RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO
BANCO
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
INCUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário


I - A ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada ao autor sobre as características do produto que estava a apresentar-lhe, designadamente, que tinha as mesmas garantias de um depósito a prazo e lhe daria um maior rendimento e que o reembolso do capital era garantido.
II - Configura uma informação não verdadeira, a afirmação do gestor de cliente quando refere que era um produto cujo capital investido era garantido.
III - Está demonstrada a essencialidade da informação omitida pela ré sobre a decisão de o autor de investir nas “Obrigações”, em abril de 2006, pois o autor não investiria se conhecesse as características do produto.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA propôs a presente ação declarativa de processo comum contra Banco BIC Português, S. A., peticionando, em síntese, a condenação do Réu a restituir-lhe a quantia de €50 000,00 (cinquenta mil euros) de capital, bem como os juros moratórios à taxa legal para as obrigações civis sobre aquele capital, desde 15/10/2014 até integral pagamento, bem como a liquidação por danos morais a liquidar em execução de sentença, mas nunca inferior a €10 000,00 (dez mil euros).

Para fundamentar as suas pretensões, o Autor alegou, em síntese, que por ser cliente do Réu BPN, na sua agência de ..., foi proposto pelo seu gestor de conta a aplicação de parte do seu rendimento, o que fez no montante de 50.000 EUR, sendo que nos preliminares do contrato celebrado foi dito ao Autor pelo Banco Réu, através do seu funcionário, que a aplicação financeira era segura com retorno de capital garantido, em tudo semelhante a um depósito a prazo, com uma taxa de juro ligeiramente superior. Àquele não foi dado a conhecer o tipo de produto em causa e as condições da aplicação financeira, tão-pouco tendo recebido qualquer nota informativa ou informação relativa à entidade emitente.

Após a nacionalização do BPN não lhe foi devolvido o capital investido apesar das suas diversas solicitações junto do banco Réu.

2. Contestou a Ré, excecionando a prescrição do direito de crédito exercido pelo Autor, por força do disposto no artigo 324º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários e impugnou a maior parte da factualidade articulada pelo Autor, alegando que o subscritor foi devidamente informado, tendo sido apresentada as condições do produto, prazo e remuneração, tendo sido esclarecido que não se tratava de um depósito a prazo ou algo semelhante, concluindo pela total improcedência da ação.

3. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “: Atento o exposto, julgo a ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência, decide-se:

a) condenar o Réu, “Banco BIC Português S.A.”, a satisfazer ao Autor, AA, a quantia de €50.000,00, acrescida de juros à taxa legal das obrigações civis, vencidos desde 15/10/2014 e vincendos até integral pagamento.

b) condenar o Réu, “Banco BIC Português S.A.”, a satisfazer ao Autor, AA, a quantia de €2.500,00, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a presente data até integral pagamento.

c) absolver o réu do demais peticionado”.

4. Inconformado com esta decisão, a Ré interpôs recurso de apelação, tendo impugnado, também, a matéria de facto.

5. O Tribunal da Relação do Porto veio a julgar o recurso improcedente, e confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, sem voto de vencido, e com a mesma fundamentação, tendo mantido os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal de 1ª instância.

6. Inconformada de novo, a Ré veio interpor recurso de revista excecional, invocando o disposto nas alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, recurso que foi admitido pela Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, formulando as seguintes (transcritas) conclusões (excetuadas as que se reportavam à questão da admissibilidade do recurso de revista):

1.ª (9) Não entende o Recorrente a razão de ser de o Acórdão em crise referir que, que o Banco Réu não chegou: “...a pôr em causa o principal fundamento da sua condenação, ou seja, o ilícito contratual correspondente ao incumprimento da obrigação de reembolso por si assumida perante o Autor, seu cliente.”.

2.ª (10) Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica – seja ela qualquer for - de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou!

3.ª (11) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

4.ª (12) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

5.ª (13) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

6.ª (14) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

7.ª (15) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

8.ª (16) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

9.ª (17) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

10.ª (18) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

11.ª (19) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

12.ª (20) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

13.ª (21) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

14.ª (22) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospecto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento!

