QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
NEGÓCIO JURÍDICO
INTERPRETAÇÃO DE DECLARAÇÃO NEGOCIAL
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
VINCULAÇÃO
RETRIBUIÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CONTRATO DE LOCAÇÃO
RENDA
PRESTAÇÃO
OBJETO INDETERMINÁVEL
CONTRATO DE COMODATO
CONTRATO ATÍPICO
MATÉRIA DE DIREITO
VOTO DE VENCIDO
Sumário


I. A qualificação de um contrato – que se mostra como uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações de vontade das partes e dela dependente – é matéria de direito sobre a qual o tribunal se pode pronunciar livremente, sem estar vinculado à denominação que os contraentes tenham empregado.
II. O gozo proporcionado ao locatário pode compreender a generalidade das utilidades da coisa, ou restringir-se a alguma delas, como, p. ex., quando num prédio urbano se concede unicamente a utilização da superfície da sua fachada ou de um muro.
III. Embora, para a existência de um contrato de arrendamento, a renda não tenha, necessariamente, de ser determinada aquando da sua conclusão – podendo o seu quantitativo ser indeterminado – ,  é, porém, necessário que no contrato (escrito ou verbal) conste, forma clara e inequívoca, o critério ou critérios objectivos e seguros apropriados que possibilitem a determinação de tal quantitativo (critério esse que deve apresentar-se ali revestido de segurança suficiente para excluir toda a possibilidade de arbítrio e de incerteza – ou seja, impõe-se que o locatário saiba, aquando do contrato, aquilo a que se obriga).
IV. Prestação indeterminada não se confunde com prestação indeterminável, já que a obrigação pode constituir-se estando ainda a prestação indeterminada, desde que ela seja determinável, aplicando-se, então, o artigo 400.º do Código Civil.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível



I – RELATÓRIO


PORTISOL CONSTRUÇÃO CIVIL E IMOBILIÁRIA, LDA. intentou a presente ação declarativa, com forma de processo comum, contra BANCO MONTEPIO, S.A. pedindo seja o Réu condenado:

- a pagar à Autora “a quantia de € 28.800,00 (vinte e oito mil e oitocentos euros), relativa a gastos inerentes suportados pela Autora durante mais de 12 anos”;

- a pagar à Autora “a quantia de € 114.000,00 (cento e catorze mil euros), relativa à contrapartida devida pelo uso da loja da Autora durante 12 anos e 8 meses”;

- “a retirar a máquina ATM da loja da Autora”.


Alega, para tanto, e em síntese, que entre as partes foi acordada, em 2007, a instalação de um equipamento ATM em loja da Autora, tendo o Réu ficado de preparar um contrato escrito, nomeadamente com o valor mensal a pagar, o que nunca chegou a ser feito, nunca tendo sido paga qualquer contrapartida, nomeadamente pelas despesas inerentes à sua utilização, suportadas pela Autora. O contrato foi, entretanto, denunciado pelo Réu mas a Autora transmitiu que só autorizava a retirada da máquina contra o pagamento do valor relativo às despesas inerentes ao uso, a que atribuiu um valor total de 28.800,00. A Autora tem ainda direito a receber do Réu “pela utilização da loja com a máquina ATM” o valor mensal de € 950,00, correspondente à última verba mensal pela qual a loja da Autora esteve arrendada.


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Citado para contestar, o Réu fê-lo, invocando, no essencial, que a vontade das partes aquando da instalação do equipamento foi a de não estipular uma comparticipação já que a mesma estaria no benefício “evidente” que a Autora retirava daquela; o montante pedido pela Autora além de não ser devido é manifestamente desproporcionado, não existindo qualquer culpa ou ilicitude no comportamento do Réu para que lhe possa ser imputada qualquer responsabilidade ou o pagamento de qualquer montante indemnizatório, concluindo pela improcedência da ação.

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Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova e agendada a audiência final.

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Procedeu-se a julgamento, vindo, a final, a ser proferida sentença cm o seguinte dispositivo “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, consequentemente, decido condenar o Réu a:

a) retirar, a expensas suas, o equipamento ATM da fachada da loja da Autora, correspondente ao R/Chão Esquerdo, com entrada pelo nº 28-C e 28-D, do prédio urbano sito na Av. ..., na ..., repondo-a no seu estado anterior;

b) pagar à Autora a quantia de € 18.300,00, a título de (contra)prestação devida pelo tempo em que o dito equipamento esteve instalado e em funcionamento na dita fachada, absolvendo-a do mais peticionado.

Custas pela Autora e pelo Réu, na proporção do respetivo decaimento.”.


Inconformado, o Réu interpôs recurso de apelação, vindo a Relação de Lisboa, em acórdão, ajulgar procedente a apelação, revogando o ponto b) da sentença recorrida, mantendo-se a mesma no demais.”.


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Por sua vez inconformada, vem a Autora PORTISOL CONSTRUÇÃO CIVIL E IMOBILIÁRIA, LDA interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes


CONCLUSÕES

1. Salvo melhor opinião, consideramos que o Acórdão, que decidiu que os presentes autos não consubstanciam uma situação de indeterminação do objeto do negócio que leve à aplicação do artigo 400.º do CC, incorreu em violação delei substantiva, razão pela qual vem a Autora, ora Recorrente, interpor o presente Recurso de Revisão.

2. Cumprido que está o disposto nos artigos 629.º, n.º 1 e 671.º, n.º 3 do CPC, não existem obstáculos à admissibilidade do presente Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, motivo pelo qual deverá o mesmo ser admitido.

3. Decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, a fls. 12 do Acórdão, pela revogação do ponto b) da decisão recorrida, que consiste no pagamento à Recorrente da quantia de €18.300,00, a título de (contra)prestação devida pelo tempo de 12 anos e 8 meses em que o equipamento ATM do Réu Banco Montepio, S.A./ora Recorrido esteve instalado e em funcionamento na fachada da loja da Recorrente, situada junto à Estação da CP ....

4. Considerou a Relação, a fls. 12, que “(…) os autos não contêm matéria de facto suficiente para concluir qual tenha sido o efectivo acordo celebrado entre as partes no que diz respeito ao pagamento de quantias, seja a que título for,” situação que, segundo este Tribunal, “(…) determina a impossibilidade de condenar o R. em qualquer quantia nessa qualidade (…)”.

5. Estando aqui em causa uma questão de direito, é nossa convicção que a Relação esteve mal quando decidiu que o artigo 400.º do CC não tem aplicabilidade no caso dos autos e, que, mesmo que assim fosse, não existem elementos que possibilitem o recurso à equidade.

6. Trata-se, assim, de saber se a (contra) prestação correspondente ao pagamento de uma verba mensal pelo Recorrido à Recorrente, que não se encontra determinada pelas partes é, ainda assim, determinável.

