RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO
PAPEL DOS AVÓS
AUDIÇÃO DO MENOR
RESIDÊNCIA ALTERNADA
VONTADE DA CRIANÇA
Sumário

I. Se é certo que é louvável e desejável que as crianças desenvolvam laços de afeto com os avós, já não é recomendável que os avós assumam, desnecessariamente, o papel e a função dos progenitores, designadamente invadindo a privacidade dos progenitores, velando pelo exercício das responsabilidades parentais, exercendo o poder disciplinador e formador da criança.

II. A lei prevê que a criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, seja ouvida pelo tribunal (Artigos 4º, nº 1, al. c), 5º, nº1, e 35º, nº3, do RGPTC) mas a opinião/vontade da criança não é vinculativa para o tribunal pois, se assim fosse, a criança seria juiz em causa própria.

III. Os progenitores não devem ser demasiadamente pressurosos a satisfazer os desejos e opiniões da criança, procurando obviar a que a criança lide com situações (temporariamente) adversas: «Como é que demonstramos aos nossos filhos que nos preocupamos? Paradoxalmente, não é dando-lhes tudo o que eles querem, ou com desvios constantes no nosso caminho para fazermos coisas para os meninos. Na verdade, quando os pais não sabem estabelecer limites para os filhos, as crianças acabam por pensar que eles não se preocupam com elas. Apesar de nunca o manifestarem, as crianças necessitam que os adultos estabeleçam limites e linhas de orientação.»

IV. Merece censura a atitude do pai que, de forma mais ou menos consciente, adota comportamentos que contribuem para que a criança construa uma imagem negativa e fragilizada da mãe, tendo tal comportamento de ser revertido.

V. O superior interesse da criança não deve ser apreciado segundo critérios subjetivos da vontade dos pais ou da própria criança, nomeadamente numa lógica de obtenção de gratificação imediata da criança.

VI. Entre os argumentos que favorecem a instituição da residência alternada avultam os seguintes: satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores; permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da identidade pessoal do menor; diminui o conflito parental e previne a violência na família; potencia a qualidade da relação progenitor/criança; reduz o risco e a incidência da “alienação parental”; mantém relações familiares semelhantes às do momento pré-divórcio, porque os relacionamentos com o pai e a mãe se aproximam dos da família intacta; os conflitos de lealdade que os jovens mostram tendem a desaparecer com a organização dos tempos em família e a igual importância dos pais na vida dos mais novos;  fortalece a atividade e os laços afetivos entre os filhos e os pais e reforça, por esta via, o papel parental; a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias; melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO

Este processo visa a regulação do exercício das responsabilidades parentais da CH, nascida a 23-12-2012, filha de TM e de SM.
Foi fixado, em 11.1.2021, um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a fixar a residência da criança junto do pai, a prever convívios com a progenitora não residente e a fixar prestação de alimentos em benefício da menor, a cargo da mãe, prosseguindo os autos após a conferência de pais, face ao dissenso quando à fixação da residência da criança, pugnando o pai pela fixação da residência junto de si e a mãe pela fixação da residência alternada da criança com ambos os progenitores.
Foi interposto recurso da decisão de fixação do regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que foi julgado parcialmente procedente, alterando o tribunal da Relação de Lisboa os pontos 2º e 3º daquele regime, nos seguintes termos:
2º As funções de encarregado de educação da menor junto do estabelecimento de ensino básico que a mesma frequenta serão desempenhadas pelo pai.
3º A menor deverá estar e conviver com a mãe em fins de semana alternados, entre o final da atividade letiva de sexta feira e o final de domingo, sendo recolhida pela mãe no estabelecimento de ensino e sendo entregue pela mãe ao pai na residência deste até ás 21:00h. de domingo. Para além disso, a menor deverá conviver e jantar com a mãe às terças feiras e às quintas feiras, entre o final da atividade do (...) (...) e o final do dia, sendo recolhida pela mãe nesse estabelecimento de ensino e sendo entregue pala mãe ao pai na residência deste até às 20:00h.
Decorrida a fase de mediação não foi alcançado pelos pais acordo, mantendo-se o dissídio relativamente à residência da criança, pretendendo o pai a residência exclusiva e a mãe a residência alternada.
Realizada nova sessão de conferência de pais e ouvida a menor, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 39º/4 do RGPTC, na sequência do que ambos os progenitores apresentaram alegações e requerimento probatório.
Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decido fixar a seguinte regulação das responsabilidades parentais, nos seguintes termos:
1 – A menor CH, nascida a 23-12-2012, residirá alternadamente com ambos os progenitores, sendo com o pai entre as 18h00 de sábado e as 18h00m de quarta-feira, e com a mãe entre as 18h00m de quarta-feira e as 18h00m de sábado, com recolhas na casa do progenitor residente pelo progenitor com quem a menor residirá no período seguinte, exercendo cada qual as responsabilidades parentais nos questões do quotidiano nos dias que têm a menor a cargo, sendo o progenitor o seu encarregado de educação.
2 – Nas questões de particular importância na vida da menor as responsabilidades parentais serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
3 – A menor passará com cada um dos pais metade das interrupções letivas do Natal e da Páscoa, e com cada um dos progenitores as férias laborais destes, e ainda tomará com cada um dos progenitores uma das refeições principais no dia do seu aniversário, refeição que alternará anualmente.
4 – Passará com o pai o dia do Pai e o dia do aniversário deste e com a mãe do dia da mãe e o dia do aniversário desta.
6. - As despesas extraordinárias de saúde (aquisição de óculos, outras próteses, aparelhos dentários, consultas de especialidade, despesas medicamentosas em valor igual a 20,00€ mensais) e de educação (com a aquisição de livros e de material escolar, pagamento da mensalidade da escola privada, alimentação escolar, atividades extracurriculares e explicações escolares), serão repartidas entre ambos os progenitores na proporção de metade.
Sendo elevado o risco de incumprimento da presente regulação a presente sentença será acompanhada pela EMAT, nos termo do artigo 40º/6, pelo período de 6 meses, durante o qual terá intervenção do Centro de Terapia Familiar, em vista a debelar as dificuldades de comunicação entre os progenitores.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes
«CONCLUSÕES:
1. A menor desde cedo que foi entregue aos cuidados da avó paterna enquanto o requerido e a requerente saíam da freguesia onde residiam para irem trabalhar, deixando assim a CH todos os dias e durante todo o dia, aos cuidados da avó.
2. Enquanto serviu e deu jeito à requerente, a avó não era má influência, não se impunha demasiado e permitia à requerente não ter que tratar da filha, não se apoquentar com os cuidados que a menina precisava, sendo que desde sempre a requerente demonstrou pouca vontade em cuidar da CH e nunca se queixou que o seu papel de mãe era limitado ou restringido.
3. Agora que já não precisa destes cuidados e quer impor uma guarda igualitária, a requerente entende que os cuidados da avó paterna são demasiados e nocivos, esquecendo a especial ligação que a CH entretanto criou com a avó, não cuidando acautelar os efeitos nefastos que terá para a CH este corte abrupto que quer impor naquela relação.
4. A (má) relação que a CH tem com a mãe não é resultado da maior presença da avó paterna na vida desta, mas sim o resultado da postura ausente e desinteressada da requerente para com aquela ao longo de toda a infância desta e que fez com que visse na avó paterna e no progenitor, e não na requerente, o seu “porto de abrigo”.
5. A verdade é que, por força de toda a postura da requerente, da sua atitude de indiferença e de desinteresse, a CH não desenvolveu com esta uma relação afetiva minimamente segura como seria de esperar entre uma mãe e uma filha, excluindo-a do seu círculo de família, recusando representá-la nos seus desenhos, recusando cumprimentar a mãe de beijo, o que é lamentável, mas sintomático da má relação entre as duas e o longo caminho que há a percorrer para aproximar as duas.
