PROCESSO ESPECIALÍSSIMO DE ALTERAÇÃO À REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PROIBIÇÃO DE CONTACTO ENTRE PROGENITORES
CONFERÊNCIA PREVISTA NO N.º 2 DO ART.º 44.º -A DO RGPTC
GESTÃO PROCESSUAL
Sumário


1- O art. 44º-A do RGPTC prevê um processo especialíssimo de regulação e de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que apenas é aplicável nos casos em que tenha sido decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ou em situações de grave risco para os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de criança.
2- Além de especialíssimo, o processo em causa tem natureza urgentíssima até à conclusão da conferência prevista no n.º 2, do art. 44º-A do RGPTC.
3- A realização dessa conferência tem natureza imperativa e, no caso de não comparência dos progenitores, caso nela não cheguem a acordo quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais (ou, no caso de alteração de regulação anterior, quanto a essa alteração), ou o acordo a que chegarem não satisfaça o interesse superior da criança/jovem, o juiz tem imperativamente que regular provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais.
4- Essa conferência não pode ser substituída pelo juiz ao abrigo do dever de gestão processual ou do princípio do inquisitório decorrente do processo em causa ser de jurisdição voluntária, nomeadamente, solicitando à Segurança Social relatório social em que ordene aos técnicos que indaguem sobre a atual situação dos progenitores e do jovem, a fim de aquilatar se ocorre uma situação de perigo para o superior interesse deste ou da progenitora, vítima de violência doméstica, e de ao progenitor ter sido aplicada medida de coação de proibição de contacto com a última, e para que os progenitores e o jovem manifestem a sua posição sobre a conveniência (ou não) da alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais antes fixada por acordo dos progenitores e homologada por sentença transitada em julgado, requerida pelo Ministério Público e, bem assim, para que os técnicos da Segurança Social emitam parecer sobre a conveniência dessa alteração.
5- Vindo os progenitores e o jovem a considerar que a alteração da regulação é desnecessária por, entretanto, terem adaptado o regime de regulação antes fixado à nova realidade e emitindo os técnicos da Segurança Social parecer em igual sentido, nem por isso existe fundamento legal para arquivar o processo de alteração do regime das responsabilidades parentais do jovem antes fixado, instaurado pelo Ministério Público ao abrigo do art. 44º-A do RGPTC.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

Nos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que AA instaurou contra BB, estes, em .../.../2013, convolaram a ação para ação de divórcio para mútuo consentimento, tendo para o efeito regulado, por acordo, homologado por sentença transitada em julgado, o exercício das responsabilidades parentais relativo ao filho, AA, nascido em .../.../2005, nos termos seguintes:

Questões de particular importância
Todas as decisões de maior relevo para a vida da criança serão tomadas conjuntamente pelo pai e pela mãe, ressalvados os casos de urgência manifesta, em que qualquer deles poderá agir sozinho, prestando contas ao outro logo que possível.

Residência da criança e atos de vida corrente
1) A criança residirá com a mãe, a cuja guarda fica confiada, que fica incumbida de zelar e acautelar pelo respetivo bem-estar, a ela cabendo o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente.
2) O pai pagará, a título de alimentos devidos ao menor, a quantia de 120.00 (cento e vinte euros) mensais, até ao dia 8 (oito) de cada mês por transferência bancária para a conta a indicar pela Autora ao processo, em 8 (oito) dias.
3) Tal valor será anualmente atualizado em janeiro, de acordo com o índice de preços do consumidor, no mínimo de 3%, a começar em janeiro de 2015.
4) O pai pagará ainda metade das prestações médicas, medicamentosas e escolares e das atividades extra-escolares, contra apresentação de recibo.
5) O pai passará com o filho todos os fins de semana, indo buscá-lo a casa da mãe ao Sábado, pelas 19.00 horas, entregando-o no Domingo, na mesma em casa da mãe, pelas 20.00 horas.
6) O menor passará as festividades de Natal [dia de consoada (24) e dia de Natal (25)] e de Passagem de Ano [dia de fim de ano (31) e dia de ano novo (1)], alternadamente com cada um dos progenitores, começando este ano o 24 com a mãe e o 25 com o pai, bem como o dia 31 com o pai e o dia 1 com a mãe, sendo que o pai irá buscá-lo ou levá-lo até às 11.00 horas do dia seguinte que o menor estiver com este.
7) Nas férias de verão, o menor passará 15 (quinze) dias com o pai, a combinar até dia 30 de maio de cada ano.-

Em 27/10/2014, o Ministério Público requereu a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa a AA (cfr. apenso A), tendo, em 25/10/2015, essa regulação sido alterada, por acordo dos progenitores, homologado por sentença transitada em julgado, nos termos que se seguem:
A anterior regulação das responsabilidades parentais, constante do processo de divórcio a fls. 35 a 37, mantém-se, exceto quanto à cláusula quinta, que passa a ter a seguinte redação:
O pai passará com o filho todos os domingos, indo buscá-lo a casa da mãe pelas 10:00 horas e entregando-o no mesmo local, pelas 21:00 horas.

Por apenso à identificada ação de divórcio, em 17/01/2023, o Ministério Público instaurou ação de alteração urgente do exercício das responsabilidades parentais relativo a AA, requerendo que se designasse a conferência a que alude o art. 44º-A do RGPT (cfr. apenso B).
Para tanto alegou, em síntese, que, por decisão de 12/01/2021, proferida no âmbito do processo n.º 550/22...., foram aplicadas ao pai do jovem, entre outras, as medidas de coação de proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), direto ou por interposta pessoa, a ofendida AA, ou dela se aproximar num raio inferior a 500 metros e proibição de frequentar e, bem assim, a de aceder à residência da ofendia e de aí permanecer.
Conclui alegando que, perante aquelas medidas de coação, a disposição relativa a visitas adotada de que «o pai passará com o filho todos os domingos, indo buscá-lo a casa da mãe, pelas 10.00 horas, e entregando-o, no mesmo local, pelas 21.00 horas», terá de ser alterada.
Por decisão proferida a 18/01/2023, a 1ª Instância, ao abrigo do dever de gestão processual, adequou o processado e determinou que fosse requisitado relatório social a fim de que os progenitores e o menor fossem ouvidos quanto à conveniência do processo, constando esse despacho do seguinte teor:
“O jovem atingirá a maioridade aos 12/10/2023, sendo que não é referido nos autos se tem havido, ou não, qualquer convívio, aos domingos, entre este e o progenitor – a quem foram aplicadas as medidas de coação.
Assim, antes de se proferir eventual despacho de citação, nos termos do art.º 42.º do R.G.P.T.C., ao abrigo do dever de gestão processual (art.º 6.º do C.P.C.), adequa-se o processado nos termos do art.º 547.º do C.P.C., solicitando-se desde já relatório social nos termos do art.º 21.º, n.º 1, al. e), do C.P.C. (para enquadramento remeta cópia da petição inicial e deste despacho) para, depois de ouvidos os intervenientes e jovem (mormente quanto à necessidade deste processo), se pronunciar quanto ao que seja manifestado pelo jovem e progenitora.
Após, decidir-se-á o processado subsequente”.

Em 17/02/2023, o Centro Distrital da Segurança Social de ... juntou aos autos o relatório social, em que, além do mais, se lê com relevância para os presentes autos:
“Entrevista presencial e individual a BB, na Segurança Social de Guimarães, no dia 15.02.2023.
Entrevista presencial conjunta a AA e AA, na Segurança Social de Guimarães, no dia 15.02.2023.
Consulta do SISS (Sistema de Informação da Segurança Social)
(…)
O progenitor referiu que, em sequência das medidas de coação aplicadas no âmbito do processo crime, se encontra a residir com os seus pais, ambos pensionistas, na morada acima identificada.
(…)
Declara manter contacto regular com o filho CC, com a deslocação do jovem, semanalmente, a casa dos avós paternos, para almoçar e passar a tarde, regressando a casa da mãe antes do jantar. Durante a semana mantém contactos telefónicos regulares e, sempre que pretende, o jovem vai a casa dos avós.
(…)
BB considera desnecessária qualquer alteração ao processo da regulação das responsabilidades parentais já que tudo tem vindo a ser cumprido.
A progenitora referiu que se mantém a viver na mesma habitação, na morada acima referida.
(…)
Quanto às visitas do CC ao pai, diz que ele tem total liberdade para as gerir.
Desde o divórcio que o filho tem visitas ao pai ao domingo, que deixaram de ser cumpridas no período em que faziam parte do mesmo agregado e que agora foram retomadas.
DD não vê necessidade de qualquer alteração no âmbito do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais.
O CC, informa que se encontra a frequentar o 12º e não é seu objetivo continuar a estudar.
Confirma que a visita e o almoço em casa dos avós paternos, ao domingo, é de caráter regular e certo. Durante a semana pode ir lá para os visitar deslocando-se de autocarro. Ao domingo vai no autocarro das 11.30h e, depois de passar a tarde juntos, regressa ao final da tarde, jantando já em casa da mãe. Alude a inexistência de discussões ou conflitos.
O CC tem 17 anos de idade e, tal como os progenitores, não vê necessidade de qualquer alteração no âmbito da Regulação das Responsabilidades Parentais.

Conclusão/Parecer
Face ao anteriormente descrito parece-nos que está tudo a correr bem e dentro do que é expectável. Assim, e indo de encontro à vontade expressa de todos os intervenientes, consideramos, salvo diferente entendimento de V. Exa., não haver necessidade de qualquer alteração bem como a existência deste processo”.