15.ª (23) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

16.ª (24) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

17.ª (25) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

18.ª (26) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

19.ª (27) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

20.ª (28) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

21.ª (29) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a. a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b. b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c. c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d. d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

22.ª (30) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

23.ª (31) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

24.ª (32) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

25.ª (33) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

26.ª (34) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

27.ª (35) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

28.ª (36) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

29.ª (37) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

30.ª (38) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

E conclui “pela revogação da douta decisão recorrida e a sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido”.

7. O Recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

8. A instância veio a ser suspensa até ao julgamento para uniformização de jurisprudência.

9. Foi proferido Acórdão pelo Pleno das Secções Cíveis no processo n.º1479/16...., que transitou em julgado.

10. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Ré, mais concretamente, a verificação da ilicitude.


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. O Autor era cliente do Réu, na agência de ..., onde movimentava parte do dinheiro, realizava pagamentos e efectuava poupanças.

1.2. Em 15/10/2004, o Autor foi contactado pelo gestor de conta do Réu da agência de ..., referindo-lhe que tinha um produto em tudo igual a um depósito a prazo, com melhor taxa de juro.

1.3. O Autor, como era do conhecimento do referido gestor de conta do Réu, não possui formação técnica e nem conhecimentos de produtos financeiros, sendo que o que sempre fez foi efectuar aplicações seguras, sem risco do seu dinheiro.

1.4. O dito gestor de conta referiu ao Autor que confiasse, pois o capital era garantido e que podia proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos.O Autor, em Abril de 2006, detinha um depósito a prazo no montante de €150.000,00 (Cento e Cinquenta Mil Euros).

1.5. Tendo garantido ao Autor o retorno pelo BPN dos valores aplicados;

1.6. O mesmo era referido por todos os funcionários do Banco Réu, incluindo o gerente daquela agência, que afirmavam tratar-se de um produto em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido e remunerado com juros à taxa acordada.

1.7. Em 15 de Outubro de 2004, o Autor subscreveu a obrigação SLN 2004 Rendimento Mais, no valor de 50.000,00€, assinando o boletim de subscrição, junto a fls. 30.

1.8. Até 15/10/2014 foram pagos pontualmente os juros à taxa contratada.

1.9. O Réu fez aquela aplicação dos € 50.000,00 em dinheiro sem o consentimento e conhecimento do Autor e sem qualquer ordem de aplicação ou contrato, sem nunca lhe ter sido entregue qualquer nota informativa ou informação relativa à entidade emitente, qualquer contrato de tal produto e muito menos a ficha técnica das ditas obrigações ou nota informativa.

1.10. Até 15/10/2014, o Autor desconhecia o que eram e o que representavam as obrigações ali aludidas.

1.11. O Autor nunca esteve ciente que o produto em causa envolvia risco e nem nunca tal lhe foi referido.

1.12. Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gestor de conta e demais funcionários do Réu e sempre esteve convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, como lhe havia sido garantido pelo banco Réu;

1.13. O Réu sempre assegurou ao Autor que tais produtos eram em tudo iguais a um depósito a prazo, com as mesmas garantias;

1.14. Razão pela qual, o Autor se convenceu que tinha aplicado o seu dinheiro num produto similar a um depósito a prazo, garantido integralmente pelo Banco Réu.

1.15. Na ocasião referida no ponto 7, o Autor não conhecia o ali referido produto financeiro;

1.16. E nunca quis adquiri-lo.

1.17. E nunca o gestor de conta ou funcionários do Réu, nem ninguém, leu ou explicou ao Autor o que eram obrigações SLN Rendimento Mais 2004;

1.18. Com a sua actuação, o Réu colocou o Autor num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro;

1.19. O Autor recebia um extracto mensal.

2.  E deram como não provados os seguintes factos:

2.a. O Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu sempre de acordo com a vontade do Autor e com as instruções recebidas do mesmo.

2.b. No extracto mensal a que se alude no ponto 19 apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos e do qual constavam as obrigações em causa.