6. Apesar de ter sido alertado para a necessidade de um cuidado especial no regime a ser fixado e que deveria passar por um aumento gradual dos contactos da menor com a progenitora, o Tribunal “a quo”, sem mais, determinou, em sede de regulação provisória e na altura do Natal de 2020, que esta passasse com a mãe fins-de-semana alternados (do fim da tarde de sexta feira ao fim da tarde de domingo) e dois dias por semana, onde esta recolhia a menor no (...) (...) pelas 18.30 e a entregava ao pai após o jantar.
7. Este regime, decidido assim sem qualquer preparação ou fase transitória, apenas veio piorar a relação entre ambas.
8. É a própria mãe que reconhece nas suas declarações, transcritas no “relatório pericial”, que a relação e o comportamento entre a menor e esta piorou, em muito, desde aquela data, não conseguindo aquela, ao fim de dois anos de vigência daquele regime, melhorar a sua relação com a CH.
9. Ouvida a menor, esta pretende que estes encontros com a mãe sejam ainda mais reduzidos, continuando a excluí-la do seu núcleo familiar, não a representando nos desenhos, não a colocando nos seus momentos prazerosos, não abraçando ou beijando a mãe como seria normal.
10. Ora, se tudo isto indicava já, claramente, que a opção tomada pelo Tribunal “a quo” não tinha sido a mais apropriada para aquela situação em concreto, trazendo efeitos nefastos para a relação entre a requerente e a menor, obrigando esta, sem mais, a conviver com a requerente em casa de familiares desta com quem a menor não tem qualquer relação afetiva e que, insistentemente, desde há dois anos a esta parte, revela sempre grande resistência em estar com a mãe, o que dizer agora do regime definitivo determinado, que impõe que a menor, que quer reduzir os contactos com a mãe, que se recusa a estar com esta, que não a beija, que não vê nesta como um ponto de referência, passe a ter guarda alternada, passando igual tempo com o pai e com a mãe, como se nada passasse, como se a menor fosse feliz na casa da mãe, o que garantidamente o Tribunal sabe que não o é, pois tal resulta evidente do “relatório pericial”.
11. Claramente e salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” deu primazia a uma ideia pré-feita que a guarda partilhada é a solução das soluções, quando esta, manifestamente, não deve ser aplicada por si só, sem ter em conta as concretas contingências da situação em análise.
12. Assim, entende o aqui recorrente que a decisão do Tribunal “a quo” que fixou o regime de residência alternada não acautelou corretamente, salvo o devido respeito, os interesses da menor, porquanto não teve em consideração a sua vontade e opinião, bem como a relação de animosidade existente entre mãe e filha;
13. O regime de residência alternada apresenta inúmeros inconvenientes para a vida da menor, para além da instabilidade por estar sempre a mudar de residência e de rotina de quatro em quatro dias, o desenvolvimento de sentimentos negativos em relação à figura maternal;
14. O regime de residência alternada só é compatível com uma situação em que se verifica uma particular interação entre a criança e ambos os progenitores, o que nos autos claramente não se afigura de todo;
15. A verdade é que, a menor não reconhece a progenitora como membro da família, nem tão pouco comunica com a mesma, manifestando expressamente que não gosta de estar com a mãe sem a presença da figura paternal, a quem associa as palavras segurança e bem-estar;
16. O critério pelo qual deve o Tribunal guiar-se para fixar as medidas tutelares é o do superior interesse da criança, que deve atender a várias circunstâncias, designadamente, o entendimento da criança com os progenitores, a proximidade afetiva com cada um deles, o bem-estar da criança nas residências de ambos, e os sentimentos que a criança manifesta para com os pais;
17. Se é certo que a regra que melhor acautela o superior interesse das crianças é a fixação de residência com ambos os progenitores, a verdade é que cada regra comporta exceções;
18. Como tal, mais claro que a exceção de a criança não manter qualquer relação, nem nutrir qualquer sentimento positivo pela progenitora, não pode ignorar-se, e como tal, tem obrigatoriamente que concluir-se que, o que no caso melhor acautela os seus interesses, é a fixação da sua residência junto do progenitor com o qual estabelece uma relação de cumplicidade, confiança, amor e felicidade;
19. É este o entendimento da Jurisprudência, designadamente, do Tribunal da Relação de Coimbra, nos seus doutos Acórdãos de processos n.º 1046/06.0TBACB.C1, datado de 06-02-2007, e n.º 90/08.8TBCNT-D.C1, datado de 01-02-2011, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt;
20. A fixação da residência alternada da menor com ambos os progenitores, fará com que a menor fortaleça e vinque ainda mais os sentimentos de medo, raiva, insegurança e infelicidade aos quais associa e atribui à progenitora;
21. A menor irá encarar a residência junto da mãe como uma vivência contra a sua vontade, que lhe foi imposta, atribuindo à figura maternal a culpa da separação da menor e do seu pai, o que desencadeará ainda mais revolta e afastamento;
22. A Sentença recorrida violou o critério regulador da aplicação das medidas tutelares de regulação das responsabilidades parentais, nomeadamente, o superior interesse da criança e a sua vontade e opinião sobre as questões que lhe dizem respeito;
23. A opinião e a vontade da menor não foram tidas em conta, tendo sido completamente ignoradas e contornadas com a aplicação do regime de residência alternada;
24. Nestes termos, deve a douta Sentença ser revogada e, consequentemente, ser substituída por outra que fixe a residência da menor junto do ora aqui recorrente, por ser o regime que melhor acautela os interesses da menor.
25. Termos em que deverão ser declaradas procedentes, por provadas, as presentes alegações de recurso e, em consequência, ser revogada a douta Sentença aqui recorrida, substituindo-a por outra que regule a residência da menor com o progenitor, aqui recorrente, estabelecendo um regime de visitas conforme constava do regime provisório que esteve em vigor até ao presente.»
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Contra-alegaram a progenitora e o Ministério Público, concluindo pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, a questão a decidir é a de saber se o Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao fixar o regime das responsabilidades parentais enunciado.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. - CH nasceu a 23/12/2012 e é filha de SM e de TM .
2. - Os pais da menor casaram um com o outro a 20-09-2009, passando a viver desde então e até à separação do casal – setembro de 2020, com os progenitores de SM , na casa destes, sita na Rua (...), concelho de (...), habitação onde também residiam um irmão do Requerido, sua mulher e filha.
3. - CH é filha única do casal, fruto de uma gravidez não planeada, mas desejada por ambos os pais.
4. - CH adquiriu normativamente os marcos desenvolvimentais como a marcha, a linguagem e o controlo dos esfíncteres (pese embora o desfralde noturno tenha sido tardio, aos 5 anos de idade).
5. - A autonomia do sono de CH não foi trabalhada pelos pais, porquanto até aos 2/3 anos permaneceu a dormir no quarto dos pais, e quando passou a pernoitar no seu próprio quarto, o seu progenitor, por regra, passou a dormir com ela, na mesma cama, situação que se manteve até à separação do casal.
6. - Atualmente CH mantém a falta de autonomia do sono, porquanto continua a depender da presença do pai para adormecer, sendo que quando dorme em casa da mãe, partilha com esta o mesmo quarto.
7. – A menor tem diagnóstico de suspeita de “pubarca precoce”, sendo acompanhada por médica endocrinologista e nutricionista, por forma a efetuar um controlo e orientação da sua situação clínica, problema hormonal este que não interfere na vida da criança, mas exige cuidados alimentares, como comer legumes ao almoço e jantar, não comer doces, comer sopa sem batata, comer ao lanche pão integral ou fruta e leite e não ingerir soja.
8. - CH beneficia também do acompanhamento por parte de médico de família na Unidade de Saúde de sua residência.
9. - Ambos os pais acompanham a filha à maioria das consultas das diversas especialidades, à exceção, das sessões de psicologia que foram realizadas durante dois meses junto da criança, sem que mãe fosse envolvida no processo clínico.
10. - CH permaneceu aos cuidados maternos até aos 5 meses, tendo, posteriormente, ficado aos cuidados da avó paterna, a qual desde o nascimento de CH assumiu um papel de revelo na asseveração dos cuidados à criança, sendo perceção da progenitora que a avó ficava maldisposta quando a mesma tomava a iniciativa de cuidar da filha.