7. Para tal, importa ter em conta os factos considerados provados na douta Sentença e mantidos na “Fundamentação de Facto” do Acórdão, a fls. 5 e 6, dos quais se salientam os factos 5, 7, 8, 12, 13, 14 e 15, que relevam para a apreciação da questão de direito em causa na presente revista.

8. Porque se trata de um Recurso de Revisão, importa, desde logo, ressalvar que, sendo da exclusiva competência das instâncias a indagação da real intenção dos contraentes, tanto no ato de vinculação negocial como no desenvolvimento ou execução do negócio propriamente dito, na medida em que constitui matéria de facto, encontrando-se, no entanto, “(…) em causa a interpretação (efetuada pelas instâncias) de uma declaração negocial segundo (ou por aplicação de) critérios normativos (…) a questão passa a ser de direito, como tal podendo e devendo ser conhecida pelo Supremo.”, cfr. Ac. do STJ.

9. Impõe-se discordar da apreciação da Relação quando considera que o artigo 400.º do CC não tem aplicabilidade in casu, porquanto não só ficou provado o compromisso de pagamento de uma (contra)prestação mensal por parte do Recorrido pela instalação da máquina ATM na loja da Recorrente, como existem nos autos critérios para se proceder à sua determinação, nomeadamente os valores avançados pelo Recorrido e pela Recorrente, respetivamente €50,00 e €200,00.

10. Aliás, se não existisse um acordo no sentido do pagamento de uma (contra)prestação pelo Recorrido relativa à instalação da máquina ATM, não faria sentido a proposta por este realizada, em maio de 2016, de pagamento da verba mensal de €50,00 à Recorrente.

11. Não colocando a Relação dúvidas relativamente à qualificação efetuada pela 1ª Instância sobre a existência do contrato celebrado – apesar de não ter sido reduzido a escrito – importa salientar que, nos termos dos artigos 397.º e 398.º do CC, a prestação constitui o objeto da obrigação e as partes têm a faculdade de determinar o seu conteúdo dentro dos limites da lei, Cfr. refere Menezes Leitão.

12. Tendo e conta que é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja indeterminável, cfr, art. 280.º do CC, importaesclarecer devidamente – segundo Menezes Leitão – que “(…) indeterminável não deve ser confundido com indeterminado, que a obrigação pode constituir-se estando ainda a prestação indeterminada, desde que ela seja determinável.”, aplicando-se assim o artigo 400.

13. Quando aquela disposição legal se refere a “juízos de equidade”, que é sinónimo de “juízos de razoabilidade”, salienta Vaz Serra a propósito da análise da prestação enquanto objeto da obrigação, que “(…) para essa equitativa determinação deve existir uma base objetiva a que se possa atender, como seja a contraprestação, o fim da obrigação, os usos e outras circunstâncias.”

14. In casu, foi o próprio Recorrido que em 2007 transmitiu à Recorrente que iria preparar um contrato para ser assinado, nomeadamente com o valor mensal da (contra)prestação a pagar, tendo em 2016 avançado com o valor mensal de €50,00 e a Recorrente com o valor mensal de € 200,00, cfr. factos provados 5, 8 e 14.

15. Pelo que esteve bem a 1.ª Instância quando decidiu que destes factos resultava que as partes equacionaram a existência de uma (contra)prestação, indeterminada, mas determinável nos termos do artigo 400.º do CC.

16. Está assim em causa a interpretação efetuada pela Relação da declaração negocial segundo critérios normativos – tendo em conta a teoria da impressão do destinatário, acolhida no n.º 1, do artigo 236.º do CC – quando considerou que os autos não contêm matéria suficiente para concluir qual tenha sido o efetivo acordo celebrado entre as partes no que diz respeito ao pagamento de quantias.

17. O funcionário do Recorrido, AA, responsável pelos assuntos relativos à instalação de equipamentos ATM, disse claramente no seu depoimento que: (i) em situações mais antigas – como a dos autos, aliás – é frequente que a instalação do equipamento ATM seja feita sem contrato escrito; (ii) habitualmente é feito um cálculo para apurar um valor de compensação a pagar pelo banco; (iii) é frequente haver um período de carência antes deser determinado o valor de compensação a pagar.

18. Pelo que a Relação deveria, à semelhança do decidido doutamente pela 1.ª Instância, ter interpretado o contrato com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição concreta o entenderia, considerando, nomeadamente, que à época era prática comum nestas situações as partes não determinarem ab initio a (contra)prestação devida à Recorrente pela instalação do equipamento ATM.

19. Acresce referir que a posição vertida no Acórdão, implica a consideração da gratuidade do contrato em causa, o que não se apresenta coerente, até porque os sujeitos em lide são ambos comerciantes (sociedades comerciais), na aceção do artigo 13.º do Código Comercial.

20. Esta interpretação da declaração negocial – tendo em conta o fim deste tipo de obrigação/contrato e os usos relativos a estas práticas bancárias – segundo critérios normativos, foi corretamente considerada e valorada na Sentença, já não o sendo no Acórdão que revogou a Sentença neste conspecto, com o fundamento falso de que não estamos perante uma situação de indeterminação do objeto do negócio que leve à aplicação do artigo 400.º do CC.

21. Pelo que resulta que in casu a (contra)prestação é indeterminada, mas determinável, realizando-se a determinação em conformidade com os parâmetros definidos pelo artigo 400.º do CC.

22. Sendo que, nos termos do artigo 682.º, n.º1, do CPC, como aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o STJ aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, deve este Tribunal de Revista quanto a esta matéria sindicar a decisão da Relação de Lisboa, na medida em que a mesma padece de ilogicidade e ofende o disposto nos artigos 236.º, n.º 1, 397.º, 398.º e 400.º, todos do CC.

23. Como resulta do supra exposto – salvo sempre melhor opinião – ser devida e determinável, nos termos do artigo 400.º do CC, a (contra)prestação do Réu/ora Recorrido à Autora/ora Recorrente pela utilização da loja para instalação da máquina ATM, o valor mensal a determinar deve ser encontrado a partir de critérios definidos pelas partes e segundo juízos de equidade.

24. Pois, “O conceito de equidade é aqui utilizado [artigo 400.º do CC] num sentido amplo (noção forte), inserido na estatuição da norma, com o objetivo de ser o critério de decisão num caso em que se revela difícil a determinação, em abstrato, da prestação. Remete-se, assim, para a justiça do caso concreto, devendo ser tidos em conta todos os elementos que, no caso concreto, possam ser considerados relevantes.”, alerta Jorge Morais de Carvalho.

