VALOR DA CAUSA
DISPENSA DA TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
COMPLEXIDADE DA CAUSA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
VALOR DO RECURSO
Sumário

I – Fora dos casos especiais previstos no artigo 12º do RCP, a determinação do valor tributário da ação é feita com recurso à regra geral do artigo 11º, pelo que, a base tributável da ação corresponderá ao valor da causa, fixado de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo.
II – Fixado o valor da causa pelo juiz, nos termos do art. 306º do CPC, a posterior redução do objeto da causa, nomeadamente por desistência parcial do pedido ou da reconvenção, não tem influência no valor da causa ou na base tributável.
III – Respeitando os valores que lhe estão a ser cobrados a taxa de justiça remanescente, prevê a lei a possibilidade da sua dispensa quando a complexidade da causa e a conduta processual das partes assim o justificar (nº 7 do art. 6º do RCP).
IV – Não alegando a autora que a redução do valor do pedido tenha acarretado uma menor “complexidade” da causa, mediante a alegação de que se encontrariam verificadas alguma das circunstâncias previstas nas als. a) a c) do nº 7 do art. 530º, não se poderá afirmar que, a não atendibilidade da redução do pedido, acarrete algum desequilíbrio entre os serviços efetivamente prestados e o valor a pagar a título de taxa de justiça, de modo a envolver uma violação do princípio da igualdade.
V – Quanto aos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respetivo valor no requerimento de interposição do recurso, sob pena de prevalecer o valor da ação.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral



Processo nº 4995/17.7T8LRA-B.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Paulo Correia

2º Adjunto: Helena Melo

                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Na presente ação declarativa sob a forma de processo comum que A..., S.A., move contra C..., S.A.,

Veio a autora Reclamar da conta de custas, com os seguintes fundamentos:

1. Em face da redução do pedido operada pela autora e admitida pelo tribunal, o valor da causa referente à ação principal não corresponde ao pedido formulado na Petição Inicial (720.105,00 €), mas ao invés, ao pedido reduzido de 212.816,00 €;

sendo o valor da causa inferior a 275.00,00 €, não há lugar ao pagamento de remanescente pela Reclamante;

a interpretação do artigo 11º do RCP, vertida na Conta de Custas, nos termos da qual a base tributável das custas deve ser o valor original do valor da causa, desconsiderando a redução do pedido, padece de inconstitucionalidade material por acarretar um encargo manifestamente desproporcionado, sem que se mostre correspondência no serviço efetivamente prestado e a utilidade deles retirada, o que se o que se traduz numa violação do princípio da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso, consagrado nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, 2ª parte, da CRP, e do direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP.

2. No que respeita ao Apenso A, certamente por lapso, o tribunal calculou incorretamente o remanescente devido pela reclamante, sendo esta apenas responsável, a título de remanescente da taxa de justiça quanto ao Apenso A, pelo montante de 14.216,16 €;

 Conclui:

a. Deverá ser ordenada a elaboração de nova Conta de Custas, na qual a base tributável respeitante à ação de processo comum compreenda apenas o valor da redução do pedido deduzido pela Autora, no montante de EUR 212.806,00, de tal modo que a Reclamante não será responsável pelo pagamento de qualquer montante a título de remanescente de taxa de justiça nos autos principais; e,

b. Deverá ser desaplicada a norma que se retira do artigo 11.º do RCP, se interpretada no sentido supra mencionado por violação do princípio da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso, consagrado nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, 2ª parte, da CRP e do direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP;

c. Deverá ser ordenada a elaboração de nova Conta de Custas, na qual a base tributável compreenda o valor do pedido deduzido pela Autora respeitante ao Apenso A, no montante de EUR 662.150,00 de tal modo que a Reclamante será responsável, a título de remanescente de taxa de justiça, pelo pagamento de EUR 14.216,16.

O Sr. Escrivão, ao abrigo do artº 31º, nº 4 do RCP, pronunciou-se da seguinte forma pelo indeferimento da reclamação, nos seguintes termos:

“A reclamação apresentada baseia-se, quase na totalidade, em questões de Direito, designadamente sobre os critérios que levaram à fixação do valor da causa, sobre as quais não posso, nem devo, pronunciar-me.

Todavia da reclamação parece-me colocar-se em crise o valor considerado para a elaboração da conta, sempre se dirá que o valor da causa foi fixado por despacho de 13/11/2018, despacho esse que transitou pacificamente em julgado.

Dispõe o artº 529º, nº 2 do CPC que a taxa de justiça corresponde ao valor e complexidade da causa....

Foi o que foi feito na conta, não entendendo eu como, ao elaborar da conta, pudesse considerar qualquer outro valor (nomeadamente o do pedido) que não o fixado por despacho transitado em julgado.

Assim. não me merece a conta objecto de reclamação qualquer reparo, pelo que deve ser mantida na integra.

Todavia. V. Exª. decidirá.”

Por sua vez, também o Ministério Publico se pronunciou pelo indeferimento da reclamação, confirmando o entendimento de que o valor da causa é fixado no despacho saneador, valor esse que não foi alterado após o despacho de 13/11/2018.

Pelo Juiz a quo foi, então, proferido o seguinte Despacho, de que agora se recorre:

“Compulsados os autos, cumpre destacar a seguinte tramitação:

1- A presente acção foi instaurada a 19-12-2017, sendo que o valor da causa indicado na PI ascende a € 720.105,00.

2- Através do despacho proferido a 13-11-2018, o valor da causa foi fixada na quantia acima aludida; tal despacho transitou em julgado.

3- Por força do declarado pela autora no requerimento de 06-02-2019, foi deferida a redução do pedido para o valor de € 212.816,00, conforme resulta do despacho proferido a 13-3-2019.

Tendo presente as conclusões da reclamação, impõe-se ponderar nos seguintes termos.

