DIREITO DE PROPRIEDADE
VIOLAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
TERRAPLANAGEM
CONSTRUÇÃO CIVIL
NEGLIGÊNCIA
COMODATO
Sumário

I - A violação do direito de propriedade de um terceiro, nos termos do artigo 483.º, do C. C., tem de ser dolosa ou negligente.
I.1 - Não se considera negligente a atuação de uma empresa que procede a descarga de terras e à terraplanagem se:
. a empresa dona da obra é gerida por um co-herdeiro do terreno;
. a mesma empresa alega ser comodatária do terreno;
. existe documentação que, no mínimo, cria fortes dúvidas de que não seja efetivamente a comodatária.
II - Viola as regras devidas de exercício da sua atividade a Ré que, ao descarregar terras e efetuar a indicada terraplanagem, faz com que hajam terras que caem de um talude que se formou, não tapou devidamente poços, tendo entrado terra pelos mesmos.

Texto Integral

Proc. 995/20.8T8PNF.P1

Sumário.
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1). Relatório.
AA, residente na Avenida ..., ..., ..., por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB
propôs contra
A..., Lda., com sede na Travessa ..., ..., ..., Lousada
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que:
. a) se declare que o prédio rústico descrito no artigo .... da petição inicial faz parte da herança aberta por óbito de BB, pertencendo, em propriedade plena, aos herdeiros AA, que é o cabeça de casal da herança e ora Autor, CC, DD, EE, AA e FF, em comum e sem determinação de parte ou direito;
b) se declare que o terreno onde a Ré fez a deposição abusiva de terra que está em causa na presente ação, composto por área com mato, pinheiros e eucaliptos de pequeno porte, que confronta a Norte com a via municipal de ligação entre as freguesias de ..., ... e ... do concelho de Lousada, que se situa nas coordenadas geográficas de latitude ... e de longitude ..., no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth e se encontra representado na fotografia aérea daquela aplicação que consta do artigo 68º da presente petição inicial, parte do qual é assinalado com um contorno a linha amarela, faz parte integrante do prédio rústico descrito no ... da presente petição inicial;
c) se condene a Ré a reconhecer, nos seus exatos termos, o direito de propriedade descrito nas alíneas a) e b) do presente pedido;
d) se condene a Ré a cessar definitivamente toda e qualquer deposição de terras e qualquer outro resíduo de construção, demolição ou escavação no terreno referido na alínea b) do presente pedido, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo .... da presente petição inicial;
e) se condene a Ré a indemnizar a HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, aqui representada pelo Autor, que é Herdeiro e Cabeça de Casal, pelos danos patrimoniais presentes e futuros que causou aos proprietários, a título de dano emergente e de lucro cessante, com a deposição ilícita de terra no terreno descrito na alínea b) do presente pedido, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo .... da presente petição inicial, em quantia não inferior a 80.000 EUR.
Alega, para o efeito, que é cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de BB, falecido em 13/04/1967;
. faz parte da herança um prédio rústico designado por “...”;
. em 14/01/2015, os herdeiros celebraram um contrato de comodato com a sociedade B..., Unipessoal, Lda., através do qual declararam, na qualidade de proprietários em comum e sem determinação de parte ou direito do prédio rústico de vinha identificado no parcelário agrícola, P3, com o n.º ..., designado como “...”, que ocupa uma parcela de terreno do prédio rústico denominado “...”, que é o prédio descrito no ... da presente petição inicial e parcelas de terreno pertencentes ao prédio rústico denominado “...”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho de Lousada, sob o artigo ... e omisso na C. R. P., que cediam em comodato gratuito a referida “...” à referida sociedade;
. a parte do prédio rústico descrito no artigo ...., da petição inicial que não se encontra ocupada pela referida vinha com o número de parcelário ..., e que corresponde à parte daquele prédio rústico que continua a estar destinada a pinhal, eucaliptal, mato e pastagem, também continua na posse dos herdeiros;
. no dia 10/01/2020, pelas 16.00 horas, o Autor foi visitar o prédio em causa e constatou que na parte daquele prédio que se encontra ocupada por mata, com cerca de 10 000 m2, estava a ser feita uma descarga não controlada de terra por um camião da empresa da Ré e sem autorização;
. a descarga continuou, tendo sabido que tais operações duravam há mais de uma semana, durante o mês de janeiro de 2020;
. a descarga de terra estava a ser feita sem autorização para o transporte rodoviário de terras de escavação com indicação da procedência e do seu destino final, sem projeto ou controlo técnico, tendo originado a formação de um aterro não consolidado com um talude de cerca de 4 metros de altura, alterando a topografia do terreno, que tem aptidão construtiva à luz do P. D. M. de Lousada, provocando uma situação de instabilidade que, em caso de deslizamento das terras, poderá causar graves danos materiais no prédio vizinho;
. o volume das terras depostas e espalhadas estima-se em cerca de 13.000 m3, o que equivale a aproximadamente 20.000 toneladas.
. foi assim violado o direito de propriedade da herança, o que gerou os prejuízos que fundamentam os pedidos.
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Contestou a Ré, alegando:
. entre a Ré e a sociedade unipessoal «B..., Lda.», foi celebrado um contrato verbal de empreitada pelo qual a aqui a Ré se obrigou a realizar um serviço de terraplanagem, com recurso a meios mecânicos, para plantação de vinha e ripagem em cruz, no prédio identificado no artigo .... da petição;
. os direitos relativos à herança devem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros em litisconsórcio necessário legal sendo assim o Autor parte ilegítima;
. essa ilegitimidade decorre do facto da relação material controvertida respeitar não apenas ao Autor e ao Réu, mas também aos demais herdeiros, sobretudo DD (irmão do Autor), na qualidade de gerente da empresa;
Pede a improcedência da ação e a condenação do Autor como litigante de má-fé.
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Pronunciou-se o Autor sobre as exceções, mencionando que:
. a parcela de terreno cedida pelos herdeiros à empresa foi a identificada no parcelário agrícola P3 com o nº..., sendo que foi na parte do prédio rústico descrito no ... da petição inicial, que não se encontra ocupada pela referida vinha e continuou a estar destinada a pinhal, eucaliptal, que foi descarregada a terra;
. o cabeça de casal tem legitimidade para, relativamente a bens da herança, agir judicialmente na defesa do direito de propriedade perante qualquer violação ou limitação deste, analogamente ao que lhe é permitido fazer, nos termos do disposto no artigo 2089.º, do C. C., para cobrar dívidas ativas da herança.
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Foi elaborado despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade e se fixou como objeto de litígio:
a) Da titularidade do direito de propriedade sobre o prédio melhor descrito no art. 6º da petição inicial;
b) Da verificação ou não dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito;
c) Na positiva, dos danos e do seu quantum indemnizatório.».
Fixaram-se factos assentes e, como temas de prova, elencaram-se 77 factos que se consideraram controvertidos.
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Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença no sentido de, julgando-se totalmente procedente a ação:
«a) declarar que o prédio rústico descrito no artigo .... da petição inicial faz parte da herança aberta por óbito de BB, pertencendo, em propriedade plena, aos herdeiros AA, que é o cabeça de casal da herança e ora Autor, CC, DD, EE, AA e FF, em comum e sem determinação de parte ou direito;
b) declarar que o terreno onde a Ré fez a deposição abusiva de terra que está em causa na presente ação, composto por área com mato, pinheiros e eucaliptos de pequeno porte, que confronta a Norte com a via municipal de ligação entre as freguesias de ..., ... e ... do concelho de Lousada, que se situa nas coordenadas geográficas de latitude ... e de longitude ..., no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth e se encontra representado na fotografia aérea daquela aplicação que consta do artigo 68º da petição inicial, parte do qual é assinalado com um contorno a linha amarela, faz parte integrante do prédio rústico descrito no ... da petição inicial;
c) condenar a Ré a reconhecer, nos seus exatos termos, o direito de propriedade descrito nas alíneas a) e b) do presente pedido;
d) condenar a Ré a cessar definitivamente toda e qualquer deposição de terras e qualquer outro resíduo de construção, demolição ou escavação no terreno referido na alínea b), que faz parte integrante do prédio rústico descrito no ... da petição inicial;
e) condenar a ré a indemnizar a herança aberta por óbito de BB, aqui representada pelo Autor, que é herdeiro e cabeça de casal, pelos danos patrimoniais presentes e futuros que causou ao prédio, a título de dano emergente e de lucro cessante, com a deposição ilícita de terra no terreno descrito na alínea b), que faz parte integrante do prédio rústico descrito no ... da petição inicial, na quantia de € 80.000,00 € (oitenta mil euros).»
. absolver o Autor do pedido de condenação como litigante de má fé.
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Inconformado, recorre a Ré, formulando as seguintes conclusões:
«I. O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil consagra o princípio da livre apreciação da prova, não se encontrando o julgador sujeito às regras rígidas da prova tarifada, o que não significa que a atividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
II. Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
III. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida, como ocorre no caso dos presentes autos.
IV. De acordo com o n.º 1, do art.º 2091.º, do Código Civil, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.
V. Por seu turno, o n.º 2, do artigo 33.º, do CPC refere expressamente que: "É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal".
VI. A ilegitimidade do Autor decorre do facto da relação material controvertida respeitar não apenas ao Autor e ao Réu, mas também aos demais herdeiros identificados no artigo 5.º da p.i., sobretudo DD (irmão do Autor), na qualidade de gerente da sociedade identificada no artigo 32.º da p.i.
VII. Ademais, em 14 de janeiro de 2015, “… os herdeiros, que comodatam a título gratuito o supra identificado prédio – que compreende parcelas do terreno do prédio rústico denominado ... (…), bem como outras parcelas do prédio rústico denominado ... – à sociedade comercial por quotas (…) para a realização de todas as benfeitorias que entenda convenientes à boa utilização do prédio comodatado, à implementação de projetos de investimento à exploração agrícola, (…) pelo prazo de dez anos, renovável enquanto convier a todas as partes”.
VIII. O herdeiro, Dr. DD, gerente da sociedade unipessoal B... (dona da obra efetuada no prédio identificado no art.º 6.º da pi), confessou que foi com a autoridade de gerente e com base no contrato de comodato de 2015 que procedeu à revisão do parcelário P3, em 2019-08-16, conforme consta na sub parcela ..., do doc. a fls 162 com data de emissão 2021-09-08 –
IX. A sub parcela ..., do doc. a fls 162 com data de emissão 2021-09-08 corresponde ao prédio rústico descrito no ... da petição inicial.
X. O Autor considerando “… que é um abuso relativamente à utilização …” da parcela em causa, chamou a GNR que elaborou o auto, onde na “Descrição sumária” verteu: “usurpação de propriedade.”, tendo sido informado pelo agente da GNR “dos trâmites legais que poderia adoptar” – Conf. de fls. 44 (Doc. 11 junto com a pi), deveria apresentar queixa-crime e não a presente ação.
XI. O Autor confessou que a partir de 2 de outubro de 2017 deixou de ter direitos na herança, porquanto doou o “…que tinha direito nas duas heranças indivisas aos seus filhos”.
XII. Daí, não configurando uma ação de petição da herança, apenas poderia lançar mão do disposto no art.º 2088.º, n.º 1, do Código Civil, contra outros herdeiros (in casu, DD, gerente da sociedade unipessoal B..., e herdeiro da herança identificada pelo Autor), não contra a aqui R/Recorrente.
XIII. Assim sendo, e não estando também perante atos que respeitem aos poderes do cabeça de casal (artigos 2087 a 2090 do Código Civil), vale a regra do art.º 2091, nº. 1, de que os direitos relativos à herança só poderiam ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros.
XIV. Por conseguinte, dúvidas não existem que o Autor carece de legitimidade processual, pelo que se está perante uma exceção dilatória, que conduz, inelutavelmente, à absolvição da Ré da instância.
XV. Isto porque, a R. agiu sobre a fiscalização da sociedade unipessoal B..., Lda., dono da obra, em obediência ao contrato supra identificado.
XVI. Por outro lado, a sentença padece de nulidade por contradição insanável entre os fundamentos e a decisão, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil.
XVII. Tanto assim é que tendo sido provado, em audiência e discussão de julgamento, que a obra descrita em F) dos factos assentes no SANEAMENTO de 22-10-2020 era para ser realizada no prédio identificado na alínea c) dos factos assentes e que a descarga de terra estava aí a ser feita com autorização e conhecimento dos herdeiros DD e AA, respetivamente gerente e colaborador da sociedade unipessoal B..., Lda, dona da obra identificada nos factos F) e G) assentes no saneamento, deveria a Ré ter sido absolvida do pedido.
XVIII. Porquanto cumpriu, ponto por ponto, o contrato verbal de empreitada celebrado com a sociedade unipessoal B..., Lda., ou seja, por cumprir integralmente um contrato, nos exatos moldes contratados, é condenada por responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito (que se desconhece!).
XIX. Acresce que, face à causa de pedir invocada pelo Autor (cabeça de casal), não atuando no interesse de todos os herdeiros, sequer se poderá justificar “… que o autor, por si, também é parte legítima nesta acção, atenta a sua caracterização, além de que o é também a própria Herança, tendo ambos interesse em demandar a ré” (o sublinhado é nosso) – Cfr. despacho saneador de 22-10-2020.
XX. Caso assim não seja atendido, existe erro de julgamento, conquanto, à questão colocada pela Meritíssima Juíza, os herdeiros Dr. DD e AA afirmaram que o comodato de 2015, assinado por todos os herdeiros, consta no processo administrativo junto do IFAP e da Direção Regional de Agricultura (DRA), e que foi a partir desse comodato que foi feito um projeto de investimento, mediante candidatura aos “Direitos da Reserva Nacional Vitícola”, para plantação de uma vinha na Sub parcela ..., com Código ..., inscrita no P3 (Parcelário n.º ...) antes da Revisão efetuada ao Parcelário pelos técnicos do IFAP em 16 de agosto de 2019 – Cfr. Doc. a fls 161 e 162 com data de emissão de 08/98/2021.
XXI. É dito, pelo herdeiro e testemunha, que “Todos os anos, os proprietários têm entre, se não estou em erro, entre maio… não, entre março e final de abril, se não estou em erro, são obrigados a deslocarem-se ao balcão verde do IFAP, não é?, que normalmente é nas cooperativas ou nas associações de agricultores e fazer, dizem que é o subsídio, o IPD, ou então assinalar as áreas todas que explora. Pronto, as áreas que explora. Na altura, como se fez a candidatura, como se pensou, pronto, aquilo era uma área de mato e dava despesa, só dava despesa. Era preciso fazer limpezas, não é?, do mato e já se tinha efetivado fazer, construir vinha se fosse necessário, quando fosse possível, para continuar. Fez-se uma candidatura. Tinha que se fazer uma candidatura à Reserva Nacional Vitícola e tínhamos que assinalar terrenos, que fossem parte, que fossem explorados pela sociedade, não é? Pronto. E foi adicionado esse terreno, através do… apresentado o comodato. Os técnicos, com toda a certeza aposto, viram que os terrenos que eram explorados pela sociedade, não é? Aliás, depois foram ver, não é? Até que foram aos terrenos explorados pela sociedade e concederam os direitos para serem investidos aí. Eram um hectare aí e eram mais três, se não estou em erro, ou dois noutra área”, bem como, candidatura aos “Direitos da Reserva Nacional Vitícola”.