Tendo tido vista nos autos, o Ministério Público promoveu que se designasse, com a máxima urgência, data para a realização da conferência a que alude o art. 44º-A do RGPTC, dado que a realização da mesma é absolutamente imperativa.
Mais sustentou não haver lugar a qualquer adequação do processado, pois a tramitação prevista naquele dispositivo legal é imperativa.
Por decisão proferida em 27/02/2023, a 1ª Instância indeferiu o promovido e ordenou o arquivamento dos autos, nos termos do disposto no art. 42º, n.º 6, do RGPTC, constando essa decisão do teor que se segue:
O Ministério Público veio, nos termos do art.º 44.º A do R.G.P.T.C., intentar a presente ação de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor AA, nascido aos .../.../, sendo requeridos os pais deste, BB e AA.
O pedido consiste na alteração do regime de convívio entre o jovem e o pai (a cláusula em vigor é a seguinte: “[o] pai passará com o filho todos os domingos, indo buscá-lo a casa da mãe, pelas 10 horas, e entregando-o no mesmo local, pelas 21 horas”.
A causa de pedir consiste no facto de ao pai do jovem, no inquérito n.º 550/22...., em que é arguido por violência doméstica, por decisão de 12/01/2023, e por estar indiciada a prática, em autoria material e na forma consumada e em concurso efetivo, real e heterogéneo, de dois crimes de violência doméstica e dois de ameaça, lhe terem sido aplicadas, entre o mais, as medidas de coação de “proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), direto ou por interposta pessoa, com a ofendida AA ou dela se aproximar num raio inferior a 500 metros”, bem como “proibição de frequentar, permanecer ou aceder à residência da ofendida (…)].
O fundamento legal é a norma constante do art.º 44.º A, n.º 1, do R.G.P.T.C.
No despacho inicial, ao invés de se cumprir desde logo o disposto no art.º 44.º A, n.º 2, do R.G.P.T.C., foi proferido, aos 18/01/2023, despacho de adequação do processado (ao abrigo do dever de gestão processual e do princípio da adequação do processado, artigos 6.º e 547.º do C.P.C.), tendo-se solicitado, desde logo, relatório social, tendo em conta que o jovem atingirá a maioridade aos 12/10/2023, tendo-se pedido, também, que fossem ouvidos os intervenientes e o jovem, mormente quanto à necessidade deste processo.
Foi junto aos autos o relatório social, cujo teor se dá por reproduzido, resultando do mesmo, e em suma, que quer ambos os progenitores, quer o jovem, consideram que o presente processo é desnecessário, sendo que o regime de convívio entre o jovem e o pai foi, depois de aplicadas as medidas de coação, alterado por consenso: o jovem convive com o pai nos termos em que combina com ele e encontram-se ao domingo para almoçar e conviver à tarde na casa dos avós paternos (dando-se por reproduzido o teor de pp. 2 e 3 do relatório social).
Como resulta da promoção antecedente, e em suma, o Ministério Público, na sequência do despacho inicial, e não obstante o teor do relatório social, é de opinião que se deve convocar a conferência de pais, observando-se o disposto nos termos do art.º 44º-A, n.º 2 e n.º 3, do R.G.P.T.C., por não haver lugar a qualquer adequação do processado, por o referido art.º 44.º A do R.G.P.T.C. ser uma norma imperativa.
É esta, no fundo, a questão em causa: se obrigatoriamente o tribunal tem de percorrer o iter processual do art.º 44.ºA, n.º 2 e n.º 3, do R.G.P.T.C. ou se (até porque a referida norma é tão imperativa quanto as demais constantes do mesmo diploma e dos princípios que as integram…), tendo em conta as diligências efetuadas e tidas por necessárias, o tribunal pode, mesmo nos casos do art.º 44.º A do R.G.P.T.C., determinar o arquivamento dos autos nos termos do art.º 42.º, n.º 6, do R.G.P.T.C.
Ressalvando todo o respeito por diferente entendimento (inclusive pelo Ex.mo Procurador da República nos autos), é-se de opinião que não é necessário, sempre, seguir o iter processual do art.º 44.º A, podendo o tribunal, também nestes casos, determinar o arquivamento deles nos termos do art.º 42.º, n.º 6, do R.G.P.T.C.
Como resulta do disposto no art.º 42.º, mormente do n.º 3 a n.º 5 do R.G.P.T.C., o juiz poderá até vir a concluir pelo arquivamento dos autos (se os considerar infundados ou desnecessária a alteração), depois de após a petição inicial ter ocorrido a citação e o prazo para alegação.
O n.º 6 do mesmo artigo permite ao juiz que, antes de mandar arquivar os autos ou de ordenar o seu prosseguimento, determine a realização das diligências que considere necessárias.
Não resulta da lei que estas diligências apenas possam ter lugar depois de realizada uma conferência de pais, nos termos do art.º 35.º a 40.º do R.G.P.T.C., ex vi n.º 5 do art.º 44.ºA do mesmo diploma.
De facto, a conjugação do n.º 4 com o n.º 6 do art.º 42.º do R.G.P.T.C. permite concluir que há dois motivos (e, também, momentos) para a decisão de arquivamento: nos termos do primeiro, se junta a alegação ou o respetivo prazo tiver decorrido, o juiz considerar desde logo que o pedido é infundado ou que é desnecessária a alteração e, nos termos do segundo, se depois de ter efetuado as diligências necessárias, o juiz concluir que não é necessário os autos prosseguirem, determinando o arquivamento em função do que nelas se tiver apurado.
Este entendimento é justificável ao abrigo dos já mencionados deveres de gestão (e economia) processual, adequando-se o processado até para se ter mais elementos para decidir o rumo dos autos, o que foi o caso, tendo-se solicitado ab initio o relatório social.
Também os critérios de oportunidade e conveniência (mais do que de legalidade estrita) ínsitos à jurisdição voluntária (que é o caso dos autos, art.º 12.º do R.G.P.T.C., e artigo 987.º do C.P.C.) fundamentam tal entendimento, pois de acordo com o art.º 986.º, n.º 2, do C.P.C., “[o] tribunal [pode] investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias”.
Ressalva-se que em lado algum, no art.º 44.º A do R.G.P.T.C., se refere que não é aplicável o disposto no art.º 42.º, designadamente no n.º 6, do R.G.P.T.C.
A função jurisdicional pressupõe um conflito de interesses a decidir, a compor e que haja um pedido para tal, como resulta dos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, do C.P.C.
É certo que o Ministério Público pede, mas pede ope legis, tem legitimidade processual para o fazer, como resulta do art.º 44.º A, n.º 1, do R.G.P.T.C., quer para pedir uma regulação, quer para pedir uma alteração. Contudo, tal não implica que necessariamente se atribua uma maior legitimidade material ao Ministério Público que aos próprios envolvidos, quando estes não configuram um diferendo que necessite de intervenção judicial, por os próprios serem capazes de chegarem a uma solução consensual – ao abrigo do princípio da autonomia da vontade e da sua capacidade jurídica de exercerem os seus direitos, compondo-os.
Como resulta do relatório social, assim foi: no âmbito do exercício das responsabilidades parentais (e ao abrigo do disposto nos artigos 1877.º, 1878.º, n.º1, e, entre outros convocáveis, do art.º 1906.º do C.C. ), as partes decidiram como, em função da aplicação das referidas medidas de coação, o regime de convívio deveria ser alterado, tendo respeitado também a opinião do jovem de 17 anos (que, no caso, deve ser tida em conta, tendo em conta o disposto no art.º 4.º, al. c), e 5.º do R.G.P.T.C. – aliás, o jovem co construiu a solução encontrada): manter-se um regime de contactos livre entre o pai e filho sem prejuízo de os convívios de domingo terem deixado de passar por recolha e entrega em casa da mãe dele mas sim realizados em casa dos avós paternos, onde vai almoçar e onde permanece durante a tarde (dá-se por reproduzidas as pp. 2 e 3 do relatório social), regime que assegura o superior interesse do jovem em conviver com o pai – critério mor de decisão, tendo em conta o disposto no art.º 4.º do R.G.P.T.C. e, por força dele, no art.º 4.º al. a), da L.P.C.J.P.
Ou seja, como resulta destes dois artigos, os princípios que constam do último são os que regem a intervenção judicial e deles fazem parte a intervenção mínima (al. d), a proporcionalidade e atualidade (no que se insere a intervenção jurisdicional, que não deve interferir na vida da criança e da família para lá do estritamente necessário, al. e), bem como o da responsabilidade parental, prevalência da família, audição obrigatória e participação da criança e subsidiariedade da intervenção, respetivamente previstas nas alíneas f), h), j)e k) do art.º 4.º da L.P.C.J.P.
Pelo exposto, considera-se desnecessário o prosseguimento dos autos por não haver um conflito que requeira intervenção judicial, na medida em que as partes, tendo em conta o sucedido no referido processo, auto compuseram a solução para o problema e que, depois de ouvidas na Segurança Social, foram do entendimento (tal como o filho) que não é necessária a intervenção.
Os mecanismos legais, como o constante do art.º 44.º A do R.G.P.T.C., existem para acautelar ou solucionar problemas, não para se constituírem eles mesmos na fonte do problema (ou ingerência indevida, por desnecessária, na reserva da vida privada e familiar, constitucionalmente tutelada no art.º 26.º, n.º 1, da C.R.P.), pois há que, dentro dos limites definidos na Lei (e, nos termos sobreditos, o tribunal a eles também está vinculado), respeitar os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados (por exemplo, também nos artigos 36.º, 67.º e 68.º da C.R.P.), art.º 18.º, n.º 1, da C.R.P., “[o]s preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.
Assim, por tudo quanto fica exposto:
Arquive os autos, art.º 42.º, n.º 6, do R.G.P.T.C., por a alteração pretendida não ser necessária.
Sem custas por isenção legal do requerente”.

Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

1- O Ministério Público não se conforma com a douta sentença com a refª ...05 que ordenou o arquivamento dos autos.
2- Já no douto despacho inicial não se ordenou a realização de conferência, como resulta do imperativo legal.
3- Resulta da lei como absolutamente imperativo (Lei 24/2017) que se ordenasse o cumprimento de imediato do que dispõe o artigo 44.º-A (regulação urgente) do RGPTC, designando-se data para conferência com a máxima urgência (nada mais).
4- Salvo o devido respeito, não há lugar a qualquer adequação do processado, pois a tramitação é imperativa – artigo 44.º-A do R.G.P.T.C.
5- Na verdade, nesse douto despacho inicial, com a referência ...60, decidiu-se:
«O jovem atingirá a maioridade aos 12/10/2023, sendo que não é referido nos autos se tem havido, ou não, qualquer convívio, aos domingos, entre este e o progenitor – a quem foram aplicadas as medidas de coação.
Assim, antes de se proferir eventual despacho de citação, nos termos do art.º 42.º do R.G.P.T.C., ao abrigo do dever de gestão processual (art.º 6.º do C.P.C.), adequa-se o processado nos termos do art.º 547.º do C.P.C., solicitando-se desde já relatório social nos termos do art.º 21.º, n.º 1, al. e), do C.P.C. (para enquadramento remeta cópia da petição inicial e deste despacho) para, depois de ouvidos os intervenientes e jovem (mormente quanto à necessidade deste processo), se pronunciar quanto ao que seja manifestado pelo jovem e progenitora.
Após, decidir-se-á o processado subsequente.»
6- Com decorrência da mesma situação existencial, foi aplicada pelo Mmº Juiz de Instrução ao arguido, aqui progenitor, medida de coação de proibição de contactos que afeta a posição subjetiva das partes; a restrição de contactos resulta dessa medida judicial e da lei.
7- O Mmº Juiz de Instrução no processo de inquérito 550/22.... do DIAP decidiu no tocante ao progenitor, aí arguido:
«A matéria de facto supra descrita permite afirmar que o arguido incorreu na prática, em autoria material e na sob a forma consumada, de:
- Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, punível com pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos;
- Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea e) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, punível com pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, acrescendo a ambos as penas acessórias previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo; e,
- Dois crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
8- Consta da certidão que o Mmº Juiz de Instrução fundamentou a sua douta decisão do seguinte modo (para além do mais):
«Nestes termos, … decido que o arguido BB aguarde os ulteriores termos do processo sujeito, cumulativamente:
1. Às obrigações decorrentes do Termo de Identidade e Residência, já prestado nos autos a fls. 97;
2. Proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), direto ou por interposta pessoa, com a ofendida AA ou dela se aproximar num raio inferior a 500 metros;
3. Proibição de frequentar, permanecer ou aceder à residência da ofendida, sita na Rua ..., ..., ... Guimarães e de aí permanecer; e
4. Obrigação de se sujeitar, em regime ambulatório e atento o seu prévio consentimento, ao tratamento que vier a ser determinado à sua dependência de álcool ou outro qualquer problema de adição que venha a ser detetado ou do foro psiquiátrico,
Tudo ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 192.º, 193.º, n.º 1, 194.º, n.º 1, 196.º, 200.º, n.º 1 alíneas a), d) e f), e 204.º alínea c), todos do Código de Processo Penal, e artigo 31.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.» (sic).
9- Neste casos as intervenções dos tribunais no caso assumem uma natureza complementar no âmbito de cada um dos interesses específicos de intervenção estadual; nesta conformidade, esta ação, no figurino legal atual, é independente da vontade das partes e imperativa, exigindo-se regulação do tribunal para assegurar a eficácia dos direitos das vítimas em contexto familiar.
10- Será de ponderar o entendimento de que a alteração, in casu, se impõe (veja-se a posição do Ilustre Autor EE, notação ao artigo 44.º-A R.G.P.T.C., no Regime Geral do Processo Tutelar Cível ANOTADO, coord. da Exmª Senhora Professora CRISTINA DIAS) por previsão expressa da lei nas situações excecionais aí enunciadas, as intervenções dos tribunais assumem uma natureza complementar no âmbito de cada um dos interesses específicos de intervenção estadual.
11- A intervenção legislativa adequou a legislação nacional às exigências dos artigos 26.º e 31.º da Convenção de Istambul, prevendo regras específicas para a regulação das responsabilidades parentais em contextos de violência doméstica e reforçando e estatuto da vítima, através da suspensão ou restrição das visitas do agressor (cf. Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul em 11 de maio de 2011, aprovada para ratificação pela RAR n.º 4/2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República 123/2013, publicados ambos em 21 de janeiro).
12- Neste caso, será essencial a fundamentação sustentada na imediação do tribunal com as partes e o jovem em eventual perigo de exposição a condutas que o possam afetar; sublinha-se o dever de fundamentação da solução que obrigatoriamente vier a ser adotada, designadamente com aplicação de regime provisório. Cf. a posição assumida por Estrela CHABI, «A Regulação das responsabilidades parentais no âmbito de crimes de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar) – uma fundamentação sustentada na imediação direta com os meios de prova, as partes e o jovem afetados pelo conflito.
13- Esse dever de fundamentação deverá alicerçar-se na instrução adequada dos autos, pela realização de uma conferência, onde o Tribunal averigue diretamente sobre a situação dos progenitores e do jovem (sublinhando-se o dever de fundamentação da solução que obrigatoriamente vier a ser adotada, designadamente com aplicação de regime provisório. Cf a posição assumida por Estrela CHABI, «A Regulação das responsabilidades parentais no âmbito de crimes de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar».
14- De acordo com Maria Clara Sottomayor, o legislador nacional procurou estabelecer nas alíneas a) e b) do art. 1906º-A CC, uma presunção de contrariedade subjacente ao exercício em comum das responsabilidades parentais para da criança, à imagem do que já acontecia em sede de art. 40.º/9 RGPTC vista garantir a sua proteção nos casos previstos no preceito em questão.
Os tribunais estão obrigados à ponderação (de uma forma, aliás, urgente) sobre a consequência da intervenção penal no âmbito do direito da família, no sentido de assegurar a realização dos superiores interesses da vítima em sede do exercício das responsabilidades parentais (ou mesmo das medidas de promoção e proteção), tendo também em vista a prevenção da repetição de atos de igual natureza no seio familiar, pelo que nada substitui a conferência urgentíssima como ato prévio como resulta expressamente da lei; a lei não abre qualquer exceção e a alteração legislativa da Lei 24/2017 tem cariz imperativo, urgente e sobrepõe-se à vontade das partes.
15- Normas violadas.
1. A sentença violou o que resulta do artigo 42.º, ns.º 3 a n.º 5 e nº. 6 do R.G.P.T.C
2. Foi violado o que decorre do artigo 13.º o RGPTC.
3. Foi violado o princípio da audição da criança previsto no artigo 5.º do R.G.P.T.C.
4. A sentença recorrida violou o que resulta expressamente do artigo 44.º-A do RGPTC e o que dispõe o artigo 1906.º-A do CC
5. A sentença não atendeu à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro (REGIME JURÍDICO APLICÁVEL À PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E À PROTEÇÃO) nem às normas penais dos artigos 152.º, n.º 1, alínea e) e n.º 2, alínea a), e artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e aos perigos que as mesmas visam prevenir e esconjurar, numa intervenção complementar com a do Mmº Juiz de Instrução.
6. A sentença recorrida violou o princípio da atualidade (porque não apurou a realidade vigente, atual, de modo presencial, dos próprios intervenientes) – artigo 4.º da LPCJP aplicável por força do artigo 4.º,1, do RGPTC (regem-se pelos princípios orientadores da intervenção estabelecidos na lei de promoção de crianças e jovens em perigo).
7. Violou o princípio da oralidade previsto no artigo 4.º,1, a) do R.G.P.T.C.
16- Não atribuiu ao relatório social a verdadeira natureza de meio de obtenção de prova, opinativo, como decorre da definição do que é a assessoria técnica como prevista pelo artigo 20.º do R.G.P.T.C. e das demais normas dessa lei (para que o Tribunal, a partir dele, possa «esgravatar» (perquirir) nos factos).
17- Nesta perspetiva em que se coloca o recurso, a sentença ainda violou a vontade imposta pelo legislador, numa visão de conjunto, atendendo-se ao que decorre do artigo 24.º-A do RGPTC, que refere a inadmissibilidade do recurso à audição técnica especializada, em casos em que seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores, ou em que se estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças, porque não retirou dessa norma, para o caso sub iudice, tendo em vista o espírito do sistema que a ela preside, na aplicação conjugadas de todas as normas aqui invocadas.
(O artigo 24.º-A aditado pelo artigo 5.º da Lei n.º 24/2017, 24 de maio, altera o Código Civil promovendo a regulação urgente das responsabilidades parentais em situações de violência doméstica e procede à quinta alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, à vigésima sétima alteração ao Código de Processo Penal, à primeira alteração ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível e à segunda alteração à Lei n.º 75/98, de 19 de novembro (DR 24 maio). Vigência: 23 junho 2017).
18- Destarte, não fez a instrução do processo da forma adequada e como legalmente imposta, violando o disposto no artigo 21.º R.G.P.T.C.
19- O modo de proceder adotado pelo Tribunal (para este caso e outros futuros …) não está em conformidade com os artigos 26.º e 31.º da Convenção de Istambul, prevendo regras específicas para a regulação das responsabilidades parentais em contextos de violência doméstica, cf. Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul em 11 de maio de 2011, aprovada para ratificação pela RAR n.º 4/2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República 123/2013, publicados ambos em 21 de janeiro.
R. seja revogada a sentença e seja ordenada a conferência prevista no artigo 44.º-A do RGPTC.
Ao decidirem e como decidirem farão Vossas Excelências Justiça

