TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE PENHOR E PROMESSA DE PENHOR
GARANTIA DE DÍVIDA DE OUTRA SOCIEDADE
RELAÇÃO DE DOMÍNIO OU DE GRUPO
INTERESSE PRÓPRIO
NULIDADE
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I – Nos termos do art.º 6.º, n.º 3 do CSC, considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo;
II - Impende sobre a sociedade garante, que invoca a nulidade da garantia por si prestada, com o objectivo de não cumprir a obrigação garantida, o ónus de alegação e prova da inexistência de interesse próprio e/ou de influência dominante, mormente quando afirmou a sua existência aquando da prestação da garantia;
III – A invocação da nulidade da garantia prestada ao abrigo do art.º 6.º, n.º 3, do CSC, deve ser considerada abusiva, nos termos e para os efeitos do art.º 334.º do CC, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, violando o princípio da tutela da confiança legítima, quando a sociedade garante adopta um comportamento com que, razoavelmente, não se contava, face à conduta anteriormente assumida (em que afirmou, expressamente, a existência de interesse próprio na prestação da garantia e a existência de uma relação dominante ou de grupo entre si e a entidade garantida) e às legítimas expectativas que gerou.

Texto Integral

Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I – RELATÓRIO
1.1. Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, que lhe move o BANCO A, o BANCO B e o BANCO C, veio M……., deduzir embargos de executado, onde conclui que «deverá a presente oposição à execução ser julgada procedente, por provada, extinguindo-se a execução e levantando-se, em consequência, a penhora sobre os títulos da …. da titularidade da M….. ».
Para tanto, alegou, em síntese, que a garantia que prestou a favor dos exequentes é nula, por violação do disposto no art.º 6.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais, dado que não tem interesse próprio na prestação daquela garantia, nem se trata de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
1.2. Os exequentes contestaram, pugnando pela improcedência dos embargos e consequente prosseguimento da execução, por a garantia em causa ter sido validamente prestada e, ainda que assim não se entendesse, ser ilegítimo o direito da embargante de invocar tal nulidade por constituir um manifesto abuso de direito.
1.3. Após os articulados, o tribunal entendeu, sem qualquer oposição das partes, ser possível o conhecimento imediato do mérito dos embargos, pelo que proferiu despacho saneador-sentença, julgando improcedente a presente oposição à execução e ordenando o prosseguimento da execução contra a executada.
1.4. Inconformada, apelou a executada/embargante, pedindo que o referido despacho saneador-sentença seja revogado, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:
«1. É nula a constituição do penhor a favor de terceiro, por contrária ao fim da Recorrente, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do CSC.
2. A M não teve qualquer justificado (ou não) interesse próprio na constituição da garantia.
3. A M não se encontrava (nem se encontra) em relação de grupo com o beneficiário da garantia, uma vez que este é uma fundação, a qual não pode, por natureza, integrar grupos societários.
4. A M não age em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium pois é sempre quem constituiu a garantia que, adiante, tem interesse em invocar a sua nulidade. Se tais casos fossem abuso de direito o art. 6.º, n.º 3, do CSC, seria letra morta.
5. A interpretação do art.º 6.º, n.º 3.º do CSC feita pelo Tribunal a quo, no sentido de as sociedades comerciais poderem constituir garantias a favor de terceiros, mesmo sem qualquer interesse próprio (bastando a mera afirmação desse interesse para o mesmo se verificar) e sem existir relação de grupo societário, é inconstitucional, por violação do art. 12.º, n.º 2, da CRP, o qual dispõe que “As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”».
1.5. Os exequentes/embargados contra-alegaram, propugnando pela manutenção da decisão recorrida, alinhando as seguintes conclusões:
«A. É válida a Garantia prestada pela M aos Bancos Exequentes, nos termos do artigo 6.º, n.º 3 do CSC.
B. Cabe à sociedade que se quer prevalecer da nulidade da garantia prestada o ónus da prova dos requisitos da invalidade do ato de que se pretende aproveitar, sendo essa a posição acolhida pela quase unanimidade da jurisprudência.