XXII. Ou seja, disse que, pese embora os documentos de “… fls. 161 verso e 162 dos autos, …” - (cfr. pág. 25 da sentença ora sob recurso) – terem data de emissão (2021.09.08 – 8 de setembro de 2021) muito posterior à da ação, a data da última revisão (2019.08.16 - 16 de agosto de 2019) aí vertida é anterior (aliás também, muito) à data da propositura da ação considerada na decisão proferida pelo Tribunal a quo!!!
XXIII. Em boa verdade disse que, nesse documento (reiterando: autêntico), está escrito P3: Ocupação do solo: Sub parcelas ... e ..., Códigos ... e ..., com áreas de 1.07 e 0,01 (respetivamente, no TOTAL de 1.080 ha – leia-se 1.1 ha referido pelo Autor no parcelário emitido em 2015, anterior ao emitido em 2021 mas já existente na revisão efetuada em 2018).
XXIV. É certo que o tribunal a quo, no referente aos documentos de fls. 161 verso e 162 dos autos, somente relevou a data de emissão (que é muito posterior à interposição da ação) olvidando a demais informação aí vertida!
XXV. Nomeadamente, que o documento emitido em 8 de setembro de 2021 informava que os dados aí constantes tinham a sua ORIGEM na “REV”, cuja “Última Revisão” tinha ocorrido em 22.08.2019!
XXVI. Desta forma, deve ser dado como provado que (i) por confissão do Autor: “O Autor partir de 2 de outubro de 2017 deixou de ter direitos na herança, porque doou os bens da herança de sua mãe, GG, bem como a de seu pai, aos seus filhos, ou seja, doou os bens das duas heranças indivisas aos seus filhos.”; (ii) estando os factos não provados em 1. (Cfr. pág. 21 da sentença) em contradição com os factos provados em 4 e 98, “A descarga da terra referida nos factos provados foi feita com autorização e conhecimento dos herdeiros DD e AA”; (iii) “No momento da celebração do contrato verbal de empreitada, anterior a 10/01/2020, a Ré soube que a área do prédio intervencionada estava cedida e integrada no parcelário P3 já em 2019-08-16, conforme consta na sub parcela ..., do doc. a fls 162 (Parcelário n.º ...) com data de emissão 2021-09-08, onde a sociedade dona da obra pretendia proceder à plantação de uma vinha com ripagem em cruz, como projeto de investimento” – ao invés do facto não provado em 9, (iv) “O contrato de comodato de 2015, junto aos autos, foi o documento entregue no IFAP que permitiu à sociedade unipessoal B..., Lda, proceder à alteração e atualização do P3 (Parcelário n.º ..., junto com a pi como Doc. 10)”
XXVII. Caso assim não se entenda, a sentença, aqui sob recurso, com todo o respeito por opinião diversa, é resultado de uma distorção da realidade factual, de modo que o decidido não corresponde à realidade ontológica, nem à normativa.
XXVIII. O facto 97., dado como provado, deve ter a seguinte redação: “Na parcela de terreno onde as obras descritas foram levadas a cabo não se encontra, depois daquelas obras, plantada qualquer vinha porque o gerente da dona da obra tomou conhecimento da presente ação intentada pelo Autor e, assim, não deu continuidade ao projeto de investimento, cujos direitos cessaram no final de abril desse mesmo ano”.
XXIX. Traduzindo o recurso da matéria de facto o instrumento concebido para correção de erros de julgamento e de procedimentos, impõe-se alterar os factos 29., 31., 32., 39., 68., 69., 70., 71., 72., 75., 76., 79., 81., 82., 83. e 88., 89., 90. e 91., erradamente incluídos nos factos provados, aditando-se à matéria com interesse para a decisão da causa dada como não provada.
XXX. Alterada a matéria de facto como preconizado, tendo a Ré cumprido pontualmente o contrato nos moldes referidos, a responsabilidade civil extracontratual da Recorrente deve considerar-se excluída.
XXXI. Que à luz destes concretos factos, pelos danos causados à Ré aqui recorrente, seja formulado um juízo intenso de censurabilidade pela atuação do Autor.
XXXII. Na Comarca, não há memória de honorários (90 UC acrescido de IVA a 23%) pagos por uma perícia, sem que as partes procedessem ao respetivo depósito como, aliás, é da praxis.
XXXIII. Os 3 dias de trabalho invocados pela R/Recorrente referem-se, única e exclusivamente, aos dias de transporte da terra desde a propriedade do Sr. HH até ao prédio identificado no artigo .... da pi (Sub parcela ..., com Código ..., inscrita no Parcelário n.º ... aquando da Revisão efetuada ao Parcelário pelos técnicos do IFAP em 16 de agosto de 2019).
XXXIV. No total dos três dias foram transportados cerca 96 cargas de terra, correspondendo a cerca de 960 metros cúbicos e a cerca de 1.450 toneladas: volume inferior a 10% do determinado pelos peritos no seu laudo pericial.
XXXV. Reitera-se que os peritos não se deslocaram à propriedade do Sr. HH, a fim de efetuarem a medição do volume de terra extraída e depositada na parcela identificada no artigo .... da petição inicial.».
Termina pedindo que se declare:
I). a falta de legitimidade do autor, com absolvição da ré da instância;
II). a nulidade da sentença ou, caso assim não seja entendido
III). A alteração do julgamento da matéria de facto, absolvendo-se a recorrente em conformidade, e
IV). pelos danos causados à recorrente, seja formulado um juízo intenso de censurabilidade pela atuação do Autor, como é de Direito e Justiça.
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O Autor contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
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Foi proferido Acórdão de 30/06/2022 nesta relação, julgando o Autor parte ilegítima, decisão esta revogada por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 0703/2023, determinando a análise das restantes questões.
Assim, as questões a decidir agora são:
. nulidade de sentença;
. alteração da matéria de facto;
. consequências dessa reapreciação nomeadamente em se aferir se pode atribuir-se à Ré dolo ou mera culpa por ter invadido o imóvel pertencente à herança em causa, abrangência de comodato de imóvel pela herança à empresa que encarregou a Ré dos trabalhos;
. responsabilização da Ré por incorreta execução dos seus trabalhos, causando danos à herança.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Foram julgados provados os seguintes factos:
«1. Na Escritura de Habilitação de Herdeiros realizada em 5 de setembro de 2013 no Cartório Notarial sito à Rua ..., ..., 1º Esq., no Porto, perante o Notário Dr. II, exarada a folhas 90 a 92 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ... daquele Cartório, fazendo dela parte o Testamento Cerrado do falecido BB, foi declarado, entre outras coisas, o seguinte:
- BB faleceu em 13 de abril de 1967, na freguesia ..., concelho de Lousada, onde teve a sua última residência habitual na ...;
- são herdeiros da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB os quatro filhos da sobrinha do falecido, B..., que são: AA, que é o cabeça de casal e ora Autor; CC; DD; e, JJ (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial que, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
2. O JJ faleceu em 12 de abril de 1992, tendo-lhe sucedido como herdeiros a sua mulher e os seus dois filhos:
a) EE;
b) AA; e,
c) FF.
3. Faz parte daquela HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, que se encontra indivisa, o prédio rústico designado por “...”, situado na União de Freguesias ... e ... (... e ...), composto por terreno a pinhal, eucaliptal, mato e pastagem, com a área total de 6 hectares, a confrontar de norte e poente com KK e de sul e nascente com Limite da Freguesia, inscrito na matriz predial rústica da referida União de Freguesias ... e ... (... e ...) sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de 461,05 €, determinado no ano de 1989, prédio este que estava anteriormente inscrito na matriz predial rústica da Freguesia de Lousada (...) sob o artigo ... e não se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial.
4. O referido prédio rústico descrito no ponto anterior foi adquirido pelo Autor da Herança, o falecido BB por sucessão hereditária dos seus pais LL e MM e estes dos seus avós NN e OO.
5. O BB instituiu, por testamento, como herdeira do usufruto de todos os bens da herança, exceto do prédio denominado “...”, a sua sobrinha GG.
6. Em 8 de abril de 2011, a usufrutuária constituiu, como única sócia, a sociedade por quotas unipessoal B..., UNIPESSOAL, Lda., com o Nº de pessoa coletiva ..., cujo objeto social era a viticultura, comércio por grosso de fruta e produtos hortícolas (cfr. documento nº6 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
7. A usufrutuária do prédio rústico descrito em 3, GG, faleceu em 8 de Agosto de 2013.
8. Entre a R. e a sociedade unipessoal B..., Lda., através do seu gerente, DD, foi celebrado um contrato verbal de empreitada pelo qual a aqui ora Ré se obrigou a realizar um serviço de terraplanagem, com recurso meios mecânicos, para plantação de vinha e ripagem em cruz.
9. A sociedade por quotas dona da obra fez a fiscalização da mesma e, tendo, no final, mostrado concordância com a obra executada, foi, remetida a respetiva fatura para pagamento do preço.
10. O falecido BB e os seus antecessores possuíram sempre o prédio rústico referido em 3 dos factos provados na sua globalidade, isto é, na sua área total de 6 hectares.
11. E fizeram-no durante mais de 20, 30 e 50 anos, visitando aquele prédio e passeando na respetiva mata, plantando nele árvores e abatendo as que iam chegando à sua maturidade em termos de produção de madeira.
12. Mandando os seus caseiros cortar e roçar o mato, que estes utilizavam nas suas atividades agrícolas e pecuárias.
13. E fazendo tudo isto à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, na firme convicção de que aquele prédio lhes pertencia e com plena consciência de que não causavam prejuízo a ninguém.
13. A partir de 13 de abril de 1967, data em que faleceu o autor da Herança, BB, passou a ser a sua sobrinha GG a praticar todos os atos de posse acima referidos no prédio rústico identificado em 3 dos factos provados.
14. E praticou aqueles atos de posse durante mais de 20, 30 anos e 40 anos.
15. Visitando aquele prédio rústico e passeando nele.
16. Plantando nele árvores e abatendo as que iam chegando à sua maturidade em termos de produção de madeira.
17. Mandando os seus caseiros cortar e roçar o mato, que estes utilizavam nas suas atividades agrícolas e pecuárias.
18. E fazendo tudo isto à vista de toda a gente.
19. Sem oposição de quem quer que fosse.
20. Na firme convicção de que aquele prédio lhe pertencia como usufrutuária.
21. E com a consciência de que não causava prejuízo a ninguém.
22. No ano de 1990, a usufrutuária, GG, mandou plantar uma vinha numa parte do prédio rústico em causa, vinha essa que designou como “...” e foi identificada no parcelário agrícola P3 com o Nº..., compreendendo cerca de 5 hectares proveniente do terreno do prédio rústico supra descrito e uma parcela de vinha resultante da reformulação da que já existia no prédio rústico denominado “...”, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da freguesia ..., concelho de Lousada e não descrito na Conservatória do Registo Predial, que também faz parte da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB.
23. Continuou a usufrutuária, GG, a ocupar o prédio rústico descrito em 3 dos factos provados em toda a sua extensão.
24. Mandando fresar e cultivar a parcela em que plantou a vinha.
25. E fazendo depois a poda das videiras, sulfatando e colhendo as uvas, logo que a vinha começou a produzir os seus frutos.
27. Em 26 de maio de 2011, a usufrutuária celebrou um contrato de comodato com a sociedade B..., UNIPESSOAL, Lda., através do qual cedeu, em comodato gratuito, diversos prédios rústicos àquela sociedade B..., UNIPESSOAL, Lda., entre os quais o suprarreferido prédio rústico denominado “...”, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da freguesia ..., concelho de Lousada, e não descrito na Conservatória do Registo Predial.
28. Desde 8 de Agosto de 2013, AA, CC, DD, EE, AA e FF, vêm possuindo aquele prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos provados, em toda a sua extensão de 6 hectares, incluindo a parte que está plantada com vinha e a parte florestal, até à presente data.
28. Em 14 de janeiro de 2015, os herdeiros acima identificados celebraram um contrato de comodato com a sociedade B..., UNIPESSOAL, Lda., através do qual declararam, na qualidade de proprietários em comum e sem determinação de parte ou direito do prédio rústico de vinha identificado no parcelário agrícola, P3, com o nº..., que compreende/ocupa parcelas de terreno do prédio rústico denominado “...”, que é o prédio descrito em 3 dos factos provados, bem como outras parcelas de terreno pertencente ao prédio rústico denominado “...”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho de Lousada, sob o artigo ... e omisso na Conservatória do Registo Predial, que cediam em comodato gratuito o supra identificado prédio com o P3, com o nº..., à sociedade B..., UNIPESSOAL, Lda..
29. O que foi cedido pelos Herdeiros da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, em comodato gratuito, à referida sociedade B... DE, foi a mencionada “...”, isto é, a parcela identificada no parcelário agrícola P3 com o n.º ....
30. Mas a parte do prédio rústico descrito em 3 dos factos provados que não se encontra ocupada pela referida vinha com o número de parcelário ..., e que corresponde à parte daquele prédio rústico que continua a estar destinada a pinhal, eucaliptal, mato e pastagem, também continua na posse dos Herdeiros da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB.
31. Que a continuaram a visitar, passeando na respetiva mata.
32. Mandando cortar árvores e mato, também para limpeza do terreno, em cumprimento das exigências legais e regulamentares que se encontram estabelecidas em matéria de prevenção de incêndios florestais.
33. Fazendo tudo isto à vista de toda a gente.
34. Sem oposição de quem quer que seja.
35. Na firme convicção de que aquele prédio lhes pertence.
36. E com plena consciência de que não causam prejuízo a ninguém.
37. No dia 10 de janeiro de 2020, pelas 16 horas, o Autor, na sua qualidade cabeça de casal da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB e no exercício das suas competências de administração da herança, foi visitar o prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos assentes.
38. E constatou que, numa área de cerca 10.000,00 metros quadrados de parte daquele prédio que se encontra ocupada por mata estava a ser feita uma descarga não controlada de terra por um camião da empresa de A....
39. A descarga da terra estava a ser feita pela Ré sem autorização nem conhecimento do cabeça de casal da herança, ora Autor, nem dos herdeiros CC, EE e FF.
40. O Autor deu ordem aos motoristas dos camiões para pararem com a descarga de terra, mas estes continuaram com as descargas e disseram-lhe que cumpriam eles próprios ordens da gerência da empresa para fazer aquele trabalho.
41. Nesse mesmo dia, algum tempo depois, ao passar pela segunda vez no local, o Autor verificou que já estava lá outro camionista da Ré a descarregar terra e constatou que assim continuariam a fazer até terminarem os trabalhos que estavam incumbidos de fazer.
42. Porque não queria aceitar aquela situação, o Autor solicitou a comparência no local de uma patrulha da Guarda Nacional Republicana, que registou a ocorrência, os intervenientes e o desacordo do Autor sobre o que se estava a passar.