O Ministério Público veio, posteriormente, aditar a seguinte conclusão:
20- Ao determinar liminarmente a realização de relatório social, o tribunal mandou prosseguir os autos porque entendeu que não havia motivo para considerar infundado o pedido (n.º 5, do mesmo artigo 42.º), naufragando, também deste ponto de vista, a fundamentação da douta sentença de arquivamento agora posta em crise, r., em consequência, que se anule a decisão recorrida e que os autos prossigam para a conferência de pais. (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto/ Processo 26147/17.6T8PRT-C.P1; Relator: Exmº Senhor Desembargador JOÃO VENADE, Ac. de 13-07-2022).

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, a questão que se encontra submetida à apreciação do tribunal ad quem consiste em saber se a decisão recorrida, ao determinar a adequação processual e ao solicitar a elaboração do relatório social e, com base na informação recolhida nesse relatório, ter ordenado o arquivamento da presente ação de alteração urgente da regulação do exercício das responsabilidades parentais, sem que tivesse realizado a conferência a que alude o art. 44º-A, n.º 2, do RGPTC, quando esta, na perspetiva do apelante, é obrigatória, padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe revogar essa decisão e determinar a realização da referida conferência, seguindo após os autos (ou não) os seus termos legais em função do resultado dessa conferência.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para apreciar a questão submetida a esta Relação são os que constam do relatório acima elaborado, a que acrescem os seguintes factos, provados através de documento autêntico, não impugnado de falso, junto em anexo ao requerimento inicial:

A- No âmbito dos autos de inquérito n.º 55022/8..., que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Instrução Criminal ..., Juiz ..., em que é arguido BB, este foi sujeito às seguintes medidas de coação cumulativas:
1- Termo de Identidade e Residência, já prestado nos autos a fls. 97;
2- Proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), direto ou por interposta pessoa, com a ofendida AA ou dela se aproximar num raio inferior a 500 metros;
3- Proibição de frequentar, permanecer ou aceder à residência da ofendida, sita na Rua ..., ..., ... Guimarães e de aí permanecer; e,
4- Obrigação de se sujeitar, em regime ambulatório e atento o seu prévio consentimento, ao tratamento que vier a ser determinado à sua dependência de álcool ou outro qualquer problema de adição que venha a ser detetado ou do foro psiquiátrico, com os seguintes fundamentos:
“A matéria de facto supra descrita permite afirmar que o arguido incorreu na prática, em autoria material e na sob a forma consumada, de:
- Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, punível com pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos;
- Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea e) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, punível com pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, acrescendo a ambos as penas acessórias previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo; e,
- Dois crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
(…)
Ora, as circunstâncias que rodearam os ilícitos indiciados, bem como a ulterior conduta do arguido, revelam a necessidade de afastar o mesmo das pessoas que tem molestado. A personalidade do arguido, revelado na conduta adotada - agressão verbal e física à ofendidas e a ameaça verbal, causam forte destabilização psicológica - impõem esta solução.
Assim, afigura-se necessário proibir o arguido de contatar a ofendida e fazer cessar a residência comum, prevenindo-se, assim, a possibilidade de continuação da sua atividade criminosa.
Acresce que, tendo por referência o tipo legal do crime (violência doméstica) e o supra exposto, e com o fim de acautelar quer a integridade física, quer mesmo a vida da ofendida, atentas as cifras negras que se tem verificado em Portugal, no que concerne ao crime em apreço – forte alarme social - afigura-se-nos adequado e proporcional aplicar a medida de coação urgente, prevista no artigo 31.º, nº 1, alínea a), da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro.
Assim, de entre todas as medidas de coação tipificadas na Lei, a proibição de contatar a vítima, por se mostrar proporcionada à gravidade do crime pelo qual o arguido se encontra indiciado e à pena que, previsivelmente, lhe virá a ser aplicada, se revelam respeitadoras dos princípios da adequação e proporcionalidade, vertidos no n.º 1, do artigo 193.º, do Código de Processo Penal, sendo certo que, por ora, as mesmas afiguram-se ser suficientes para garantir as já referidas finalidades das medidas cautelares. Acresce serem estas a únicas que, numa perspetiva pragmática, permitem assegurar minimamente os fins para que as medidas de coação estão vocacionadas - cfr. citado art. 204.º do Código de Processo Penal - encontrando as mesmas a necessária cobertura legal - cfr. os artigos 191.º, n.º 1, 192.º, 193.º, n.º 1, 194.º, 196.º, 198.º, 200.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), e 204.º, alínea b) e c), todos do Código de Processo Penal, e 31.º, n.º 1, alíneas a), c) e d), da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, aplicar ao arguido, em cumulação com o Termo de Identidade e Residência já prestado”.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A questão nuclear a decidir no presente recurso consiste em saber se o regime processual previsto no art. 44º-A do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), quando se verificam os pressupostos legais para a respetiva aplicação, são de observância imperativa, designadamente, a realização da conferência prevista no seu n.º 2, conforme pretende o apelante acontecer, ou se, pelo contrário, esse regime processual pode ser adequado ao abrigo do princípio da gestão processual e da natureza de jurisdição voluntária do processo em causa, tal como decidido pela 1ª Instância.
O art. 44º-A do RGPTC foi aditado pela Lei n.º 24/2017, de 24/05, entrada em vigor em 23/06/2017 (cfr. art. 8º desta), que teve origem no Projeto de Lei n.º 345/XIII/2ª, que visou dar resposta à Resolução n.º 4/2013, de 21 de janeiro de 2013, da Assembleia da República, que ratificou a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Doméstica contra Mulheres e à Violência Doméstica, adotada em Istambul a 11 de maio de 2013, cujo art. 31º obriga os estados signatários a “adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar que os incidentes de violência abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente Convenção sejam tidos em conta na tomada de decisões relativas à guarda das crianças e sobre o direito das mesmas” e, bem assim, que sejam “necessárias para assegurar que o exercício de um qualquer direito de visita ou de um qualquer direito de guarda  não prejudique os direitos e a segurança da vítima ou das crianças”.
Conforme se lê na exposição de motivos do mencionado Projeto de Lei, foi esta disposição a que o Estado Português se auto vinculou que, “perante a realidade dramática de persistência dos casos de violência doméstica, apesar dos sucessivos avanços legislativos”, tornou necessário que o legislador adequasse “o atual quadro legislativo à necessidade de agilizar o procedimento de alteração das condições de exercício do regime de responsabilidades parentais sempre que, em função da presumível prática de crime e inerente aplicação de medida de coação de afastamento entre progenitores, ou em caso de aplicação de pena acessória com estes efeitos, aquele regime de regulação não se constitua, na prática, como um fator de perturbação, pressão e risco para as vítimas e para os filhos”.
Prosseguindo o referido desiderato de proteção da vítima e dos filhos no contexto de violência doméstica, a Lei n.º 24/2017, aditou ao Cód. Civil o seu atual art. 1906º-A, em que cria uma exceção ao princípio regra do exercício conjunto pelos progenitores das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância da vida do filho em caso de rutura da relação dos progenitores, sempre que for decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores (al. a), do art. 1906º-A), ou em situações de grave risco para os direitos e segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças (al. b), do mesmo preceito), considerando que, nessas situações, pode ser julgado contrário aos superiores interesses do filho o exercício conjunto das responsabilidade parentais relativas às questões de particular importância[1]; alterou os arts. 31º, n.º 4, da Lei n.º 112/2006, de 16/09, e 200º, n.º 4 do Cód. Proc. Penal, ao impor que sempre que seja aplicada medida ou medidas de coação que impliquem a restrição de contacto entre progenitores estas têm de ser imediatamente comunicadas ao representante do Ministério Público que exerce funções no tribunal competente, para efeitos de instauração, com caráter de urgência, do respetivo processo de regulação ou alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais; e aditou ao RGPTC os seus atuais arts. 24º-A e 44.º-A[2].
Prevendo o art. 24º do RGPTC que nos processos tutelares cíveis o juiz pode, oficiosamente com o consentimento dos interessados ou a requerimento destes, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, designadamente em processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, determinar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação, reconhecendo, assim, que a mediação familiar constitui um meio privilegiado para a resolução amigável de conflitos familiares, com recurso a técnicos especializados, o mencionado art. 24º-A do RGPTC, aditado pela Lei 24/2007, veio excluir o recurso à audição técnica especializada e à mediação quando: “a) For decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contactos entre progenitores, ou b) Estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças”[3].