C. Os argumentos invocados pela Recorrente para a inexistência de um justificado interesse próprio não colhem, na medida em que (i) o facto de a M não ter desenvolvido a atividade que, alegadamente, constituía o seu objeto social não invalida que os potenciais fundos obtidos com a celebração dos financiamentos pudessem ter servido ao desenvolvimento da sua atividade ou qualquer outro interesse seu e (ii) resulta evidente das atas analisadas que existia uma expetativa de vantagem patrimonial na constituição da Garantia por parte da M, o que justificava o seu interesse próprio na constituição da mesma, tendo, aliás, a própria declarado essa justificação em diversos momentos.
D. Encontra-se, pois, demonstrado o interesse da M que presidiu à constituição da Garantia.
E. A M existe numa relação de grupo com a F, sendo irrelevante o facto de esta ser, formalmente, uma fundação, uma vez que sempre atuou como uma holding do grupo de entidades controladas e administradas por G.
F. Não pode, por conseguinte, a M, indiretamente detida pela F, escudar-se no facto de esta ser uma Fundação para invocar a nulidade da Garantia, ainda para mais, quando, no momento da constituição da Garantia e mesmo posteriormente afirmou a sua validade, com base na existência de uma relação de grupo.
G. Considera-se, assim, verificada a segunda exceção do artigo 6º n.º 3 do CSC, por a F estar efetivamente numa relação de domínio ou de grupo com a Executada, pelo que cabe concluir que a Garantia foi validamente constituída, ao contrário do que alega a Recorrente.
H. Acresce que, ainda que assim não fosse, a arguição de nulidade da Garantia representa um abuso de direito por parte da M nos termos do artigo 334.º do Código Civil, nomeadamente por força do princípio da tutela da confiança legítima imanente ao princípio da boa fé.
I. O abuso de direito não decorre da invocação da nulidade da prestação da garantia, mas antes das circunstâncias que tal ocorre e, no caso, como bem notou o Tribunal a quo, o abuso de direito é evidente.
J. Inexiste qualquer inconstitucionalidade na interpretação feita pelo Tribunal a quo do artigo 6.º n.º 3 do CSC, tendo a Recorrente distorcido os termos nos quais o referido Tribunal profere a sua decisão, de forma a construir uma suposta inconstitucionalidade, o que evidencia, uma vez mais, a postura de má fé que a Recorrente vem tendo ao longo de toda a presente ação».
1.6. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, a questão essencial a decidir consiste em saber se é nula a constituição do penhor a favor de terceiro, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do CSC.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. Os exequentes interpuseram a presente execução, alegando, para o efeito, a seguinte factualidade:
(…)
2. A M é uma sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade anónima, que tem por objecto a indústria de moagem de cereais, a comercialização de produtos alimentares e seus subprodutos, a actividade de armazenagem bem como a prestação de serviços conexos.
3. O seu capital social actual corresponde a 952.525,00€ (novecentos e cinquenta e dois mil, quinhentos e vinte cinco euros), totalmente subscrito e realizado, e representado por 190.505 (cento e noventa, quinhentos e cinco) acções, de valor nominal de EUR 5 (cinco euros) cada.
4. Desde pelo menos 2007, o seu capital social é detido em 99,5% pela C….
5. A C é uma sociedade anónima que tem por objecto principal o comércio e transformação de cereais, comércio de produtos alimentares e outros.
6. Os restantes 0,5% do capital social da M são detidos pela T, também pelo menos desde a mesma data.
7. A T é uma sociedade anónima que tem por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas.
8. No âmbito do seu objecto social, portanto, a T detém uma participação de 100% do capital social da C.
9. Pelo que a T detém uma participação, directa e indirecta, na M, que no total se cifra em 100%.
10. Por sua vez, 47,48% do capital social da T é detido pela F – Instituição Particular de Solidariedade Social.
11. A F foi constituída a 12.11.1988, com sede no Funchal, por G, tendo por objecto fins caritativos, educativos, artísticos e científicos.
12. No dia 23.12.2008, reuniu o Conselho de Administração da M para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos:
“Ponto Um: Constituição, na sequência de instruções vinculantes recebidas da accionista T, de penhor a favor do Banco A, Banco B e do Banco C, sobre 5.989 títulos da ASSOCIAÇÃO COLECÇÃO BERARDO.