43. Os funcionários da Ré que procediam à descarga de terra não apresentaram qualquer documentação relativa a obra de demolição, escavação ou contenção periférica que estavam a realizar no local de origem da terra, designadamente, a permissão para a execução dos trabalhos da Câmara Municipal ....
44. A descarga de terra estava a ser feita sem qualquer autorização para o transporte rodoviário de terras de escavação com indicação da procedência e do seu destino final e sem qualquer projeto ou controlo técnico, tendo já originado a formação de um aterro não consolidado com um talude de cerca de 4 metros de altura em alguns dos seus pontos e mais de 3 metros de altura em grande parte da sua extensão, alterando por completo a topografia do terreno (que tem aptidão construtiva à luz do PDM de Lousada) e provocando uma situação de instabilidade que, em caso de deslizamento das terras, poderá causar prejuízos materiais no prédio vizinho.
45. Um aterro é uma deposição de terra ou resíduos feita num local com um determinado objetivo, seja o de modificar a morfologia do terreno, seja o de resolver melhor o problema ambiental ou de estabilidade criado pelo material que está a ser depositado, mas não pode ser realizado de qualquer maneira; e, para salvaguarda de pessoas e bens e do ecossistema deve ser norteado por princípios e “boas práticas” de engenharia geotécnica.
46. Aquele local é naturalmente recetor de águas pluviais de terrenos a cotas superiores e é também a zona terminal de mais de 400 metros de galerias de uma mina de água de nascente que abastece o chamado “lago”, que é um tanque de pedra existente no fundo da vizinha “...”, nas coordenadas coordenadas geográficas de latitude ... e de longitude ..., no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth, terreno que também pertence à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, pelo que nele se encontram escavados diversos poços de acesso à mina, para inspeção e limpeza desta.
47. À cota superior, o terreno em causa confronta com a estrada municipal que vai de .../... para ..., embora sendo geralmente mais baixo, antes da deposição abusiva de terras, e à cota inferior confronta com terrenos do Sr. PP (Quinta ..., Estrada ..., ..., Lousada), que os vedou com um murete de pedra de 40 cm de altura, encimado por uma rede com cerca 1,5 metros de altura.
48. Tendo continuado as descargas de terra, no dia 12 de janeiro de 2020, quando o Autor voltou ao local, constatou que o nível do aterro já era o da via municipal e o talude perto do terreno do vizinho confrontante, numa extensão apreciável, já estava entre 1 e 2 metros acima do topo da rede de vedação.
49. No dia 22 de janeiro de 2020, numa nova visita ao local, o Autor constatou que o aterro continuava a ser aumentado, tendo o talude junto ao vizinho confinante já uma altura de cerca de 4 metros de altura em alguns pontos da sua extensão, com alguma pedras a rolar até ao murete de vedação daquele terreno confinante.
50. O terreno onde a Ré fez a descrita deposição de terras que faz parte do prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos provados e situa-se nas coordenadas geográficas de latitude ... e de longitude ..., no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth.
60. Ele corresponde a uma área com mato, com poucos pinheiros e eucaliptos de pequeno porte, que confronta a Norte com a via municipal de ligação entre as freguesias de ..., ... e ... do concelho de Lousada.
61. A área desse terreno onde foram feitas as descritas descargas, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos provados, é de cerca de 10.000,00 metros quadrados, confrontando no seu limite Sul, durante uma extensão de cerca de 300 metros, com o prédio do vizinho, Sr. PP, já antes referido, que construiu nele uma vedação com murete de granito encimado por rede com 1,5 metros de altura.
62. Pedras houve que rolaram do talude resultante da descarga de terra feita pela Ré no descrito terreno pertencente à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB.
63. O aterro resultante da descarga de terra feita pela Ré estendeu-se inicialmente, até finais de janeiro, por mais de 5.500,00 m2, confrontando numa extensão de cerca de 160 metros com o terreno do vizinho Sr. PP, numa parte dela apresentando um talude com mais de 4 metros de altura.
64. A quase totalidade das terras depositadas proveio de escavação realizada a cerca de 630 metros do local, nas coordenadas geográficas de latitude 41° 18' 11.50" N e de longitude 8° 14' 7.91" O, no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth.
65. O terreno de onde provieram a maior parte das terras resultantes de escavação aí realizada e que, posteriormente, foram transportadas e depositadas nos moldes já descritos no prédio rústico pertencente à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, pertence ao Sr. HH.
66. As A..., Lda., foi quem realizou a escavação, o transporte e o espalhamento das terras no aterro e terraplanagem que foi feito no prédio rústico pertencente à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, numa operação que terá decorrido durante um número de dias exacto em concreto não apurado do mês de Janeiro e Fevereiro de 2020.
67. Algumas dessas terras, também, tiveram origem no terreno em frente que foi também objeto de escavação naquele período temporal.
68. O volume estimado, não exacto, das terras depostas e espalhadas é de cerca de 13.000,00 m3, o que equivale a aproximadamente 20.000,00 toneladas.
69. Em consequência da deposição e espalhamento de terras, pelo menos nas suas cotas mais baixas, onde o terreno, antes da descrita intervenção, tinha um nível similar à via de comunicação, o terreno adquiriu uma cota superior à dessa via de comunicação, e no seu limite confinante com o prédio vizinho, em vez de permanecer a concordância e continuidade suave do terreno, formou-se um talude com um declive entre 45º e 60º, o qual em alguns pontos da sua extensão tem uma altura de perto de 4 metros e mais de 3 metros de altura em grande parte da sua extensão.
70. Uma vez que não foi construído um muro de contenção, a possibilidade de o talude ruir e haver terras que transitem para o terreno vizinho ficou a ser grande, o que poderá provocar a necessidade de proceder a intervenções, para assegurar a estabilidade não existente, e provocar danos, designadamente no terreno vizinho.
71. Depois de uma semana de chuva nos finais de janeiro, já houve passagem de terras sobre o murete de separação, pelo menos em duas parcelas ao longo de toda a extensão, e também se tornou visível a erosão do talude em alguns pontos, detetando-se níveis de humidade bem superiores ao da saturação das terras em zonas por onde as escorrências tiveram um percurso preferencial.
72. Um contributo importante para esta instabilidade resulta de não se ter estabelecido um sistema de drenagem minimamente eficiente para as águas pluviais, que sendo encaminhadas para dentro do aterro provocam a erosão deste.
73. Existem riscos inerentes a um solo artificial não consolidado, nem devidamente protegido.
74. Da área de terreno onde o descrito aterro foi efectuado 7.425 m2 é classificada como solo urbanizável com valor de mercado bem superior ao que têm outras utilizações atribuídas pelo PDM, por exemplo a de solo agrícola ou de exploração florestal.
75. E o facto de se sacrificar uma orla de terreno entre o limite do aterro e o terreno vizinho, este a cota bem inferior, dificulta a valorização do solo pelo seu valor mais elevado, traduzindo-se numa depreciação deste.
76. Por se encontrar a cota mais elevada, quando se pretender realizar uma construção, vai ser necessário proceder a escavação, transporte e deposição de terras em local permitido, o que são despesas extra para potenciais compradores.
77. Na perspetiva de fundações das construções, é imperativo realizá-las sobre terreno bem consolidado, o que significa atingir pelo menos o nível do solo sobre o qual ocorreu a deposição de terras, ou, em alternativa, realizar assentamento das edificações sobre solo não consolidado, usando soluções construtivas bem mais onerosas.
78. Acresce que a altura de construção permitida é geralmente estabelecida em relação à cota da via, pelo que o aproveitamento do terreno em altura ficou agora mais limitado pelo aumento generalizado do seu nível, isto é, a volumetria da construção é desfavorecida, o que tem impacto no valor do terreno.
79. Numa outra perspetiva de utilização, o facto de se ter alterado a morfologia do terreno para cotas geralmente superiores à via de comunicação também não lhe trouxe nenhuns benefícios, porque originalmente a área era o destino natural do escoamento de águas pluviais que provêm de cotas superiores, dos montes circundantes, fazendo deste terreno zona de recarga do aquífero que se sabe existir no local.
80. É nessa zona que se inicia a galeria subterrânea duma mina que tem o seu final mais de 400 metros abaixo no terreno do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., que também pertence à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, e essa galeria para ser mantida limpa precisa de poços abertos ao longo do seu percurso.
81. O facto de se desviarem parte das águas pluviais “naturais” dessa zona alterou a hidrologia do local com empobrecimento mais que provável do aquífero, que viu diminuída em muito as possibilidades de recarga durante os períodos do ano em que chove, e a integridade de alguns dos poços foi violada, tendo sido alterado o nível da embocadura face à envolvente e por ter havido entrada de terras.
82. Ainda que se ponha a hipótese de aproveitar a deposição de terras para efetivar a regularização do terreno com vista a uma futura utilização para plantação de vinha, prolongando a que já existe a cotas mais baixas, sem qualquer descontinuidade, não existe vantagem apreciável em substituir uma espessura de solo com fertilidade já de si não muito elevada, por uma outra de maior espessura, mas de solo mais saibroso, resultante duma escavação.
83. Quer pela qualidade do solo, quer pela sua instabilidade e erosão, que vai prevalecer durante vários anos, mesmo para utilização em viticultura, a deposição de terras que foi feita diminuiu o valor potencial do terreno e, consequentemente, do prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos provados.
84. A ré realizou os trabalhos descritos supra a pedido da sociedade unipessoal B..., Lda., através do seu gerente, DD, no quadro do contrato referido no ponto 8 dos factos provados, e tendo como contrapartida o respectivo preço acordado para esses trabalhos, sendo que, a pedido daquela sociedade B..., a obra era para ser realizada em parte do prédio identificado no ponto 3 dos factos provados, onde de facto o foi.
85. A ré cobrou aos proprietários dos terrenos escavados o custo do transporte das terras entre aqueles terrenos e o terreno onde as terras foram depositadas, sendo que um dos terrenos escavados fica a uma distância de cerca de 600 metros em relação a este.
86. Esses proprietários pagaram os custos das respectivas escavações.
87. Nem a ré nem os proprietários dos terrenos escavados pagaram qualquer quantia pelo efectuado depósito das terras provenientes das escavações, o que representou para aqueles proprietários uma redução de custos.
87. O preço por hora de transporte em camião estima-se de € 25,00 e o da escavação em cerca de 50 euros, sendo o preço da deposição de resíduos inertes, como os deste tipo de escavação, da ordem dos 5 euros por tonelada.
88. Mesmo considerando os preços de mercado acima estimados, a retirada das terras e a sua entrega em local apropriado deve acarretar despesas não inferiores a 100.000,00 euros.
89. No presente, uma solução de minimização de riscos possível pode ser a da construção dum muro de contenção, encostado ao limite do vizinho, de pedra de elevada volumetria (muro ciclópico), cujo custo é elevado, mas mesmo essa solução tem de ser acompanhada de um sistema de drenagem que evite a acumulação das águas pluviais sobre o terreno e as escoe para longe dele, evitando a sua saturação e os riscos de desabamento, mas esta solução técnica serve apenas para remediar os problemas existentes, não evitando os prejuízos já causados.
90. Ponderando todos os fatores técnicos e económicos, a melhor solução será a da retirada total, ou pelo menos parcial, das terras depositadas, acompanhada da execução de um projeto que contemple as condições necessárias para obter uma inquestionável estabilização das terras num prazo de poucos anos, obra que tem um custo de, pelo menos, 30.000,00.
91. Da atuação da Ré resultou o seguinte: o volume das terras depostas e espalhadas, cujo volume exacto não foi possível determinar, estima-se ser à volta dos 14.000 m3, equivalente a 20.000,00 toneladas; em consequência da deposição, o terreno adquiriu na maior parte da sua extensão uma cota superior à da via de comunicação e no seu limite confinante com o prédio vizinho, em vez de permanecer a concordância e continuidade do terreno, existe agora um talude com um declive entre 45 e 60º, com cerca de 4 metros de altura em alguns dos seus pontos e mais de 3 metros de altura em grande parte da sua extensão; não foi construído um muro de contenção e a possibilidade do talude ruir e haver terras que transitem para o terreno vizinho é grande; já houve passagem de terras sobre o murete de separação pelo menos em duas parcelas ao longo de toda a extensão e também é visível a erosão do talude em alguns pontos, tendo-se detetado níveis de humidade bem superiores ao da saturação das terras; um contributo importante para a instabilidade do aterro resulta de não se ter estabelecido um sistema de drenagem minimamente eficiente para as águas pluviais, que sendo encaminhadas para dentro do aterro provocam a erosão deste e podem provocar o seu encharcamento.
92. A quantia de 100.000,00 euros pode não ser suficiente para reparar a totalidade dos danos já causados no terreno, nem permitiria a reposição da cobertura arbórea e arbustiva, nem a limpeza de galerias.
93. As consequências da deposição de terras feita pela Ré, que acima foram descritas, incluem a diminuição da qualidade do solo, mesmo para utilização em viticultura, a instabilidade que vai prevalecer durante vários anos no terreno em causa, a alteração das condições hidrológicas e de exploração de água no terreno e o sobrecusto de uma eventual construção naquele solo, provocam uma diminuição do valor potencial do terreno e, consequentemente, do prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos provados.
94. A parte do prédio rústico descrito em 3 dos factos provados, onde os trabalhos supra descritos fora realizados, ficou desvalorizada em, pelo menos 50%, o que, considerando um valor médio de, pelo menos, 10 euros/m2 para o terreno antes da atuação da Ré, resultará num lucro cessante de pelo menos 10.000 x 10 x 0,5 = 50.000,00 euros.
95. A Ré bem sabia que aquele terreno pertence à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB.
96. Pelo menos a partir de 10/01/2020, a ré passou a saber que o autor, enquanto cabeça-de-casal e herdeiro da referida herança, não estava de acordo com os trabalhos que a ré levava a cabo e supra descritos.
97. Na parcela de terreno onde as obras descritas foram levadas a cabo não se encontra, nem antes nem depois daquelas obras, plantada qualquer vinha.
98. A descarga de terra realizada pela ré nos moldes supra descritos teve o conhecimento de DD e de AA, que são herdeiros da herança aberta por óbito de BB.».
*
E resultaram não provados:
«1. A descarga da terra referida nos factos provados tivesse sido feita sem autorização nem conhecimento dos herdeiros DD e AA.
2. Durante o tempo que esteve no local, à espera da chegada da patrulha da GNR, o Autor tivesse registado algumas afirmações e comentários de pessoas que se abeiravam do local, que o informaram que a operação de descarga dos camiões de terra já se verificava há mais de uma semana, durante o mês de janeiro de 2020.
3. O Sr. HH afirmasse ser também proprietário de um terreno com 1500 m2 de área que fica do outro lado da estrada que confronta com o aterro.
4. No dia 4 de fevereiro de 2020, tivesse sido chamada a GNR nesse dia para verificar a ocorrência e tivesse identificado o Autor, o Sr. HH e o manobrador da retroescavadora.