Já no que respeita ao art. 44º-A, aditado pela Lei n.º 24/2017 ao RGPTC, sobre a epígrafe: “Regulação urgente”, estabelece-se que:

“1- Quando seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ou se estiver em grave risco os direitos e a seguranças das vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças, o Ministério Público requer, no prazo máximo de 48 horas após ter conhecimento da situação, a regulação ou alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
2- Autuado o requerimento, os progenitores são citados para a conferência, a realizar nos 5 dias imediatos.
3- Sempre que os progenitores não cheguem a acordo ou qualquer deles faltar, é fixado regime provisório nos termos do artigo 38º, seguindo-se-lhe os termos posteriores previstos nos artigos 39º e seguintes da presente lei.”
Note-se que aos processos tutelares cíveis, de cujo elenco fazem parte o processo especial de regulação do exercício das responsabilidades parentais, regulado nos arts. 34º a 40º do RGPT e, bem assim, o de alteração do exercício dessas responsabilidades, regulado no seu art. 42º, cuja demora possa causar prejuízo aos interesses da criança, nos termos do art. 13º do RGPTC, deve ser atribuída, por despacho judicial, natureza urgente, o que significa que, mediante o aditamento daquele art. 44º-A pela Lei n.º 24/2017, o legislador criou, a par dos identificados processos de regulação ou alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (ditos normais, por serem aplicáveis à generalidade dos casos de rutura da relação dos progenitores) um outro processo de regulação ou alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais de natureza especialíssima e urgentíssima apenas aplicável aos casos em que seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ou às situações de grave risco para os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças.
Esse processo de regulação ou de alteração do exercício das responsabilidades parentais de natureza especialíssima (na medida em que, reafirma-se, apenas é aplicável às situações em que se verifiquem os pressupostos legais previstos no n.º 1, do art. 44º-A do RGPTC para a sua aplicação) e urgentíssima, conforme resulta do antedito, prossegue o objetivo a que o Estado Português se auto vinculou, mediante a ratificação da Convenção de Istambul, no sentido de adotar medidas legislativas que se revelassem necessárias para assegurar que os incidentes de violência doméstica sejam tidos em conta na tomada de decisões relativas à guarda das crianças e sobre os direitos das mesmas e que assegurassem que o exercício de um qualquer direito de visitas ou de um qualquer direito de guarda não prejudicasse os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e dos filhos, visando agilizar a legislação já existente e em vigor, ou seja, no caso, o processo de regulação ou de alteração do exercício das responsabilidades parentais já consagrado no ordenamento processual nacional, de modo a agilizá-lo com vista a serem alcançadas as mencionadas finalidades.
O legislador condicionou o recurso a este meio processual especialíssimo e urgentíssimo aos casos em que tenha sido decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ou em que ocorra uma situação de grave risco para os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças.
Com efeito, a verificação de uma situação de grave risco para os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças, ou o decretamento de uma medida de coação ou a aplicação de uma pena acessória de proibição de contacto entre progenitores evidencia que existe uma situação de potencial gravíssimo risco para os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica e respetivos filhos, reclamando, por isso, a pronta e célere intervenção dos poderes públicos a fim de neutralizar ou conter esses riscos, impondo que rapidamente se regule o exercício do poder paternal dos filhos ou que se altere o já fixado, adaptando-o à nova realidade.
Conforme decorre do que se vem dizendo, o regime processual do art. 44º-A do RGPTC, mostra-se em consonância com o art. 1906º-A do CC, também ele introduzido pela Lei n.º 24/2007, reproduzindo as alíneas a) e b) deste último preceito o n.º 1, do art. 44º-A, em que se prevê que a verificação de qualquer situação prevista numa dessas alíneas poderá justificar a exclusão do exercício conjunto das responsabilidades parentais, por se entender que a verificação dessas situações podem ser julgadas contrárias ao superior interesse do filho, reclamando que as responsabilidades parentais sejam exercidas apenas pelo progenitor a quem o filho tenha sido confiado e vítima de violência doméstica ou a terceiros, e também se mostra concordante com as atrás enunciadas alterações introduzidas aos arts. 31º, n.º 4, da Lei n.º 112/2006, e 200º, n.º 4 do CPP, que impõem que sempre que seja aplicada uma medida de coação ou uma pena acessória que implique restrição de contacto entre progenitores, a aplicação destas tem de ser imediatamente comunicada ao Ministério Público competente, para efeitos de instauração, com caráter de urgência, de processo de regulação ou alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Note-se que feita a comunicação oficiosa oriunda do processo crime ao Ministério Público de que foi aplicada medida de coação ou pena acessória de proibição de contacto entre progenitores, ou quanto à segunda das situações previstas no n.º 1, do art. 44º-A que constitui pressuposto de aplicação deste regime processual especialíssimo e urgentíssimo, logo que este tenha conhecimento, nomeadamente, através da criança/jovem, do progenitor vítima da violência, de qualquer outro familiar ou através de outro meio de que existe uma situação de grave risco para os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças, aquele dispõe do prazo máximo de 48 horas para instaurar a regulação ou alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, dando, assim, lugar ao início do enunciado processo de regulação ou de alteração de natureza especialíssima e urgentíssima.
Nele, o juiz terá de citar os progenitores para uma conferência, a ser realizada nos cinco dias imediatos (n.º 2, do art. 44º-A).
Sempre que os progenitores faltem a essa conferência ou não cheguem nela a acordo quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais do filho ou quanto à alteração de regulação já antes fixada, ou quando o acordo a que cheguem não satisfaça o interesse superior do filho, o juiz terá de obrigatoriamente fixar regime provisório nos termos do art. 38º.
Dado que nesse processo de natureza especialíssima e urgentíssima está excluído o recurso à audição técnica especializada e à mediação familiar (art. 24º-A), após a fixação do enunciado regime provisório, segue-se o regime dos n.ºs 4 a 9, do art. 39º[4].
Revertendo ao caso dos autos, tendo sido comunicado ao Ministério Público  oficiosamente pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Instrução Criminal ..., Juiz ..., que, no âmbito dos autos de inquérito n.º 55022/8..., a correr termos nesse tribunal, o aí arguido BB foi sujeito, além do mais, à medida de coação de proibição de contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), direto ou por interposta pessoa, com a ofendida AA ou dela se aproximar num raio inferior a 500 metros e, bem assim, de proibição de frequentar, permanecer ou aceder à residência desta, com fundamento de que se encontrava indicada a comissão por parte daquele, em concurso real, de dois crimes de violência doméstica e dois crimes de ameaça agravada, sendo os identificados arguido e ofendida pais do jovem AA, nascido em .../.../2005, cuja regulação do exercício do poder paternal  tinha sido acordada e homologada por sentença transitada em julgado, no âmbito do processo de divórcio dos progenitores, regulação essa que tinha sido posteriormente alterada, no âmbito do apenso A, por acordo dos progenitores, também ele homologado por sentença transitada em julgado, em que ficara decidido que o exercício das responsabilidades parentais relativo às questões de particular importância para a vida do filho era exercido em comum pelos progenitores (cfr. autos de divórcio) e que o progenitor passaria «com o filho todos os domingos, indo buscá-lo a casa da mãe, pelas 10.00 horas, e entregando-o, no mesmo local, pelas 21.00 horas» (cfr. apenso A), o Ministério Público instaurou ação de alteração de regulação do exercício do poder paternal, ao abrigo do disposto no art. 44º-A do RGPTC, requerendo que fosse designada a conferência a que alude o n.º 2 desse preceito.
Acontece que o tribunal a quo, invocando o dever de gestão processual, não designou a mencionada conferência, mas antes solicitou, nos termos da al. e), do n.º 1, do art. 21º do RGPTC, a realização de relatório social pelo Centro Distrital da Segurança Social de ..., a fim de apurar da atual situação do jovem e dos progenitores, onde determinou que estes fossem ouvidos, mormente, quanto à necessidade do processo de alteração do exercício das responsabilidades parentais antes fixado e agora instaurado pelo Ministério Público, determinando que, após a junção desse relatório, seria tomada decisão quanto ao posterior processado.
Junto esse relatório social aos autos, em que os progenitores e o jovem afirmaram junto dos técnicos da Segurança Social considerarem ser desnecessária qualquer alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao jovem antes fixado, em virtude deste dispor de total liberdade para gerir as suas visitas e contactos com o pai, a quem visita em casa dos avós paternos, onde o progenitor reside, com caráter regular e certo, aos domingos, e sempre que o entenda nos restantes dias, para o que se desloca para a casa dos avós de autocarro, e emitindo os técnicos da Segurança Social parecer em igual sentido, por tudo estar  “a correr bem e dentro do que é expectável”, apesar de, uma vez notificado desse parecer, o Ministério Público insistir no sentido de que fosse designada, com a máxima urgência, a conferência do art. 44º-A do RGPTC, alegando que a realização desta era absolutamente imperativa e não haver lugar a qualquer adequação processual por, na sua perspetiva, a tramitação prevista nesse preceito ser imperativa, mediante a prolação da decisão recorrida, o tribunal a quo indeferiu o promovido e ordenou o arquivamento do presente processo, nos termos do n.º 6, do art. 42º do RGPTC, argumentando basicamente com o princípio da adequação formal, que o presente processo de alteração do exercício das responsabilidade parentais do jovem tem natureza de jurisdição voluntária e que, por isso, neles prevalece o princípio do inquisitório sobre o da legalidade estrita, e que os progenitores e o jovem “auto compuseram a solução  para o problema e que, depois de ouvidos na Segurança Social, foram do entendimento que não é necessária a intervenção”, inexistindo, por isso, qualquer “conflito que requeira a intervenção judicial”.
É dessa decisão que o Ministério Público interpõe o presente recurso, imputando-lhe erro de julgamento, alegando, em síntese, com o caráter imperativo do processualismo fixado no art. 44º-A do RGPTC, mormente, da conferência nele prevista, a qual não pode ser afastada, nomeadamente, mediante a substituição da audição dos progenitores e do jovem pelos técnicos da Segurança Social, não estando o recurso a esse processo dependente da vontade dos progenitores e do jovem, nem do parecer emanado pelos técnicos da Segurança Social, o qual tem caráter meramente opinativo, não ocorrendo, por isso, fundamento legal para o arquivamento do presente processo e, antecipe-se desde já, salvo o devido respeito e melhor opinião, com integral razão.
Vejamos:
Conforme acima se deixou dito, o processo de regulação ou de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais que se encontra regulado no art. 44º-A do RGPTC é um processo de natureza especialíssima e urgentíssima que apenas tem aplicação verificados que sejam um dos seguintes pressupostos legais: a) decretamento de medida de coação ou aplicação de pena acessória de proibição de contacto entre progenitores; ou b) existência de situação de grave risco para os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças.
Mediante a consagração deste processo foi propósito do legislador dar concretização prática aos compromissos internacionais a que se vinculou, no âmbito da Convenção de Istambul, de agilizar a legislação que então se encontrasse em vigor, de modo a assegurar que os incidentes de violência abrangidos pela Convenção fossem “tidos em conta na tomada de decisões relativas à guarda das crianças e sobre os direitos das mesmas” e que fossem “necessárias para que o exercício de um qualquer direito de visita ou de um qualquer direito de guarda não prejudique os direitos e a segurança da vítima ou das crianças”.
Com vista a cumprir esse compromisso internacional entendeu o legislador, por um lado, estabelecer uma medida legislativa que permitisse afastar a regra do no n.º 2, do art. 1906º do CC, segundo a qual, nos casos de rutura da relação entre os progenitores, as responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância dos filhos seriam exercidas pelos progenitores conjuntamente, o que fez mediante o aditamento ao CC do art. 1906º-A e, por outro lado, reconhecendo que o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, regulado nos arts. 34º a 40º do RGPT, e o de alteração dessa regulação, previsto no art. 42º da mesma lei, não era suficientemente célere, apesar de nos termos do art. 13º poder ser-lhe atribuída casuisticamente natureza urgente e, consequentemente, ser determinado que corresse termos em férias judiciais sempre que a demora do processo possa causar prejuízo para o interesse da criança, e que aqueles também não eram suficientemente ágeis para prontamente dar resposta a certos e determinados perigos gravíssimos que tinham de ser prontamente removidos ou contidos, criou o processo de regulação e alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, de natureza especialíssima e urgentíssima do art. 44º-A do RGPTC.
Assim o legislador, a par dos processos tutelares cíveis de regulação do exercício das responsabilidades parentais e de alteração dessa regulação, que já se encontravam (e que se encontram) previstos e regulados no ordenamento nacional, criou um processo de regulação e de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais especialíssimo apenas aplicável aos casos em que seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ou em que se verifique uma situação de grave risco para os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças, aditando ao RGPTC o art. 44º-A.
Ao assim proceder, passaram a existir no ordenamento tutelar cível nacional basicamente dois processos distintos de regulação e de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, a saber: a) os processos de regulação ou de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, regulados nos arts. 34º a 40º e 42º do RGPTC, que são aplicáveis à generalidades dos casos de rutura da relação dos progenitores (divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento ou separação de facto), aos quais, em função das especificidades do caso concreto, pode o juiz atribuir natureza urgente; e b) os processos de regulação ou de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais apenas aplicáveis aos casos em que seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ou nos casos de situação de grave risco para os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças, o qual se encontra regulado no art. 44º-A do RGPTC.