Dispõe o artigo 11.º do RCP, que a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo.

Na determinação do valor da causa deverá atender-se ao momento em que a acção foi proposta (artigo 299.º, n.º 1 do Cpc).

Temos como entendimento pacífico que a redução do pedido – ou a sua ampliação – não poderá ter a virtualidade de alterar o valor tributável.

Tal entendimento jamais é violador da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito, a Conta de Custas objecto da presente reclamação encontra-se conforme ao regime legal, mostrando-se, assim, correcta a base tributável apurada, a qual assenta no valor indicado na PI e sufragado judicialmente através do despacho proferido a 13-11-2018.

Pelo exposto, declaro improcedente a reclamação deduzida pela autora A..., Sa., mantendo na íntegra a Conta de Custas elaborada, com e para todas as consequências, inclusive ao nível do pagamento do remanescente de taxa de justiça.

Mais, declaro não verificada a inconstitucionalidade alegada pela autora/reclamante.

Notifique.”


*

Inconformada com tal decisão, a autora/Reclamante, dela interpõe recurso de Apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

(A) O presente recurso é interposto da Decisão Recorrida, que julgou totalmente improcedente a Reclamação apresentada pela Recorrente, no dia 12.09.2022, da Conta de Custas, nos termos da qual a Recorrente é responsável pelo pagamento do montante de EUR 36.312,00, a título de remanescente de taxa de justiça.

(B) O Tribunal a quo, na Decisão Recorrida, limitou-se a advogar que o despacho saneador que fixou o valor da causa já transitou em julgado e que a Conta de Custas, por ter assentado no valor da causa fixado nesse despacho, se encontra corretamente calculada. O Tribunal a quo não chegou sequer a pronunciar-se sobre a correção requerida pela Recorrente do cálculo do remanescente devido pelo Apenso A.

(C) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo labora em equívoco, pois, como resulta de uma leitura cuidada da Reclamação da Conta de Custas, a ora Recorrente não pretende a alteração do valor da causa, mas, tão-só, assegurar a retificação do valor atendido para efeitos da fixação da base tributável, de acordo com as regras legais em vigor.

DA ERRADA INTERPRETAÇÃO DO CONCEITO DE «BASE TRIBUTÁVEL» ESPELHADA NA DECISÃO RECORRIDA

(D) O lapso do Tribunal a quo parece ficar a dever-se a uma equiparação por este feita, sem mais, entre o conceito de valor da causa fixado no despacho saneador e o valor de base tributável, fazendo coincidir os dois conceitos.

(E) Todavia, a (i) letra da lei, (ii) argumentos teleológicos e (iii) ainda o imperativo de interpretação conforme à CRP, impõem a conclusão de que os dois conceitos não são necessariamente coincidentes.

(F) Em primeiro lugar, importa notar que os preceitos legais que regulam a matéria atinente à fixação da «base tributável» sugerem, pelo seu teor literal, que esta não corresponde necessariamente ao valor da causa fixado no despacho saneador, sendo disso exemplo o artigo 11.º do RCP.

(G) Do referido preceito resulta, de forma clara, que o valor da base tributável não é apenas o valor da causa fixado no despacho saneador, mas sim o que resultar das regras previstas na lei do processo respetivo – o que, como é manifesto, é profundamente diferente.

(H) Fosse outra a vontade do legislador e ter-se-ia previsto no artigo 11.º do RCP que o valor tributável corresponde, pura e simplesmente, ao valor fixado no despacho saneador para o valor da causa; mas não: do referido preceito depreende-se que é reclamada do Tribunal uma nova avaliação, independentemente do valor da causa fixado em sede de despacho saneador e que pode ou não com este coincidir. Esta conclusão é reforçada pelo disposto no n.º 3 do artigo 296.º do CPC.

(I) A consagração destas normas não é despicienda, antes evidenciando a intenção do legislador, vertida em letra de lei, de segregar expressamente o conceito de valor relevante para efeitos de apuramento das taxas a pagar pelas partes no final do processo.

(J) Em segundo lugar, resulta evidente que a aludida segregação encontra o seu fundamento nas finalidades subjacentes a cada um dos conceitos: ao valor da causa fixado no despacho saneador cumpre uma função de correta ordenação, organização e tramitação do processo, o que impõe a sua fixação num momento inicial do processo, ao passo que ao valor tributável cabe, de modo exclusivo, a função de servir de medida às taxas a pagar pelas partes no término do processo, motivo pelo qual a sua fixação é relegada para o final do processo.

(K) Sendo a sua teleologia diferente, não pode senão concluir-se que as regras para a sua fixação – nelas se incluindo as relativas ao timing que devem observar – não andam, necessariamente, de «mãos dadas», sob pena de uma incoerência sistemática e valorativa.

(L) Os moldes de fixação de cada um destes valores conceitos deve, pois, assentar no motivo que especificamente reclama a sua autonomização, pelo que, embora se possa verificar uma tendencial coincidência entre o valor da causa e o valor da base tributável, tal não significa que, quando as razões valorativas que especificamente reclamam a autonomização do conceito de «base tributável» o imponham, não deva o intérprete corrigir, no momento da elaboração da conta de custas (isto é, no final do processo), o critério resultante do valor da causa.

(M) Em terceiro lugar, a aludida correção do valor da causa a ter lugar no momento da elaboração da Conta de Custas deve também ter em conta o próprio enquadramento constitucional que conforma qualquer taxa.

(N) As custas judiciais, enquanto verdadeiras taxas, distinguem-se de outras contribuições devidas ao Estado pela sua finalidade: as taxas são exigidas em contrapartida de prestações de que o sujeito passivo é o causador ou o beneficiário, sendo-lhes inerente a caraterística da bilateralidade, no sentido em que a taxa, além de ser exigida por ocasião de uma prestação pública, é-o também em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte.