25. Como bem apreciou a 1.ª Instância, os autos apontam para a existência de elementos relevantes, nomeadamente os valores mensais da contraprestação sugeridos pelo Recorrido e pela Recorrente, respetivamente €50,00 e €200,00, cfr. factos provados 14 e 8.

26. Assim, fazendo uso de critérios de equidade, a douta Sentença determinou corretamente o valor de € 18.300,00 de (contra)prestação devida pelo tempo em que a máquina ATM esteve instalada na loja, a partir do valor peticionado pela Recorrente e do valor proposto pelo Recorrido, pois, conforme salienta Ana Prata, “Julgar segundo a equidade significa, pois, dar a um conflito a solução que se entende ser a mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à norma jurídica eventualmente aplicável.”.

27. Tendo a Revista em causa sido interposta com o fundamento específico da violação de lei substantiva, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea a) do CPC, deverá este douto Tribunal revogar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, mantendo a decisão do Tribunal de 1.ª Instância.


Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido total provimento à presente Revista e, consequentemente, ser revogado o Acórdão proferido,

ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA.


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Contra-alegou o banco Recorrido, pugnando seja negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


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Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a apreciar são:
    • Qualificação jurídica do acordo firmado entre as partes
    • Se o artigo 400.º do CC tem aplicabilidade ao caso dos autos e, como tal, aferir se está determinada (concretizada) a (contra)prestação alegada e peticionada pela Autora/Recorrida (verba mensal a pagar pelo Recorrido à Recorrente pela instalação da máquina ATM), e se, não estando concretamente determinada pelas partes essa contraprestação, é a mesma determinável e em que termos;
    • Aferir da eventual procedência da pretensão indemnizatória da Autora.

III – FUNDAMENTAÇÃO


III. 1. FACTOS PROVADOS

É a seguinte a matéria de facto provada (na 1ª instância, sem impugnação em recurso):

1. A Autora é dona e legítima proprietária da fração autónoma designada pela Letra “E”, a que corresponde o R/Chão Esquerdo para comércio, com entrada pelo n.º 28 C e 28-D, do prédio urbano sito na Av. ..., na ....

2. A loja em causa situa-se em frente à Estação da CP ..., local de passagem de elevado número de pessoas, diariamente.

3. O Réu dedica-se à atividade bancária.

4. No final de 2007, o Réu manifestou interesse na instalação de uma Automatic Teller Machine (ATM) na fachada da loja supra referida, ao que a Autora anuiu de imediato, encontrando-se aquela instalada desde 4/10/2007.

5. Na altura, o Réu transmitiu à Autora que iria preparar um contrato para ser assinado por ambas as partes, nomeadamente com o valor mensal da comparticipação a pagar, o que nunca veio a acontecer.

6. Para instalação da máquina ATM foi necessário fazer algumas alterações na fachada da loja, o que o Réu fez a expensas suas, nomeadamente retirou uma das portas de acesso ao exterior e alterou a fachada em vidro.

7. Foi a Autora quem suportou o pagamento de eletricidade para a máquina ATM funcionar, sem que o Réu alguma vez lhe tenha pago o que quer que fosse.

8. A Autora, através do seu mandatário, enviou ao Réu, em 26/12/2018, um e-mail, solicitando a retirada da máquina ATM e a reposição da fachada no estado anterior ao da colocação daquela, bem como o pagamento de uma verba mensal de € 200,00 para a compensar pelos gastos suportados com energia elétrica e “contrapartida pela ocupação do espaço”.

9. O Réu enviou à Autora uma carta, em 23/07/2020, transmitindo que, “a Caixa Económica Montepio Geral (Banco Montepio) denúncia a relação existente entre V. Exas e o Banco Montepio com o correspondente cancelamento do serviço da ATM localizada em Avenida ..., 28 -..., com efeitos a partir de 30 de Setembro de 2020, data em que iremos proceder à desinstalação do respetivo equipamento de ATM.”.

10. A Autora respondeu, através de advogado, por carta datada de 25/09/2020, transmitindo “(…) que só autoriza a retirada da máquina ATM contra o pagamento do valor que há muito vos foi comunicado – em 26/12/2018 (…)”.

11. A fração a que corresponde a loja propriedade da Autora tem o valor patrimonial de € 308.494,19, determinado no ano de 2019.

12. Esteve arrendada até outubro de 2007 com uma renda mensal de € 950,00.

13. Em maio de 2016, a Autora questionou o Réu quanto ao pagamento de uma compensação mensal pela instalação da ATM.

14. Tendo o Réu proposto à Autora o pagamento de € 50,00 mensais.

15. Valor este que a Autora recusou.


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO


DA QUALIFICAÇÃO DO CONTRATO


Como é sabido, a qualificação de um contrato – que se mostra como uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações de vontade das partes e dela dependente – é matéria de direito sobre a qual o tribunal se pode pronunciar livremente, sem estar vinculado à denominação que os contraentes tenham empregado[1]. Como escreveu GALVÃO TELLES[2], "A não adequação da designação adoptada pelas partes à real natureza do contrato pode resultar de circunstâncias várias, ou de equívoco ou ignorância ou do objecto de defraudar a lei, procurando enquadrar o negócio num modelo que não é o seu, para, através do uso da denominação específica de outro e a confusão assim estabelecida, tentar extrair daí consequências jurídicas favoráveis às partes ou a uma delas e que não são compatíveis com a índole e regime do negócio efectivamente desejado...Em qualquer dos casos, o regime a observar, em última análise será o do próprio tipo negocial que vier a diagnosticar-se através das operações de interpretação e qualificação, afastando-se todas e quaisquer soluções para que apontasse a incorrecta denominação usada pelas partes, mas que não sejam conciliáveis com a espécie contratual realmente celebrada”.

Ou, nas palavras de Pedro Paes de Vasconcelos[3], “A qualificação de um contrato é um juízo predicativo.  O contrato é qualificado através do reconhecimento nele de uma qualidade que é a qualidade de corresponder a este ou àquele tipo, a este ou àquele modelo típico. A qualificação legal traz consigo, assim, sempre um processo de relacionação entre a regulação contratual subjectiva estipulada e o ordenamento legal objectivo, onde o catálogo dos tipos contratuais legais se contém.  Este relacionamento traduz‑se num movimento espiral e hermenêutico, assente na compreensão prévia que se traduz em qualificações experimentais precárias feitas com apoio na cultura jurídica e na experiência do mundo de quem qualifica”.


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Da análise dos factos provados, podem, a nosso ver, equacionar-se (a priori) várias hipóteses de qualificação da relação contratual estabelecida entre as partes: arrendamento, comodato, contrato atípico ou inominado.

· Contrato de arrendamento?