5. Em consequência dos trabalhos descritos nos factos provados, alguns poços tivessem sido soterrados ou mesmo tapados.
6. As terras depositadas nos moldes dados tivessem sido retiradas a 5 metros de profundidade.
7. Em virtude do facto descrito em 86 dos factos provados, a ré tivesse tido uma redução de custos.
8. O transporte referido no ponto 85 dos factos provados tivesse sido gratuito.
9. Em momento anterior a 10/01/2020, a ré soubesse que a área do prédio intervencionada não se encontrava cedida à sociedade B..., UNIPESSOAL, Lda..
10. Em momento anterior a 10/01/2020, a descarga de terra realizada pela ré nos moldes descritos nos factos provados fosse do conhecimento do cabeça de casal da herança, ora Autor, e dos herdeiros CC, EE e FF.».
*
2.2). Do mérito do recurso.
A). Nulidade da sentença.
A Ré/recorrente alega que a sentença é nula conforme artigo 615.º, n.º 1, c), do C. P. C. por ter resultado provado que:
A obra descrita em F) dos factos assentes era para ser realizada no prédio identificado na alínea c) dos mesmos factos assentes e a descarga de terra estava aí a ser feita com autorização e conhecimento dos herdeiros DD e AA.
No despacho de admissão do recurso, o tribunal recorrido menciona que não se afigura existir qualquer nulidade.
Vejamos.
O tribunal recorrido elaborou, em 22/10/2020, despacho saneador em que selecionou qual a factualidade que estava assente e quais os factos controvertidos, ainda que os tenha denominado, respetivamente, de factualidade assente e temas de provas.
A referida alínea F), constante da factualidade assente, tem a seguinte redação, igual à do facto provado 8): entre a Ré e a sociedade unipessoal B..., Lda., através do seu gerente, DD, foi celebrado um contrato verbal de empreitada pelo qual a aqui ora Ré se obrigou a realizar um serviço de terraplanagem, com recurso a meios mecânicos, para plantação de vinha e ripagem em cruz.
Ou seja, está aqui em causa a celebração de um contrato de empreitada pelo qual a Ré efetuou uma obra de terraplanagem a favor da Ré.
E, no que respeita à autorização em se realizar a descarga de terras proveniente da terraplanagem na parcela de terreno em causa nos autos, o que resulta provado é que a descarga da terra estava a ser feita pela Ré sem autorização nem conhecimento do cabeça de casal da herança, ora Autor, nem dos herdeiros CC, EE e FF (facto 39).
E na decisão conclui-se que foi praticado um ato ilícito por ter sido colocada num terreno aquela terra sem autorização, tal como provado.
Não conseguimos vislumbrar qual a contradição pois, a que porventura possa existir por existirem herdeiros (pelo menos um, face ao teor do facto 84 – DD, gerente da empresa que pediu a realização da terraplanagem à Ré -) que consentem no ato da Ré e outros que não, além de ser, agora, irrelevante em termos processuais, não conduz a qualquer nulidade da sentença como apontado.
Poderão existir herdeiros com posições diferentes entre si mas o facto de existir eventual consentimento de alguns herdeiros (que não está expressamente provado), mas podendo concluir-se que, por um lado, por ter ordenado assim o autorizou (DD) e, por outro lado, por não estar provado que os herdeiros DD e AA, não deram autorização, poderão tê-la dado, não significa que a sentença seja nula por contradição entre os factos e a decisão.
Na verdade, o que está provado é que DD ordenou os trabalhos em causa no que supomos que abrange a descarga no terreno em causa (facto 84) e que essa descarga foi feita com o seu conhecimento bem como do herdeiro AA (facto 98).
É certo que o tribunal recorrido admitiu que houve herdeiros que sabiam da descarga de terras (o que é diferente de terem autorizado, apesar de se perceber que o que estará em causa é efetivamente a autorização dada pelos mesmos) e concluiu que houve a violação do direito de propriedade pela Ré, sem consentimento de quem de direito.
O mesmo tribunal menciona que não tem relevância o facto de as obras terem sido levadas a cabo com o conhecimento de DD e de AA, também eles herdeiros da referida herança. Na verdade, provou-se que as referidas obras não foram autorizadas pelos restantes herdeiros e principalmente não foi autorizada e era desconhecida do cabeça-de-casal aqui autor, a quem incumbe a administração e representação da herança autora.
E foi com base nesta afirmação que concluiu pela violação do direito de propriedade em causa, não existindo contradição; se está correta ou não, é algo que infra iremos procurar tentar determinar.
Improcede assim esta arguição.
*
B). Da impugnação da matéria de facto.
Certamente por alguma incapacidade da nossa parte, consideramos a alegação da recorrente, no mínimo, não muito clara no que respeita à impugnação da matéria de facto; por isso, iremos procurar analisar de um modo que resulte mais simples, seguindo a ordem argumentativa apresentada pela recorrente.
Assim:
. facto não provado 1 (alegação ii, página 15[1]): A descarga da terra referida nos factos provados tivesse sido feita sem autorização nem conhecimento dos herdeiros DD e AA.
Pretende que fique provado que A descarga da terra referida nos factos provados foi feita com autorização e conhecimento dos herdeiros DD e AA.
supra nos referimos a este facto, afigurando-se que a Ré pretende que, ao invés de não resultar provado que aqueles dois herdeiros não sabiam nem deram autorização à referida descarga de terra, resulte provado que sabiam e autorizavam essa descarga.
Mas, com o devido respeito, se a Autora alegou aquela falta de conhecimento e autorização que, em parte, viu ser julgada não provada, a Ré não alegou que tinha havido autorização dos herdeiros (veja-se o teor da sua contestação). Daí que o tribunal não podia dar como provado que tinha havido autorização e conhecimento daqueles herdeiros pois tal factualidade não foi alegada.
O que se alegou foi a falta de autorização e conhecimento de todos os herdeiros (artigo 51.º, da petição inicial) e foi essa a matéria que se julgou provada e não provada, em parte.
E não há contradição entre factos pois:
. facto 84 – a descarga é feita com o conhecimento e (implicitamente entendida) autorização de DD;
. facto 98: DD e AA sabiam dessa descarga;
. facto não provado 1 – não se apura que DD e AA não soubessem nem autorizassem a descarga. Se se apura que os dois sabiam, não se prova que não sabiam; e se até se aparenta que estes dois herdeiros autorizaram, então não se prova que não autorizaram.
Mas o facto em causa não se pode alterar face ao princípio do dispositivo (artigo 5.º, n.º 1, do C. P. C.).
Improcede esta argumentação.
*
. iii das alegações, páginas 15 e 16.
A recorrente faz alusão ao facto não provado 9 que tem a seguinte redação:
«Em momento anterior a 10/01/2020, a ré soubesse que a área do prédio intervencionada não se encontrava cedida à sociedade B..., UNIPESSOAL, Lda..».
A indicada dada de 10/01/2020 reporta-se à data em que o Autor deu conta da descarga de terras.
Resulta assim não provado que a Ré soubesse que a área de terreno onde foi feita a descarga não tinha sido cedida, em contrato de comodato, àquela empresa.
A recorrente pretende que se dê como provado que no momento da celebração do contrato verbal de empreitada, anterior a 10/01/2020, a Ré soube que a área do prédio intervencionada estava cedida e integrada no parcelário P3 já em 2019-08-16, conforme consta na sub parcela ..., do doc. a fls 162 (Parcelário n.º ...) com data de emissão 2021-09-08, onde a sociedade dona da obra pretendia proceder à plantação de uma vinha com ripagem em cruz, como projeto de investimento.
Ou seja, pretende que que se prove que a Ré sabia que o terreno se integrava num contrato que permitia à dona da obra ter poderes sobre o mesmo.
Diremos apenas que, tal como no facto anterior, também a Ré não alegou esta matéria na contestação, tendo sido antes o Autor que alegou que a Ré sabia que a parcela se integrava em bem da herança (artigo 102.º, da petição inicial), o que não se provou.
Situação diferente será analisar se a parcela se integra ou não na esfera de direitos a exercer pela empresa dona da obra, podendo até o conhecimento pela Ré dessa situação resultar prejudicado (basta que não se prove que a parcela foi comodatada à mesma dona da obra para que a Ré não possa saber que integrava).
Assim, por se tratar de matéria não alegada pela Ré, conforme referido quanto ao ponto ii, não se altera o facto.
Improcede esta argumentação.
*
Ponto iv das alegações, página 16:
Se entendemos o que se visa, a recorrente pretenderá que se adite o seguinte facto:
O contrato de comodato de 2015, junto aos autos, foi o documento entregue no IFAP que permitiu à sociedade unipessoal B..., Lda., proceder à alteração e atualização do P3 (Parcelário n.º ..., junto com a pi como Doc. 10).
Este facto, também não alegado pela Ré, surge aqui como a impugnação da mesma Ré em relação ao alegado pela Autora no sentido de que as terras teriam sido depositadas em parte de terreno não abrangido pelo dito parcelário; na visão da Ré, com a alteração que consta do documento junto em 10/09/2021 que dá uma nova configuração ao mesmo, diferente da que consta do documento n.º 10, junto com a petição inicial (na parte superior, norte), a terra já teria sido colocada nesta parcela que teria sido objeto do contrato de comodato junto como documento n.º 9, na petição inicial.
Ora, não é necessário dar como provado que documento serviu de base à alteração/atualização do parcelário P3 em 2019, emitido em 2021; o que importa é apurar onde foram depositadas as terras pela Ré e se o imóvel onde a descarga ocorreu é alheio ao imóvel dado em comodato à empresa que ordenou a descarga, tal como alegado pela Autora.
A Ré pode impugnar motivadamente a alegação da Autora que é o que faz quando procura demonstrar que afinal as terras foram depositadas na parcela identificada como P3 que, sendo objeto de comodato a favor da empresa mandante da descarga, não se violando assim os direitos de propriedade alheia ao contrato de comodato.
Desse modo, não há que dar como provado ou não provada a matéria ora indicada; o que há que ponderar, o que infra se fará, é analisar se houve ou não prova sobre a invasão, efetuada diretamente pela Ré, de terreno não objeto do contrato de comodato em causa.
Improcede assim esta argumentação.
*
Factos provados 89, 90 e 91.
Os mesmos têm o seguinte teor:
89. No presente, uma solução de minimização de riscos possível pode ser a da construção dum muro de contenção, encostado ao limite do vizinho, de pedra de elevada volumetria (muro ciclópico), cujo custo é elevado, mas mesmo essa solução tem de ser acompanhada de um sistema de drenagem que evite a acumulação das águas pluviais sobre o terreno e as escoe para longe dele, evitando a sua saturação e os riscos de desabamento, mas esta solução técnica serve apenas para remediar os problemas existentes, não evitando os prejuízos já causados.
90. Ponderando todos os fatores técnicos e económicos, a melhor solução será a da retirada total, ou pelo menos parcial, das terras depositadas, acompanhada da execução de um projeto que contemple as condições necessárias para obter uma inquestionável estabilização das terras num prazo de poucos anos, obra que tem um custo de, pelo menos, 30.000,00.
91. Da atuação da Ré resultou o seguinte: o volume das terras depostas e espalhadas, cujo volume exacto não foi possível determinar, estima-se ser à volta dos 14.000 m3, equivalente a 20.000,00 toneladas; em consequência da deposição, o terreno adquiriu na maior parte da sua extensão uma cota superior à da via de comunicação e no seu limite confinante com o prédio vizinho, em vez de permanecer a concordância e continuidade do terreno, existe agora um talude com um declive entre 45 e 60º, com cerca de 4 metros de altura em alguns dos seus pontos e mais de 3 metros de altura em grande parte da sua extensão; não foi construído um muro de contenção e a possibilidade do talude ruir e haver terras que transitem para o terreno vizinho é grande; já houve passagem de terras sobre o murete de separação pelo menos em duas parcelas ao longo de toda a extensão e também é visível a erosão do talude em alguns pontos, tendo-se detetado níveis de humidade bem superiores ao da saturação das terras; um contributo importante para a instabilidade do aterro resulta de não se ter estabelecido um sistema de drenagem minimamente eficiente para as águas pluviais, que sendo encaminhadas para dentro do aterro provocam a erosão deste e podem provocar o seu encharcamento.
A recorrente procura questionar o teor destes factos, querendo-os como não provados, com o depoimento de um vizinho (PP) que alegou não ter sofrido quaisquer danos.
Ora, por um lado, o que está retratado nos factos não são somente danos em vizinhos mas também o perigo de tal vir a suceder, além de se apontarem soluções técnicas para a resolução do problema, matéria sobre a qual a impugnação da recorrente nada diz.
Por outro lado, o que resulta dos factos está assente no relatório unânime dos peritos conforme relatório pericial junto em 20/05/2021, de modo muito estruturado e completo, sendo absolutamente inócuo o depoimento da testemunha quanto a uma possível e longínqua tentativa de impugnação daquelas conclusões científicas.
Assim, não se alteram estes factos, improcedendo a argumentação.
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Facto provado 97.
Este facto tem o seguinte teor:
Na parcela de terreno onde as obras descritas foram levadas a cabo não se encontra, nem antes nem depois daquelas obras, plantada qualquer vinha.
A recorrente pretende que se acrescente que tal sucede porque o gerente da dona da obra tomou conhecimento da presente ação intentada pelo Autor e, assim, não deu continuidade ao projeto de investimento, cujos direitos cessaram no final de abril desse mesmo ano.
O tribunal, sobre este facto, nada disse.
Não releva, para o recurso, o pretendido acrescento pois o próprio facto 97 é meramente instrumental daquele essencial que é saber se o imóvel onde as terras foram depositadas foi ou não dado em comodato à mandante da descarga de terras. Na verdade, o apurar-se que no local onde as terras foram descarregadas não foram plantadas vinhas pode servir para indiciar que, não tendo sido usada a parcela para tal plantação, é porque não tinha havido interesse no seu comodato, logo não estava abrangido na parcela P3.
Mas o facto essencial é apurar que o terreno onde as terras foram descarregadas foi objeto de contrato de comodato a favor da empresa mandante dessa operação, algo que este facto, bem como o pedido acrescento, é meramente instrumental e, no caso, não há necessidade de constar do elenco de factos.
Se se apurar que aquela parcela foi comodatada àquela empresa, poderá estar legitimada a atuação da Ré; se não se aprovar, importará definir os contornos da ação e aferir da sorte da ação, tenha ou não o imóvel vinha e saiba-se ou não porque motivo não tem vinha plantada.
Deste modo, também não procede esta argumentação.
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Factos provados 29, 31, 32, 39.
Os factos têm a seguinte redação:
29. O que foi cedido pelos Herdeiros da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, em comodato gratuito, à referida sociedade B... DE, foi a mencionada “...”, isto é, a parcela identificada no parcelário agrícola P3 com o n.º ....
30. Mas a parte do prédio rústico descrito em 3 dos factos provados que não se encontra ocupada pela referida vinha com o número de parcelário ..., e que corresponde à parte daquele prédio rústico que continua a estar destinada a pinhal, eucaliptal, mato e pastagem, também continua na posse dos Herdeiros da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB.