11. – CH integrou o Jardim de Infância aos 3 anos de idade, tendo-se adaptado ajustadamente, à exceção da toma da refeição do almoço, o que motivou a efetivação da mesma em contexto habitacional até final do 4º ano de escolaridade.
12. - CH também se integrou com facilidade ao novo contexto do 1º ciclo do ensino básico, relacionando-se bem com os seus pares e fazendo uma boa aquisição de aprendizagens, tendo beneficiado de terapia da fala, em contexto escolar, durante 3 anos letivos por apresentar dificuldade na sua expressão oral (verbalizar o “lhe” e o “rr”).
13. - Em setembro de 2022, CH integrou o 5º ano no Colégio (...), sito em (...), onde fez boa adaptação.
14. - CH integrou o (...) (...) aos “3/4 anos” com aulas de coro, tendo aos 5 anos iniciado aulas de instrumento musical, piano.
15. - Atualmente mantém a frequência do (...) (...) (aulas de órgão, iniciação musical e atelier musical), a catequese, o coro paroquial e ainda acompanha o pai, enquanto ministro extraordinário da comunhão, evidenciando a sua satisfação, principalmente com as atividades de caráter religioso e manifestando o seu desejo de ser, um dia, (...), tal como o pai.
16. - CH frequenta as atividades religiosas em todos os fins-de-semana, assegurando a mãe as deslocações associadas às mesmas quando CH se encontra sob a sua responsabilidade.
17. - CH em casa do pai apresenta resistência em treinar o órgão, mas acaba por o fazer por insistência deste, mas em casa da mãe recusa-se a fazê-lo, apesar desta ter adquirido um órgão para a menor, por indicação do progenitor, para o efeito.
18. - CH perceciona as vivências com o pai como altamente satisfatórias, enquanto que as vivenciadas junto da mãe como fortemente insatisfatórias e residuais, e aponta desenvolver com o pai e familiares paternos uma relação de elevada qualidade e proximidade, enquanto que com a mãe (e familiares maternos) indica desenvolver atividades tediosas, apresentando resistência/recusa à concretização de outras.
19. - CH é uma criança de 9 anos, não possuindo a maturidade exigida para uma tomada de decisão sobre a fixação da sua residência e partilha dos seus tempos com as figuras parentais.
20. - É capaz de expressar a sua opinião e manifestar a sua motivação com clareza, contudo, as suas perceções estão influenciadas pelas suas vivências atuais e passadas e pelo desejo de corresponder às expetativas existentes sobre a própria, carecendo de capacidade de se projetar no futuro e identificar e avaliar as variáveis necessárias à tomada de uma decisão na matéria em causa.
21. - CH, desde há 2 anos, não evidencia estabilidade nos contextos vivenciais da sua vida, em concreto, nas casas dos pais, apresentando uma elevada discrepância de emoções, comportamentos, experiências e disponibilidade entre a casa do pai e a casa da mãe, isto é, elevado bem-estar na casa do pai e intenso mal-estar na casa da mãe, o que revela não estar a mesma a ajustar-se adequadamente (e de forma funcional) às alterações familiares vivenciadas.
22. - CH encontra-se exposta a verbalizações (e crenças) do pai e familiares paternos (em especial da avó paterna) acerca da rutura conjugal, do presente processo judicial, mas também sobre a figura materna, o que está a impactar no desenvolvimento das próprias perceções da criança sobre a separação dos pais, sobre a decisão judicial em causa, mas sobretudo, acerca da mãe.
23. - Atualmente, CH adota as perceções do pai como suas, sustentando com estas a vontade de fixar residência junto do pai.
24. - O pai age inconscientemente e sem motivações destrutivas, no sentido de impactarem diretamente no bem-estar psicológico de CH.
25. - Ambas as figuras parentais revelam competências ao nível da parentalidade, em concreto, as relacionadas com proteção, segurança, afeto, educação e saúde, salvaguardando o superior interesse de CH.
26. - Os pais identificam e satisfazem a maioria das necessidades de CH, embora através de estratégias educativas diferentes.
27. - A mãe perceciona a presença do pai (e familiares paternos) na vida de CH como essencial e facilitadora de um adequado e ajustado desenvolvimento integral da filha, enquanto o pai, apesar de reconhecer a importância da figura materna, tende a desvalorizar a sua presença no dia-a-dia da criança e a não incentivar/promover maior satisfação da filha perante os momentos de convívio com a mãe.
28. - A figura paterna assegura, ou delega em familiares, as trocas da criança entre ambos os contextos habitacionais, não coloca entraves ao contacto telefónico entre a criança e mãe, mas não toma a iniciativa de pôr e menor em contacto com a mãe.
29. – O pai não assume qualquer responsabilidade pelo atual afastamento relacional materno-filial, que imputa exclusivamente à mãe, postura não promotora de uma maior aproximação afetiva entre CH e a mãe.
30. - A figura paterna confirma a partilha de alguns pormenores processuais junto da filha, bem como outros aspetos relacionados com a parentalidade (sua e da mãe), revelando dificuldade na adoção de um pensamento crítico face à sua atitude enquanto pai, na medida em que parece não reconhecer o impacto da sua atitude na regulação comportamental e emocional de CH e, subsequentemente, na proximidade relacional da criança com a mãe (CH possui informações acerca de diversas situações que não presenciou ou que aconteceram quando a mesma tinha menos de 3 anos).
31. - Ademais, a figura paterna (e familiares desta) parece igualmente apresentar alguma dificuldade na distinção das matérias relacionadas com a conjugalidade e parentalidade, implicando a filha nas decisões sobre as mesmas e envolvendo-a em discussões relativas ao presente processo judicial e/ou separação conjugal, comprometer a aproximação afetiva entre a díade criança-mãe.
32. - Atitudes do pai de CH, como por exemplo, pesar a criança após regresso da casa da mãe ou questionar a filha se comeu sopa, são igualmente facilitadoras de uma perceção de desconfiança e insegurança por parte da criança relativamente aos cuidados prestados pela figura materna, o que, por sua vez, condiciona a manutenção do afastamento relacional entre ambas.
33. - Ambas as figuras parentais encontram-se integradas profissionalmente, obtendo, por esta via, satisfação e concretização profissional, com autonomia financeira.
34. - Os pais de CH são saudáveis e embora a mãe apresente alguma sintomatologia depressiva e ansiosa, a mesma não é intensa e não colide com o exercício da sua parentalidade.
35. - Ambas as figuras parentais residem com as suas famílias de origem, o que poderá potenciar alguns constrangimentos no exercício da parentalidade, sobretudo se este sofrer interferências por parte de familiares.
36. - A avó paterna se constitui enquanto figura de referência na vida de CH, assumindo responsabilidades inerentes aos pais, mesmo na presença destes, o que colide com a autonomia parental e funcionalidade da dinâmica familiar.
37. - CH desenvolveu crenças de que a mãe possui elevadas fragilidades no exercício da parentalidade, avaliando a mesma como negligente e descuidada.
38. - Exclui a mãe do seu conceito de família, apresenta resistência a todas as manifestações de afeto por parte desta e manifesta agressividade quando permanece no contexto habitacional da mãe.
39. - A presente situação, por si só, constituiu-se enquanto limitação à competência parental da figura materna, uma vez que tende a limitar a autonomia da mãe e a prática educativa da mesma.
40. - Atualmente, a figura materna reconhece que não recorre a qualquer estratégica educativa junto de CH, percecionando a sua autoridade como fragilizada.
41. - A comunicação entre os pais de CH é escassa e realizada, sobretudo, através da troca de correio eletrónico, mas apesar disso os mesmos têm sido capazes de consensualizar sobre a maioria das matérias emergentes.
42. – A saída da progenitora da casa dos avós paternos da menor, onde todos coabitavam, foi vivenciada como hostil pela criança, porquanto a progenitora tentou levar a criança consigo, tendo inclusivamente chamado ao local a PSP perante a resistência do progenitor, criança e familiares paternos.