(O) À natureza bilateral das taxas está intrinsecamente ligada a necessidade da sua equivalência económica com os custos e os benefícios da prestação pública: conforme tem sido sinalizado pela generalidade da nossa Doutrina, esta imposição da equivalência económica das taxas com os benefícios e custos associados à prestação pública é de tal importância que não merece quaisquer dúvidas que a sua não-verificação acarreta uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, pois a imposição de uma taxa sem equivalência económica significa, afinal, discriminar os contribuintes, na medida em que o excesso que lhes é cobrado acaba por custear prestações de terceiros e que por estes devem ser suportadas.

(P) Em face do exposto, a conclusão resulta evidente: não só a letra da lei aponta nesse sentido, como a função dos conceitos de valor da causa e de «base tributável» e o enquadramento constitucional das taxas judiciais impõem que, no seu apuramento a ter lugar no final do processo, se principie pelo valor da causa apurado segundo as regras legais aplicáveis e se corrija esse valor sempre que os concretos benefícios e custos associados à prestação pública fiquem aquém do resultado a que se chegue por aquela via.

(Q) Ao contrário do sugerido pelo Tribunal a quo na Decisão Recorrida, não pode assim senão concluir-se que não existe, inclusivamente por imperativo constitucional, uma associação mecânica, automática ou necessária entre o valor da causa fixado no despacho saneador e o valor da base tributável, havendo apenas uma relação de princípio, que pode ou não vir a ser confirmada no caso concreto, consoante aquele que seja, no momento da fixação da base tributável (ou seja, no final do processo), o valor a atribuir à causa, mas, sobretudo, a contabilização dos benefícios e custos concretamente associados à prestação pública (in casu, aos serviços prestados pelo Tribunal): impõe-se, assim, aquando da elaboração da conta de custas, uma nova avaliação do valor da causa, corrigido em função dos concretos benefícios e custos relacionados com a prestação pública em causa.

(R) Ao confundir o conceito de «base tributável» com o de valor da causa fixado no despacho saneador, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo interpretou incorretamente a lei e validou uma conta de custas que é, assim, ilegal e inconstitucional, vícios estes que agora ferem a

Decisão Recorrida e que demandam a sua revogação e substituição por outra que julgue integralmente procedente a Reclamação de Conta de Custas apresentada pelas ora

Recorrentes.

(S) Em face de tudo quanto ficou exposto, a interpretação dos artigos 11.º do RCP e artigo 296.º, n.º 3 do CPC vertida na Decisão Recorrida, nos termos da qual a base tributável das custas devidas a final deve ser determinada exclusivamente com base no valor da causa fixado no despacho saneador, padece de inconstitucionalidade material por acarretar um encargo discriminatório, sem que se denote uma necessária equivalência económica entre a taxa a pagar e os custos e benefícios da concreta prestação pública prestada pelo Tribunal, o que se traduz numa violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, razão pela qual a aplicação da norma que se retira do artigo 11.º do RCP e do artigo 296.º, n.º 3 do CPC, interpretada no sentido acima exposto, deve ser recusada pelo Tribunal, por se verificar uma inconstitucionalidade material, com fundamento na violação do artigo 13.º da CRP.

(T) A referida inconstitucionalidade é suscitada nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP.

DA INOBSERVÂNCIA DAS REGRAS PROCESSUAIS DE FIXAÇÃO DA BASE TRIBUTÁVEL

(U) O valor da base tributável não é o valor da causa fixado no despacho saneador, mas sim o que resultar das regras previstas na lei processual, objeto de correção sempre que os concretos benefícios e custos associados à prestação pública fiquem aquém do resultado a que se chegue por aquela via.

(V) Sucede que o Tribunal a quo, na Conta de Custas e, posteriormente, na Decisão Recorrida que confirma o teor daquela, aderiu ao raciocínio erróneo do contador e, assim, incumpriu as próprias regras processuais prescritas para a fixação da base tributável.

(W) Com efeito, a Recorrente, por requerimento datado de 06.02.2019, requereu a redução do valor do pedido por si inicialmente deduzido (EUR 720.105,00) para o montante de EUR 212.806,00, o que veio a ser deferido pelo Tribunal a quo.

(X) Assim sendo, a contabilização da base tributável nunca poderia assentar no valor inicial do referido pedido deduzido pela Recorrente (depois acolhido pelo despacho saneador), mas sim, como é evidente, no seu valor após a redução do pedido, conforme requerido pela Recorrente e admitido pelo Tribunal a quo.

(Y) Do disposto no artigo 11.º do RCP resulta, de forma clara, que o valor da base tributável não é o valor da causa tal como fixado no despacho saneador – nem assim pode ser. Do referido preceito depreende-se que é reclamada do Tribunal uma nova avaliação, independentemente do valor da causa fixado em sede de despacho saneador e que pode, ou não, com este coincidir.

(Z) Desta forma, à data de elaboração da Conta de Custas, deveria ter sido feita uma nova avaliação (o que não sucedeu), ao abrigo das regras processuais e imperativos constitucionais que se explanam no nosso ordenamento jurídico quanto a esta matéria.

(AA) Haveria, pois, de ter sido efetuada uma nova avaliação, tendo por base aquele que seria o valor da causa à data da elaboração da Conta de Custas, que, in casu, corresponderia ao valor do pedido inicial deduzido do valor da redução do pedido.

(BB) Assim, e atendendo ao conceito e finalidade de «base tributável», o Tribunal a quo, à data da elaboração da Conta de Custas, teria de ter atendido, unicamente, ao valor do pedido deduzido pela Recorrente depois de reduzido – i.e., ao valor de EUR 212.806,00 – e não ao valor inicialmente peticionado pela Recorrente – i.e., ao valor de EUR 720.105,00.