Ponto Dois: Conferir poderes a qualquer administrador da sociedade para, por si só, representar a sociedade na celebração do contrato de penhor e documentos acessórios ou comuns, nos termos deliberados na presente reunião.”
13. Da acta constando o seguinte quanto à discussão do Ponto Um:
“Entrou-se de imediato no primeiro ponto da ordem de trabalhos, tomou a palavra o presidente do Conselho de Administração, o qual fez uma exposição detalhada sobre a relação de domínio total existente entre a accionista T e sobre o enquadramento das garantias a prestar no âmbito de determinados financiamentos concedidos pelo Banco A, Banco B e Banco C à F, nos termos da minuta do contrato de penhor e promessa de penhor (“contrato”) que figura em anexo à presente acta. Prosseguiu aquele administrador referindo que a constituição de garantias por parte da sociedade tem particular interesse para aquela sua dominante pelas razões consignadas em acta da reunião do respectivo Conselho de Administração realizada na presente data e, por essa via, para a sociedade, que tem a expectativa de que a prestação de garantias em causa contribua para a salvaguarda do património da sua dominante e, assim, para a manutenção da sua capacidade de dotar a sociedade de fundos que sejam necessários ao desenvolvimento da sua actividade. Referiu ainda o Sr. Presidente do Conselho de Administração as instruções vinculantes recebidas da T, accionista única da Sociedade, no sentido de constituição, pela Sociedade, a favor dos referidos Bancos, de penhor sobre os títulos de participação detidos pela Sociedade na Associação X. Após alguma troca de impressões entre os presentes, este Conselho de Administração deliberou, por unanimidade, a constituição de penhor a favor do banco A, banco B e banco C sobre 5.989 títulos de participação da Associação X, destinado a garantir o cumprimento integral e atempado de todas e quaisquer obrigações ou responsabilidades assumidas ou a assumir ao abrigo ou em conexão com os seguintes financiamentos concedidos à F, suas renovações, prorrogações, reformas ou modificações, incluindo o reembolso de capital, equity amount payments e demais obrigações assumidas no infra identificado contrato de equity swap, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões impostos e quaisquer outros encargos: […]”
14. Com efeito, a 23.12.2008 reuniu a T, a pedido do seu Conselho de Administração, em Assembleia Geral, constando da acta a seguinte ordem de trabalhos:
“Ponto Um: Deliberar, nomeadamente nos termos e para os efeitos do artigo 6º, n.º 3 do CSC, e sob proposta do Conselho de Administração, de acordo com o número 3 do art. 373º do CSC, quanto à constituição da promessa de penhor a favor do Banco A, Banco B e Banco C sobre 6.000 títulos de participação da Associação X.
Ponto Dois: Deliberar, igualmente nos termos e para os efeitos do artigo 6º, n.º 3 do CSC, e sob proposta do Conselho de Administração, de acordo com o número 3 do artigo 373º do CSC, a emissão de instruções vinculantes, nos termos do artigo 503º do CSC, aplicável por força do artigo 491º do mesmo código, dirigidas à sua participada M, para que a mesma constitua a favor do Banco A, Banco B e Banco C penhor sobre 5.989 títulos de participação da Associação X.
Ponto Três: Conferir poderes a qualquer administrador da sociedade para, por si só, representar a sociedade na outorga do contrato de penhor e documentos acessórios ou conexos, nos termos deliberados na presente reunião.”
15. Da acta constando o seguinte quanto ao Ponto Um da ordem de trabalhos:
“Entrou-se de imediato na discussão do ponto um da ordem de trabalhos, tendo sido dada a palavra ao Senhor Presidente do Conselho de Administração o qual apresentou a proposta para constituição de promessa de penhor a favor do Banco A, Banco B e Banco C sobre 6.000 títulos de participação da Associação X, nos termos da minuta de contrato de penhor e promessa de penhor (“contrato”) que figura em anexo à presente acta, destinando-se o penhor prometido a garantir o cumprimento integral e atempado de todas e quaisquer obrigações ou responsabilidades assumidas ou a assumir ao abrigo ou em conexão com os seguintes financiamentos: […]
Seguidamente o Senhor Presidente do Conselho de Administração informou que, para efeitos do n.º 3 do artigo 6º do CSC, se justifica a constituição de penhor pela T em garantia de responsabilidades decorrentes de financiamentos concedidos à F, na medida em que:
a) Os financiamentos concedidos à F destinaram-se em grande parte à aquisição de uma participação qualificada no Banco A;
b) Nos termos comunicados ao mercado, a T é titular de uma participação no Banco A correspondente a 1,35% do respectivo capital social e direitos de voto, constituindo um dos seus investimentos estratégicos de longo prazo e correspondendo este a um activo significativo na sua carteira de participações e (ii) só detém participação qualificada no Banco A na medida me que estiver em concertação com a F, à qual é imputável uma participação no Banco A correspondente a 4,85% do respectivo capital social e direitos de voto.