43. – A menor mantém com o pai uma relação de grande proximidade e cumplicidade;
44. – A progenitora aos domingos entrega a menor no início da tarde, e não à hora constante do atual regime provisório – 21h00m, por insistência da filha.
45. – Também por recusa da filha, durante a semana a progenitora não lancha nem janta com aquela.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O tribunal a quo fixou um regime de residência alternada da CH com os pais.
O pai insurge-se contra o assim decidido, pugnando pela fixação da residência da criança consigo, sendo estabelecido um regime de visitas à mãe.
A argumentação do pai/apelante assenta nas seguintes considerações:
i.A criança tem uma especial relação com a avó paterna (conclusões 1 e 3);
ii.A mãe demonstrou pouca vontade em cuidar da criança, tendo uma postura ausente e desinteressada (conclusões 2, 4 e 5);
iii.A criança tem uma má relação com a mãe, não tendo uma relação afetiva segura com a mãe (conclusões 4, 5, 8);
iv.A vontade expressa pela criança é a de excluir a mãe do seu núcleo familiar; a criança tem resistência em estar com a mãe, tem uma relação de animosidade com a mãe; não tendo o tribunal a quo respeitado a vontade da criança (conclusões 9, 10, 12, 16, 18, 20, 21, 23);
v.Não foi respeitado o critério do superior interesse da criança, que deve atender ao entendimento das crianças com os progenitores, à proximidade afetiva com cada um deles, ao bem-estar da criança nas residências de ambos e aos sentimentos que a criança manifesta para com os pais (conclusão 16, 17).
O tribunal a quo fundamentou, no essencial, a sua decisão nas seguintes considerações:
«No caso em apreço o progenitor residente com a criança, SM não deseja partilhar a residência de CH, sua filha de 9 anos de idade, com a mãe dela, TM, porque a menor está habituada a viver na casa dos avós com estes e o pai, e também está habituada ao apoio logístico dado pelos avós paternos, porque os avós sempre prestaram e prestam todo o apoio à menor nas suas atividades durante o dia, porque a mãe nunca estabeleceu com a filha relação de proximidade, determinando que o pai assumisse o papel de pai e mãe, o acompanhamento escolar da filha e asseverasse à mesma os cuidados de higiene, vestuário e médicos, porque a relação entre mãe e filha continua distante, o que imputa à progenitora que na sua perspetiva não faz o mínimo esforço para cativar a atenção e o interesse da menor, não aproveita o tempo que dispõe com a menor (fixado no regime provisório), entregando-a mais cedo, sem jantar com ela nos dias em que a recolhe no (...). Justifica ainda o progenitor o não estabelecimento de residência alternada porquanto tal implicaria que durante uma semana a menor vivesse em (...), a 20 minutos dos Remédios d Bretanha, local onde a menor tem as suas raízes, amigos e primos com quem brinca.
Ora, é incontroverso que CH quer manter-se a viver com o pai, em casa dos avós paternos, casa que tem como sua, e onde encontra duas figuras de referência afetivas, em particular a sua avó paterna e a sua prima MR.
Outra coisa não seria de esperar de uma menina de 9 anos de idade criada pela avó paterna, que se assumiu, perante a passividade dos pais, como cuidadora de referência da criança, os quais não lograram se autonomizar enquanto família nuclear da família de origem do progenitor.
Também parece-nos claro e não merecedor de discussão ter o progenitor uma perceção enviesada sobre a benignidade da relação simbiótica que fomenta com a filha (cuja dependência o progenitor fomenta, sem ter clara noção que desta forma instiga sentimentos de insegurança, prejudiciais à autonomia de CH e ao seu são desenvolvimento), revelada na conduta de pernoita com a criança durante anos após a saída da criança do quarto do casal, e na partilha de informação relativa à pendência do presente processo, bem como na conduta verdadeiramente alienante que persiste em adotar, revelada, além dos mais, no relato à menor de situações alegadamente passadas na infância de CH, dos quais se infere a irrelevância da figura materna na vida desta criança como uma realidade normativa.
A postura da progenitora também não é isenta de reparos, a começar pela passividade que foi revelando durante a primeira infância da sua filha perante a conduta alienante perpetrada pela avó paterna e pelo pai da CH, e que perpetua na atualidade ao ceder à resistência da filha em estar consigo, não impondo à criança que tome as refeições consigo e que passe consigo todo o período de tempo previsto no regime provisório do exercício das responsabilidades parentais.
Neste contexto, importa aquilatar se o melhor para a CH é fazer-lhe a vontade, criando condições para que elimine a sua mãe da sua vida e perpetue as perceções de incompetência que vem formando relativamente à mesma, ou se antes importa contrariar a vontade da criança em prol de um bem maior, e através das vivências com cada um dos progenitores integrar ambos na sua história de vida, com base nos momentos partilhados e vividos, e não com base nos relatos de terceiros.
Parece-nos que a segunda opção é a mais correta, ou melhor, é aquela que satisfaz o superior interesse da menor CH de desfrutar as vivências que cada um dos seus progenitores tem para lhe oferecer, evitando que fique órfã de mãe viva, terreno fértil para o crescimento de sentimentos de abandono, os quais são comuns nestas situações, e propícios à instalação de problemas de saúde mental entre os menores de idade, com maior incidência na fase da adolescência.
CH, como qualquer criança, tem direito a ter os seus dois progenitores presentes na sua vida, não deve e não pode crescer longe de um dos progenitores sem que haja um motivo real, concreto, para que assim seja, motivo este que o tribunal não vislumbra.
A mãe tem competências parentais, sabe cuidar de CH, e deve fazer parte da sua vida, em igualmente com a figura paterna.
Destarte, e sem prejuízo da dificuldade de comunicação entre ambos os pais, que importa ultrapassar fazendo intervir o Centro de Terapia Familiar no acompanhamento da presente sentença, ao abrigo do disposto no artigo 40º/6 do RGPTC, pelo período de 6 meses, reconhece-se que a residência/guarda alternada da menor é o único regime que garante o contacto frequente da menor com ambos os pais, e por esta via fomenta o fortalecimento e aprofundamento dos laços afetivos em relação a ambos, vivência que é a que mais se aproxima àquela que a menor teria se os pais vivessem juntos.»
A fundamentação adotada pelo tribunal a quo é bastante assertiva, acutilante e afeiçoada às circunstâncias do caso, merecendo a nossa concordância.
Assim, a argumentação que passamos a expender é, apenas, de reforço e de enquadramento adicional, rebatendo as conclusões do apelante.
No que tange à especial relação da criança com a avó paterna, está provado que:
§ A criança nasceu e cresceu inicialmente na casa dos avós paternos (2);
§ A partir dos cinco meses, a criança ficou aos cuidados da avó paterna, a qual desde o nascimento de CH assumiu um papel de relevo na asseveração dos cuidados à criança, sendo perceção da progenitora que a avó ficava maldisposta quando a mesma tomava a iniciativa de cuidar da filha (10);
§ CH encontra-se exposta a verbalizações (e crenças) do pai e familiares paternos (em especial da avó paterna) acerca da rutura conjugal, do presente processo judicial, mas também sobre a figura materna, o que está a impactar no desenvolvimento das próprias perceções da criança sobre a separação dos pais, sobre a decisão judicial em causa, mas sobretudo, acerca da mãe (22);
§ A avó paterna constitui-se enquanto figura de referência na vida de CH, assumindo responsabilidades inerentes aos pais, mesmo na presença destes, o que colide com a autonomia parental e funcionalidade da dinâmica familiar (36).
Se é certo que é louvável e desejável que as crianças desenvolvam laços de afeto com os avós, já não é recomendável que os avós assumam, desnecessariamente, o papel e a função dos progenitores. Há que saber definir as desejáveis fronteiras entre o que devem e não devem fazer os avós.