O contrato de arrendamento urbano é definido como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição (artº 1022.º, do Código Civil), acrescentando o artº1023º do mesmo Código que a locação diz‑se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel (esclarecendo o artº 202º CC que são coisas imóveis as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos) e aluguer quando incide sobre coisa móvel.

Assim, como elementos essenciais deste contrato – elementos que têm imperativamente que existir e sem os quais o contrato não se forma – , são os seguintes[4]:

a)     a concessão do gozo de um prédio urbano, no todo ou em parte;

b)     feita por certo prazo;

c)     mediante retribuição.

O arrendamento segue o regime geral da locação, com especialidades derivadas da natureza do objecto — arrendamento (de prédio) urbano[5] ou arrendamento (de prédio) rústico — combinada com o fim a que o objecto se destina: arrendamento para habitação[6], arrendamento para exploração agrícola ou pecuária (arrendamento rural)[7], arrendamento para exploração silvícola (arrendamento florestal) [8].

O arrendamento para comércio e indústria[9] e para o exercício de profissões liberais, que o regime anterior destacava (Regime do Arrendamento Urbano, de 1990, artigos 110.º a 121.º), aparece agora dissolvido nas "disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais" (Código Civil, artigos 1108.º e seguintes), embora com referências nos artigos 1109.º e 1112.º [10].

A situação sub judice, podia, numa primeira análise, ser enquadrada na última categoria referida, de arrendamento para fins não habitacionais – onde se integram, também, outros contratos socialmente típicos, tais como os de parqueamento de veículos[11], de atracagem de embarcações e de inserção de publicidade em paredes ou terraços[12].  São todos contratos de arrendamento, porque deles resulta, além da eventual prestação de serviços complementares, o direito de utilização temporária de espaço em coisa imóvel, não se lhes aplicando, porém, nenhuma das regras especiais dos arrendamentos para habitação ou fins não habitacionais (arts. 1092º a 1113º CC), dada a natureza do objecto do locado. Estão, pois, sujeitos ao regime geral da locação.

Assim, v.g., PINTO FURTADO, quando refere que “o gozo proporcionado ao locatário pode compreender a generalidade das utilidades da coisa, ou restringir-se a alguma delas, como, p. ex., quando num prédio urbano se concede unicamente a utilização da superfície da sua fachada ou de um muro, para afixação de cartazes publicitários, ou se proporcionam apoios no telhado para implantação de estruturas de anúncios luminosos”[13].

Também PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em anotação ao artº 1022º do Código Civil Anotado, referem que o gozo temporário da coisa, a que a lei se refere, não precisa de esgotar todas as possibilidades de utilização dela, nem de coincidir com o seu uso normal. Assim, exemplificam estes Autores que, v.g., pode locar-se o muro de um prédio apenas para nele afixar cartazes – embora esclareçam que ao arrendamento de um muro não são aplicáveis as disposições dos então artºs 1083º e seguintes (arrendamentos urbanos e rústicos não rurais), visto o contrato não ter por objecto o prédio urbano ou rústico na sua função normal (aquela que imprime natureza especial ao contrato e determina um regime próprio), acrescentando que a tais contratos são aplicáveis apenas as regras gerais da locação.

Em sentido divergente, pode ver-se BIONDI[14], GUARINO[15] ou MIRABELLI[16].


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Pergunta-se: pode a situação sub judice configurar um contrato de arrendamento?

Não nos parece que os factos provados sejam de molde a enquadrar este tipo contratual, dado não se preencherem todos os seus elementos.

Vejamos.

A principal obrigação do arrendatário urbano é a de pagar ao senhorio a renda relativa ao contrato de arrendamento.

Tal dever, actualmente, resulta apenas de uma regra, contida em sede de locação no quadro das obrigações do locatário – o art. 1038º, al. a) CC. Aí, de resto, situa-se no topo, representando a primeira e a fundamental obrigação do inquilino.

O que está em plena sintonia com o facto de o contrato de arrendamento, para além de ter carácter duradouro, revestir natureza sinalagmática – o que é pacificamente aceite[17].


Questão que a doutrina tem discutido, com acentuadas divergências, é a de saber se a renda deve estar determinada na data da conclusão do contrato ou se tem apenas de ser determinável, nos termos definidos no contrato.

Alguma doutrina sustenta que basta que a renda seja (sem mais) determinável[18]; já outros sustentam que, caso a renda não se encontre concretamente determinada no contrato, os critérios de fixação devem resultar sempre do próprio contrato[19] – acrescentando ser inaplicável ao contrato de locação o artº 883º do CC[20] (embora outros sustentem a aplicabilidade para tal efeito “[d]os critérios do art. 883º, por força do art. 939º”[21]).

Outros autores há, ainda, que defendem a exigência da fixação da renda no exacto momento da celebração do contrato[22].

Que dizer?


Na falta de uma indicação precisa neste aspecto – como visto, o artº 1022º do CC limita-se a falar no “gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição” –, parece mais acertado o entendimento de que é necessária uma pré-fixação do montante da renda aquando da celebração do contrato, da vinculação mútua das partes. Isso mesmo já há muito era sustentado por muito boa doutrina, como é o caso de GALVÃO TELLES[23] e PIRES DE LIMA[24].

Aliás, mesmo os que entendiam não ser necessário fixar uma quantia certa a título de renda aquando da celebração da relação contratual, sustentavam, porém, que sempre se impunha, relativamente ao preço locativo, que no contrato “se estipule um critério apropriado para o determinar no momento oportuno, contando que um tal critério se apresente revestido de segurança suficiente para excluir toda a possibilidade de arbítrio e de incerteza[25] (destaque nosso). Assim também SIMÕES PEREIRA (para quem a pré-fixação do quantitativo da renda não era da essência do contrato) dizia que o que era preciso era que, aquando da outorga do contrato, o locatário “saiba aquilo a que se obriga” – destaque nosso.


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O problema que os autos nos suscitam tem a ver com própria existência entre as partes dum acordo de pagamento da retribuição (aquela a que alude o cit. artº 1022.º, do Código Civil).

Ou seja, mesmo que se conceda que a renda não tem de estar determinada ao tempo da conclusão do negócio – havendo, então, outros critérios legais a poderem auxiliar nessa fixação e que aqui se podem aproveitar – , o certo é que, como é sustentado pela doutrina citada, cujo critério foi acolhido  na orientação plasmada no Ac. STJ, de 24.1.2002, “para a perfeição do contrato de arrendamento é fundamental a existência de acordo das partes sobre o quantitativo da renda em dinheiro ou sobre o critério que possibilite a determinação de tal quantitativo[26] – destaque nosso.

Ou seja, a questão já não tem tanto a ver com a possibilidade de determinação da renda, do seu quantum, mas, sim, saber se do contrato (escrito ou verbal) deve constar, inequivocamente, uma obrigação de pagamento de (ou duma) renda e, outrossim, os critérios para a sua determinação[27].