31. Que a continuaram a visitar, passeando na respetiva mata.
32. Mandando cortar árvores e mato, também para limpeza do terreno, em cumprimento das exigências legais e regulamentares que se encontram estabelecidas em matéria de prevenção de incêndios florestais.
39. A descarga da terra estava a ser feita pela Ré sem autorização nem conhecimento do cabeça de casal da herança, ora Autor, nem dos herdeiros CC, EE e FF.
A recorrente pretende que estes factos sejam integrados no dispositivo «Com interesse para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos», ou seja, se considerem não provados.
Pensamos que o sustento da sua discórdia assenta no depoimento de DD, gerente da sociedade dona da obra e seu irmão, AA (indicam-se estes depoimentos para sustentar a alteração ao facto 97, mas depois também se conclui pela não prova dos factos agora em análise).
Vejamos então.
O facto 29 afigura-se-nos que é inquestionável, até pela recorrente: é a parcela denominada ... que está identificada no parcelário agrícola P3 com o n.º ... como resulta do documento n.º 10 junto com a petição inicial ou o junto em 10/09/2021 pela Ré.
A questão é saber os limites da ..., o que não está refletido no facto 29 mas antes no facto 30.
Ora, aqui, atente-se no que o tribunal recorrido mencionou:
«Por outro lado, aquele depoimento e declarações são também corroborados pela realidade documental junta aos autos, concretamente pela redação do contrato de comodato de fls. 40 e 41, quando conjugado com o parcelário agrícola P 3, n.º ..., com a data de emissão contemporânea à data daquele contrato, de onde resulta que a parte do prédio objecto da intervenção e em causa nos autos não estava, àquela época, incluída naquele parcelário, pelo que não fazia a mesma parte da cedência resultante daquele comodato. E, neste contexto, não interfere com esta conclusão a alteração que, posteriormente, foi feita e que consta já dos documentos de fls. 161 verso e 162 dos autos, documentos cuja data de emissão é muito posterior, ou seja, 8/09/2021.».
A base da falta de acordo sobre os limites da parcela assentará, na nossa visão, na definição das suas linhas e na sua integração (ou não) no contrato de comodato de 14/01/2015.
Neste menciona-se que se comodata a parcela ... à empresa «B..., Lda.», parcela essa, por seu turno, composta de parcelas de terreno do prédio denominado ... (artigo ... da matriz) e de parcelas do terreno inscrito sob a matriz 70, denominado ....
Na petição inicial, o Autor menciona como é feita essa divisão:
. cerca de 5 hectares proveniente do terreno do prédio rústico descrito no artigo .... da petição – ... -;
. uma parcela de vinha resultante da reformulação da que já existia no prédio rústico denominado ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... - artigo 28.º, da petição inicial -.
Em julgamento, o Autor mencionou que a dita ... era formada por:
. 5 hectares provindos da ...;
. 1 hectare provindo da ....
O depoimento do Autor, em contraposição aos de DD (gerente de empresa mandante da descarga de terras e irmão do Autor) e de AA (sobrinho dos mesmos) e os documentos juntos como parcelários quanto à parte de terreno em causa são, para nós, os elementos probatórios determinantes da resposta a dar à questão sobre quais os limites da mesma parcela e se a terra foi depositada fora desses limites, como defende o Autor.
E, analisando toda essa prova, no mínimo, temos fortes dúvidas (com elevado respeito pela douta opinião do Autor que certamente não as tem e pela do tribunal recorrido que também não as teve) sobre se esse parcelário P3 não abrangerá mesmo a língua (assim chamada pelas pessoas em causa e mandatários) que se situa no topo dessa parcela (norte do terreno) atenta a imagem que consta nos autos.
Já sabemos, até porque consta dos factos provados, que no contrato de comodato de 14/01/2015, à empresa «B..., Lda.», foi emprestada pelos herdeiros de BB, uma parcela de terreno que compreende partes de terreno denominado ... (antigo artigo matricial ..., atual …) e de outro denominado ... (artigo matricial ...).
Já em 26/05/2011, como consta do contrato também junto pelo Autor na petição inicial, B..., na qualidade de usufrutuária desses bens, emprestou à empresa «B..., Lda.», de que era na altura a legal representante, determinados prédios, entre eles os denominado ..., artigo matricial ..., sem qualquer limitação à extensão deste, pelo período de nove anos.
Ora, sabendo-se que (pelo que consta da habilitação de herdeiros, junta como documento n.º 1 com a petição inicial) em 05/09/2013 já aquela B... tinha falecido, o que, para nós, não tem efeitos na validade do comodato de 2011 pois a morte do comodante não implica a extinção do comodato (artigo 1141.º, a contrario, do C. C.), ficamos desde logo com a ideia de que aquela empresa era comodatária de todo o prédio inscrito sob o artigo ....
Esta é a primeira dúvida que nos assola pois se existe esse empréstimo, só se no segundo empréstimo se quisesse diminuir essa extensão é que se poderia questionar se aquela língua de terreno não estava abrangida no comodato, sendo que é aceite por todos que aquela se integra no referido terreno com o artigo ....
A segunda dúvida é que não se nos afigura que, no contrato de 2015, se tenha restringido o alcance do contrato de comodato de 2011 pois o que se faz é concretizar como é formada uma parcela de terreno denominada ... e não excluir do comodato a denominada ....
Por isso, a nossa dúvida assenta desde logo em não conseguirmos ter a certeza porque motivo aquela parte de terreno onde foi depositada a terra não faz parte do comodato à empresa.
Outra questão seria saber se podiam ser deitadas terras por exemplo em qualquer parte dessa ... que o Autor, no depoimento de parte, menciona que tem 15 hectares, o que já brigaria com a finalidade do contrato (fins agrícolas) e não com a sua extensão.
Prosseguindo, ainda que se ultrapasse esta questão base da extensão de o contrato de comodato abranger, ou não, a parcela onde a terra foi deitada, como terceira incerteza temos que, quando a ação é proposta e mesmo quando a terra é deitada na indicada língua, no parcelário P3 tal parte de terreno está incluída na denominada ....
Na verdade, ao contrário do que o Autor, muito doutamente, menciona no seu requerimento de 21/09/2021 (ainda que de modo não tão expresso como fez em julgamento), a data da inclusão dessa língua de terreno no parcelário em causa não é posterior à data em que as terras foram deitadas (20/01/2020 e cerca de três dias depois) e muito menos à data em que a ação foi proposta (14/04/2020).
A data em que foi incluída tal parte de terreno será, pelo menos, a que consta como data de última revisão dessa concretização, a saber 16/08/2019 – parcela ..., pastagem permanente arbustiva, com revisão em 2019/08/2016 – documento junto em 10/09/2021 pela Ré, Parcelário P3 ..., n.º ... -.
A data de emissão desse documento é que é posterior – 08/09/2021 – mas a emissão do documento não significa que a realidade já não esteja plasmada antes no registo em causa, tal como a emissão de uma certidão predial ou de nascimento não significa que só na altura da emissão é que a realidade surge.
Assim, em 16/08/2019 (e atualmente, como até se pode constatar pelo sítio de análise pública do IFAP - ... -) aquela parte do terreno está incluída na parcela que foi comodatada à dita empresa.
Poderíamos adotar a, com elevado respeito pela douta argumentação do Autor naquele requerimento de 21/09/2021, sua postura no sentido de que o Estado foi ludibriado e que embora, perante a evidência de usurpação de direitos de exploração, se remeta geralmente a uma posição defensiva que muitas vezes beneficia o usurpador, pois só se dispõe a reconhecer alterações ao que se encontra na sua base de dados quanto à suposta titularidade da exploração perante uma sentença judicial.
No fundo, o Autor procura imputar ao Estado, na pessoa do IFAP, algum tipo de falta no exercício da sua função de delimitar uma parcela para fins agrícolas; no entanto, além de não termos qualquer noção do conhecimento do funcionamento daquela instituição por parte do Autor, o certo é que é totalmente inócua a sua afirmação pois não há a mínima demonstração nestes autos (ou noutra sede que pudesse ter valor probatório nos presentes autos) de falta de cumprimento dos trâmites necessários para o IFAP ter desenhado aquela parcela como o fez.
Note-se que, além de, ações judiciais em que se viesse a delimitação, o próprio IFAP tem procedimentos para alterar a delimitação de uma parcela como se vê do referido sítio quando se aponta a possibilidade de sobredeclaração de parcelas quando o 2.º beneficiário quer concretizar mas não o consegue - ... -; este, ou se não for correta a nossa indicação, outro procedimento administrativo que certamente o IFAP permite ou, em último caso, a impugnação administrativa, poderão sempre corrigir um erro.
Mas não consta dos autos que o Autor tenha, de qualquer modo, questionado a delimitação da parcela que não seja, no decurso do presente processo, alegar que não pode estar bem aquela delimitação (já que a sua alegação inicial é a de que o parcelário não compreende a dita língua de terreno, nunca se referindo a qualquer alteração, fazendo crer, que não havia diferença entre o que está estadualmente delimitado e o que a empresa comodatário podia usar).
Assim, o certo é que quando as terras foram deitadas, no IFAP estava delimitada a ... como incluindo a parte de terreno onde as terras foram descarregadas, não tendo o Autor demonstrado qualquer erro de procedimento nessa delimitação.
Prosseguindo, no que será a nossa quarta dúvida, o documento Parcelário junto com a petição inicial e que doutamente o Autor pretende provar que demonstra que corresponde ao que foi celebrado no contrato de comodato de 2015 por ter sido feito logo a seguir ao mesmo (contrato de 14/01/2015, parcelário de 09/03/2015), na nossa visão não permite essa conclusão.
Sendo correto que nesse documento a dita língua não está delimitada (na parte superior norte), o certo é que esse documento, emitido naquela data de 09/03/2015, corresponde a uma revisão de, o mais tardar, 22/08/2014, ou seja, antes da celebração do contrato de comodato.
Por isso, se pelo contrato de comodato se quis precisar os contornos da ..., então este parcelário, à partida, não reflete essa precisão (como doutamente mencionou a mandatária da Ré no final da inquirição de AA).
Do que percebemos, e foi explicado por esta última testemunha de um modo que não vemos razões para duvidar, quando se pede a delimitação de uma parcela, com a sua alteração, ter-se-á uma finalidade (no caso seria para se obter a classificação do terreno como reserva vitícola nacional). Daí que porventura ter-se-á pedido a alteração do parcelário em que, pelo menos em 16/08/2019, já tinha sido alterado.
Esta testemunha, como o seu irmão DD, também referiram que quem cortou o mato à zona que o tinha era a empresa em causa e não os herdeiros, o que também cria dúvidas sobre a tese do Autor.
Não sabemos o que foi mostrado aos técnicos do IFAP, as concretas diligências que se efetuaram para se alterar a delimitação mas, o certo, do que consta dos autos, é que antes do contrato de comodato, a parte do terreno em causa não constava da ... e depois consta.
A quinta dúvida prende-se em se desconhecer, não só as referidas diligências que levaram à alteração, como desde quando a dita língua de terreno está incluída na ...; sabemos que em 16/08/2019 já o estava, mas se estaria antes dessa data, depois de 22/08/2014, é informação que os autos não fornecem.
Por último, surgem dúvidas mais leves mas que também contribuem, na nossa opinião, para que não tenhamos a certeza que o Autor e o tribunal recorrido tiveram: porque motivo só o herdeiro Autor questiona judicialmente este deitar de terras naquele local já que não se deteta que outro herdeiro o faça, nomeadamente nos autos, como testemunha. Podem existir explicações (idade, doença, desnecessidade por o Autor já representar a sua vontade mas o facto é que mais nenhum dos herdeiros elencados na habilitação se pronuncia sobre essa questão)
Ou ainda por que estava o Autor alheio à atual delimitação, pelo IFAP, da parcela em causa já que, como doutamente refere, a ele lhe compete a administração da herança (se foi por lhe ter sido ocultada a situação, isso não resulta demonstrado).
Assim, temos forte dúvidas sobre o local onde as terras foram descarregadas pela Ré não estavam (ou estavam) incluídas na parcela que a empresa «B....» podia explorar, motivo pelo qual há que transformar essa incerteza em factualidade não provada pois era essa falta de correspondência a factualidade que sustentava a pretensão efetiva do Autor – lesão no terreno da herança por este não poder ser usado pela empresa enquanto comodatária – artigos 346.º, do C. C. e 414.º, do C. P. C. -.
Assim:
Resulta não provado:
A parte do prédio rústico descrito em 3 dos factos provados que não se encontra ocupada pela referida vinha com o número de parcelário ..., e que corresponde à parte daquele prédio rústico que continua a estar destinada a pinhal, eucaliptal, mato e pastagem, também continua na posse dos Herdeiros da herança aberta por óbito de BB.
Herdeiros que a continuaram a visitar, passeando na respetiva mata, mandando cortar árvores e mato, também para limpeza do terreno, em cumprimento das exigências legais e regulamentares que se encontram estabelecidas em matéria de prevenção de incêndios florestais.
*
Mantém-se provado que
A descarga da terra estava a ser feita pela Ré sem autorização nem conhecimento do cabeça de casal da herança, ora Autor, dos herdeiros CC, EE e FF (o próprio DD refere que sempre houve oposição dos herdeiros em se aumentar a exploração).
*
Factos provados 68 a 72.
Estes factos têm a seguinte redação:
68. O volume estimado, não exacto, das terras depostas e espalhadas é de cerca de 13.000,00 m3, o que equivale a aproximadamente 20.000,00 toneladas.
69. Em consequência da deposição e espalhamento de terras, pelo menos nas suas cotas mais baixas, onde o terreno, antes da descrita intervenção, tinha um nível similar à via de comunicação, o terreno adquiriu uma cota superior à dessa via de comunicação, e no seu limite confinante com o prédio vizinho, em vez de permanecer a concordância e continuidade suave do terreno, formou-se um talude com um declive entre 45º e 60º, o qual em alguns pontos da sua extensão tem uma altura de perto de 4 metros e mais de 3 metros de altura em grande parte da sua extensão.
70. Uma vez que não foi construído um muro de contenção, a possibilidade de o talude ruir e haver terras que transitem para o terreno vizinho ficou a ser grande, o que poderá provocar a necessidade de proceder a intervenções, para assegurar a estabilidade não existente, e provocar danos, designadamente no terreno vizinho.
71. Depois de uma semana de chuva nos finais de janeiro, já houve passagem de terras sobre o murete de separação, pelo menos em duas parcelas ao longo de toda a extensão, e também se tornou visível a erosão do talude em alguns pontos, detetando-se níveis de humidade bem superiores ao da saturação das terras em zonas por onde as escorrências tiveram um percurso preferencial.
72. Um contributo importante para esta instabilidade resulta de não se ter estabelecido um sistema de drenagem minimamente eficiente para as águas pluviais, que sendo encaminhadas para dentro do aterro provocam a erosão deste.