(CC) De outro modo, estar-se-ia, inclusivamente, a atribuir ao valor da causa, enquanto critério para o apuramento da base tributável no final do processo, um montante que não corresponde à utilidade económica que as partes pretenderam retirar dos seus pedidos, em manifesta violação do disposto no artigo 296.º, n.º 1 do CPC e dos preceitos constitucionais que conformam qualquer taxa.

(DD) Por tudo o que ficou exposto, resulta evidente que a base tributável para efeitos de custas processuais devidas pela Recorrente deveria ter sido determinada apenas por referência ao valor do pedido deduzido pela Recorrente depois de reduzido. Assim, a base tributável da ação comum, ao invés de ter sido fixada em EUR 720.105,00, deveria tê-lo sido em EUR 212.806,00.

(EE) Por conseguinte, devendo o valor da base tributável da ação comum ser fixado em EUR 212.806,00, conclui-se que, não excedendo aquela o patamar dos EUR 275.000,00, não há lugar ao pagamento de remanescente de taxa de justiça pela Recorrente – cf. Artigo 6.º, n.º 7 do RCP.

(FF) Para além disso, também não existe qualquer outro montante em dívida por parte da Recorrente com referência à ação comum, pois, fazendo-se a diferença entre os valores que deveriam ser devolvidos à Recorrente a título de taxa de justiça paga em excesso (resultante da redução do pedido) e os valores devidos pela Recorrente a título de condenação, é possível verificar que o saldo é nulo.

(GG) Em suma: a Recorrente nada deve ao abrigo da ação comum, nem a título de remanescente de taxa de justiça, nem a título de condenação, não lhe podendo ser imputado o pagamento de qualquer montante a este respeito.

(HH) No que se reporta ao apenso A, importa salientar que o Tribunal a quo, certamente por lapso, calculou incorretamente o remanescente devido pela Recorrente. Pese embora a Recorrente o tenha sinalizado na sua Reclamação da Conta de Custas, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal pedido.

(II) A Recorrente é apenas responsável, a título de remanescente da taxa de justiça quanto ao Apenso A, pelo pagamento de EUR 14.216,16, (catorze mil duzentos e dezasseis euros e dezasseis cêntimos) – e não de EUR 14.688,00, conforme consta da Conta de Custas.

(JJ) Em suma, nunca poderá a Recorrente ser devedora do montante de EUR 36.312,00 – no limite, será apenas responsável pelo pagamento de EUR 14.216,16, a título de remanescente de taxa justiça pelo Apenso A.

(KK) Seja como for, e em face de tudo quanto foi sendo exposto, impõe-se a revogação da Decisão Recorrida e a sua substituição por outra que julgue totalmente procedente a Reclamação de Conta de Custas e, em consequência, ordene a elaboração de nova conta de custas que emende os erros que se evidenciaram, quer na Reclamação da Conta de Custas, quer neste Recurso.

DAS INTERPRETAÇÕES NORMATIVAS INCONSTITUCIONAIS VERTIDAS NA DECISÃO RECORRIDA

(LL) Primeiro, a interpretação do artigo 11.º do RCP e do artigo 296.º, n.º 3 do CPC vertida na Decisão Recorrida, nos termos da qual a base tributável das custas devidas a final deve ser determinada exclusivamente com base no valor da causa fixado no despacho saneador, padece de inconstitucionalidade material por acarretar um encargo discriminatório, sem que se denote uma necessária equivalência económica entre a taxa a pagar e os custos e benefícios da concreta prestação pública prestada pelo Tribunal, o que se traduz numa violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.

(MM) Segundo, a interpretação do artigo 11.º do RCP e do artigo 296.º, n.º 1 do CPC vertida na Conta de Custas, nos termos da qual a base tributável das custas devidas deve ser determinada exclusivamente com assento no valor do pedido inicialmente deduzido pela Recorrente, independentemente das suas reduções posteriores, padece igualmente de inconstitucionalidade material por acarretar, além de uma situação patentemente discriminatória, um encargo manifestamente desproporcionado, porque excessivo, sem que se denote correspondência com os serviços concretamente prestados pelo Tribunal e a utilidade deles retirada, o que se traduz numa violação do princípio da igualdade contemplado no artigo 13.º da CRP (cf. Capítulo 2.1. supra), mas também da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso, consagrado nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP e do direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP.

(NN) Recorde-se que, in casu, o Tribunal a quo admitiu, expressamente, a redução do pedido requerida pela ora Recorrente (de EUR 720.105,00 para EUR 212.806,00), julgando a mesma válida e juridicamente relevante, tendo, inclusivamente, sinalizado o óbvio: que tal redução implicaria, naturalmente, uma delimitação do conhecimento de mérito da causa.

(OO) A redução do pedido aqui em causa cifrou-se em EUR 507.299,00 (EUR 720.105,00 – EUR 212.806,00), o que corresponde a cerca de 71% (!) do que a Recorrente havia inicialmente peticionado.

(PP) Ademais, tal redução do pedido prendeu-se com o apuramento de uma matéria deveras complexa, relacionada com os prejuízos causados pelos desvios de produção e de comercialização de compostos argilosos.

(QQ) Ou seja: com a redução do pedido, a pretensão inicialmente deduzida pela Recorrente não foi, na parte correspondente à redução, nem objeto de produção de prova em julgamento, nem sujeita a escrutínio de mérito por parte do Tribunal, pelo que, com a redução do pedido nos termos acabados de ver, a Recorrente, em bom rigor, poupou encargos substanciais às partes e ao Tribunal.