c) Atendendo às limitações estatutárias, à contagem dos votos emitidos e à dispersão do capital social do Banco A, a participação da T e da F potenciam-se reciprocamente e o grau de intervenção societária de uma depende necessariamente da existência e estabilidade da outra.
d) A T tem interesse em que a F continue a deter as acções emitidas pelo Banco A que tem actualmente em carteira, procedendo-se à imputação recíproca através da qual a T detém uma posição qualificada no Banco A.
e) Atendendo ao actual grau de cumprimento do rácio de cobertura dos financiamentos, a integridade da carteira de títulos da F encontra-se em risco, estando disponível para constituir a promessa de penhor acima descrita com vista a proteger a estabilidade, os pressupostos e a rentabilidade do seu investimento no Banco A.
f) Assim, existe interesse próprio da sociedade na prestação desta garantia.
Colocada à votação, a proposta apesentada pelo Conselho de Administração foi aprovada por unanimidade.”
16. E da acta constando o seguinte quanto à discussão do Ponto Dois da ordem de trabalhos:
“Passando ao segundo ponto da ordem de trabalhos, o Senhor Presidente do Conselho de Administração retomou a palavra e apresentou esta proposta de emissão de instruções vinculantes à M para que a mesma constitua a favor do Banco A, banco B e Banco C, o penhor sobre 5.989 títulos de participação da Associação X nos termos do contrato destinando-se o penhor prometido a garantir o cumprimento integral e atempado de todas e quaisquer obrigações ou responsabilidades assumidas ou a assumirão abrigo ou em conexão com o financiamento concedido à F, suas renovações, prorrogações, reformas ou modificações, incluindo o reembolso de capital, equity amount payments e demais obrigações assumidas no infra identificado contrato de equity swap, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões, impostos e quaisquer outros encargos.
O Senhor Presidente do Conselho de Administração referiu que relativamente ao n.º 3 do artigo 6º do CSC, a justificação por si apresentada para prestação de garantia pela T a uma dívida da F vale inteiramente para a emissão de instruções vinculantes à sua participada em relação de domínio total M. Não houve lugar a intervenções. Colocada a discussão, a proposta correspondente ao ponto dois da ordem de trabalhos foi aprovada por unanimidade.”
17. Esta prestação de garantias vem a ser formalizada a 31.12.2008, com a celebração de acordo denominado Contrato de Penhor e Promessa de Penhor (CPPP_31.12.2008), do qual a M fez parte, e tendo por base os seguintes considerandos:
“Considerando que:
I.A F contratou com os Bancos os Financiamentos;
II. É necessário reforçar as garantias constituídas no âmbito dos contratos relativos aos Financiamentos e/ou de submeter ao mesmo regime contratual os penhores que têm por objecto os Títulos de Participação;”
18. No que à M diz directamente respeito, para efeito do Penhor e Promessa de Penhor, e com relevância para a causa em apreço, estabeleceu-se:
“2.1. Em garantia do cumprimento integral e atempado de todas e de cada uma das Obrigações Garantidas, G, a F e, a M constituem a favor dos Bancos penhor de primeiro grau, respectivamente sobre os Títulos de participação iniciais …., os Títulos de Participação ….. e os Títulos de Participação …. e, bem assim, sobre as respectivas qualidades de associados da ACB globalmente consideradas (excluído, no caso de G e da F, as respectivas qualidades de associado(a) instituidor(a9), incluindo os correspondentes Direitos Acessórios.”