A recorrente pretende que todos os factos resultem não provados mas, em rigor, só se pronuncia sobre o primeiro em concreto (volume de terras depositadas) e quanto aos outros como que, por arrastamento, entende que devem resultar não provados.
Também, com rigor e na nossa opinião, a impugnação do facto não deve ser genérica, devendo concretizar-se porque motivo se entende que o facto provado deve ser não provado e em que proporção.
Não o tendo feito, iremos apenas aferir se os factos 69 a 72 têm de ser alterados por causa de eventual alteração do 68 ou se há algum erro notório que tenha de ser corrigido nesses outros factos 69 a 72.
Quanto ao facto 68, pensamos que a recorrente tem parcial razão.
As testemunhas que indica e que referiram que ou procederam a descargas de terra (QQ) ou que era o dono da terra que foi retirada (HH), mencionaram que tal operação de descarga durou três dias (a primeira referindo os dias 10, 13 e 14 de janeiro de 2020).
A testemunha RR, presidente da junta de freguesia, mencionou que a operação teria durado uma semana, no máximo.
Ora, não temos nos autos qualquer outro elemento subjetivo que sirva de base para se aferir qual a quantidade de terra que foi depositada
Os peritos, como menciona a recorrente, estimaram em um mês o tempo necessário para se depositar a terra que indicam no relatório; neste calculam esse volume com base no que viram, no que percecionaram: Área de depósito cerca de 7.000 m2 e uma altura média cerca de 2 metros, o que resulta num volume estimado de 14.000 m, equivalente a cerca de 20.000 toneladas. Mas para calcular esse volume com rigor, ter-se-ia de realizar um levantamento topográfico por topógrafo independente das partes, com menção das cotas atuais e das cotas ancestrais, com recurso a picagens, até encontrar o terreno original – relatório pericial a páginas 33 -.
Então, os cálculos dos peritos naturalmente que não são exatos, como os próprios referem; mas pela análise das fotografias constantes do relatório pericial, pela extensão em comprimento e em altura que resulta de nova terra que foi colocada, também temos fortes dúvidas que estejam em causa somente cerca de 1200 m3 ou 1700 toneladas de terra (face aos cálculos de 9 horas de trabalho dia, com 2 descargas por hora de 11 m3, por dois camiões, em três dias de trabalho).
Este valor poderá ser um valor mínimo já que aceite pela Ré mas o valor exato só se obterá (agora e eventualmente face à ausência de documentação que demonstre a descarga que foi efetuada) conforme mencionam os peritos.
Por isso, a parcial razão da recorrente consiste apenas em se fixar um limite mínimo ao facto 68, mantendo-se a provável quantidade que já estava fixada por também ter uma base objetiva de apreciação por técnicos conhecedores da área.
Assim, o facto 68 passa a ter a seguinte redação:
O volume estimado, não exato, das terras depostas e espalhadas terá como mínimo cerca de 1.200 m3 e um provável máximo de cerca de 13.000,00 m3, o que equivale a aproximadamente 20.000,00 toneladas.
Quanto aos factos 69 a 72, face à, no fundo, manutenção da prova da possibilidade de terem sido depostas 20.000 toneladas de terra, todas as afirmações/conclusões que constam desses factos, baseadas em juízos científicos e de observação, mantêm total vigência. A aquisição de uma cota superior, a sua extensão, os sinais de escorrimento de terras e erosão e os perigos são situações que os peritos descrevem porque ou viram ou podem concluir cientificamente que assim sucede ou pode vir a suceder, sendo totalmente omissa a eventual posição divergente da recorrente sobre estas situações.
Assim, mantém-se a redação dos factos 69 a 72, sem prejuízo de poderem ou não vir a ser ponderados, face à sua parcial natureza conclusiva, em sede de direito.
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Factos provados 75, 76, 79, 81 a 83, 88 a 91.
Estes factos têm a seguinte redação:
75. E o facto de se sacrificar uma orla de terreno entre o limite do aterro e o terreno vizinho, este a cota bem inferior, dificulta a valorização do solo pelo seu valor mais elevado, traduzindo-se numa depreciação deste.
76. Por se encontrar a cota mais elevada, quando se pretender realizar uma construção, vai ser necessário proceder a escavação, transporte e deposição de terras em local permitido, o que são despesas extra para potenciais compradores.
79. Numa outra perspetiva de utilização, o facto de se ter alterado a morfologia do terreno para cotas geralmente superiores à via de comunicação também não lhe trouxe nenhuns benefícios, porque originalmente a área era o destino natural do escoamento de águas pluviais que provêm de cotas superiores, dos montes circundantes, fazendo deste terreno zona de recarga do aquífero que se sabe existir no local.
81. O facto de se desviarem parte das águas pluviais “naturais” dessa zona alterou a hidrologia do local com empobrecimento mais que provável do aquífero, que viu diminuída em muito as possibilidades de recarga durante os períodos do ano em que chove, e a integridade de alguns dos poços foi violada, tendo sido alterado o nível da embocadura face à envolvente e por ter havido entrada de terras.
82. Ainda que se ponha a hipótese de aproveitar a deposição de terras para efetivar a regularização do terreno com vista a uma futura utilização para plantação de vinha, prolongando a que já existe a cotas mais baixas, sem qualquer descontinuidade, não existe vantagem apreciável em substituir uma espessura de solo com fertilidade já de si não muito elevada, por uma outra de maior espessura, mas de solo mais saibroso, resultante duma escavação.
83. Quer pela qualidade do solo, quer pela sua instabilidade e erosão, que vai prevalecer durante vários anos, mesmo para utilização em viticultura, a deposição de terras que foi feita diminuiu o valor potencial do terreno e, consequentemente, do prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos provados.
88. Mesmo considerando os preços de mercado acima estimados, a retirada das terras e a sua entrega em local apropriado deve acarretar despesas não inferiores a 100.000,00 euros.
89. No presente, uma solução de minimização de riscos possível pode ser a da construção dum muro de contenção, encostado ao limite do vizinho, de pedra de elevada volumetria (muro ciclópico), cujo custo é elevado, mas mesmo essa solução tem de ser acompanhada de um sistema de drenagem que evite a acumulação das águas pluviais sobre o terreno e as escoe para longe dele, evitando a sua saturação e os riscos de desabamento, mas esta solução técnica serve apenas para remediar os problemas existentes, não evitando os prejuízos já causados.
90. Ponderando todos os fatores técnicos e económicos, a melhor solução será a da retirada total, ou pelo menos parcial, das terras depositadas, acompanhada da execução de um projeto que contemple as condições necessárias para obter uma inquestionável estabilização das terras num prazo de poucos anos, obra que tem um custo de, pelo menos, 30.000,00.
91. Da atuação da Ré resultou o seguinte: o volume das terras depostas e espalhadas, cujo volume exacto não foi possível determinar, estima-se ser à volta dos 14.000 m3, equivalente a 20.000,00 toneladas; em consequência da deposição, o terreno adquiriu na maior parte da sua extensão uma cota superior à da via de comunicação e no seu limite confinante com o prédio vizinho, em vez de permanecer a concordância e continuidade do terreno, existe agora um talude com um declive entre 45 e 60º, com cerca de 4 metros de altura em alguns dos seus pontos e mais de 3 metros de altura em grande parte da sua extensão; não foi construído um muro de contenção e a possibilidade do talude ruir e haver terras que transitem para o terreno vizinho é grande; já houve passagem de terras sobre o murete de separação pelo menos em duas parcelas ao longo de toda a extensão e também é visível a erosão do talude em alguns pontos, tendo-se detetado níveis de humidade bem superiores ao da saturação das terras; um contributo importante para a instabilidade do aterro resulta de não se ter estabelecido um sistema de drenagem minimamente eficiente para as águas pluviais, que sendo encaminhadas para dentro do aterro provocam a erosão deste e podem provocar o seu encharcamento.
Mais uma vez, a recorrente não sustenta, minimamente, em que assenta a discordância sobre estes factos, apenas concluindo que devem ser dados como não provados, mas não referindo por que motivo nem em que proporção.
Não nos compete suscitar hipóteses para que se possa aferir se os factos estão bem ou mal julgados; tem de ser a recorrente a indicar por que motivo existe esse errado julgamento, sem prejuízo, como já referimos, se poder detetar algum tipo de erro que se tenha de apreciar.
Ora, os factos em causa, alguns deles fortemente eivados de juízos conclusivos ou sendo um resumo do que está anteriormente descrito (facto 91), resultam de apreciações técnicas dos peritos, do seu estudo sobre o mercado, não se vislumbrando (e a recorrente não o alega) porque poderão ser errados.
Assim, improcede esta pedida alteração, sem prejuízo de poderem ou não vir a ser ponderados, face à sua parcial natureza conclusiva, em sede de direito.
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C). Da análise jurídica.
O Autor, enquanto herdeiro e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de BB, intenta a ação contra a Ré por esta ter descarregado terras em parcela de terreno pertencente à herança e aí ter efetuado um aterro – factos 1, 8, 38 -, sendo que, concretamente, foi a Ré quem realizou a escavação, o transporte e o espalhamento das terras no aterro e terraplanagem no prédio – facto 66 -.
Se bem entendemos o doutamente alegado pelo Autor na petição inicial, a sustentação para os seus pedidos assenta no seguinte:
. representa quem é proprietária do terreno – a dita herança, conforme vários artigos da petição inicial e que é matéria que não teve dissenso -;
. a Ré pratica um ato ilícito por violar essa propriedade, de forma dolosa ou negligente – artigos 97.º a 103.º, da petição inicial -;
. a mesma Ré não observou regras de conduta na atividade que desenvolveu – artigos 77.º e 93.º, da petição inicial -.
Quanto à primeira questão, não há que questionar o núcleo do decidido pelo tribunal quanto aos dois primeiros pedidos, a saber:
. declarar que o imóvel e a parcela onde foram depositadas as terras e feito o aterro são propriedade da herança em questão pois a Ré não questiona que assim seja (o que questiona é a sua responsabilização por não o poder fazer por ter sido o local que lhe foi indicado e por referir que esse local podia ser usado por esse fim pela empresa mandante, «B..., Lda.»).
Já quanto ao condenar a reconhecer é, para nós, certo que nem existe essa modalidade de pedido nem a sentença o pode declarar pois a condenação visa que se imponha a prestação de uma coisa ou de um facto e não a condenação no reconhecimento; este é objeto de uma simples apreciação – no caso, declaração de existência de um facto – artigo 10.º, nºs. 1 e 3, alíneas a) e b), do C. P. C. -.
O que deveria ter sido pedido e decidido era unicamente a declaração de que o imóvel e a parcela em causa pertenciam à herança, estando a partir daí a Ré obrigada a reconhecer essa decisão, transitada a mesma em julgado.
No entanto, a Ré não questiona esta, para nós, falta de rigor jurídico, pelo que também não iremos alterar pois é percetível o que se pretendeu pedir e decidir.
No que respeita à invasão da propriedade da parcela pela Ré, o tribunal recorrido mencionou o seguinte:
. acrescidamente, os factos apurados também permitem afirmar a existência de um facto ilícito, de um dano e de um nexo entre o facto e o dano - ao facto voluntário da ré, enquanto entidade que levou a cabo as obras em causa naquela parcela de terreno, através dos seus funcionários, acresce a violação do direito de outrem, os prejuízos que o prédio sofreu em virtude dessas obras e, consequentemente, o inerente prejuízo sofrido pela herança em virtude desses danos, e o nexo entre o facto e estes prejuízos. Por outro lado, os factos apurados permitem também afirmar a autoria da ré, e bem assim permitem sustentar a existência contra ela da presunção de culpa estatuída no artigo 493.º, n.º 2, do CC, face à actividade por si desenvolvida, a qual é perigosa quer pela sua natureza quer pelos meios utilizados.
A ré não logrou elidir a referida presunção de culpa.
E, desta feita, é possível dirigir à ré um juízo de censura, o qual assenta precisamente no facto de não ter observado as boas práticas da sua arte que se lhe impunham no caso concreto e cuja observância teria permitido evitar os danos, e bem assim no facto de ter ignorado a interpelação do cabeça-de-casal da herança e a sua discordância em relação às obras, danos esses que não previu, mas tinha obrigação de prever.».
Na nossa opinião, o tribunal recorrido, no seguimento do doutamente alegado pelo Autor, também compacta a argumentação que tanto se reporta à violação do direito de propriedade como ao uso errado de técnicas de terraplanagem, com imputação de uma presunção de culpa, nos termos do artigo 493.º, n.º 2, do C. C. para depois condenar a Ré a indemnizar vários tipos de danos que resultam ou da mera deposição de terras como da concreta terraplanagem que foi efetuada, danos esses que serão analisados infra.
Ora, para nós, deverá distinguir-se em primeiro lugar se a Ré, com dolo ou mera culpa, violou o direito de propriedade da representada do Autor, nos termos do artigo 483.º, do C. C..
E aqui, mais uma vez, tivemos dificuldade em alcançar sequer se aquela representada (e o Autor), na petição inicial, aceita ou não a deposição das terras no imóvel pois:
. não pede a remoção das terras, apenas alegando essa possibilidade;
. alterna entre referir que a colocação da terra lhe causa danos e que se a terra aí colocada se mantiver, se no futuro quiser construir, tem de construir fundações mais fundas ou proceder a trabalhos de sustentação.
Para nós, se se alega a violação do direito de propriedade, é porque não se pretende que essa violação permaneça e não se deve alegar que há violação mas que a mesma pode subsistir, havendo apenas que contornar alguns problemas.
Salvo o devido respeito, pensamos que o Autor, nas doutas alegações constantes da petição inicial, procurou obter o pagamento de uma indemnização que incide sobre as duas vertentes que entendeu adotar (retirada ou manutenção de terras) contra, não o comodatário ou o co-herdeiro, mas contra a empresa que realizou uma obra a pedido daquele, sem distinguir as duas formas quanto ao ressarcimento dos danos.
E essa distinção, na nossa opinião, tem de ser efetuada pois se se pugna pela violação do direito de propriedade e pela sua cessação (que foi o que terá dado origem à sua legitimação ao atuar como cabeça-de-casal), então teria de elaborar um pedido em conformidade no sentido de se fazer cessar essa violação pela reconstituição natural e, se tal não fosse possível, total ou parcialmente, pedir uma indemnização pelos danos que não tivessem sido ressarcidos por aquela reconstituição natural.
Se, ao invés, aceita a violação, ou seja, conforma-se com as terras que aí foram efetuadas e com a realização de um aterro, aí sim, pode questionar a qualidade do serviço que foi efetuado pela Ré.
Um modo, para nós claro, de tal poder suceder seria a formulação, a título principal, da violação do direito de propriedade e, subsidiariamente, o pedido de reparação do incorreto exercício das leges artis; tal não foi efetuado, a nosso ver, na petição inicial.
Mas, nesta fase, resta-nos apreciar o que foi decidido e procurar determinar em concreto qual a base jurídica que poderá determinar a condenação da Ré.
Ora, quanto à violação do direito de propriedade, com dolo ou negligência, a mesma não se prova.