O facto de, no âmbito desse processo especialíssimo, se prever que o Ministério Público tem de instaurar a ação de regulação ou de alteração da regulação do exercício dos poderes paternais no prazo máximo de 48 horas sobre o conhecimento dos pressupostos legais de que depende o recurso a esse processo (n.º 1, do art. 44º-A), a preocupação tida pelo legislador em aditar ao CC o art. 1906º-A e de alterar os arts. 31º, n.º 4 da Lei n.º 112/2006, e 200º, n.º 4 do CPP, bem como o facto de, uma vez instaurada a referida ação especialíssima, se impor ao juiz que cite os progenitores para uma conferência (para a qual, nos casos dos arts. 4º, n.º 1, al. c), 5º, n.º 1, 35º, n.º 3 do RGPT e 4º, al. i) da LPCJP, deverá também convocar o jovem/criança e ouvi-la presencial e separadamente), que terá de ser realizada dentro dos cinco dias imediatos (n.º 2, do art. 44º-A), onde caso os pais faltem ou não cheguem a acordo quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto ao filho, ou quanto à alteração da regulação desse exercício antes fixada, adaptando-a à nova realidade, ou quando o acordo a que cheguem não acautelar suficientemente o interesse superior do filho, lhe impor que imperativamente regule provisoriamente o exercício do poder paternal, seguindo-se após o regime do art. 39º, n.ºs 4 a 9 do RGPTC (n.º 3, do art. 44º-A), sem que seja possível o recurso à audição técnica especializada e à mediação familiar (art. 24º-A) e, bem assim, os objetivos prosseguidos pelo legislador com a introdução na ordem jurídica nacional deste novo processo especialíssimo, demonstra que até à homologação do acordo a que cheguem os progenitores na conferência a que alude o n.º 2, do art. 44º-A ou, na ausência dessa homologação devido a uma das causas já acima enunciadas, até à regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais pelo juiz, a ser determinada nessa conferência, todo o processualismo previsto no mencionado art. 44º-A do RGPT não só tem natureza imperativa, como urgentíssima.
Com efeito, instaurado o enunciado processo de regulação ou de alteração do exercício das responsabilidades parentais, contanto que sejam alegados os requisitos de que o n.º 1, do art. 44º-A faz depender o recurso a esse processo de natureza especialíssima e urgentíssima, face aos interesses em jogo, nomeadamente, os gravíssimos riscos que a verificação desses requisitos indicia e que importa rapidamente afastar ou conter, o juiz terá de, imediato, convocar os progenitores e nos casos previsto nos arts. 4º, n.º 1, al. c), 5º, 35º, n.º 3, do RGPTC e 4º, al. l) da LPCCJP, também a criança/jovem para a conferência a que alude o n.º 2 desse preceito, estando-lhe vedado o recurso a quaisquer outras diligências no sentido de averiguar da verificação ou não desses pressupostos legais de que depende o recurso a esta concreta ação, nomeadamente, de solicitar relatório social, ao abrigo do disposto no art. 21º, n.º 1, al. e), do RGPTC, conforme foi o caso, e muito menos para que fosse indagado junto dos progenitores e do jovem da necessidade de alteração do exercício das responsabilidades parentais requerida pelo Ministério Público.
A realização de tais diligências prévias frustraria totalmente os objetivos de celeridade implementada pelo legislador a este processo especialíssimo e urgentíssimo e, bem assim, as finalidades que prossegue de afastar os gravíssimos perigos para a vítima de violência doméstica e seus filhos ou para a vítima de outras formas de violência em contexto familiar (e seus filhos, a não serem os próprios as vítimas), que a alegação desses pressupostos necessariamente indicia.
Depois, salvo o devido respeito por opinião contrária, nunca por nunca a instauração, o prosseguimento e as decisões a proferir no âmbito de todo e qualquer processo tutelar cível se encontram dependentes da vontade dos progenitores, da criança/jovem e/ou do parecer que seja requisitado e emitido pelos técnicos especializados em sede de relatório social, uma vez que o único critério que tem de presidir à instauração, prosseguimento e às decisões a proferir em tais processos, e, consequentemente, por maioria de razão, no âmbito do processo especialíssimo e urgentíssimo do art. 44-A do RGPTC, é única e exclusivamente o interesse superior da criança/jovem.
Daí que a posição manifestada pelos progenitores e/ou pela criança/jovem e/ou o parecer técnico emitido pelos técnicos da Segurança Social, o qual constitui, aliás, mero meio de prova sujeito à livre apreciação da prova do tribunal (arts. 389º do CC e 489º do CPC), sobre a conveniência ou não de se alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais antes fixada quanto ao jovem CC, por si só, nunca poderá condicionar o prosseguimento de um processo de natureza especialíssima e urgentíssima, como é o presente processo, em que se encontram indiciados gravíssimos riscos para a progenitora, vítima de violência doméstica e, por inerência, para o próprio jovem, em que o único e primordial interesse a acautelar é o superior interesse deste, e muito menos, poderá afastar a necessidade da realização da conferência a que alude o n.º 2, do art. 44º-A, relembrando-se que, no âmbito deste processo especialíssimo e urgentíssimo, se encontra inclusivamente excluído o recurso à audição técnica especializada e mediação familiar.
Note-se que o que se acaba de concluir, diversamente do entendimento sufragado pela 1ª Instância, não é afastado pelo dever de gestão processual que o art. 6º do CPC comete ao juiz enquanto seu poder-dever, nem pelo princípio do inquisitório decorrente da natureza de jurisdição voluntária dos processos tutelares cíveis, em que se integra o presente processo de natureza especialíssima e urgentíssima (art. 12º do RGPT).
O dever de gestão processual impõe ao juiz uma postura ativa na condução do processo e na promoção do seu andamento célere para que seja alcançada com a maior simplificação e agilização possíveis uma decisão de mérito que garanta a justa composição do litígio, tendo presente que os mecanismos processuais são instrumentais em relação ao direito substantivo e que devem prevalecer as decisões de mérito sobre as formais, ou seja, o direito substantivo deve sobrepor-se ao direito processual, pelo que, “em caso de conflito,  impõe-se a intervenção reguladora do juiz com funções de tutela de direitos subjetivos ou de interesses juridicamente relevantes”[5].
Para tanto é conferida ao juiz a direção formal do processo, nos seus aspetos técnicos e de estrutura interna, cabendo-lhe assegurar a regularidade da instância e o normal andamento do processo, quer através da promoção oficiosa das diligências necessárias ao seu prosseguimento normal, devendo para tal providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinar a realização de atos necessários à regularização da instância (arts. 6º, n.º 2 e 590º, nº 2, als. a) do CPC), convidar as partes a suprir as irregularidades dos articulados, suprimindo as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (arts. 6º, n.º 2, parte final, 590º, n.ºs 2, al. b), 3 e 4), determinar que as partes juntem documentos aos autos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador (art. 590º, n.º 2, al. c)), quer mediante a recusa de tudo o que for impertinente ou meramente dilatório, como, além disso, assiste-lhe o poder-dever de, após audição das partes, adotar mecanismos de simplificação e agilização processual, adequados a garantir a justa composição do litígio em prazo razoável.
Note-se, contudo, que o dever de gestão processual tem de ser exercido pelo juiz com peso e medida, tendo como limites inultrapassáveis o respeito pelos princípios da igualdade das partes, do contraditório, da aquisição processual de factos, do direito à prova e da admissibilidade dos meios de prova.
Quanto aos mecanismos de agilização processual que são conferidos ao juiz, este não tem o poder de converter as funções que são constitucionalmente cometidas ao juiz (transformando a sua função de aplicador da lei em legislador), esquecendo que está sujeito à lei tanto material como processual.
Daí que o uso dos mecanismos de agilização processual pelo juiz, além de estar condicionado à circunstância de ter necessariamente em vista tornar mais célere o processo, com vista à rápida e justa resolução do litígio, mediante a prolação de uma decisão de mérito em prazo razoável, impõe que este, sempre que pretenda afastar-se do figurino legal, tenha de ouvir previamente as partes, além de que os desvios que venha a determinar não podem contender com os princípios do dispositivo, do contraditório, do direito à prova e da igualdade das partes e tais desvios terão de ser sempre fundamentados, tendo o juiz de expor a razão ou razões por que o fez, por forma a afastar tanto a arbitrariedade como o desvio do poder[6].
O presente processo tem natureza de jurisdição voluntária pelo que nele predomina o princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo, na medida em que o juiz não está limitado aos factos alegados pelas partes, mas antes pode investigar oficiosa e livremente os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher as informações que repute por convenientes às finalidades do processo e prescindir dos atos ou de provas que repute inúteis ou de difícil obtenção e, neste sentido, incompatíveis com o interesse do jovem a uma decisão em tempo razoável (art. 986º, n.º 2 do CPC), além de que nele predomina o critério da equidade da decisão sobre o critério da legalidade (art. 987º do mesmo Código), pelo que o critério decisório nele a seguir não está confinado à aplicação estrita do direito tal como configurado previamente de forma abstrata pela norma, impondo-se que o juiz alicerce a decisão em critérios de oportunidade ou de conveniência, adotando as medidas mais aptas à satisfação do interesse do jovem, mesmo que estas não estejam exaustivamente tipificadas na lei[7].
Acontece que embora o princípio do inquisitório previsto no n.º 2, do art. 986º do CPC, conceda alguma flexibilização ao juiz para realizar atos ou formalidades não especificamente previstos na lei e para omitir atos ou formalidades nela previstos que se mostrem destituídos de interesse para o exame ou decisão da causa, não consente que possa alhear-se das normas do concreto processo aplicável que tenham natureza imperativa, nomeadamente, das que fixam os pressupostos processuais ou substantivos, que lhe impõem a realização de determinadas diligências ou que balizam o leque de medidas a adotar, a propósito do que vigora o critério de legalidade estrita[8], ou seja, como impressivamente se expende no acórdão da Relação de Coimbra de 01/02/2000, “embora nos processos de jurisdição voluntária os critérios de legalidade não se imponham totalmente ao tribunal quando lhe é solicitada a adoção de uma resolução, isso não significa, nem pode significar, que lhe seja lícito abstrair em absoluto do direito positivo vigente, como se ele não existisse e como se, acima das normas legais, estivesse o critério subjetivo do julgador ou os interesses individuais das partes”[9].
Ora, no caso dos autos, conforme cremos sobejamente demonstrado, estamos perante um processo especialíssimo e urgentíssimo, em que a realização da conferência prevista no n.º 2, do art. 44º-A, do RGPTC, tem natureza imperativa.
No caso dos progenitores não comparecerem a essa conferência, não chegarem a acordo quanto à alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto ao jovem, ou o acordo a que cheguem não satisfazer o interesse superior deste, o juiz terá imperativamente de regular provisoriamente essa alteração em função desse interesse superior do jovem (sem esquecer o interesse da progenitora, vítima de violência doméstica, a cuja guarda aquele se encontra confiado). Só a partir daí, uma vez salvaguardados os interesses superiores daqueles e acautelados os perigos, é que o processo em causa deixará de ter a natureza urgentíssima que lhe é conatural, seguindo-se o processualismo do art. 39º, n.ºs 4 a 9 do RGPTC.
Daí que a realização da identificada conferência e a regulação provisória da alteração do exercício das responsabilidades parentais antes fixada que se impuser perante a atual realidade (naturalmente, caso se verifique fundamento para essa regulação provisória decorrente dos progenitores faltarem à conferência, nela não chegarem a acordo ou o acordo alcançado não se mostrar conforme aos superiores interesses do jovem), não possam ser substituídas por outra diligência, quer por via do dever de gestão processual conferido ao juiz pelo art. 6º do CPC, quer por via do princípio do inquisitório decorrente da natureza de jurisdição voluntária dos autos, sob pena de se violarem normas processuais imperativas.
Acresce dizer que nunca aquela conferência podia ser substituída pelo relatório social que foi requerido pela 1ª Instância à Segurança Social, com vista a indagar dos pressupostos legais que permitem o recurso ao processo especialíssimo e urgentíssimo do art. 44º-A, nomeadamente, a fim de se indagar da existência (ou não) de uma situação de efetivo perigo para o superior interesse do jovem, ou da progenitora, vítima de violência doméstica, decorrente de ao progenitor terem sido aplicadas medidas de coação de proibição de contacto com a progenitora, ao abrigo do dever de gestão processual e do princípio do inquisitório, uma vez que o recurso a esse dever e princípio apenas legitima o juiz a omitir atos ou formalidades processuais não imperativos (o que não é o caso da identificada conferência) e a realizar outros atos os formalidades processuais desde que impliquem uma simplificação do processo, tornando-o mais célere, de modo a obter-se uma decisão de mérito que satisfaça os interesses superiores do jovem com maior celeridade, afastando-se ou contendo-se, portanto, mais rapidamente os perigos que aquele processo especialíssimo e urgentíssimo visa afastar ou limitar, o que não é o caso do mencionado relatório social, em que a vontade nele expressa pelos progenitores e pelo jovem é totalmente irrelevante para aqueles efeitos, o mesmo se afirmando em relação ao parecer nele emitido pelos técnicos da Segurança Social, o qual, além de não ter sido sujeito a contraditório dos pais e do jovem, consubstancia um mero elemento de prova, a se considerado pelo tribunal, após observância do necessário contraditório em relação aos progenitores e ao jovem, nomeadamente, em sede de homologação do eventual acordo a que os progenitores cheguem na conferência do n.º 2, do art. 44º-A no sentido de averiguar se esse acordo satisfaz ou não os superiores interesses do jovem ou, na falta dos pais à conferência, na ausência de acordo destes ou não satisfazendo o acordo a que chegarem os superiores interesses do jovem, na fixação do regime provisório que terá de imperativamente fixar (n.º 2, do art. 44º-A) e que, consequentemente, apenas levou a atrasos processuais.
Finalmente, dir-se-á que, contrariamente ao entendimento sufragado pela 1ª Instância, jamais existe fundamento para o arquivamento do presente processo, ainda que se venha a constatar que a situação que se encontra descrita no relatório social se confirma e que os progenitores e o jovem, em termos práticos, alteraram o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto ao último que fora antes acordado e homologado por sentença transitada em julgado, adaptando-o à nova realidade dos progenitores e que a auto composição a que chegaram satisfaz o superior interesse do jovem.
Com efeito, uma coisa é a realidade fáctica e outra, diversa, é a realidade jurídica, realidades essas que são confundidas pelo tribunal a quo.
Em caso de rutura da relação entre progenitores, no caso de existência de filhos, a regulação do exercício das responsabilidades parentais e as posteriores alterações, embora devam ter em consideração a vontade dos progenitores e da criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua maturidade (arts. 4º, n.º 1, al. c) 5º, 35º, n.º 3 do RGPTC e 4º, al. i) da LPCJP) e, inclusivamente, o tribunal deva promover o acordo dos progenitores quanto à regulação ou respetiva alteração, qualquer acordo a que cheguem, nunca por nunca prescinde da intervenção do tribunal no sentido de verificar se a auto composição a que chegaram satisfaz ou não o interesse superior da criança/jovem (arts. 34º e segs. do RGPTC, 1904º-A a 1909º do CC), pelo que, estando presentemente em vigor o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto ao jovem que foi acordado e homologado no âmbito da ação de divórcio dos progenitores, com as alterações posteriormente acordadas e homologadas no apenso A, e sendo esse regime que vigora na ordem jurídica (não o que os progenitores e o jovem acolheram em termos fáticos ou ontológicos, adaptando-se à sua atual realidade), este terá de ser necessariamente alterado, por forma a ser adaptado  à nova realidade dos progenitores e do jovem, independentemente da auto composição a que já chegaram em termos materiais, mas não jurídicos.