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Ora, sufragamos o entendimento que: ou do acordo ou contrato firmado, deve, à data do mesmo, constar ou estar assente, de forma inequívoca, a obrigação de pagamento de uma renda – ou seja, de determinada renda; ou, pelo menos, dele devem resultar, de forma clara e inequívoca, o critério ou critérios que possibilitem a determinação de tal quantitativo.

Como refere JANUÁRIO GOMES, “não pode assim entender-se que a possibilidade de um dos contraentes fixar singular e arbitrariamente o montante da retribuição, satisfaz a exigência legal de retribuição. (…) não tendo necessariamente de estar determinada no momento da celebração do contrato, deve resultar de critérios objectivos e seguros”[28]. Acrescentando este autor que mesmo que se acorde o pagamento de uma renda fixa e uma outra variável, a variabilidade tem sempre de obedecer a critérios previamente definidos[29].


Em suma, para considerarmos, no caso dos autos, a existência de um contrato de arrendamento, impunha-se fosse pactuado, inter partes:

1. a obrigação do réu de pagar uma renda à Autora;

2. renda essa cujo montante tinha de ser pré-fixado aquando da celebração do contrato;

3. … ou, não estando previamente fixado tal montante (a sua não determinação no momento do contrato), o mesmo tinha, pelo menos, de resultar de critérios objectivos e seguros, definidos aquando da celebração do contrato (seja escrito, seja verbal).


Ora, do contrato dos autos (tal como emerge dos factos provados) não resulta, nem a fixação prévia do pagamento de determinada (certa) renda, nem, sequer, resulta a fixação, inter partes, de quaisquer critérios objectivos e seguros para a determinação do quantum da prestação/renda.


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· Comodato?

Voltando a ARAGÃO SEIA[30], se não se fixar uma renda o contrato não será de arrendamento, mas poderá ser de comodato.

Não vemos, porém, que se esteja perante um comodato. Se é certo que pode suscitar-se alguma dúvida acerca da gratuitidade do contrato, a verdade é que não sabemos se, na altura da instalação da máquina, a Autora acordou, ou não, com o réu receber qualquer retribuição mensal como contrapartida da manutenção da máquina na fachada da sua loja, ou se quedou por outros eventuais benefícios ou vantagens que pudesse daí retirar, como, v.g., a maior publicidade da sua loja – e consequente maior atração de clientela – resultante da manutenção na sua fachada de uma máquina ATM.

Tudo conjecturas, é certo. Mas a verdade é que perante a escassez de factos, não podemos afirmar, com a mínima segurança, se houve, ou não, um comodato (simples empréstimo do espaço frontal da loja onde se instalou a máquina), o que também leva ao afastamento desta qualificação contratual.


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    • Contrato atípico ou inominado?

Nas palavras de ARAGÃO SEIA[31], “se se fixar uma renda, mas não for determinada, o contrato poderá ser de…, qualquer outro tipo ou inominado”.

Contratos típicos (ou nominados) aqueles que, além de possuírem um nome próprio, que os distingue dos demais, constituem objecto de uma regulamentação legal específica. São aqueles a que a lei chama a si para os disciplinar juridicamente, correspondem às espécies negociais mais importantes no comércio jurídico. 

Já os contratos atípicos ou inominados são aqueles que as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art. 405.º/1 CC), criam fora dos modelos traçados e regulados na lei.

Cremos dever integrar nesta última categoria o acordo firmado entre Autora e Réu.


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O problema, percute-se, é que, lendo os factos provados, não vemos que do acordo celebrado em 2007 tenha ficado assente o pagamento pelo réu à Autora de uma retribuição pela permanência da máquina ATM na fachada da loja daquela.

E sem retribuição não pode falar-se de arrendamento (ut artº 1022º CC).

Assim também, sem a fixação, aquando do contrato, da obrigação/vinculação de pagamento, pelo réu, de uma compensação (qualquer que seja), obviamente que não pode a Autora exigi-la.

E, então, também não faz sentido falar-se, sequer, em determinabilidade da prestação (ut artº 400º do CC).


Efectivamente, o que os factos provados nos mostram é, tão somente, que à data da instalação da máquina ATM “o Réu transmitiu à Autora que iria preparar um contrato para ser assinado por ambas as partes, nomeadamente com o valor mensal da comparticipação a pagar, o que nunca veio a acontecer.” – destaque nosso.

Que iria preparar”, repete-se. Ou seja, foi, apenas, aventada a possibilidade, a hipótese, uma mera intenção de pagamento de uma compensação. O que, na verdade, “nunca veio a acontecer” (facto 5), desconhecendo-se, de todo, o que se terá passado relativamente àquela intenção inicialmente apresentada: se ficou sem efeito um eventual acordo de pagamento de uma compensação que haja sido inicialmente apalavrado; se houve acordo verbal, coevo do contrato ou posterior a ele, noutro sentido; se as parte se acharam compensadas (v.g., com o benefício que a existência de uma máquina ATM na fachada da sua loja sempre resultava para a Autora, em termos de publicidade, pois era, evidentemente, um factor de atração de pessoas para o local – nisto talvez se encontre a explicação para o facto de decorressem 10 anos sem que a Autora dirigisse uma palavra, sequer, ao réu acerca de pagamento de qualquer compensação); se, simplesmente (e por razões que se desconhecem), a Autora prescindiu de qualquer compensação.


Reitera-se que a possibilidade séria de não ter, de facto, sido pactuado uma obrigação do réu de pagamento de uma prestação mensal é reforçada pelo facto de a Autora se ter mantido em absoluto silêncio ao longo de cerca de 10 anos para (e mesmo aí só para) questionar (não para solicitar) o réu quanto ao pagamento de uma compensação mensal pela instalação da ATM, ao que o réu propôs pagar-lhe 50 euros, mas que a Autora recusou.

Nada mais sabemos (porque os factos o não revelam) do que se terá passado até acrescerem mais dois anos e meio sobre aqueles, quando, em Dezembro de 2018 a Autora solicita ao réu o pagamento de uma verba mensal de € 200,00 (aqui, sim, já pede uma determinada quantia – o que não aconteceu, quer em 2016, quer em momento algum desde a data do acordo!) para a compensar pelos gastos suportados com energia elétrica e “contrapartida pela ocupação do espaço” – acentue-se que mesmo qui, ou seja, decorridos mais de 11 anos, a Autora não se digna peticionar o pagamento da verba mensal que aqui diz ter sido pactuada! O que se percebe, pois dos factos provados não resulta, com a mínima solidez, que aquando do início da ocupação de parte da fachada da loja com a máquina ATM, tenha, de facto, sido acordado o pagamento de uma qualquer prestação ou compensação.