2.2. […]
2.3. […]
2.4 Para efeitos do penhor e promessa de penhor previstos na presente cláusula, G, a F, a M e a T entregam ao Banco Agente:
(a) cópia de uma notificação entregue por G e pela F à X, informando-a da constituição dos presentes penhores e requerendo o registo dos mesmos sobre os Títulos de Participação Iniciais …, sobre os Títulos de Participação … e sobre os Títulos de Participação …. no correspondente livro de registos,
(b) os originais dos Títulos de Participação Iniciais …, dos Títulos de Participação …. e dos Títulos de Participação …., com os penhores ora constituídos devidamente averbados, e
(c) os originais dos Títulos de Participação Adicionais …e dos Títulos de Participação …,
(d) cópia do livro de registo dos títulos patrimoniais da Associação X com os penhores cm constituídos sobre os Títulos de Participação Iniciais …., sobre os Títulos de Participação …. e sobre os Títulos de Participação … e, bem assim, sobre as respectivas qualidades de associados da X globalmente consideradas (excluindo as qualidades de associado(a) instituidor(a)), devidamente averbados;
(e) Cópia dos estatutos da Associação X, bem como da deliberação que os aprovou, com a redacção constante do Anexo 5;
(f) Cópia da deliberação de eleição de J como Presidente da Mesa da Assembleia-Geral e de L como Secretária da Mesa da Assembleia-Geral da Associação X.
19. E mais à frente, no ponto 4.4 do CPPP_31.12.2008, sob a epígrafe “Declarações de Garantia”:
“4.4. A M declara aos Bancos:
(a) Que a celebração e execução do presente Contrato (incluindo a procuração referida na cláusula 7. Infra) não viola os seus estatutos nem, tanto quanto é do seu conhecimento, qualquer lei ou regulamento ou ordem de qualquer entidade competente;
(b) Que praticou todos os actos e observou todas as formalidades necessárias para que possa válida e eficazmente celebrar o presente Contrato.
(c) Que é a única e legítima titular da Participação…;
(d) Que a participação … não é objecto de qualquer contrato de que possa resultar a transmissão da titularidade da Participação … ou dos correspondentes Direitos Acessórios;
(e) Que a participação … se encontra livre de quaisquer ónus, encargos ou obrigações, e não constitui objecto de qualquer contrato anterior pelo qual os referidos ónus, encargos ou obrigações possam vir a ser constituídos no futuro;
(f) Que as obrigações assumidas e/ou a assumir no âmbito do presente Contrato são legais, válidas, eficazes e vinculativas, passíveis de ser executáveis de acordo com os termos e condições aqui consignados.”
20. Em 16.03.2012 é celebrado um acordo, relativamente aos financiamentos da FJB denominado Acordo-Quadro (AQ_16.03.2012), com os seguintes considerandos:
“Considerando que:
A. As Entidades Y, contrataram com os Bancos os Financiamentos;
B. Face à actual situação que envolve as Entidades Y, as Partes acordaram a reestruturação dos Financiamentos, com vista a criar condições para o cumprimento, pelas Entidades Y, dos compromissos decorrentes desses Financiamentos;
C. Os Bancos tomaram conhecimento da existência do Processo Executivo …, na decorrência do qual foram nomeados à penhora alguns Activos e, em consequência, foram os Bancos chamados a reclamar créditos no âmbito do referido Processo Executivo;
D. As Partes pretendem, nesse contexto e entre outras matérias, acordar mecanismos de alienação de activos dados em garantia aos Bancos, convertendo-os atempadamente, e sempre que necessário, em liquidez para o pontual pagamento das responsabilidades resultantes dos Financiamentos, tal como reestruturados.
21. A M foi igualmente parte neste contrato como garante, tendo essa prestação de garantias sido justificada, na acta que a aprovou, com o objectivo de preservar, na medida do possível, os activos dados em garantia dos Financiamentos.