2.c. O Autor tinha perfeito conhecimento da característica do produto – Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 – o serem emitidas por um prazo de 10 anos, não sendo permitido o reembolso antecipado da emissão por iniciativa dos obrigacionistas.

2.d. O Autor foi ainda informado de que a única forma do investidor liquidar este tipo de produtos, de forma unilateral e antecipada, seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.

2.e. O Autor bem compreendeu estas condições.

3. Da verificação da responsabilidade civil da Ré

No Acórdão recorrido entendeu-se que estavam demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.

A Ré insurge-se contra o assim decidido, colocando em causa, essencialmente, a verificação da ilicitude (por, no seu entendimento, não se ter verificada a violação dos seus deveres de informação).

Vejamos.

No caso presente, pretende-se apurar da responsabilidade civil da Ré, como intermediário financeiro: o BPN comercializou junto dos seus clientes como produtos bancários obrigações em que foi emitente a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (SLN 2004 Rendimento Mais: obrigações subordinadas, no valor de €50 000,00 cada uma)

- cf. artigos 289.º, n.º1, alínea a), 293.º, n.º1, alínea a) e 290.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código dos Valores Mobiliários –


Assim, no caso presente, está em questão a responsabilidade civil da Ré, como intermediária financeira (artigos 312.º e 314.º, do CMV).


Ora, foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) que apresenta os seguintes segmentos uniformizadores:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.  

No caso dos autos, atenta a data em que foi celebrado o contrato (15 de outubro de 2004), são aplicáveis as disposições do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.

O intermediário financeiro encontrava-se obrigado ao cumprimento dos princípios e regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.


Deveres de informação. Ilicitude.

Como se referiu no citado Acórdão: “a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.”

E, mais à frente, refere-se: “Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.

Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).

Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação”.


No caso presente, e perante a factualidade provada, temos de concluir, como o fez o Tribunal da Relação do Porto, que a Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada ao Autor sobre as características do produto que estava a apresentar-lhe, designadamente, que tinha as mesmas garantias de um depósito a prazo e lhe daria um maior rendimento e que o reembolso do capital era garantido pelo próprio Banco, sendo certo que não está demonstrado que o Autor tivesse conhecimentos e experiência para conhecer (ou complementar) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré.

Daqui que se conclua pela verificação da ilicitude por parte da Ré.


Quanto à culpa, a mesma presume-se nos termos do disposto nos artigos 304.º, n.º2, do CVM e 799.º do Código Civil:


Quanto ao nexo de causalidade:

Como se afirmou no Acórdão Uniformizador, “incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.”

Ora, no caso presente, e perante a factualidade dada como provada, temos de concluir que o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro e o dano consubstanciado na não devolução do valor investido pelo Autor (€50 000,00) –uma obrigação subordinada, no valor de €50 000,00 (SLN 2004 Rendimento Mais) -, se encontra demonstrado, porquanto mostra-se provado que:

“… foi com base na “informação de capital garantido” que o Autor deu o seu acordo na aquisição do mencionado título, “sem essa informação o Autor não daria o seu acordo na aquisição do identificado activo financeiro”.

- O Autor havia alegado este facto essencial para apurar a verificação do requisito da causalidade (alegação constante dos artigos 43.º e 51.º da petição inicial) e o mesmo não se mostra impugnado pela Ré na contestação apresentada, pelo que esse mesmo facto deve ser considerado como provado por acordo, nos termos do disposto no artigo 574.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -


Estes factos são suficientes para se considerar demonstrado o nexo de causalidade, pois demonstrada esta a essencialidade da informação omitida pela Ré sobre a decisão de o Autor de investir nas “Obrigações”, em outubro de 2004, pois o Autor não investiria se conhecesse as características do produto, isto é, sem a informação referida nos pontos 1.5. e 1.6. dos factos provados o Autor não daria o seu acordo na aquisição do ”identificado ativo financeiro”, como refere o Acórdão recorrido.


Deste modo, o recurso terá de improceder.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 28 de fevereiro de 2023


Pedro de Lima Gonçalves

Maria João Vaz Tomé

António Magalhães