Conforme refere Javier Urra, O Pequeno Ditador, Da Criança Mimada ao Adolescente Agressivo, A Esfera dos Livros, p. 185:
« (…) precisa-se de uma educação coordenada, onde os pais marquem os padrões de forma clara, explícita, flexível e coerente. O resto dos atores, sem perder a sua autonomia, têm de cingir-se ao papel que os próprios pais marquem. Se assim não for, a criança ou jovem encontrará frestas para poder atingir  as suas apetências, gerando ao mesmo tempo desavenças entre aqueles que partilham a sua educação.
(…)
Os avós podem e devem visitar a criança com regularidade, pois têm de desempenhar um papel muito importante na vida do pequeno, mas não devem invadir a privacidade dos pais, nem usurpar as suas funções e responsabilidades ou, o que é igual, a situação gratificante que é cuidar e educar.»
«Tendo em atenção o disposto nos art.ºs 1877º, 1878º e 1885º do Código Civil, é sabido que aos avós não cumpre velar pelo exercício das responsabilidades parentais, nem eles estão, pessoal e habitualmente, vocacionados ou preparados para exercer um poder disciplinador, formativo e de guarda dos netos, antes lhes cabendo e normalmente desempenham um “papel afetivo e lúdico, satisfazendo as necessidades emocionais dos netos”, sendo importante o relacionamento familiar de uma criança ou jovem, o que habitualmente lhe proporciona afeto, carinho, conforto, segurança e identificação pessoal e social, com o que se desenvolve a sua personalidade e formação sociomoral e contribui para a moldar, habitual e desejavelmente no bom sentido, donde o teor do citado artº. 1887º-A do Código Civil, no sentido de os pais não poderem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes» (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7.4.2022, Cristina Cerdeira, 1369/21) (sublinhado nosso).
«"Os avós têm em relação aos netos um papel complementar ao dos pais, embora de natureza diferente. Enquanto que os pais assumem uma função predominantemente de autoridade e de disciplina em relação aos filhos, o papel dos avós é quase exclusivamente afetivo e lúdico, satisfazendo a necessidade emocional da criança de se sentir amada, valorizada e apreciada"» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.1997, Silva Paixão, 98A058).
Os avós podem funcionar como verdadeiras fontes de transmissão de conhecimentos, vivências, afetos e formas diferenciadas de ver o mundo, o que servirá de lastro enriquecedor para o desenvolvimento, formação e bem-estar dos seus descendentes (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de. 4.10.2018, Arlindo Crua, 195/15).
Ora, além de invadir a esfera de atuação específica dos pais, a avó cria condições para dificultar a relação da criança com a mãe porquanto expõe a menor a verbalizações sobre a rutura da relação dos pais, o que está a impactar no desenvolvimento das próprias perceções da criança sobre a separação dos pais, sobre a decisão judicial em causa, mas, sobretudo, acerca da mãe (22).
A conduta da avó é censurável, não contribui para o desenvolvimento equilibrado e saudável da criança, sendo também criticável a permissividade dos progenitores (sobretudo do pai) ao permitir esta centralidade da intervenção da avó.
No que tange à argumentação do apelante no sentido de que a mãe demonstrou pouca vontade em cuidar da criança, tendo uma postura ausente e desinteressada, tal argumentação não tem suporte factual no elenco dos factos provados, pelo contrário (cf. factos 25 e 26).
Quanto à argumentação assente na vontade da criança (a vontade expressa pela criança é a de excluir a mãe do seu núcleo familiar; a criança tem resistência em estar com a mãe, tem uma relação de animosidade com a mãe; não tendo o tribunal a quo respeitado a vontade da criança), haverá que ponderar o seguinte.
A lei prevê que a criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, seja ouvida pelo tribunal (Artigos 4º, nº1, al. c), 5º, nº1, e 35º, nº3, do RGPTC).
Todavia, a opinião/vontade da criança não é vinculativa para o tribunal pois, se assim fosse, a criança seria juiz em causa própria. Assim, acompanhamos sem reservas a seguinte jurisprudência:
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.7.2021, Nélson Borges Carneiro, 14658/17:
A expressão “sendo a sua opinião tida em consideração” (constante do nº 1, do art.º 5º, do RGPTC) deve ser interpretada no sentido de impor ao julgador a ponderação dos pontos de vista e argumentos da criança, sem que o mesmo fique vinculado a decidir de acordo com a opinião da criança.
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15.12.2022, Maria João Sousa e Faro, 838/16:
1. Apesar da vontade manifestada pelo menor dever ser sopesada na regulação das responsabilidades parentais, a mesma não deve ser determinante nessa decisão se se revelar ser apenas justificada pela ânsia de ter mais liberdade junto de um dos progenitores e se sobretudo não se mostrar firme e consistente.
2. Nem sempre o que se revela melhor para a defesa dos interesses do menor é coincidente com a sua vontade.
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.9.2021, Paulo Reis, 3470/14:
O artigo 5.º do RGPTC, ao reafirmar, no seu n.º 1, o direito da criança a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse impõe ao julgador a valoração efetiva das declarações prestadas pela criança, ainda que atendendo, em conjunto, a todos os fatores relevantes que são determinantes na prossecução do seu superior interesse, não esquecendo a ponderação crítica da opinião revelada pela criança em função da sua idade, da maturidade revelada, bem como da relevância dos motivos ou das razões apresentadas pela criança na exposição das preferências ou opiniões manifestadas. / - Cabe ao julgador refletir e valorar criticamente a vontade expressamente transmitida pela criança através da respetiva audição, tendo como limite e critério orientador a prossecução de outros direitos ou princípios essenciais, entre os quais o do superior interesse da criança, o qual pode não coincidir integralmente com a opinião manifestada.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2022, Inês Moura, 2572/12:
Levar em consideração a opinião expressa pela criança na decisão de questões que lhe dizem respeito, não significa que seja a criança a decidir, ficando o tribunal vinculado a seguir aquilo que a mesma manifesta querer, até porque, em muitos casos, a afirmada opinião da criança ou do jovem não se apresenta como livre e esclarecida, mas antes condicionada e influenciada ainda que inconscientemente, podendo também estar sedimentada numa limitada perceção ou conhecimento dos factos, podendo a decisão que vai ao encontro do superior interesse da criança não corresponder àquilo que ela manifesta querer quando ouvida em tribunal.
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.9.2019, Alcides Rodrigues, 510/17:
O Tribunal não está necessariamente vinculado à opinião e vontade da criança, competindo-se fazer uma ponderação casuística a fim de indagar o superior interesse da criança, o que poderá determinar a imposição de uma decisão mesmo contra a vontade manifestada pela criança.
No caso em apreço, a relevância que o apelante pretende atribuir à vontade da criança é, desde logo, completamente infirmada pelos seguintes factos que se encontram provados (e que não foram objeto de impugnação em sede recursória):
19. - CH é uma criança de 9 anos, não possuindo a maturidade exigida para uma tomada de decisão sobre a fixação da sua residência e partilha dos seus tempos com as figuras parentais.
20. - É capaz de expressar a sua opinião e manifestar a sua motivação com clareza, contudo, as suas perceções estão influenciadas pelas suas vivências atuais e passadas e pelo desejo de corresponder às expetativas existentes sobre a própria, carecendo de capacidade de se projetar no futuro e identificar e avaliar as variáveis necessárias à tomada de uma decisão na matéria em causa.
Acrescendo que a criança “adota as perceções do pai como suas, sustentando com estas a vontade de fixar residência junto do pai” (facto 23).
Em suma, a perceção e opinião da criança estão completamente enviesadas pela influência do núcleo familiar do pai, sendo ainda que não possui a maturidade exigida para uma tomada de decisão sobre a fixação da sua residência.