22. Sendo a M referenciada como uma das partes daquele contrato, nos termos seguintes:
Quanto ao “Objecto e Condições”:
“2. Objecto e Condições
2.1. Pelo presente Acordo Quadro, as Partes acordam mecanismos de alienação de activos dados em garantia aos Bancos, convertendo-os atempadamente, e sempre que necessário nos termos do presente Acordo e dos Financiamentos tal como reestruturados, em liquidez para o pontual pagamento de responsabilidades, bem como os demais termos e condições aplicáveis à reestruturação dos Financiamentos, traduzida nos seguintes aspectos interdependentes entre si:
(a) alteração dos Documentos Financeiros de forma a consagrar as novas condições acordadas para os Financiamentos, exceptuada a operação identificada em (iv) da alínea (o) do n° 1.1.;
(b) alienação de Activos com o objectivo de assegurar o pagamento integral dos montantes que se encontrarem, a cada momento e a qualquer titulo, em dívida aos Bancos pelas Entidades Y ao abrigo dos Documentos Financeiros, incluindo a alienação de Activos para todos os efeitos acordados nas cláusulas 4, 5 e 6 do presente Acordo Quadro e a alienação de Activos nos termos estipulados nos anexos 4.1. e 5.2.;
(c) outorga de mandatos de venda, pelas Entidades Y e por G, aos Bancos, para a finalidade descrita na alínea anterior; e
(d) constituição, por Entidades Y junto dos Bancos, de CRSD para fazer face a responsabilidades das Entidades Y ao abrigo dos Financiamentos, bem como a constituição de penhores sobre as mesmas a favor dos Bancos.”
23. Fazendo parte desse acordo, as seguintes “Declarações e Garantias”:
“10. Declarações e Garantias
10. 1. As Entidades Y, a X e G declaram e garantem que:
(a) a informação constante do organograma que integra o Anexo 1.1. (r) (Organograma do Grupo Berardo) é verdadeira, completa e correcta;
(b) os Activos não se encontram sujeitos a ónus, encargos ou quaisquer outras limitações para além dos constituídos ou prometidos constituir a favor dos Bancos até à presente data, com excepção da penhora constituída no âmbito do Processo Executivo…;
(c) não ocorreu, nem se prove que venha a ocorrer num futuro próximo, qualquer evento que altere material e adversamente a situação das Entidades Y e da X, nomeadamente, o início de qualquer processo de insolvência ou recuperação de empresa, cisão, dissolução ou outro com natureza ou efeito similar, bem como, em geral, a realização de qualquer operação, acto ou negócio cujo objectivo ou efeito, directo ou indirecto, seja diminuir o valor da respectiva situação patrimonial liquida; e 
(d) não tem conhecimento de qualquer facto ou omissão que possa, directa ou indirectamente, impedir ou dificultar a implementação de qualquer das operações previstas neste Acordo Quadro ou com ele relacionadas.
10.2. As Entidades Y e G, quando aplicável, renovam com referência à presente data as declarações e garantias por si prestadas aos Bancos nos contratos relativos aos Financiamentos e declaram e garantem que têm cumprido pontual e integralmente todas as obrigações não pecuniárias por si assumidas perante os Bancos naqueles contratos.”
24. A M tem por objecto a indústria de moagem de cereais, a comercialização de produtos alimentares e seus subprodutos, a actividade de armazenagem bem como a prestação de serviços conexos.
25. Porém, a M não desenvolve actividade comercial nem industrial desde pelo menos 2002.
26. No Relatório & Contas de 2004 pode ler-se:
“I – Actividade Industrial e Comercial
No corrente ano a Empresa não teve actividade industrial e comercial.”
27. No Relatório & Contas de 2005 pode ler-se:
“I – Actividade Industrial e Comercial
No corrente ano a Empresa não teve actividade industrial e comercial.”
28. No Relatório & Contas de 2006 pode ler-se:
“I – Actividade Industrial e Comercial
No corrente ano a Empresa não teve actividade industrial e comercial.”
29. No Relatório & Contas de 2007 pode ler-se:
“I – Actividade Industrial e Comercial
No corrente ano a Empresa não teve actividade industrial e comercial.”
30. No Relatório & Contas de 2008 pode ler-se:
“2. Actividade Desenvolvida pela Empresa
No corrente ano a Empresa não desenvolveu actividade industrial e comercial.”
31. No Relatório & Contas de 2009 pode ler-se:
“2. Actividade Desenvolvida pela Empresa
No corrente ano, a Empresa não desenvolveu actividade industrial e comercial.”