O facto de estar provado que “foi a Autora quem suportou o pagamento de eletricidade para a máquina ATM funcionar”, nada nos adianta relativamente à possível compensação à Autora.


Ou seja, o reportório factual é de todo omisso quanto a um acordo de pagamento de uma prestação mensal, como ora pretende a Autora ao acavalar o seu pedido nesse pretenso (mas não provado) acordo.


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Mas mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se pudesse ler nos factos provados uma vinculação do réu ao pagamento de uma retribuição mensal à Autora – o que se rejeita – , ainda assim, para satisfação da pretensão da Autora (com subsequente determinação do quantum da prestação), era necessário que dos mesmos factos resultassem critérios objectivos e seguros para a quantificação dessa mesma prestação. 

E não apenas não resulta provada tal vinculação, como os aludidos critérios objectivos e seguros estão arredados da matéria factual provada – e são os que dela consta, e só esses, que importa aqui relevar.


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Assim, portanto, qualquer que seja a qualificação a dar ao contrato, voltamos sempre ao ponto de partida: está, ou não está, provada, à data do acordo para instalação da máquina ATM, a alegada vinculação do réu ao pagamento da ora alegada prestação mensal?

Não está.

 

E se é certo que o artº 939º CC manda aplicar as normas da compra e venda “aos outros contatos onerosos pelos quais se alienam bens ou se estabeleçam encargos sobre eles…” –  ou seja, manda se aplique, quanto à determinação do preço, o estatuído no artº 883º CC – , face ao dito supra, logo se vê que também por este normativo se não chega a lado nenhum, na medida em que pressupõe a existência de um acordo sobre a exigibilidade de um “preço” (no caso, um acordo, em 2007, de pagamento de uma prestação mensal pela utilização do espaço na parede da loja da Autora).

Percute-se, assim: não está provada a fixação de um preço por essa utilização - ónus probatório a cargo da Autora (artº 342º CC)). E sem essa prova, a exigência indemnizatória da Autora não pode deixar de claudicar, assim se justificando a confirmação do acórdão recorrido.

Ou seja: o que temos é, tão somente, uma ausência de vinculação das partes relativamente ao pagamento da alegada e peticionada prestação – e só existindo tal vinculação, faria sentido recorrer, eventualmente, a outra solução, v.g., a possível liquidação de sentença.


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E do exposto igualmente ressalta a inaplicabilidade do artº 400º do CC[32], pois, não só o mesmo pressupõe a existência da prestação, de um acordo de pagamento coevo da constituição da relação contratual, como, ainda, pressupõe que a determinação da prestação tivesse sido confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro.  O que se desconhece, face aos factos provados.

Note-se que, tal como se refere nas contra-alegações, já na apelação se insurgira o banco apelante contra a sentença por considerar que o disposto no art. 400º do CC não tinha aplicabilidade no caso dos autos – acrescentando que mesmo que assim não fosse, não existiam elementos que possibilitassem o recurso à equidade para a determinação do valor indemnizatório a pagar à Autora pela instalação pelo Réu da máquina ATM na loja da Autora (aspecto este que não cumpre aqui apreciar, dado que nos ficámos pela falta de acordo quanto ao pagamento de uma prestação).


É sabido que um pressuposto geral da prestação jurídica é a determinabilidade do conteúdo da prestação. Prestações completamente indetermináveis não podem ser protegidas e, como tal, não podem ser objecto de um direito.

Isso mesmo resulta dos arts. 280º e 400º: a prestação, enquanto objecto da obrigação, não necessita de se encontrar determinada no momento da conclusão do negócio – ou seja, ao tempo do nascimento da obrigação – , bastando que seja determinável[33].

Portanto, indeterminável não deve ser confundido com indeterminado, já que a obrigação pode constituir-se estando ainda a prestação indeterminada, desde que ela seja determinável, aplicando-se à situação o artigo 400.º do CC.


Efectivamente, a obrigação só não será válida quando o objecto da prestação se não encontre desde o momento da celebração do negócio completamente individualizado e nem possa vir a ser concretizado, em momento posterior, por falta, ou eventual inoperância, de um critério para tal estabelecido pelas partes, no respectivo negócio jurídico, ou pela lei, em normas supletivas, ou com recurso ao critério supletivo dos juízos de equidade[34].

Assim, a cominação da nulidade atinge somente os negócios jurídicos de objecto indeterminável mas já não os de objecto indeterminado.


Porém, como dito, o que temos no caso sub judice é algo mais, ou prévio: não se trata de a obrigação de pagamento imputada ao réu se não encontrar, desde o momento da celebração do negócio, completamente determinada, ou não ser determinável. Trata-se, sim (e até), da inexistência da própria prestação, da própria vinculação, da falta de prova da sua obrigatoriedade por banda do réu: como dito e redito, dos factos provados não resulta a assunção pelo réu de qualquer obrigação de pagar determinada quantia pela permanência da máquina ATM – como já referido, apenas foi prevista a possibilidade de pagamento de uma contraprestação pelo Réu à Autora, não tendo assumido o réu uma obrigação efectiva de pagamento da, pela Autora, alegada e peticionada contraprestação – , a qual, como vimos, sempre pressupunha fossem plasmados nos factos provados os critérios previamente definidos para a sua determinação ou quantificação (mesmo que com recurso à equidade), os quais ali inexistem.


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Concluindo: temos apenas que as partes não ultrapassaram, sequer, a fase preliminar do contrato – não está provada a vinculação do réu ao pagamento das peticionadas prestações mensais. Donde, também (como dito supra) não ser aplicável o artº 883º do CC[35].


Assim claudicam as conclusões da alegação.


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IV. DECISÃO 

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista.  

Custas da revista a cargo da Recorrente.


Lisboa, 16 de março de 2023


Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º adjunto)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 2º Adjunto)



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Voto de vencida


Não acompanho a decisão que logrou vencimento pelas razões que passo a indicar:             

Saliento que do probatório consta, entre outras factos que:

- No final de 2007, o Réu manifestou interesse na instalação de uma Automatic Teller Machine (ATM) na fachada da loja supra referida, ao que a Autora anuiu de imediato, encontrando-se aquela instalada desde 4/10/2007, tendo as obras necessárias à instalação da máquina sido suportadas pelo réu.

- Na altura, o Réu transmitiu à Autora que iria preparar um contrato para ser assinado por ambas as partes, nomeadamente com o valor mensal da comparticipação a pagar, o que nunca veio a acontecer.

- Foi a Autora quem suportou o pagamento de electricidade para a máquina ATM funcionar, sem que o Réu alguma vez lhe tenha pago o que quer que fosse.