A relevância que o apelante pretende atribuir à opinião da criança constitui mais um indício de que o pai (e também a mãe) atribui(em) são demasiadamente pressurosos a satisfazer os desejos e opiniões da menor, procurando obviar a que a criança lide com situações (temporariamente) adversas. Constituem indícios dessa postura também os factos provados sob 5 (“o seu progenitor, por regra, passou a dormir com ela, na mesma cama, situação que se manteve até à separação do casal”), 6 (“quando dorme em casa da mãe, partilha com esta o mesmo quarto”), 30 (“figura paterna confirma a partilha de alguns pormenores processuais junto da filha”), 44 (“A progenitora aos domingos entrega a menor no início da tarde, e não à hora consta do atual regime provisório – 21 h, por insistência da filha”) e 45 (“Também por recusa da filha, durante a emana a progenitora não lancha em janta com aquela”).
Esta postura dos pais não é correta nem sedimenta o são desenvolvimento da criança e a sua maturidade.
Conforme refere Javier Urra, O Pequeno Ditador, Da Criança Mimada ao Adolescente Agressivo, A Esfera dos Livros, pp. 123-124:
«Há que ensinar os filhos a aceitar as situações que os incomodam e desagradam, a conviver com alguns fracassos.
O êxito é efémero, a felicidade completa não pode ser garantida. Mostremos aos nossos descendentes como crescer pessoalmente a partir do que nos quebra e põe em dúvida a nossa segurança e equilíbrio. Aceitar e enfrentar frustrações forja uma personalidade mais sã, equilibrada e madura.
“Deverão os pais satisfazer todos os pedidos das crianças e aceitar todos os seus protestos? Não. Satisfazer todos os pedidos das crianças torna-as insaciáveis; conter os seus protestos, torna-as negociáveis. Ao manifestarem todos os seus desejos junto dos seu pais, dão-lhes a entender que não fazem cerimónia com eles. Ao terem um desejo ilimitado, não poupam os pais da sua função de arrumarem os desejos das crianças, criando-lhes regras que os pais sintam ter a ver com aquilo que é razoável para o desenvolvimento delas. É, então, saudável que os pais digam “com todas as letras”, “não” às crianças? É. Porque se estivermos atentos, facilmente reparamos que, quando as crianças sentem convicção no “não” dos pais, não exageram demais e tentam chegar a um acordo.” (Sá 2000).»
Em sentido confluente, Maurice J. Elias, Brian S. Friedlander e Seven E. Tobias, Os Pais e a Educação Emocional, Pergaminho, p. 55 afirmam:
«Como é que demonstramos aos nossos filhos que nos preocupamos? Paradoxalmente, não é dando-lhes tudo o que eles querem, ou com desvios constantes no nosso caminho para fazermos coisas para os meninos. Na verdade, quando os pais não sabem estabelecer limites para os filhos, as crianças acabam por pensar que eles não se preocupam com elas. Apesar de nunca o manifestarem, as crianças necessitam que os adultos estabeleçam limites e linhas de orientação. Precisam que os adultos sejam adultos, e isso implica que assumamos a responsabilidade pelo bem-estar dos nossos filhos, que tomemos decisões e façamos opções com base na nossa sabedoria, na nossa experiência e nos nossos valores. Todos os pais têm de ter alguns pontos que não são negociáveis, especialmente quando os filhos entram na fase adolescente e têm de enfrentar decisões que podem consequências graves.»
É também de censurar a atitude do pai que, de forma mais ou menos consciente, adota comportamentos que contribuem para que a criança construa uma imagem negativa e fragilizada da mãe (cf. factos provados sob 22, 24, 27, 28, 29, 30, 31, 32). Tal comportamento tem de ser revertido.
Javier Urra, O Pequeno Ditador, Da Criança Mimada ao Adolescente Agressivo, Esfera dos Livros, pp. 81-83, escreve pertinentemente:
«[Os pais] Devem explicar-lhe que os dois vão continuar a gostar dele, que não vai perder nenhum deles, e devem dar-lhe confiança no futuro. Devem erradicar qualquer utilização da criança como emissário de mensagens hostis. Devem ser realmente pais, o que é muito diferente de ter apenas filhos. Têm de superar as tempestades emocionais ou impedir que choquem contra a débil e inocente estrutura das crianças. Os pais, unidos ou separados, continuam a sê-lo e são obrigados a manter relações cordiais entre eles e afetuosas com os filhos.
(…)
A criança precisa – requer – de tempo para aceitar mudanças que ela não provocou.
É significativo que os pais não entendam a reação dos filhos: se estes são muito pequenos sentem-se culpados da crise, se são um pouco mais crescidos mostram-se muitos zangados com os pais, por não os terem tido em conta, e consigo mesmos. Quando se trata de adolescentes, o posicionamento negativo perante a decisão da separação dos adultos, que tanto surpreende os pais, é também absolutamente lógico, pois é nessa idade que mais precisam de segurança e equilíbrio.
Os pais podem contribuir para uma boa adaptação dos filhos à nova realidade familiar que é criada depois da separação. É preciso que as duas figuras parentais mantenham boas e continuadas relações com eles, pois isto incide em grande medida na sua estabilidade, assim como não perder a função parental, correspondendo às suas necessidades sempre que estes o requeiram.
Transmitir respeito e aceitação em relação ao outro progenitor, que a criança sinta que pode falar com liberdade de um com o outro e com o resto da família. Mostrar habilidade para negociar e resolver com êxito os problemas relacionados com os filhos.
Manter os filhos à margem dos processos legais.
Perante situações de maus tratos físicos ou emocionais, adotar posturas tanto a nível pessoal como legal que transmitam segurança e proteção ao filho.
(…)
A separação, o divórcio, é uma decisão de adultos, que nenhum deles esqueça ou impeça que a criança continue a ser criança.»
A invocada má relação da criança com a mãe, não tendo uma relação afetiva segura com a mãe (conclusões 4, 5, 8) advém também desta postura negativa e desconstrutiva adotadas pelo pai e pela avó paterna (cf. supra). Mais do que sancionar ou castigar os progenitores pelas condutas pretéritas mal conseguidas, há que criar condições para um futuro desenvolvimento são e equilibrado da criança, beneficiando da presença positiva e construtiva de ambos os progenitores.
Finalmente, no que tange à argumentação do apelante estribada no superior interesse da criança (que deve atender ao entendimento das crianças com os progenitores, à proximidade afetiva com cada um deles, ao bem-estar da criança nas residências de ambos e aos sentimentos que a criança manifesta para com os pais), tal argumentação é enviesada e, mais uma vez, assenta numa lógica de obtenção de  gratificação imediata da criança, critério que não é de acolher (cf. supra), sendo que os sentimentos que a menor manifesta pela mãe decorrem também das condutas censuráveis do pai e da avó (cf. supra).
O superior interesse da criança não deve ser apreciado segundo critérios subjetivos da vontade dos pais ou da própria criança (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de. 11.10.2018, Gabriela Cunha Rodrigues, 27942/12).
No que tange à primazia do interesse da criança, «(…) o interesse da criança é o núcleo duro que o legislador estabelece como o denominador intransponível nas decisões relativas à vida de uma criança sendo o pressuposto de qualquer decisão, e integrar tendo em conta a sua vida, os seus interesses e as consequências das opções e decisões, tendo em conta o seu desenvolvimento, identidade e dignidade» (Marisa Almeida Araújo, “A pluriparentalidade - O direito à convivência”, in Lex Familiae, Ano 16, N.º 31-32 (2019), p. 131). Segundo o Comentário geral n.º 14 (2013) do Comité dos Direitos da Criança sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja tido primacialmente em consideração, p. 17, «O conceito do interesse superior da criança é, portanto, flexível e adaptável. Deverá ser ajustado e definido numa base individual, em conformidade com a situação específica da criança ou das crianças envolvidas, tendo em conta o seu contexto, situação e necessidades pessoais. Nas decisões individuais, o interesse superior da criança deve ser avaliado e determinado à luz das circunstâncias específicas da criança em particular. Nas decisões coletivas – tais como as que emanam do legislador – o interesse superior das crianças em geral deve ser avaliado e determinado à luz das circunstâncias do grupo específico e/ou das crianças em geral.» O superior interesse da criança integra uma orientação para o julgador perante o caso concreto «no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como sujeito de direito, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.1.2017, Madeira Pinto, 2055/16).