(RR) Importa notar que a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, incluindo do Tribunal Constitucional (vd. extensa jurisprudência identificada supra), é absolutamente perentória ao salientar que deve existir, quando não uma equivalência económica absoluta, pelo menos uma proporção adequada entre as taxas de justiça suportadas pelas partes e os serviços prestados pelo Tribunal, mostrando-se manifestamente desproporcional, porque excessiva, a definição do montante da taxa em função apenas do valor da ação sem qualquer limite máximo ou sem atender aos contornos do caso concreto (custo do serviço público prestado e a sua utilidade),

(SS) Não podendo o Venerando Tribunal ignorar isto e fixar um valor de taxa de justiça manifestamente oneroso e que apenas assenta no elevado valor do pedido deduzido inicialmente pela Recorrente (cerca de 3 vezes superior ao valor do pedido depois de reduzido) que acabou por não ser, na sua totalidade, objeto de produção de prova e de apreciação de mérito pelo Tribunal a quo.

(TT) Mas mais: a Recorrente já pagou, a títulos de taxas de justiça iniciais, mais de EUR 5.700,00, vendo-se agora na iminência de ter de suportar taxas no montante de EUR 36.312,00, o qual constitui um valor extremamente oneroso para qualquer empresa nos dias de crise que correm atualmente.

(UU) Em face de tudo quanto ficou exposto, constata-se que a interpretação do artigo 11.º do RCP e do artigo 296.º, n.º 1 do CPC vertida na Conta de Custas, nos termos da qual a base tributável das custas devidas deve ser determinada exclusivamente com assento no valor do pedido inicialmente deduzido pela Recorrente, independentemente das suas posteriores reduções (representativas, in casu, de cerca de 71% do valor inicialmente peticionado), padece de inconstitucionalidade material por acarretar, além de uma situação discriminatória (cf. Capítulo 2.1. supra), um encargo manifestamente desproporcionado, porque excessivo, sem que se denote correspondência com os serviços concretamente prestados pelo Tribunal e a utilidade deles retirada, o que se traduz numa violação do princípio da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso, consagrado nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP, e do direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP,

(VV) Razão pela qual a aplicação da norma que se retira do artigo 11.º do RCP e do artigo 296.º, n.º 1 do CPC, interpretada no sentido acima exposto, deve ser recusada pelo Tribunal, por se verificar uma inconstitucionalidade material, com fundamento na violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, segunda parte, e 20.º da CRP.

(WW) Sendo a referida inconstitucionalidade suscitada nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação, e, em consequência, ser revogada a Decisão Recorrida e substituída por outra que julgue totalmente procedente a Reclamação da Conta de Custas e, nesse sentido:

a. Ordene a elaboração de nova Conta de Custas, na qual a base tributável da ação comum (autos principais) compreenda apenas o valor do pedido depois de reduzido (ou seja, EUR 212.806,00), de tal modo que a ora Recorrente não seja responsável por qualquer montante a título de remanescente da taxa de justiça;

b. Ordene a elaboração de nova Conta de Custas, na qual a base tributável do Apenso A seja fixada em EUR 662.150,00, de tal modo que a Recorrente seja apenas responsável pelo pagamento de EUR 14.216,16 a título de remanescente de taxa de justiça;

E, em todo o caso,

c. Desaplique a norma que se retira do artigo 11.º do RCP e do artigo 296.º, n.º 3 do CPC, se interpretada no sentido de a base tributável das custas devidas a final dever ser determinada exclusivamente com base no valor da causa fixado no despacho saneador, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, na medida em que acarreta um encargo discriminatório, sem que se denote uma necessária equivalência económica entre a taxa a pagar e os custos e benefícios da concreta prestação pública prestada pelo Tribunal; e ainda

d. Desaplique a norma que se retira do artigo 11.º do RCP e do artigo 296.º, n.º 3 do CPC, se interpretada no sentido de dever ser incluída na base tributável para apuramento das custas o valor do pedido inicialmente deduzido pela Recorrente, independentemente das suas posteriores reduções, por violação do princípio da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso, consagrado nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP e do direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP.