Resulta do exposto, impor-se concluir pela procedência da presente apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida e ordenar o prosseguimento dos autos, com a convocação da conferência a que alude o n.º 2 do art. 44º do RGPTC, devendo o tribunal a quo convocar também para essa conferência o jovem, dado contar 17 anos de idade, onde o deverá ouvir presencial e separadamente (arts. 4º, n.º 1, al. c) 5º, 35º, n.º 3 do RGPTC e 4º, al. i) da LPCJP).
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- O art. 44º-A do RGPTC prevê um processo especialíssimo de regulação e de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que apenas é aplicável nos casos em que tenha sido decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ou em situações de grave risco para os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de criança.
2- Além de especialíssimo, o processo em causa tem natureza urgentíssima até à conclusão da conferência prevista no n.º 2, do art. 44º-A do RGPTC.
3- A realização dessa conferência tem natureza imperativa e, no caso de não comparência dos progenitores, caso nela não cheguem a acordo quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais (ou, no caso de alteração de regulação anterior, quanto a essa alteração), ou o acordo a que chegarem não satisfaça o interesse superior da criança/jovem, o juiz tem imperativamente que regular provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais.
4- Essa conferência não pode ser substituída pelo juiz ao abrigo do dever de gestão processual ou do princípio do inquisitório decorrente do processo em causa ser de jurisdição voluntária, nomeadamente, solicitando à Segurança Social  relatório social em que ordene aos técnicos que indaguem sobre a atual situação dos progenitores e do jovem, a fim de aquilatar se ocorre uma situação de perigo para o superior interesse deste ou da progenitora, vítima de violência doméstica, e de ao progenitor ter sido aplicada medida de coação de proibição de contacto com a última, e para que os progenitores e o jovem manifestem a sua posição sobre a conveniência (ou não) da alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais antes fixada por acordo dos progenitores e homologada por sentença transitada em julgado, requerida pelo Ministério Público e, bem assim, para que os técnicos da Segurança Social emitam parecer sobre a conveniência dessa alteração.
5- Vindo os progenitores e o jovem a considerar que a alteração da regulação é desnecessária por, entretanto, terem adaptado o regime de regulação antes fixado à nova realidade e emitindo os técnicos da Segurança Social parecer em igual sentido, nem por isso existe fundamento legal para arquivar o processo de alteração do regime das responsabilidades parentais do jovem antes fixado, instaurado pelo Ministério Público ao abrigo do art. 44º-A do RGPTC.   
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Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação procedente e, em consequência:
- revogam a decisão recorrida e ordenam o prosseguimento dos autos, com a convocação da conferência a que alude o n.º 2 do art. 44º do RGPTC, devendo o tribunal a quo convocar também para essa conferência o jovem, dado contar 17 anos de idade, onde o deverá ouvir presencial e separadamente.
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Sem custas, posto que os progenitores não contra-alegaram, não sendo, por isso, vencidos, e o Ministério Público delas se encontra isento (arts. 527º, n.º 1, parte final, do CPC e 4º, n.º 1, al. a), RCP).
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Notifique.
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Guimarães, 30 de março de 2023