Integra o superior interesse da criança o seu desenvolvimento na presença assídua da mãe, mantendo com esta uma relação gratificante, sendo que a mãe tem capacidade para assumir tal papel e função (cf. factos provados sob 25, 26, 33 e 34).
Nos termos do Artigo 1906º do Código Civil:
1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o Tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou a progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente poder exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 - O Tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 - Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
7 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
8 - O Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
9 — O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível”.
A questão da residência alternada tem vindo a ser objeto de larga análise na doutrina e na jurisprudência, havendo argumentos a favor deste regime e argumentos que o questionam.
A favor da instituição de regime com residência alternada do menor são aduzidos os seguintes argumentos.
Jorge Duarte Pinheiro, Estudos de Direito das Famílias e das Crianças, AAFDL Editora, 2015, pp. 338-339, defende que a regra deve ser a concessão a cada um dos progenitores de igual tempo de contacto ou residência, com o filho, e a atribuição da titularidade do exercício de todas as responsabilidades parentais a cada um dos progenitores que estiver, e enquanto estiver, com o filho, indicando as seguintes quatro fortes razões em abono do exercício alternado das responsabilidades parentais: 1. É um modo de tentar dar à criança dois pais em vez de um só ou de um meio; 2. É uma forma de organização que contribui para criar uma cultura autêntica de partilha das responsabilidades entre os pais; 3. É a modalidade que satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores, imposto pelos Artigos 36º, nº 5 e 13º da CRP e pelo Artigo 18º da Convenção Sobre os direitos da Criança; 4. É a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (Artigo 36º, nº 6, da CRP).
«A residência alternada permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, reconhecendo as suas diferenças e limitações bem como o valor do papel de cada para com a criança. Esta diferença clara e coerente de papéis materno e paterno é fundamental para o saudável crescimento dos filhos pois permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da sua identidade pessoal» - Ana Vasconcelos, “Do cérebro à empatia. Do divórcio à Guarda Partilhada com Residência Alternada”, in A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança, Tomo I, julho 2014, Ebook CEJ, p. 10.
Segundo um estudo de Edwark Kurk, “Arguments for na Equal Parental Responsibility Presumption In Contested Child Custody”, in The American Journal of Family Therapy, Volume 40, 2012, pp. 33-55, constituem argumentos que legitimam a imposição da residência alternada:
1. Preserva a relação da criança com ambos os pais.
2. Preserva a relação dos pais com a criança.
3. Diminui o conflito parental e previne a violência na família.
4. Respeita as preferências da criança e a opinião da mesma acerca das suas necessidades e superior interesse.
5. Respeita as preferências dos pais e a opinião dos mesmos acerca das necessidades e superior interesse da criança.
6. Reflete o esquema de cuidados parentais praticado antes do divórcio;
7. Potencia a qualidade da relação progenitor/criança;
8. Reduz a atenção parental centrada na “matematização do tempo” e diminui a litigância;
9. Incentiva a negociação e a mediação interparental e o desenvolvimento de acordos do exercício das responsabilidades parentais;
10. Proporciona guidelines claras e consistentes para a tomada de decisão judicial;
11. Reduz o risco e a incidência da “alienação parental”,
12. Permite a execução dos regimes de exercício das responsabilidades parentais, pela maior probabilidade de cumprimento voluntário pelos pais.
13. Considera os imperativos de justiça social relativos aos direitos da criança;
14. Considera os imperativos de justiça social relativos à autoridade parental, à autonomia, à igualdade, direitos e responsabilidades;
15. O modelo “interesse superior da criança/guarda e exercício unilateral” não tem suporte empírico;
16. A presunção legal de igualdade na guarda e exercício das responsabilidades parentais em suporte empírico.
Analisando quarenta estudos realizados a nível internacional, Linda Nielsen, “Custódia física partilhada. 40 estudos sobre os seus efeitos nas crianças”, in Sofia Marinho e Sónia Vladimira Correia, Uma Família Parental, Duas Casas, Edições Sílabo, 2017, p. 67, afirma:
«De modo geral, os 40 estudos chegaram a várias conclusões semelhantes. Em primeiro lugar, a custódia física partilhada está associada a melhores resultados de crianças de todas as idades ao longo de um amplo espetro de indicadores de desempenho e bem-estar emocional, comportamental e de saúde física. Em segundo lugar, não foram encontradas evidências de que as dormidas na casa do pai e custódia física partilhada estejam associadas a desempenhos negativos dos bebés e das crianças pequenas. Em terceiro lugar, quando as crianças têm um mau relacionamento com o pai os resultados não são tão positivos. Em quarto lugar, mesmo que tendencialmente os progenitores com custódia física partilhada tendam a ter rendimentos mais elevados e a manterem relações com menor conflito, estes dois fatores isolados não explicam os melhores desempenhos das crianças. E, por fim, ainda que a maioria das crianças em custódia física partilhada admita que viver em duas casas pode ser, por vezes, complicado, muitas sentem que os benefícios superam de longe os possíveis inconvenientes.»
Daniel Sampaio, Dá-me a Tua Mão e Leva-me, Como Evoluiu a Relação Pai-Filho, Caminho, 2ª ed., 2020, pp. 146-147, analisa a questão nestes termos:
«Conhecem-se hoje diversas vantagens no modelo de residência partilhada. A principal é a de que, deste modo, mantemos as relações familiares semelhantes às do momento pré-divórcio, porque os relacionamentos com o pai e a mãe se aproximam dos da família intacta. Este esquema leva a um diálogo entre os progenitores, embora em muitos casos seja difícil e feito apenas por e-mail (muitas vezes para “fazer processo” e mais tarde apresentar em tribunal), porque é necessário fazer acordos e negociar diversos aspetos da vida dos filhos. Os conflitos de lealdade que muitos jovens mostram (devo estar mais com a minha mãe ou o meu pai vai ficar aborrecido?) tendem a desparecer com a organização dos tempos em família e a igual importância dos pais na vida dos mais novos. Finalmente, a residência partilhada permite algum espaço individual a cada um dos pais, nos tempos em que estão sozinhos, o qual pode ser importante sobretudo quando aparecem novas relações afetivas.
Quem não concorda com a residência partilhada argumenta que este regime só pode ser decretado nos casos em que o conflito entre os progenitores se reduziu ao mínimo, porque a manter-se a zanga ela seria ativada nas inevitáveis combinações do quotidiano. Não é essa a minha experiência, antes pelo contrário: nos caos em que tenho tido intervenção terapêutica, este regime atenua o conflito, pela razão simples de que “ninguém ganha” e a criança se “divide” entres os pais.
(…)
Na residência partilhada a criança convive com ambos os pais e essa constância de relacionamento permite um conhecimento mais direto e íntimo de cada um, o que torna a eventual influência negativa [reportando-se às práticas alienantes familiares] menos intensa.»
Neste âmbito, merecem destaque as ponderosas e exaustivas considerações tecidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.4.2018, Ondina Alves, 670/16:
«As vantagens são inequívocas, porquanto além de eliminarem os conflitos, reduzem os efeitos do impacto da separação dos pais nas relações parentais, e nas que se estabelecem entre os progenitores e os respetivos filhos, com a envolvência direta e conjunta de ambos os pais, fortalecendo assim a atividade e os laços afetivos entre os filhos e os pais e reforçando, por esta via, o papel parental – cf. neste sentido Ac. TRL de 28.06.2012 (Pº 33/12.4TBBRR.L1-8), citando Waldir Grisard Filho,  “Novo Modelo de Responsabilidade Parental” São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000. e ainda MARIA ALICE ZARATIN LOTUFO, A guarda e o exercício do direito de visita, Revista do Advogado, São Paulo, n. 91, maio, 2007, 93-102, acessível em https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/servicos/revista_advogado/paginaveis/91/index.asp#/93/zoomed.
 A residência alternada pode, portanto, ser mais benéfica para o menor que a residência exclusiva com um dos progenitores, porquanto aquela será a que está mais próxima da que existia quando os pais viviam na mesma casa, já que a criança continuará a estar com ambos os pais por períodos prolongados e equivalentes, com ambos estabelecendo relações de maior intimidade.