*
Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do nº 4 do artigo 657º CPC, há que decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, nº4, e 639º, do Novo Código de Processo Civil, as questões levantadas pela Reclamante/Apelante são as seguintes:
1. Se o tribunal a quo errou na apreciação da reclamação quanto a custas, respeitante à ação principal:
a. Errada interpretação do conceito de “base tributável”, aí confundido com o valor da causa;
b. Inconstitucionalidade do artigo 11º do RCJ e artigo 296º, nº3 do CPC, quando interpretada no sentido de que a base tributável das custas devidas deve ser determinada exclusivamente com assento no valor do pedido inicialmente deduzido pela Recorrente, independentemente das suas posteriores reduções
2. Reclamação quanto ao cálculo da taxa de justiça remanescente efetuada relativamente ao Apenso A:
a. tribunal omitiu a apreciação da reclamação quanto ao lapso existente relativamente à taxa de justiça remanescente a cobrar no Apenso A.
b. se existe um lapso nos valores devidos pela A., sendo devido o valor de 14.216,16 € e não o valor de 14.688,00 €.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Se o tribunal a quo errou na apreciação da reclamação quanto a custas, respeitante à ação principal
Notificado da conta de custas final, de acordo com a qual teria de pagar a quantia de 36.312,00 € a título de remanescente de taxa de justiça, veio a autora reclamar da mesma, relativamente aos seguintes pontos:
- em primeiro lugar, para determinar a base tributável para efeitos de cálculo da taxa de justiça, foi tido em conta o pedido formulado na Petição Inicial (no valor de 720.105,00 €), em vez de ao valor do pedido reduzido para o valor de 212.816,00 €, do qual resultaria que, sendo inferior a 275.000,00 €, não haveria lugar ao pagamento de qualquer remanescente;
- em segundo lugar, no Apenso A haveria um lapso no cálculo da taxa de justiça remanescente, de modo a que o valor em dívida seria tão somente de 14.216,16 €.
O tribunal recorrido veio a indeferir tal reclamação com fundamento em que, correspondendo a base tributável para efeitos de taxa de justiça, ao valor da causa (artigo 11º do RCJ), a redução do pedido ou a sua ampliação não poderá ter a virtualidade de alterar o valor tributável, entendimento que não poderá ser violador da Constituição.
Insurge-se o Apelante contra tal entendimento, alegando que o juiz a quo errou ao fazer coincidir a base tributável com o valor da causa fixado no despacho saneador:
- os preceitos legais que regulam a matéria atinente à fixação da base tributável sugerem que esta não corresponde necessariamente ao valor da causa, sendo disso exemplo o artigo 11º do RCJ;
- do referido preceito depreende-se que é reclamada do tribunal uma nova avaliação, que pode coincidir, ou não, com a fixada em sede de despacho saneador, conclusão que é reforçada pelo disposto no nº3 do artigo 296º do CPC;
- cabendo ao valor tributável a função de servir de medida às taxas a pagar pelas partes no término no processo, a sua fixação é relegada para esse momento final, devendo tal valor ser corrigido sempre que os concretos benefícios e custos associados à prestação pública fiquem aquém do resultado a que se chegue por essa via;
- a interpretação dos artigos 11.º do RCP e artigo 296.º, n.º 3 do CPC, nos termos da qual a base tributável das custas devidas a final deve ser determinada exclusivamente com base no valor da causa fixado no despacho saneador, padece de inconstitucionalidade material por acarretar um encargo discriminatório, sem que se denote uma necessária equivalência económica entre a taxa a pagar e os custos e benefícios da concreta prestação pública prestada pelo Tribunal, o que se traduz numa violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.
Desde já, se adianta não ser de dar razão à Apelante, como passamos a analisar.
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Não se discute que o valor da causa – que representa a utilidade económica imediata do pedido – que pode influir na competência do tribunal, na forma de processo, na admissibilidade dos recursos e na obrigatoriedade de patrocínio judiciário –, e o valor tributável – valor da causa para efeitos de custas (ns. 1 e 3 do artigo 296º do CPC) – correspondem a deferentes conceitos, visando distintas finalidades.
Contudo, o valor tributável de determinada ação pode coincidir, em concreto, com o valor da causa, porquanto, em regra geral, o valor da causa serve de critério para a fixação do valor tributável e, muitas vezes, como critério único.
No Regulamento das Custas Processuais, a Secção II, dedicada à “Fixação da Base Tributável”, é composta de dois artigos:
- contendo o artigo 11º a regra geral – “A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo” –,
- e prevendo o artigo 12º os casos especiais, manda, no seu nº1, atender ao “valor indicado na 1.1. da Tabela I-B”, nos processos aí indicados sob as alíneas a) a f), e, no seu nº2 fixa uma regra especial para os recursos.
De tais normas retiramos que, não se enquadrando a situação em apreço em qualquer um dos casos especiais que se encontram previstos no artigo 12º, em que a fixação do valor tributável se encontra sujeita a regras distintas (e a Apelante não alega a verificação de qualquer um deles), a sua determinação será feita com recurso à regra geral, do artigo 11º: a base tributável da ação corresponderá ao valor da causa, fixado de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo.
Temos, então, que o valor da causa, para efeito de custas, é fixado segundo as regras previstas no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais (nº3 do artigo 296º do CPC).
Sendo o artigo 11º do RCP aplicável à generalidade dos processos da área cível, o valor da causa para efeitos de competência do tribunal e do recurso é o que, ora, e quase exclusivamente instrumentaliza a determinação do valor da causa para efeitos de custas, ou seja, aquele valor é agora determinado com base nas leis gerais do processo.
E, como salienta Salvador da Costa[1], tal solução está conexionada com a circunstância de, no sistema civil atual, se impor sempre ao juiz a fixação do valor da causa para efeitos processuais ou, seja, para efeitos da alçada e de competência (artigo 306º, nº1, CPC).
Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal (artigo 299º, nº1, do CPC).
Fora essas duas exceções, é doutrina e jurisprudência unânime a irrelevância para o valor da ação, calculado nos termos do nº1, das vicissitudes posteriores que importem a redução do objeto do processo, seja por indeferimento liminar parcial, absolvição da instancia ou desistência quanto a algum dos pedidos formulados[2].
Ou, como afirma Jorge António Coelho Carreira[3], caso o autor reduza o pedido nos termos do disposto no artigo 265º, nº2, do CPC, a redução não afeta o valor da causa inicialmente dado, nem a taxa de justiça paga em função dele.