- Em Maio de 2016, a Autora questionou o Réu quanto ao pagamento de uma compensação mensal pela instalação da ATM.

- Tendo o Réu proposto à Autora o pagamento de € 50,00 mensais.

- Valor este que a Autora recusou.

Face à matéria articulada, reduzida aos factos provados não pode, em meu entender, concluir-se que foi apenas aventada uma hipótese não concretizada do pagamento de uma prestação por parte do réu.

O facto provado n.º 5:

“ Na altura, o Réu transmitiu à Autora que iria preparar um contrato para ser assinado por ambas as partes, nomeadamente com o valor mensal da comparticipação a pagar, o que nunca veio a acontecer” não pode ser interpretado no sentido de se tratar de uma mera hipótese de poder vir a ser ou não estabelecida no futuro uma contraprestação a cargo do réu e a favor da autora.

O sentido da expressão é que o réu se comprometeu a redigir um contrato onde, entre outras coisas, constasse o valor mensal da comparticipação a pagar.

Verifica-se o uso do verbo no condicional que exprime, neste contexto, um facto estabelecido pelas partes e que ocorreria no futuro, ou seja, a fixação do valor mensal da comparticipação a pagar é descrito com um valor temporal de futuro no passado. Esta concretização daquela prestação por reporte ao momento temporal de produção da prova era um facto passado, mas no momento da sua estipulação pelas partes era um facto a realizar no futuro, daí o seu valor de futuro no passado. Mas, desta discrepância temporal não decorre qualquer incerteza sobre a circunstância de as partes, no momento da celebração do contrato, que tem como elemento mais sólido/visível a colocação da máquina de ATM na parede do edifício da autora nada terem estabelecido sobre a contraprestação, ou terem estabelecido que aquela utilização da parede do edifício da A. com a máquina de ATM era gratuita.

      Bem pelo contrário, mesmo atendendo ao sentido etimológico das palavras empregues no probatório seguro é que as partes convencionaram que o negócio seria oneroso, deixando ao banco réu, pelo menos numa fase inicial, a definição do montante da prestação, ou, pelo menos a proposta desse montante com que a A. se conformasse.

    Isto, parece-me bastante para que não possa alguma vez concluir-se pelo desconhecimento, em face do probatório, sobre se as partes acordaram no pagamento de uma contraprestação a cargo do réu, criando assim, seja qual for a qualificação jurídica do contrato firmado, um contrato oneroso. Não estar determinada a prestação e estar estabelecido que ela será definida no futuro, ainda que sem se conhecer o seu critério de definição não equivale a não ter sido acordado o pagamento de uma prestação a cargo do réu. Em verdade significa o inverso, significa que não foi uma mera hipótese que se esfumou com o tempo, foi um acordo firmado por ambas as partes de que seria fixado no futuro o montante dessa prestação a cargo do réu que ambas estabeleceram no início do contrato ser devida.

Assim, em meu entender, ainda que o modo condicional possa ter outras utilizações mais hipotéticas, na situação presente não há qualquer razão para que possam surgir dúvidas de que as partes desde o início das negociações e na fase inicial de execução do contrato definiram e acordaram que seria devida uma contraprestação a favor da A..

Bem certo que o réu alegou na contestação nada ter sido estipulado pelas partes quanto a comparticipação para esta prestação de serviços, cujo benefício para a Autora era evidente e alicerçou a sua defesa em dois pilares: benefícios recolhidos pela A. com a instalação da máquina e longo tempo decorrido sem a exigência de pagamento de qualquer contraprestação. Porém, não logrou provar o primeiro dos fundamentos e o segundo é inoperante para efeito de determinação sobre se existiu acordo sobre a prestação a seu cargo. Ao invés, a A. conseguiu provar que a obrigação de contraprestação, de acordo com o acordado pelas partes, porque comunicado pelo réu à A. e não rejeitado por esta, dependia da estipulação a constar do contrato que ele se comprometeu a preparar.

     Mas, mesmo que assim não tivesse sido, ou que se não tivesse apurado que foi, o certo é que em 2016, sob interpelação da A. para o efeito, o réu veio a comunicar à autora que poderiam proceder ao pagamento de € 50,00 mensais, valor apurado por ele tendo em conta a média dos pagamentos. Ora isso significa que, pelo menos nesta data aceitou que haveria uma contraprestação a pagar, não invocou que nada tinha sido acordado entre as partes sobre esse pagamento da contraprestação, que os benefícios que a A. retirava da instalação da máquina superavam/anulavam o valor da contraprestação devida, ou que, dado o tempo decorrido sem qualquer pagamento, estava legitimamente convencido que tinham celebrado um contrato gratuito, muito menos provou qualquer destes factos. O valor da contraprestação pareceu muito reduzido à A., que o não aceitou, por insuficiente, persistindo até hoje ter direito a receber um montante mensal muito superior, em cumprimento daquele mesmo contrato.

    Pelo menos em 2016, se não no cumprimento do contrato anterior, pelo menos por alteração do contrato firmado em 2007 está firmemente estabelecido, por acordo das partes, que o tribunal não pode derrogar que, pelo menos 50,00€ por mês é devido a título de contraprestação pela utilização da fachada exterior do prédio da A., com a máquina de ATM instalada pelo réu. Se dúvidas existissem quanto à existência ou exigibilidade da contraprestação, o acordo das partes firmado em 2016, ou a alteração do acordo firmado em 2007 pelo acordo de 2016, têm elas que estar completamente dissipadas porque a obrigação em causa que a A. entende ser no valor de 200,00€ mensais e o réu entende no valor de 50,00€ mensais, quanto a este valor - estamos apenas com uma divergência quantitativa, de acordo com o probatório - que se contém naquele que lhe é superior, e, foi proposto e aceite pelo devedor, não pode o tribunal estatuir, ignorando a matéria de facto e a confissão feita pelo réu com a referida proposta de pagar 50,00€ mensais, que não foi acordada a contraprestação, por tal estar fora dos seus poderes de cognição em sede de liberdade contratual e direitos disponíveis. 

     Em 2007 estávamos com uma contraprestação indeterminada, mas facilmente determinável, numa realidade que se pode constatar em todo o país nas centenas e centenas de máquinas ATM que foram surgindo nas paredes exteriores dos imóveis, muitas do banco réu, num nundo onde proliferam contratos de cedência de paredes, de telhados, de terraços para instalações deste e outro tipo de engenhos tecnológicos que se tornaram imprescindíveis no mundo actual. A partir de 2016, tendo em conta a matéria provada, estamos já com um diferendo bastante menor que nem permite ao tribunal conjecturar sobre se as partes acordaram ou não no pagamento de uma contraprestação e que se reduz a determinar se a contraprestação deverá ter o valor de 50,00€ proposto pelo réu, de 200,00€ requerido pela A., ou um terceiro valor a determinar pelo tribunal em face dos elementos disponíveis nos autos ou dos que vierem a ser obtidos, se necessário em sede de liquidação em execução de sentença.