O dolo, sendo este o conhecimento de uma determinada realidade e atuar-se com vontade de se praticar o ato violador do direito de terceiro, não está demonstrado nos factos. Não resulta provado que a Ré soubesse que aquela parcela de terreno pertencia à dita herança e que não podia aí depositar terras ou realizar um aterro.
Nem sequer resulta qual a comunicação que terá havido entre o mandante (indicada empresa) e a Ré mas, do teor da factualidade provada e não provada, pensamos não errar ao referir que essa comunicação terá sido no sentido de a empresa determinar aquela atividade à Ré por entender que o podia fazer por a parcela de terreno lhe estar comodatada e, por isso, ter poderes sobre a mesma, nomeadamente aí realizar um aterro.
Mas, repete-se, não está provado (e ao Autor competia tal prova – artigo 342.º, n.º 1, do C. C. – prova dos pressupostos da responsabilidade civil -) que a Ré soubesse que não podia aí depositar terra e realizar um aterro.
Assim, não há prova de uma atuação dolosa, como de resto se nos afigura que foi o entendimento do tribunal recorrido. Mas, noutro prisma, este entendeu que havia negligência da Ré na violação do direito de propriedade por ter ignorado a interpelação do Autor (não tem a sentença outra referência à atuação negligente da Ré).
Ora, na visão do tribunal recorrido, a Ré, quando o Autor chamou a atenção de um dos seus colaboradores, ao ter prosseguido os trabalhos revelou falta de cuidado pois deveria, porventura, ter indagado se poderia ou não realizar os trabalhos naquela parcela de terreno.
Em primeiro lugar, como já referimos, desconhecemos o que foi dito pela empresa mandante/dona da obra à Ré/empreiteira, pelo que tampouco sabemos que tipo de conhecimento tinha esta sobre a propriedade do terreno ou direitos que a dona da obra poderia ter sobre o mesmo; assim, a eventual falta de cuidado em prosseguir os trabalhos parte de uma base, para nós, frágil, pois não se conhecendo o que lhe foi transmitido, não se sabe se a Ré iniciou os trabalhos munida de algum tipo de informação sobre a propriedade (poderes de uso do terreno e se tal informação era verdadeira ou falsa).
Em segundo lugar, o presente tribunal também não sabe se aquela parcela de terreno pertencendo à representada do Autor, podia ou não ser usada pela indicada dona de obra, ou seja, se o contrato de comodato sempre acima referido abrangia tal parcela. Por isso, não vemos que o facto de o Autor ter transmitido aquela informação a um colaborador da Ré, desde logo demonstre que há negligência pois pode o Autor estar errado.
Em terceiro lugar, se se admite que deve atender-se a uma queixa de uma pessoa que se apresenta como co-herdeiro da herança proprietária do terreno e se queixa que os trabalhos não podem ser aí efetuados, devendo então averiguar-se, junto do dono da obra o que sucede (e não tanto em relação a vizinhos que além de não terem que conhecer a situação de terrenos alheios, podem até nem o saber), o certo é que a Ré, como empreiteira, salvo algum sinal que demonstrasse que fosse patente que poderia estar em causa a violação do direito de propriedade da herança, não tinha elementos para cessar a sua atividade.
Na verdade, se inquirisse junto do dono da obra, este diria o que referiu em julgamento: podia explorar a parcela de terreno e assim ali efetuar um aterro.
Se a Ré averiguasse junto da entidade oficial (IFAP) a resposta que obtinha é que tal parcela estava comodatada à dona da obra, como já analisamos.
Não há qualquer marco, poste ou meio de divisão ou até prova de que tenha sido exibido algum documento à Ré, nem há informação que pudesse obter junto da entidade oficial que lhe impusesse que suspendesse a obra (que não foi embargada, judicial ou extrajudicialmente). No máximo, obteria a divergência de opiniões entre o dono da obra e o Autor, insustentada esta, à data, em documentos oficiais (o dito parcelário do IFAP de 2019) e a instrução do dono da obra para realizar a obra.
Uma disputa entre herdeiros (ou parte deles) não é uma exibição segura de que a atividade da Ré era violadora de direitos alheios e que, por isso, se deveria parar. Se se viesse a concluir que havia tal violação, no caso concreto, a mesma não advinha da falta de cuidado da Ré mas da atuação da empresa dona da obra, conhecedora ou com obrigação de conhecer os termos do contrato de comodato que celebrou.
Por fim, não se sabendo, através de produção de prova num tribunal, se o comodato abrange ou não aquela parcela onde a terra foi depositada, não é desde logo possível que a Ré tivesse de ter perspetivado que a sua atividade podia estar a violar o direito da indicada herança. Repete-se, se houvessem sinais fortes dessa possível violação, aí sim, teria de suspender a atividade pois seria o que, qualquer pessoa, munido de tal informação, tinha de fazer; mas como não existem, nem supostamente na data dos trabalhos nem agora, tais sinais, conclui-se que não há negligência da Ré em ter prosseguido os trabalhos no terreno em causa.
Para nós, não tem relevo se o Autor comunicou a situação à autoridade policial pois trata-se o exercício de um direito de denúncia/queixa que não atribui qualquer direito nem que a atividade da Ré possa ter sido efetuada sem a competente documentação – esta servirá para eventualmente punir a mesma empresa pro falta de cumprimento de requisitos administrativos mas não define a sua atividade como dolosa ou negligente nem contribui para essa definição; a atuação podia estar totalmente legalizada e ainda assim ser violadora daquele direito de propriedade.
Por isso, a Ré não pode ser responsabilizada por qualquer dano que tenha ocorrido derivada da violação de terreno alheio.
Mas, como referimos, pode ser responsabilizada por ter realizado trabalhos que, não cumprindo as regras da arte, por causa da violação das mesmas, causam danos ao terreno.
Aqui está sempre em causa a responsabilidade extracontratual, ou seja, a Ré, como empreiteira, ao executar um trabalho, causa danos a um terceiro e por isso tem de os ressarcir, ainda ao abrigo do disposto no artigo 483.º, do C. C. – à partida, por falta de cuidado (negligentemente), descarregou terras e terraplanou o terreno sem atentar em alguma atividade que tinha de ter adotado e não adotou -.
Prosseguindo, sabemos que a Ré efetuou aqueles dois trabalhos, num terreno pertencente à representada da Autora, aqui estando consubstanciada a prática de um ato voluntário, que interfere com um direito alheio (propriedade).
Importa então aferir se com essa atuação foram causados danos e se os mesmos foram culposamente causados.
Note-se que o que está agora em causa são os danos causados pela atuação da Ré ao deitar terras e terraplanar, ou seja, se ao exercer essas atividades, por não ter cumprido regras a que deveria ter obedecido, provoca danos no imóvel em causa.
Por exemplo, ao deitar terras, destruiu culturas no imóvel, provocou desabamentos, inutilizou poços, criou declives que não permitem algum tipo de atividade, entre várias outras possibilidades.
Vejamos os eventuais danos que estão elencados nos factos, para se aferir, desde logo, se podem estar relacionadas com a atividade da Ré em causa e respetiva violação das regras. Assim, num volume estimado de terras depostas e espalhadas, com mínimo de cerca de 1.200 m3 e um provável máximo de cerca de 13.000,00 m3, o que equivale a aproximadamente 20.000,00 toneladas:
. em consequência da deposição e espalhamento de terras, pelo menos nas suas cotas mais baixas, o terreno adquiriu uma cota superior à dessa via de comunicação, e no seu limite confinante com o prédio vizinho, em vez de permanecer a concordância e continuidade suave do terreno, formou-se um talude com um declive entre 45º e 60º, o qual em alguns pontos da sua extensão tem uma altura de perto de 4 metros e mais de 3 metros de altura em grande parte da sua extensão.
Esta alteração da cota e configuração não é um dano resultante da violação de regras da arte mas antes uma mera consequência da deposição de terras. Se o Autor não pretende esta alteração no tereno, ou provava a violação dolosa ou negligente do direito da sua representada pela Ré, o que não conseguiu ou tem de imputar esse eventual dano à atuação dolosa ou negligente da empresa ou do co-herdeiro, gerente da mesma.
Não é por causa da violação das leges artis que o tereno ficou com aquela configuração.
E o mesmo se conclui em relação a:
. da área de terreno onde o descrito aterro foi efectuado 7.425 m2 é classificada como solo urbanizável com valor de mercado bem superior ao que têm outras utilizações atribuídas pelo PDM, por exemplo a de solo agrícola ou de exploração florestal e.
. o facto de se sacrificar uma orla de terreno entre o limite do aterro e o terreno vizinho, este a cota bem inferior, dificulta a valorização do solo pelo seu valor mais elevado, traduzindo-se numa depreciação deste (depreciação esta que está assente em termos totalmente conclusivos);
. por se encontrar a cota mais elevada, quando se pretender realizar uma construção, vai ser necessário proceder a escavação, transporte e deposição de terras em local permitido, o que são despesas extra para potenciais compradores;
. na perspetiva de fundações das construções, é imperativo realizá-las sobre terreno bem consolidado, o que significa atingir pelo menos o nível do solo sobre o qual ocorreu a deposição de terras, ou, em alternativa, realizar assentamento das edificações sobre solo não consolidado, usando soluções construtivas bem mais onerosas;
. o aproveitamento do terreno em altura ficou agora mais limitado pelo aumento generalizado do seu nível, isto é, a volumetria da construção é desfavorecida, o que tem impacto no valor do terreno (impacto este, mais uma vez, redundando num juízo conclusivo);
. numa outra perspetiva de utilização, o facto de se ter alterado a morfologia do terreno para cotas geralmente superiores à via de comunicação também não lhe trouxe nenhuns benefícios, porque originalmente a área era o destino natural do escoamento de águas pluviais que provêm de cotas superiores, dos montes circundantes, fazendo deste terreno zona de recarga do aquífero que se sabe existir no local;
. na zona inicia-se a galeria subterrânea duma mina que tem o seu final mais de 400 metros abaixo no terreno do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., que também pertence à herança, a qual, para ser mantida limpa, precisa de poços abertos ao longo do seu percurso e
. o facto de se desviarem parte das águas pluviais “naturais” dessa zona alterou a hidrologia do local com empobrecimento mais que provável do aquífero, que viu diminuída em muito as possibilidades de recarga durante os períodos do ano em que chove.
. quer pela qualidade do solo, quer pela sua instabilidade e erosão, que vai prevalecer durante vários anos, mesmo para utilização em viticultura, a deposição de terras que foi feita diminuiu o valor potencial do terreno e, consequentemente, do prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos provados (novamente sendo concluída a depreciação).
Estes outros factos também não têm como causa o eventual desrespeito das boas técnicas de construção pela Ré mas antes são consequência de se ali se terem descarregado terras, com boa ou má técnica (ou, pelo menos, se há alguma causalidade entre o modo como as terras foram colocadas e estas últimas alterações, tal não é alegado nem resulta dos factos, ao contrário de outras situações).
E estas serão:
. não foi construído um muro de contenção, ocorrendo grande possibilidade de o talude ruir e haver terras que transitem para o terreno vizinho, o que pode provocar a necessidade de proceder a intervenções, para assegurar a estabilidade não existente, além de poderem ocorrer danos no terreno vizinho;
. houve passagem de terras sobre o murete de separação, pelo menos em duas parcelas ao longo de toda a extensão, sendo visível a erosão do talude em alguns pontos;
. não se estabeleceu um sistema de drenagem minimamente eficiente para as águas pluviais, que sendo encaminhadas para dentro do aterro provocam a sua erosão;
. a integridade de alguns dos poços foi violada, tendo sido alterado o nível da embocadura face à envolvente e por ter havido entrada de terras.
A Ré, ao descarregar terras e efetuar uma terraplanagem, não pode terminar o serviço deixando um talude em risco de ruir, total ou parcialmente ou terraplanando as terras de modo a que as águas pluviais não são devidamente escoadas nem violar a integridade de poços, permitindo a entrada de terra ou ficando os poços com embocaduras a níveis inferiores ao que tinham antes (assim dificultando ou impossibilitando o seu acesso).
Ou seja:
. ou a Ré conhecia o terreno, através de um estudo prévio e elaborava um plano de ação de modo a evitar aquelas ocorrências; se ao realizar a tarefa sobreviessem danos, então analisar-se-ia se o plano estava correto, se tinha sido cumprido ou se ab initio o estudo não estava conforme as boas regras da atividade em causa. Em qualquer caso, haveria negligência da Ré por não ter observado o cuidado devido, fosse ao nível da preparação da tarefa, fosse ao nível da execução;
. ou então, como se afigura ser a situação, não existe um plano de ação e a tarefa vai-se desenrolando in loco, tendo então de se aferir se os danos advêm de práticas desconformes com aquelas regras.
Neste caso, já vimos que tais práticas pouco cuidadas existiram, sendo até, na nossa visão, medidas elementares para este tipo de trabalho: se se alteia um terreno, tem de se atentar se os taludes que se formam não estão em perigo de cair. E se se terraplana um terreno, tem de se atentar no modo como as águas pluviais vão fluir, o mesmo se referindo quanto a poços existentes que não devem ser alvo de entrada de terras também para o nível freático inferior, além do tratamento construtivo à superfície, face ao aumento da altura da superfície.
Do que se sabe, a Ré adotou estas práticas e não se vislumbra qualquer causa que possa excluir a sua negligência: informação errada do dono da obra, impossibilidade de perceção no local das situações, entre outras.
Daí que, mesmo não fazendo apelo a uma presunção de culpa da Ré, a sua negligência resulta efetivamente demonstrada.
Quanto à dita presunção de culpa que resultaria de a atividade da Ré, no caso concreto, ser perigosa, o tribunal recorrido, considerando estar preenchido circunstancialismo do artigo 493.º, n.º 2, do C. C., cita os seguintes Acórdãos:
. R. C. de 09/12/03 e 18/01/2011, R. P. de 09/01/07, S. T. J., de 22/04/08 e de 02/06/09, todos em www.dgsi.pt. Nos mesmos refere-se que:
. R. C. de 09/12/03 - :«vem constituindo – segundo cremos – entendimento dominante, que o exercício da actividade da construção civil de prédios urbanos é de per si uma actividade perigosa, quer pela sua própria natureza, quer pelos meios empregues (vide, por todos, Ac. da RP de 22/2/1990, in “BM J394 – 538”; Ac. da RP de 30/04/1981, in “CJ, Ano VI, T2 – 128”; Ac. da RC de 9/2/1993 in “CJ Ano XVIII, T1 – 41”; Ac. da RC de 15/3/94 in “BMJ 435 – 908”; Ac. do STJ de 6/4/95 in “BMJ 446 – 217” e Ac. do STJ de 18/1/2000, in “CJ, Acs do STJ, Ano VIII, T1- 39” ). Ora se assim é, mais ainda se deve considerar perigosa a actividade, como sucedeu no caso em apreço, da construção civil que envolve o prévio desmoronamento de prédios, no lugar dos quais vai ser realizada a nova construção, contíguos a outros e onde são empregues máquinas retroescavadoras.». Está em causa a atividade de construção civil, em especial, desmonoramento de prédios urbanos;
. R. C. de 18/01/2011 - , transcrevendo-se parte do sumário pois no corpo do texto, em parte, transcreve-se o que foi ali decidido na 1.ª instância:« 1 Se a actividade da construção civil não é em si mesma uma actividade perigosa, muitos dos meios utilizados nessa actividade revestem inegavelmente um elevado grau de perigosidade, sendo abrangidos pela presunção de culpa, nos termos nº 2 do art.493 do CC.