No caso em apreço, o juiz da causa fixou o valor da causa em 720.105,00 €, fazendo-o coincidir com o valor do pedido formulado pelo autor na petição inicial, por despacho transitado em julgado.
Recaindo na regra geral do artigo 11º e do nº1 do artigo 299º (não se tratando de qualquer situação excecional, como é o caso dos processos de liquidação a que se reporta o nº4 do artigo 299º, em que o valor dado à ação é um valor provisório), e ao contrário do sustentado pelo Apelante, a fixação do valor tributável não é relegada para o momento final da elaboração da conta de custas, não havendo lugar a qualquer posterior avaliação do valor da causa para tal efeito, nomeadamente para base de cálculo do valor da taxa de justiça.
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Aqui chegados, haverá que apreciar a invocada inconstitucionalidade de tal entendimento por parte da Apelante, segundo o qual, a interpretação dos artigos 11.º do RCP e 296.º, n.º 3 do CPC, no sentido de que a base tributável das custas devidas a final deve ser determinada exclusivamente com base no valor da causa fixado no despacho saneador, padece de inconstitucionalidade material por acarretar um encargo discriminatório, sem que se denote uma necessária equivalência económica entre a taxa a pagar e os custos e benefícios da concreta prestação pública prestada pelo Tribunal, o que se traduz numa violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.
O Apelante faz assentar tal juízo de inconstitucionalidade na circunstância de tal interpretação acarretar um encargo discriminatório, sem que se denote uma necessária equivalência económica entre a taxa a pagar e os custos e benefícios da concreta prestação pública prestada pelo tribunal:
com a redução do pedido operada, de um valor inicial de 720.105,00 €, passa-se para 212.806,00 €, o que corresponde uma redução de 71% do valor do pedido inicial;
encontra-se em causa o apuramento de uma matéria complexa, relacionada com os prejuízos causados pelos desvios de produção e de comercialização de compostos argilosos;
com a redução do pedido, a pretensão inicialmente reduzida pela recorrente não foi, na parte correspondente à redução, nem objeto de produção de prova em julgamento, nem sujeita a escrutínio de mérito por parte do tribunal, poupando encargos substanciais às partes e ao tribunal;
a jurisprudência nacional dos tribunais superiores, incluindo o Tribunal Constitucional, é absolutamente perentória a respeito da necessária proporção entre as taxas de justiça suportadas pelas partes e os serviços concretamente prestados pelo tribunal;
a recorrente já pagou a título de taxas de justiça mais de 5.700 €, vendo-se agora na eminência de ter de suportar taxas no montante de 36.312 €.
Vejamos, assim, se são de julgar procedentes os argumentos em que a Apelante faz assentar o seu juízo de que a interpretação dos artigos 11.º do RCP e artigo 296.º, n.º 3 do CPC, de que o valor tributável determinado exclusivamente com base no valor da causa fixado no despacho saneador, sem atender a posteriores alterações, nomeadamente respeitantes à redução do pedido, se encontra ferida de inconstitucionalidade por violação do princípio de igualdade.
Em primeiro lugar, cumpre esclarecer em que a Apelante faz assentar tal juízo de inconstitucionalidade, por violação do principio da igualdade, em pressupostos fácticos não inteiramente corretos.
Do valor de 36.312,00 € que lhe estão agora a ser cobrados, apenas 22.032,00 € respeitam à ação principal, incluídos os recursos nela interpostos, respeitando o restante valor de 14.280 € às taxas de justiça em falta no Apenso A e respetivos recursos, sendo que, apenas relativamente à ação principal (e seus recursos) se coloca aqui a questão do valor tributário da ação e da (i)rrelevância da redução do pedido para efeitos de base de cálculo da taxa de justiça[4].
Assim, quanto à ação principal (e respetivos recursos) os montantes que a autora é agora chamada a pagar, resultam:
a) da aplicação do nº7 do artigo 6º do Regulamento, segundo o qual, “nas causas de valor superior a (euro) 275. 000, 00 €, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”;
b) da aplicação do nº9 do art. 14º do RCJ, segundo o qual “nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final”.
Com a petição inicial, a autora pagou a taxa de justiça inicial de 1.632,00 €, e relativamente a cada um dos quatro recursos respeitantes à ação principal pagou 816 € de taxa de justiça, taxas calculadas face ao ultimo escalão da tabela, entre 250.000 € a 275.000,00 €.
E, tendo ficado totalmente vencida, está-lhe agora a ser cobrado não só o remanescente da sua taxa de justiça, mas também o remanescente da taxa de justiça respeitante à parte vencedora, (nº7 do art. 6º), quer na ação principal (5.508,00 € + 5.508,00 €), quer nos respetivos recursos (2.754,00 € x 4) (ao abrigo do disposto no nº9 do art. 14º).
O remanescente da taxa de justiça – que prevê um aumento progressivo da taxa de justiça a partir do último escalão da tabela – foi introduzido no Regulamento com o Decreto-Lei nº 52/2011, de 13 de abril, sem que o legislador previsse a possibilidade do juiz dispensar tal pagamento, podendo a mesma atingir limites absolutamente imagináveis, em função do valor da ação.
Tal situação veio, assim, a ser objeto de declaração de inconstitucionalidade por parte do Acórdão nº 421/2013 do tribunal constitucional, publicado na II Série do DR de 16-10-2013: “Julga inconstitucionais as normas contidas nos artigos 6º e 11º, conjugadas com a tabela 1-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo Dec. Lei nº 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça devida é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta designadamente a complexidade do processo e o carater manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título”.
Tal declaração de inconstitucionalidade veio, então, a dar azo à alteração do nº 7 do artigo 6º, aditando a possibilidade de o juiz, de forma fundamentada, dispensar o seu pagamento, “se a especificidade da situação o justificar, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes.”
É certo que o Regulamento não prevê a dispensa automática do remanescente da taxa de justiça devida, conforme a fase processual em que o processo termine, prevendo-se tão só, no artigo 14º-A, a dispensa automática do pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça nas ações que terminem antes de oferecida a oposição ou em que, devido à sua falta, seja proferida sentença, ainda que precedida de alegações, ou nas ações que terminem antes da designação da data da audiência final [als. c) e d), do art. 14º-A)].
Mas a autora poderia ter solicitado ao juiz que o dispensasse do pagamento do remanescente da taxa de justiça, com fundamento em que a redução do pedido teria poupado substancialmente a atividade do tribunal e das partes, e não o fez.
Não se discute que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo uma contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo[5].