    O tempo que a A. demorou a exigir o pagamento da referida prestação a cargo do réu, porque contido dentro do prazo de prescrição estabelecido por lei, na ausência de outro facto que permita verificar que o decurso do tempo violou qualquer expectativa legitima do réu de não ter que pagar coisa nenhuma que, como provado ele não acalentou pelo menos até 2016 – também um longo período - não pode, em meu entender, directa ou indirectamente afectar o direito da A. a ver cumprido o contrato que celebrou com o réu como provado nos autos.

           


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Lisboa, 16 de Março de 2023

                                            

Ana Paula Lobo


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[1] - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/88, BMJ 374, p. 435.

[2] Em parecer publicado na C.J., Ano XVII, Tomo 2, pág. 27.

[3] In Contratos Atípicos, Almedina, Coimbra, 1995, pp. 164‑165.

[4] - Vd., por todos, Aragão Seia, “Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, 2.ª ed., p. 51.

[5] - Artigos 1064.º e ss.; M. Carneiro da Fraca, O novo regime do arrendamento urbano: sistematização geral e âmbito material de aplicação, Revista da Ordem dos Advogados, 1991, 1, pp. 153 ss: ID. O âmbito do regime do arrendamento urbano — uma curta revista e uma sugestão; P. Romano Martinez, Regime da locação civil e contrato de arrendamento urbano, ambos em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, III, Direito do arrendamento urbano, Coimbra, 2002, pp. 33 e ss. e 7 e ss., respectivamente.

[6] - Artigos 1092.º e ss.; M. Januário Gomes, Arrendamentos para habitação, 2.ª ed., Coimbra, 1996.

[7] - Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 524/99, de 10 de Dezembro; J. Aragão Seja, Costa Calvão & C. Aragão Seja, Arrendamento rural, 3.ª ed., Coimbra, 2000.

[8] - Decreto-Lei n.º 394/88, de 25 de Outubro.

[9] - M. Januário Gomes, Arrendamentos comerciais, 2.ª ed. Coimbra, 1991; A. Menezes Cordeiro, Estabelecimento comercial e arrendamento; J. Espírito Santo, Especificidades dos arrendamentos para comércio e indústria, ambos em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles Telles, III, pp. 407 e ss., 429 e ss. respectivamente.

[10] - Ver F. Gravato Morais, Novo Regime de Arrendamento Comercial, Coimbra, 2006.

[11] - Em relação ao "arrendamento de lugar de garagem", ver Romano Martinez, Direito das obrigações (Parte especial).  Contratos, p. 304 (com indicações jurisprudenciais). 

[12] - J. Oliveira Ascensão, Contrato de arrendamento.  Terraços para inserção de publicidade luminosa, Colectânea de Jurisprudência, 1993, III, pp. 15 ss., e Carlos Ferreira de Almeida, Contratos de publicidade, pp. 297 e ss.

[13] Manual do Arrendamento Urbano, 2ª Ed., p. 38.

[14] Astrattezza del diritto di godimento del locatário, 1972, p. 234.

[15] Locazione, 1965, p.14, nota 64.

[16] LA LOCAZIONE, 1972, P. 250.

[17] Cfr., entre outros, MENEZES LEITÃO, Arrendamento Urbano, 3ª Ed., Coimbra, 2007, p. 19, e ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações (Parte Especial) - Contratos, 2ª Ed., Coimbra, 2007 (3ª reimpressão da edição de 2001), p. 168.

[18] PINTO LOUREIRO, Tratado da Locação, I, Coimbra, 1948, pp. 72 e 73.

[19] ANTÓNIO SEQUEIRA RIBEIRO, “Renda e encargos no contrato de arrendamento urbano”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Vol. III, Direito do Arrendamento Urbano, Coimbra, 2002, cit., p. 108.

[20] Observa este último autor (ob e loc. cits.) que “as condições do contrato de compra e venda são muito diferentes do contrato de locação, pelo que mesmo com grandes adaptações não se mostra viável a aplicação do art. 883º do CC ao contrato de locação”.

[21] MENEZES LEITÃO, Arrendamento Urbano, cit., p. 54, aderindo à construção de PINTO FURTADO, Manual do Arrendamento Urbano, 3ª Ed., cit., pp. 50 e 51.

[22] GAVÃO TELLES citado por MENEZES LEITÃO, Arrendamento Urbano, cit., p. 54.

[23] In Arrendamento, p. 97.

[24] In Rev. Leg. e Jur., ano 89º, p. 229.

[25] PINTO LOUREIRO, in Tratado da Locação, I, p. 72. Ver ainda o mesmo autor emm Temas Jurídicos, p. 102.

[26] Ac. STJ, de 24.1.2002 (JOAQUIM DE MATOS), www.dgsi.pt (afirma-se ainda que “é de arrendamento a alteração ao anterior contrato de arrendamento, segundo a qual as partes acordaram que o inquilino passaria a prestar certos serviços e que essa prestação conhecia valor idêntico à anterior retribuição em dinheiro”).

Neste sentido, Ac. Rel. Porto, de 17.5.2001 (ALVES VELHO), www.dgsi.pt, onde se suscita uma questão deste género.

[27] Sendo que estando em causa apenas a ausência, no contrato, destes critérios, poder-se-ia, eventualmente, conceder na aplicação do disposto no artº 883º CC (sendo certo, porém, que nem todos os critérios aí especificados poderiam servir inteiramente para o caso do arrendamento – podendo mostrar-se alguns deles adequados: o valor que o senhorio normalmente praticar à data da conclusão do contrato; subsidiariamente, o valor de mercado do imóvel, para efeito de arrendamento; por fim, a determinação pelo tribunal).

[28]Constituição da Relação de Arrendamento Urbano, p 72.
[29] Ob e loc. cits.

[30] Arrendamento Urbano anotado e comentado, pp 96.

[31] Ob. E loc. cits.

[32] Sob a epígrafe Determinação da prestação:

 “1. A determinação da prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro; em qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados.

2. “Se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal, sem prejuízo do disposto acerca das obrigações genéricas e alternativas.”.

[33] Cfr. MANUEL DE ANDRADE, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 80, pp 273, 289, 305.

[34] Cfr. GALVÃO TELLES, Direito da Obrigações, 1997, 41 e Acs. do STJ, de 16.2.92, 15.6.94 e 11.5.93, os dois primeiros no BMJ-418/751 e 438/471.

[35] Cfr. Ac. STJ de 17.2.1983, Bol. M.J., 324º/565.