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:
José Alberto Moreira Dias – Relator
Alexandra Maria Viana Parente Lopes - 1ª Adjunta
Rosália Cunha - 2ª Adjunta.


[1] Note-se que, nos casos previstos na al. a), do art. 1906º-A, do CC – decretamento de medida de coação ou aplicação de pena acessória de proibição de contacto entre progenitores -, o art. 40º, n.º 9 do RGPTC estabelece uma presunção ilidível de que o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho é contrário ao superior interesse da criança, ao estabelecer que: “Para efeitos do disposto no número anterior e salvo prova em contrário, presume-se contrário ao superior interesse da criança o exercício em comum das responsabilidades parentais quando seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre os progenitores”, enquanto nas situações previstas na al. b), do mesmo art. 1906º-A – estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças – o legislador optou por não estabelecer qualquer presunção de que o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância pelos progenitores é contrário ao superior interesse da criança, mas limita-se a chamar a atenção que o “pode” ser.
Contudo, conforme adverte Estrela Chaby, in “Código Civil Anotado”, coord. por Ana Prata, vol. II, 2ª ed., Almedina, pág. 833, “como decorre do teor literal do artigo, a verificação das circunstâncias previstas em cada uma das alíneas não implica jamais o automático afastamento do exercício em comum das responsabilidades relativas às questões de particular importância, persistindo o dever de fundamentação, neste tocante; a gravidade das situações previstas neste artigo confirma o caráter excecional da previsão do nº 2 do art. 1906º”.   
[2] Ac. RG., de 28/02/2019, Proc. 1927/16.3T8VCT-C.G1, in base de dados da DGSI, onde se  encontram todos os acórdãos que se venha a citar, sem menção em contrário, em que se expende: “preocupado com a trágica realidade dos casos de violência doméstica ou de outras formas de violência em contexto familiar como maus tratos ou abuso sexual de crianças, através da Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, o legislador introduziu um regime para a regulação ou alteração urgente do exercício das responsabilidades parentais (arts. 24º-A, 44º-A do RGPTC e 1906º-A do CC), designadamente quando a algum dos progenitores for atribuído o estatuto de vítima, nos termos do disposto no art. 14º da Lei n.º 112/2009, de 16/09, justificando a exclusão do exercício conjunto das responsabilidades parentais, por se entender que tais situações podem ser julgadas contrárias aos interesses do filho”. 
[3] Para a exclusão de audição técnica especializada e de mediação nos casos previstos neste art. 24º-A, pesou o infeliz retrato nacional de mulheres vítimas de violência doméstica, muitas delas vítimas de homicídio, e a sujeição de muitas crianças a formas de violência paternal. Daí que, conforme se lê na exposição de motivos do Projeto Lei n.º 345/XIII/2ª, “o recurso à audição técnica especializada e à mediação familiar não seja admitida entre as partes em duas circunstâncias concretas: nos casos de violência doméstica, designadamente quando a algum dos progenitores foi atribuído o estatuto de vítima, nos termos do disposto no art. 14º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro; e nos casos em que algum dos progenitores seja constituído arguido ou condenado por crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual do seu filho. Assim, exclui-se o recurso à audição técnico especializada e à mediação familiar, nos casos previstos na al. a), do art. 24º-A do RGPTC. Já quanto aos casos da al. b), terá de se ponderar casuisticamente a sua exclusão ou não – neste sentido Tomé d`Almeida Ramião, “Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado”, Quid Juris, 2ª ed., págs. 83 e 84.
[4] Tomé d`Almeida Ramião, ob. cit., págs. 180 a 181; Estrela Chaby, ob. cit., pág. 833.

[5] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 35.
[6] Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro de 2014, Ediforum, págs. 29 e 30; Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed, Almedina, págs. 44 e 45, em que expendem: “A referência ao poder-dever de agilização processual (…), encerra alguma redundância: vincando fundamentalmente a perspetiva simplificadora do poder de adequação formal (art. 547º), pouco mais é, além disso, do que um elemento de interpretação de outras normas (que especificamente concedam ao juiz poderes determinados de atuação no sentido de tornar mais célere o processo) no sentido de estabelecerem deveres do juiz e não meros poderes discricionários. É, pois, escassa a margem deixada para uma aplicação direta e autónoma: pode o juiz, nomeadamente, praticar ou ordenar a prática conjunta de atos processuais (audiências, atos isolados de produção de prova, decisões) respeitantes a processos que pudesse apensar, nos termos do art. 267º, mas que julgue mais conveniente que corram autonomamente”. Acrescentando que: “A inobservância do princípio do contraditório antes da decisão de adequação formal ou de outra decisão que simplifique ou agilize o processo é acentuada (“ouvidas as partes”), em decorrência do que já consta do art. 3º-3, mas apontando mais fortemente para a inadmissibilidade de exceções”.
[7] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, julho de 2020, Almedina, pág. 437.
[8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., vol. II, pág. 437; Ac. R.L., de 18/01/2007, Proc. 9427/2006-6: “Nos processos de jurisdição voluntária vigora o princípio do inquisitório na realização de diligências, mas isso não permite omitir as diligências que a lei impõe”.
[9] Ac. RC., de 01/02/2000, CJ, 2000, t. 1º, pág. 16.