Assim, no caso em apreço, haveria que alegar e demonstrar que essa relação sinalagmática se encontrava seriamente afetada pela desproporção entre o custo do serviço e a utilidade para o utente.
Se o valor da causa é, em regra, o critério determinante para a fixação do valor tributário, com a previsão da possibilidade de o juiz dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, o valor da ação deixou de ser o único elemento a considerar para efeitos de fixação do seu valor, estabelecendo-se um “sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite, e, por outro, na sua correção em casos de processos especialmente complexos[6]”.
Havendo que assentar tal dispensa na complexidade da causa e na conduta processual das partes, dispõe o nº7 do artigo 530º do CPC, quanto ao critério da “complexidade da causa”:
Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificação técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou,
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
A partir daqui, poder-se-á retirar que, a redução do valor do pedido não acarreta necessariamente uma menor complexidade da causa, para efeitos de redução da carga ou complexidade das questões a tratar pelo tribunal. Não a acarretará pelo critério dos articulados prolixos, que se manterão inalterados pela redução do pedido, bem como, quando a redução do pedido não altere o âmbito das questões jurídicas a apreciar ou não implique a diminuição do número de testemunhas.
Como tal, o argumento genérico de que, com a redução do pedido, a pretensão inicialmente reduzida pela recorrente não foi, na parte correspondente à redução, nem objeto de produção de prova em julgamento, nem sujeita a escrutínio de mérito por parte do tribunal, poupando encargos substanciais às partes e ao tribunal, não colhe.
Não alegando a autora que a redução do valor do pedido tenha acarretado uma menor “complexidade” da causa, mediante a alegação de que se encontrariam verificadas alguma das circunstâncias previstas nas als. a) a c) do nº7 do art. 530º, não se poderá afirmar que, a não atendibilidade da redução do pedido, acarrete algum desequilíbrio entre os serviços efetivamente prestados e o valor a pagar a título de taxa de justiça, de modo a envolver uma violação do princípio da igualdade.
Por fim, atentar-se-á em que, relativamente à ação principal, apenas lhe estão a cobrar o valor remanescente de 11.016 €, sendo-lhe cobrado o demais valor de 11.016 € a título de remanescente da taxa de justiça relativamente a dois recursos por si aí interpostos.
Quanto aos recursos, é um dos casos especiais em que a fixação do valor tributário se encontra sujeita pelo nº2 do artigo 12º, RCP, a diferentes critérios: “o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respetivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos prevalece o valor da ação”.
Contém tal norma uma solução especial, segundo a qual, caso o valor da sucumbência seja determinável ou quantificável é este que releva para a determinação do valor tributário do recurso, desde que o recorrente o indique no requerimento de interposição do recurso, sendo que, quando o recorrente não indique o valor da sucumbência no requerimento de interposição de recurso, o valor deste para efeitos de custas é o da causa, isto é, o da ação[7].
Ou seja, por esta via, a autora poderia ter indicado ao recurso o valor da sucumbência, que correspondia ao valor do pedido após a redução do pedido, no montante de 212.806,00 €.
Contudo, em tais recursos por si interpostos, foi a autora que, indicando como valor do recurso “o valor da ação”, autoliquidou a respetiva taxa de justiça por referência aos valores entre 250.000 e 275.000,00 €, ou seja, sem atentar na redução do pedido.
Concluindo, não era de reduzir o valor tributário da ação ou do recurso pelo simples facto de o pedido ter sido objeto de redução após a fixação do valor da ação pelo juiz, improcedendo a pretensão do Apelante de que nada teria a pagar a titulo de taxa de remanescente quanto à ação principal.
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2. Lapso na elaboração da conta relativamente ao procedimento cautelar apenso A
Reclamou ainda a autora da conta de custas, invocando a existência de lapso no que que se reporta ao Apenso A, por aí se ter calculado indevidamente a taxa de justiça – tendo sido paga a quantia de 816 € de taxa de justiça por cada um dos recursos, o valor do remanescente relativamente a cada um deles seria no montante de 2.369,36 €, considerando-se a base tributável de 662.150,00 €, pelo que, no total encontrar-se-ia em divida um remanescente de 14.216,16 €.
Sendo a decisão recorrida omissa relativamente a esta questão (relativamente à qual o escrivão e o Ministério Publico também não se pronunciaram), encontrar-nos-emos perante uma nulidade da decisão, nos termos do art. 615º, nº1, al. d), do CPC, havendo lugar a pronúncia por parte deste tribunal desde que os autos reúnam elementos para tal, em conformidade com o disposto no artigo 665º, nº1 do CPC.
E analisadas as razões em que fundamenta a existência de tal lapso de cálculo, desde já se adianta não ser de dar razão à apelante.
Partindo-se de um valor tributário de 662.150,00 € e procedendo à contabilização de 153 € (1,5 UCs) por cada 25.000,00 € ou fração, na parte em que ultrapassa a quantia de 2750.000,00 €, obtém-se exatamente a quantia de 2.448,00 € de taxa de justiça remanescente em divida pelo autor, vertida na conta de custas (a que se somará o remanescente de 2.448,00 € da contraparte, por ter ficado vencida).
O recurso é de improceder, também, nesta parte.
IV – DECISÃO
 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pela Apelante.                  

                                                                            Coimbra, 14 de março de 2023


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7, do CPC.
(…).

           



[1] “Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado”, 201, 3ª ed., Almedina, p.246.
[2] Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3ª ed. Coimbra Editora, p. 592, António Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, p. 347, Salvador da Costa, obra citada. 247.
[3] “Regulamento das Custas Processuais Anotado”, 2ª ed., Almedina, p. 230, e Acórdão do TRL de 09-02-2012, relatado por Sérgio Almeida, disponível in www.dgsi.pt.
[4] O Apenso A (procedimento cautelar) partiu de uma base tributável de 662.150,00 €, correspondente ao pedido aí formulado e que não foi objeto de qualquer redução.
[5] Acórdão do TRL de 21 de abril de 2015, relatado por Maria do Rosário Morgado, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Salvador da Costa, obra citada, p. 181.
[7] Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado”, p. 258, e em igual sentido, José António Coelho Carreira, “Regulamento das Custas Processuais Anotado”, p. 239, e Acórdão do TRC de 15-01-2019, relatado por António Domingues Pires Robalo, disponível in www.dgsi.pt.