2. - É enquadrável nessa situação a realização de uma empreitada para cuja execução é mister proceder à implantação de estacas-prancha nas proximidades de uma conduta de gás. Existe assim um entendimento diverso daquela primeira decisão quanto à natureza da perigosidade da construção civil.
. R. P. de 09/01/07 – aqui refere-se que: «No caso concreto em apreço, a actividade em causa foi a realização de escavações para execução de uma obra de construção civil. Logo, aplica-se normativo acima transcrito. A actividade de escavação no solo, porque consubstancia uma acrescida probabilidade de causar danos, traduz-se numa actividade perigosa pela sua própria natureza. No caso concreto em apreço, a actividade em causa foi a realização de escavações para execução de uma obra de construção civil.». Neste caso ocorreram escavações para construção de um prédio urbano, com perfuração sob o prédio da outra parte.
. S. T. J. de 22/04/2008 – refere.se que, no sumário: «3. É actividade perigosa para efeito do disposto no artigo 493º, nº 2, do Código Civil aquela que, face às circunstâncias envolventes, implica para outrem uma situação de perigo agravado de dano face à normalidade das coisas, o que não ocorre com os trabalhos de construção civil em geral.
4. Mas uma particular actividade de construção civil é susceptível de ser qualificada de actividade perigosa para aquele efeito face a específico circunstancialismo envolvente, por exemplo a escavação por máquinas pesadas na proximidade das fundações de prédio contíguo, de construção antiga, assente em terreno lodoso, já assaz deteriorado pelo seu tempo de duração.».
. S. T. J. de 02/06/2009 – menciona-se que: «A actividade de construção civil e as obras de escavações ou desaterros que a integram, abstractamente consideradas, ou seja, só por si e abstraindo dos meios utilizados, não constituem actividade que revista perigo especial para terceiros, não sendo, consequentemente, de qualificar como actividade perigosa.
A utilização de certos meios há-de considerar-se, ou não, actividade perigosa casuisticamente, consoante dela resulte ou não, na concretização desse perigo, a provável ou possível geração de danos para terceiros.». Estava em causa a realização, entre outras, de ancoragens em prédio urbano contíguo a outro prédio urbano já edificado.
Assim, pela análise das decisões dos tribunais superiores citadas pelo tribunal recorrido, verifica-se que ou não há consenso sobre se a construção civil é uma atividade perigosa ou então que é abstratamente considerada como não o sendo, salvo casos concretos de onde resulte um perigo provável de danos para terceiros.
A situação em análise não é de construção civil pois não foi efetuada qualquer atividade para posterior construção mas antes se descarregaram terras e depois efetuou-se a terraplanagem da parcela onde tal material foi descarregado.
Ainda assim, dependendo dos meios que tivessem sido utilizados e/ou da proximidade de habitações ou outro tipo de construções, poder-se-ia classificar a atividade da Ré, no caso, como perigosa mas, na nossa opinião, não foi o caso.
O que se prova é que se usaram camiões (factos provados 40 e 41), admitindo-se que possam ter sido usados outros meios para alisar o terreno, mas não resulta que tenha sido colocada em perigo a integridade ou vida de terceiros com o uso de tais máquinas ou pela envolvente ao local – esta será constituída igualmente prédios rústicos, sem haver notícia de existirem habitações na zona onde os trabalhos se processaram -.
Daí que, na nossa opinião, a atividade que a Ré levou a cabo, no caso concreto, não é uma atividade perigosa, sendo que, como já dissemos, a sua (mera) culpa já está provada.
Determinados os danos que foram causados pelo incorreto exercício da atividade da Ré, importa aferir como deve a representada da Autora ser ressarcida e o Autor (e o herdeiro mandante da obra, que será solidário na responsabilidade com a Ré, conforme artigo 497.º, n.º 1, do C. C.).[2]
Já excluímos todos os danos que não se reportam ao incorreto exercício da descarga de terras e terraplanagem; e sabemos que o Autor pediu uma indemnização em dinheiro (uma quantia não inferior a 80.000 EUR, que o tribunal recorrido fixou precisamente neste valor), indemnização que, se bem percebemos, tanto visava ressarcir danos existentes (poços tapados, por exemplo), como futuros (depreciação do imóvel, complexidade maior de futuras construções) como ainda decorrentes da depreciação do terreno se as terras aí descarregadas se mantiverem ou custos com a remoção de terras ou ainda custos com a manutenção das terras na parcela – construção de muro de contenção -.
Na nossa opinião, estando em causa somente os danos causados pela errada aplicação das técnicas da atividade em causa, atento o pedido formulado, deve fixar-se o valor que seja adequado a ressarcir os danos causados pela Ré.
Aqui surge uma questão que é a de que o terreno sofre danos provocados pela Ré que têm na base a colocação de terras – é por estas terem sido descarregadas que há um talude, que poços foram tapados (dito isto de uma forma mais simplista) e que as águas escorrem sem estarem devidamente escoadas pelo terreno.
A condenação a reparar estas situações tem como pressuposto a manutenção das terras na parcela do terreno – ter-se-á de assegurar pela estabilidade do talude, destapar poços e criar o devido escoamento de águas, tudo tendo por base a terra que aí foi colocada -, manutenção de terra esta que deriva da improcedência da prova da prática de um ato ilícito pela Ré pelo ato de deitar terras e terraplanar em propriedade alheia.
Por outro lado, não está apurado nem o valor necessário para reparar aquelas três situações acima referidas, nem quais as concretas medidas que devem ser tomadas.
Note-se que a condenação em 80.000 EUR (sendo que antes se conclui que deve ser procedente o pedido de condenação em quantia não inferior a 80.000 EUR), engloba as seguintes parcelas:
. retirada total ou parcial das terras – 30.000 EUR – (acompanhada da execução de um projeto que contemple as condições necessárias para obter uma inquestionável estabilização das terras – artigo 110.º, da petição inicial -).
. lucro cessante (diminuição do valor potencial do terreno em face da descarga de terras) – 50.000 EUR (artigo 111.º, da petição inicial).
Esta última parcela improcede, como referido; a primeira, a nosso ver, pode proceder em parte e noutros termos pois o que aí também estará englobado no pedido é a condenação da Ré a pagar o custo das obras necessárias à contenção de terras e escoamento das águas, como resulta do alegado no artigo 109.º, da petição inicial:
«Mas pela forma como foi construído, o aterro não cumpre as boas práticas de engenharia e geotecnia, e para que isso aconteça deverão ser satisfeitos os requisitos técnicos necessários à obtenção da estabilidade, moldando melhor o terreno e construindo um muro de contenção, encostado ao limite do vizinho, de pedra de elevada volumetria (muro ciclópico), acompanhado de um sistema de drenagem que evite a acumulação das águas pluviais sobre o terreno e as escoe para longe dele, evitando a sua saturação e os riscos de desabamento.».
Assim, o pedido do Autor, também em nome da sua representada, será parcialmente procedente no que respeita à alínea e), condenando-se a Ré a reparar os danos que causou, acima referidos, pagando o valor correspondente às obras que sejam necessárias para:
. evitar que terras caiam do talude, devendo o mesmo ser contido para evitar tal queda;
. tapar devidamente os poços que o não estejam;
. retirar a terra que tenha invadido os poços e que, por aí tendo entrado, tenha obstruído as galerias subterrâneas.
O modo como tal feito será algo que terá de ser equacionado/provado, extrajudicialmente ou em sede judicial, podendo seguir-se o sugerido no relatório pericial ou outro modo que se demonstre adequado.
Tal valor tem como limite máximo o pedido do Autor nesta parte – 30.000 EUR – não só por ter de se entender que o pedido que foi feito, apesar de incorretamente mencionado como «no mínimo», foi de 80.000 EUR (está em causa um pedido concreto; se o Autor pretendia obter um pagamento que podia ser maior do que este valor, tinha de o fazer de modo genérico) como por ser esse valor que limita a sua pretensão (vejam-se Acs. da R. C. de 11/02/2020, rel. Moreira do Carmo).[3]
É o pedido formulado na ação e o decidido na ação principal que limita a pretensão do Autor e não o que se viesse a formular no incidente – Acs. R. P. de 03/02/2014, rel. Oliveira Abreu, R. E. de 05/11/2020, rel. Conceição Ferreira, todos em www.dgsi.pt -.
Por último, ao determinar-se o pagamento do valor que seja necessário para tais atividades, é percetível que não se provado o mesmo valor em termos exatos (não está demonstrado qual o custo exato dessas operações), pelo que se relega a sua fixação para o competente incidente de liquidação (artigo 358.º, n.º 2, do C. C. e 566.º, n.º 3, do C. C.); e percebe-se que se entendeu que a condenação nesse valor corresponde a uma reparação por equivalente pois a restauração natural não é possível.
Na verdade, ao determinar-se a condenação da Ré a pagar o valor necessário à reparação daqueles danos, está também a determinar-se que, mantendo-se as terras na parcela em causa, a Ré tem de pagar um valor que indemnize a herança (e, consequentemente, cada um dos herdeiros para além do Autor e do representante da empresa mandante) pelos danos que sofre com a deposição das terras, não podendo a reconstituição ser natural: não é possível, mantendo-se a terra descarregada no terreno, devolver à situação anterior o local onde está o talude, manter os poços como se encontravam antes e devolver o mesmo escoamento de águas pluviais.
Por isso, conforme artigo 566.º, n.º 1, do C. C., a indemnização tem de ser fixada em dinheiro por a reconstituição natural não ser possível.
Acresce que foi assim que o Autor a pediu, não tendo a Ré, em momento algum dos autos que não fosse no recurso, suscitado que a indemnização não deveria ser por equivalente, o que se trata da alegação de uma questão nova que deveria ter sido suscitada na contestação.
Por último, quanto à ação, também improcede o pedido em d) - se condene a Ré a cessar definitivamente toda e qualquer deposição de terras e qualquer outro resíduo de construção, demolição ou escavação no terreno referido na alínea b) do presente pedido, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo .... da presente petição inicial -.
Na verdade, em primeiro lugar não existe qualquer facto de onde resulte que a obra está em curso, pelo que não se deteta qual o objeto dessa condenação.
Em segundo lugar, desconhecendo-se se pode ou não a Ré exercer atividade nesse local pois pode o terreno estar comodatado à empresa mandante, não podemos proibir a Ré de, no futuro (que seria o que estaria a decidir ao proibir-se essa conduta), se a empresa em causa o entender, exercer aquele tipo de atividade na parcela. Tudo depende de se saber se pode ou não «B..., Lda.» exercer tal tipo de atividade na parcela; ainda não se sabendo se pode ou não, o pedido não pode ser julgado procedente.
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Do pedido da Ré de condenação do Autor como litigante de má-fé.
O Autor foi absolvido de tal pedido, referindo o tribunal recorrido que compulsada a matéria de facto provada e não provada e a conduta processual do autor atestada nos autos, afigura-se-nos não ser possível afirmar a sua litigância de má fé.
A Ré nada diz no corpo do recurso, apenas referindo na última conclusão que pelos danos causados à ré aqui recorrente, seja formulado um juízo intenso de censurabilidade pela atuação do autor.
Ora, desde logo não se provam quaisquer danos causados pelo Autor e representada à Ré (no que, em rigor, seria um pedido reconvencional de condenação dos mesmos).
Depois, não existe qualquer demonstração que o Autor tenha agido de má-fé.
O tribunal recorrido já enunciou o que dispõe o artigo 452.º, do C. P. C., sendo que a única situação hipoteticamente passível de se integra neste tipo de litigância seria o ter-se alegado que a parcela de terreno em causa nunca esteve integrada no parcelário agrícola P3 quando se demonstra não só que esteve como está.
Mas a pretensão dos Autores está para além dessa alegação pois o que se pretende é provar que essa parcela não foi comodatada à empresa dona da obra e a falência dessa prova não revela qualquer temeridade na alegação. Os Autores têm documentos e, pelo menos, o Autor, produziu afirmações que podem ser totalmente atendidas em sede judicial (e foram-no, na 1.ª instância).
Está em causa uma análise de provas, indícios que, como sempre, pode ser falível quer da parte de quem pede a regulação de um direito como de quem o define; no caso, como referimos, a documentação junta pela Ré foi responsável pela criação de dúvidas sobre a pretensão mas não permite a conclusão de que o Autor tenha tido uma atuação menos conforme à boa-fé que se exige.
Assim, mantém-se a não condenação do Autor e representada como litigante de má-fé.
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3). Decisão.
Pelo exposto, julgando-se parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré, decide-se:
1). Condenar a Ré a pagar ao Autor e sua representada o valor, a apurar em incidente de liquidação, com o limite máximo de 30.000 EUR, correspondente às obras que sejam necessárias para:
. evitar que terras caiam do talude acima descrito, devendo o mesmo ser contido para evitar tal queda;
. tapar devidamente os poços que o não estejam;
. retirar a terra que tenha invadido os poços e que, por aí, tenha entrado e obstruído as galerias subterrâneas.
2). Manter a condenação da Ré no pedido em a), b) e c).
3). Absolver a Ré do pedido em d).
Custas do recurso a cargo de recorrente e recorridos, na proporção definitiva de 6/10 para a recorrente e 2/10 para os recorridos e provisoriamente 1/10 para cada uma das partes quanto à condenação no pedido de pagamento com necessária liquidação, a fixar definitivamente no incidente de liquidação, consoante o vencimento das partes.
Registe e notifique.

Porto, 2023/05/04.
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
Ana Vieira
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[1] O ponto i não tem interesse por estar definitivamente decida a questão da legitimidade.
[2] Ac. S. T. de 15/09/2022, rel. Fernando Baptista, www.dgsi.pt
[3] Veja-se o aí mencionado, com o que concordamos na íntegra: «Os AA, para tornear a sua eventual dúvida quanto ao apuramento quantitativo, já possível, do dano indemnizatório verificado, tinham dois caminhos: ou deduziam pedido genérico/ilíquido, nos termos conjugados dos arts. 556º, nº 2, b), 2ª parte, do NCPC (o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art. 569º do CC) e 569º, 1ª parte, do CC (quem exija a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos); ou então tendo pedido quantitativo determinado reclamavam posteriormente quantia mais elevada face à revelação de dano superior, perante o relatório pericial efetuado nos autos que avaliou os trabalhos do R. em valor ao que os AA tinham inicialmente estimado, nos termos do referido art. 569º, 2ª parte, do CC (nem o facto de ter pedido determinado quantitativo impede o demandante, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos) – vide neste sentido L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 2ª, 2ª Ed., nota 4. ao art. 471º do anterior CPC = ao atual art. 556º, pág. 266