Com efeito, a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias e não se sentirá uma “visita” quando está com o outro progenitor e restantes pessoas do seu agregado familiar, mantendo em ambos os lares um «espaço» próprio para a criança e não um espaço sentido por ela sentido como «provisório» ou considerado como tal pelos outros elementos do agregado familiar.
Acresce que a igualização dos direitos e responsabilidades dos pais diminui a conflitualidade e encoraja a cooperação entre estes, uma vez deixa de haver um perdedor e um vencedor, o que reduz a tentativa de denegrir a imagem um do outro através de acusações mútuas. Por outro lado, mesmo que num período inicial subsista alguma conflitualidade entre os pais estes tendem, com a passagem do tempo, a ultrapassarem os seus conflitos, adaptando-se à nova situação e relacionando-se de uma forma pragmática.   
(…)
Conclui-se, portanto, que o regime de residência singular impede que o exercício das responsabilidades parentais, após a separação, possa ser o mais possível próximo de quando vigorava a união do casal, tanto mais que a permanência continuada da criança com apenas um dos progenitores implica, geralmente, que a separação dos pais tenha como consequência também a separação dos filhos daquele progenitor com quem apenas está durante o período estabelecido para as respetivas visitas.
Pelo contrário, na residência alternada estabelece-se uma relação próxima da criança com ambos os progenitores, sendo unanimemente aceite que a vinculação afetiva se constrói no dia-a-dia. Entre os pais e a criança tem de existir uma proximidade física que possibilite uma interligação afetiva real e consistente, sob pena de os laços já existentes se desvanecerem e os ainda inexistentes nunca chegarem a acontecer.
A residência alternada e a proximidade dos pais com os filhos, após a separação, é mais suscetível de minimizar os efeitos negativos da separação e pode constituir um fator inibidor de que o progenitor não residente se acomode e delegue no outro progenitor a responsabilidade pela educação e acompanhamento dos filhos, mesmo que o exercício das responsabilidades parentais seja conjunto. E, através da diminuição do sentimento de perda na sequência dessa separação pode, com grande probabilidade, levar a uma diminuição da conflitualidade entre os progenitores.             
 Este regime tem, pois, como vantagens a maior proximidade entre a criança e cada um dos pais e o facto de a criança não ter de escolher um pai em detrimento do outro, para além de que os pais também não se sentem privados dos seus direitos, permitindo a continuação das responsabilidades de ambos, suscetível de criar um forte vínculo emocional de pais e filhos e o bom desenvolvimento da criança, já que a segurança nas crianças está ligada à resposta imediata em situações de stress, com carinho e envolvimento, pelo que a capacidade de manter padrões de comportamento faz crescer nas crianças sentimentos de respeito, maturidade e autoestima positiva.»
Ainda na jurisprudência, é enfatizado que a residência alternada permite equilibrar o princípio da igualdade dos progenitores e o superior interesse da criança (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.6.2019, Ana Rodrigues da Silva, 29241/16), sendo o instituto com melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.1.2017, Rosa Coelho, 954-15).
A doutrina e jurisprudência, que se pronunciam contra a residência alternada dos menores em caso de divórcio, invocam a seguinte ordem de argumentos: possibilidade de causar instabilidade à criança; constitui uma fonte de insegurança e de problemas de adaptabilidade; compromete a continuidade e unicidade da educação; é uma situação muito difícil e exigente para a criança; promove a hostilidade entre os progenitores (cf. Joana Salazar Gomes, O Superior Interesse da Criança e as Novas Formas de Guarda, UCP, 2017, pp. 75-80, 85-88; Pedro Raposo de Figueiredo, “A residência alternada no quadro do atual regime de exercício das responsabilidades parentais- A questão (pendente) do acordo dos progenitores”, in Julgar, nº 33, pp. 96-98; Maria Perquilhas, “O exercício das responsabilidades parentais: a residência partilhada (alternada): consensos e controvérsias”, in Divórcio e Parentalidade: Diferentes Olhares: do Direito à Psicologia, 2018, p. 69).
Obtemperando à objeção da instabilidade, acompanhamos o raciocínio do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2.11.2017, Eugénia Cunha, 996/16, quando aí se afirma que: «Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas.» Conforme refere Maria Teresa Bigote Chorão, O Superior Interesse da Criança e a Fixação da Residência Alternada em Caso de Divórcio, 2019, p. 35, «(…)  note-se que qualquer que seja o regime, parece-nos inevitável que se crie esta instabilidade na vida da criança com o divórcio, dado que sempre implica uma alteração radical nos seus moldes de vida.» Refere ainda que: «[o] habitual discurso sobre as desvantagens e os malefícios para a criança do “andar para lá e para cá” deve ser ponderado face aos objetivos de assegurar a continuidade da implicação materna e paterna e da cooperação parental» (p. 33).
Também não acompanhamos a argumentação no sentido de que este regime promove a hostilidade entre os progenitores. Além do que já foi mencionado supra (nomeadamente o texto de Daniel Sampaio), acompanhamos o Acórdão do Tribunal da Relação de  Lisboa de 6.2.2020, Pedro Martins, 6334/16, quando aí se afirma que: «Cremos ainda não poder dizer-se, sem mais, que a guarda/residência alternada fomenta o conflito entre os progenitores; ao invés, cremos que pode até concorrer para desvanecer os conflitos eventualmente existentes, pois que, com ela, nenhum deles se sentirá excluído ou preterido no seu direito de se relacionar com o filho e de participar ativamente, em termos práticos e psicológicos, no seu desenvolvimento como ser humano, sendo sabido que o progenitor “preterido”, movido pelo sentimento de exclusão que a maioria das vezes o assola, é levado a deixar de cumprir as suas obrigações parentais.»
 Acresce que, conforme referem Sofia Marinho e Sónia Vladimira Correia, Uma Família Parental, Duas Casas, Edições Sílabo, 2017, p. 257, «Ao invés da residência única, a residência alternada fomenta equilíbrios no desenvolvimento dos dois progenitores na parentalidade, pois permite não só que ambos tenham influência e responsabilidades sobre os cuidados e a educação de filhos e filhas no quotidiano, como também que ambos sejam autónomos e independentes no exercício da parentalidade. Nesta medida, esta é também um instrumento apaziguador de disputas sobre qual o progenitor que melhor serve o bem-estar da criança. (…) quando se favorece o envolvimento parental dos dois progenitores não é necessária uma relação de amizade para que ambos exerçam plenamente a sua parentalidade, pois ao contrário do que acontece na residência única não se atribui a um dos progenitores o poder de incluir ou excluir o outro da vida das crianças. Neste quadro, a concertação de atividades e de decisões entre progenitores ocorre em maior ou menor grau tanto numa relação em que o consenso é fácil como numa relação em que é difícil.»
No caso em apreço, afigura-se-nos que o regime instituído com residência alternada é adequado e constitui uma solução que: cria condições para corrigir erros do passado (cf. supra); sedimenta um desenvolvimento mais equilibrado e saudável da criança; diminui a conflituosidade entre os progenitores em prol da criança; garante a paridade dos progenitores na vida da criança, essencial ao seu desenvolvimento. Os progenitores mantêm um relacionamento e comunicação suficientes para sedimentar o regime, não vivem a grande distância da escola e têm uma situação profissional estável. Não há nenhum óbice irremovível a que o regime instituído frutifique.
O regime pretendido pelo apelante, a ser deferido, constituiria um meio expedito de perpetuar os erros do passado na educação da criança e na privação do papel efetivo da progenitora.
É certo que, numa fase inicial, poderão existir dificuldades. Nesse sentido, a decisão impugnada é previdente e cautelosa ao impor o acompanhamento inicial da EMAT (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.7.2018, Margarida Sousa, 1138/13).
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art.º 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 14.3.2023
Luís Filipe Sousa
José Capacete
Carlos Oliveira
                                              
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).