deste cônjuge do herdeiro sobre a casa de morada de família – cfr. artº 1682º-A, nº2, do Código Civil), os usufrutuários de parte da herança, os credores do herdeiro repudiante em caso de sub-rogação no direito que a este assistia (cfr. artº 2067º do Código Civil), o cessionário em caso de alienação de herança (cfr. artº 2124º do Código Civil), o adotado pleno (cfr. artigo 1986º do Código Civil).(…)

Nesta medida, apenas assume a qualidade de interessado direto na partilha, se o regime de casamento que una o herdeiro ao seu cônjuge for o regime da comunhão geral de bens. Igualmente assume esta qualidade de interessado direto na partilha, caso vigore entre os cônjuges regime entre ambos convencionado ao abrigo do disposto no artº 1698º do CC, que estipule a comunicabilidade de bens a título sucessório.
Não detêm “interesse direto na partilha” os cônjuges casados em regime de separação de bens (cfr. artigos 1720º e 1735º e ss. do CC) e os cônjuges casados em regime de comunhão de adquiridos (cfr. artigos 1717º e 1721º e ss. do CC). Nestas circunstâncias, o cônjuge meeiro do herdeiro terá interesse em intervir, para o que será notificado para a conferência de interessados (artº 1110º, nº3, do CPC), se se tratar da alienação ou oneração de casa de morada de família, atento o regime particular consignado no artigo 1682º-A, nº2, do CC.
O cônjuge meeiro do herdeiro, casado no regime de separação de bens ou no regime de comunhão de adquiridos, não tem legitimidade para requerer que se proceda a inventário nem para nele intervir como parte principal, porque não é interessado direto na partilha. Assiste-lhe legitimidade para intervir no processo de inventário, porque não pode ser afetado pela partilha, nos seus direitos relativos à casa de morada de família. Assiste-lhe legitimidade ad causam, com restrições na legitimidade ad actum.
A mesma autora refere que o cônjuge meeiro a que se refere o artº 1085º, nº1, al. a) do CPC é o cônjuge meeiro do inventariado a que alude o artº 2101º do Código Civil.
João Espírito Santo in Inventário Judicial e Notarial, AAFDL Editora, 2021, pág. 79, refere que “O disposto no artº 1085º, nº2, é também lacunar quanto aos cônjuges dos interessados diretos, que têm legitimidade para intervir no inventário nos casos delimitados pelo artº 1111º, nº3, e para efeitos da celebração dos acordos a que se refere o artº 1111º, nº2.”.

No caso vertente, o tribunal recorrido considerou que o cônjuge da recorrente não era parte principal, mas não negou a possibilidade de intervenção pontual do mesmo no processo, apenas entendeu que não tinha de ser citado, pelas abundantes razões acima transcritas, e que se nos afiguram corretas. O tribunal recorrido ainda acrescentou que “A tal conclusão não obsta, segundo cremos, a previsão legal de intervenções pontuais destes interessados secundários na marcha do processo, designadamente em sede de conferência de interessados [vide arts. 1682.º, n.º 1 e 1682.º-A do Código Civil, prevendo-se que, em aos bens abrangidos pela indisponibilidade, possa participar nas diligências que abrangem a fase da partilha].
Tais faculdades não se confundem com a legitimidade para requerer inventário e/ou reclamar da relação de bens e/ou opor-se a inventário.”.

Concordamos, por isso, com as razões constantes do despacho recorrido, que subscrevemos e confirmamos, havendo que considerar inexistir qualquer causa de nulidade do processado que aproveite à recorrente e que torne desnecessário o conhecimento do demais alegado no recurso.

Improcede assim a apelação nesta parte.

Importa agora conhecer o mais alegado relativamente à decisão do tribunal recorrido que concluiu “considerar-se sem efeito, logo como não escrito, o disposto nos artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 da reclamação à relação de bens apresentada, por falta de constituição de advogado e insuficiência de mandato outorgado à senhora solicitadora para alegação de tais questões de direito”.

Dispõe o artº 1090º do CPC:

Artigo 1090.º
Patrocínio judiciário obrigatório
É obrigatória a constituição de advogado:

a) Para suscitar ou discutir qualquer questão de direito;
b) Para interpor recurso.
Aditado pelo seguinte diploma: Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro

Sendo inequívoca a necessidade de constituição de advogado, em sede de processo de inventário, para suscitar ou discutir qualquer questão de direito, a questão coloca-se em termos de saber se a senhora solicitadora podia substabelecer os poderes que lhe foram conferidos pela recorrente.
O tribunal recorrido considerou que “a procuração outorgada pela srª solicitadora a favor do ilustre mandatário subscritor da declaração de ratificação não prevê a outorga à mandatária da faculdade de substabelecer os poderes forenses gerais e especiais.”
A recorrente tem razão quando refere que o artº 44º, nº2, do CPC, relativo ao mandato judicial, estatui que nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de substabelecer o mandato.
Todavia, a questão coloca-se a montante. Com efeito, não tendo a senhora solicitadora ex lege poderes para discutir questões de direito no inventário, não pode transmitir, designadamente por via do substabelecimento, poderes que não tem. Aplica-se aqui um velho brocardo latino, normalmente convocado em sede de direitos reais, mas com plena aplicação no caso vertente: nemo plus iuris ad alium tranferre potest quam ipse habet (ninguém pode transmitir mais direitos do que aqueles que tem, ou direitos que não tem).
Ora, o tribunal recorrido conferiu oportunidade(s) à recorrente para sanar o vício, valendo aqui as considerações expressas pelo tribunal recorrido. Não tendo sido ratificado processado pela recorrente, nos termos do artº 268º, nº2, do CC, que era quem o deveria ter feito, facto que a recorrente não podia ignorar (artº 6º do Código Civil).
O despacho de 31 de outubro de 2022 a ordenar a ratificação do processado foi também pessoalmente notificado à recorrente.  Foi assim cumprida a formalidade legal, sendo certo que o tribunal recorrido levou ao limite o dever de colaboração, mandando notificar novamente para suprimento da irregularidade, ao invés de ter logo decidido pela ineficácia dos atos praticados, como poderia ter feito. Ora, tendo a recorrente mandatário constituído e tendo já anteriormente sido pessoalmente notificada para ratificar os atos, não tinha o tribunal de insistir com a mesma (em bom rigor, nem tinha de o fazer com o mandatário), razão pela qual carece de sentido alegar que a notificação de 10 de novembro só foi dirigida ao mandatário. Já o tinha sido anteriormente à ora recorrente.        
Tem assim de se concluir pela total improcedência do recurso, confirmando-se o despacho recorrido.
Improcede, assim, o recurso, mantendo-se o decidido.
**********
V – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando o despacho recorrido.
Custas pela recorrente – artº 527º, nº1, e 2, do CPC.
Notifique.

Guimarães, 11 de maio de 2023.

Relator: Fernando Barroso Cabanelas.
1ª Adjunta: Maria Eugénia Pedro.
2º Adjunto: Pedro Maurício.