32. No Relatório & Contas de 2010 pode ler-se:
“2. Actividade Desenvolvida em 2010
No corrente ano a Empresa não desenvolveu actividade industrial e comercial.”
33. No Relatório & Contas de 2011 pode ler-se:
“2. Actividade Desenvolvida em 2011
No corrente ano a Empresa não desenvolveu actividade industrial e comercial.”
34. A Executada não tem empregados, como consta do Relatório & Contas referente ao ano de 2007.
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Antes de mais, importa ter presente que o recurso em apreço não tem por objecto a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto, que, por isso, se tem por consolidada.
Conforme se deixou supra consignado, a questão essencial a decidir consiste em saber se, no caso dos autos, a constituição do penhor a favor de terceiro é ou não nula, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do CSC.
O tribunal a quo entendeu que não.
Concordamos com a posição sustentada pelo tribunal recorrido.
Vejamos.
O título executivo é, in casu, constituído pelo “Contrato de Penhor e Promessa de  Penhor” datado de 31.12.2008, a que se alude no n.º 17 dos factos provados, e no qual a embargante, ora recorrente, interveio na qualidade de garante, prestando, a favor dos exequentes, ora recorridos, penhor de primeiro grau sobre os títulos de participação da Associação X de que é titular, para garantia de uma dívida da F aos referidos exequentes.
A embargante/recorrente considera que a prestação de tal garantia é nula, nos termos do art. 6.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Dispõe o referido art 6.º do CSC, a propósito da capacidade das sociedades, que:
«1 - A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.
2 - As liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta.
3 - Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
4 - As cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objecto ou proíbam a prática de certos actos não limitam a capacidade da sociedade, mas constituem os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objecto ou de não praticarem esses actos.
5 - A sociedade responde civilmente pelos actos ou omissões de quem legalmente a represente, nos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos comissários».
É consabido que as sociedades comerciais são entes jurídicos que gozam de capacidade jurídica para poderem actuar no tráfego jurídico e prosseguir o seu fim, ou seja, a obtenção de lucro e a sua repartição pelos sócios.
O fim social é, pois, o fundamento da criação de uma sociedade e, por isso, constitui um dos elementos limitadores da sua capacidade jurídica. De tal forma que os actos da sociedade que contrariem o princípio da especialidade do fim (art. 6.º, n.º 1, do CSC) serão nulos, nos termos previstos no art. 294.º, do CC, por violarem uma disposição legal imperativa.
Incontroverso é, também, que a capacidade das sociedades comerciais não está limitada pelo seu objecto social, materializado numa actividade económica, conforme decorre do disposto no n.º 4 do supra citado art. 6.º.
No que concerne, especificamente, à prestação de garantias (reais ou pessoais) a dívidas de terceiros, as mesmas são, ressalvadas duas excepções, consideradas contrárias ao fim social (art. 6.º, n.º 3 do CSC) e, por isso, nulas.
Saliente-se que o n.º 3 do art. 6.º abarca, apenas, a prestação de garantias gratuitas, uma vez que a prestação de garantias onerosas será válida ao abrigo do disposto no n.º 1 do mesmo artigo.
Assim, em princípio, a concessão de liberalidades e de garantias reais ou pessoais (gratuitas) a dívidas de outras entidades contraria o fim social, não sendo permitidas.
E compreende-se que assim seja, uma vez que os actos pelos quais uma sociedade concede a terceiros uma prestação ou vantagem sem contrapartida são, à partida, contrários ao fim social ou, pelo menos, não são necessários nem convenientes à prossecução desse fim (obtenção de lucro), estando, por isso, fora do âmbito da capacidade societária.
Importa, também, ter presente que a matéria da capacidade das sociedades não deve ser confundida com a relativa à vinculação das mesmas.
O âmbito da vinculação consiste na definição dos actos que obrigam a sociedade mediante a actuação dos seus órgãos representativos (que nas sociedades anónimas é o conselho de administração ou conselho de administração executivo – art. 405.º do CSC) e depende, não apenas da medida da capacidade, como da competência dos órgãos e, por vezes, de outras limitações estatutárias.
Ora, frequentemente ocorrem problemas, no que concerne à vinculação da sociedade, através da actuação ultra vires do seu órgão representativo.
A este propósito, dispõe o art. 409.º do CSC:
«1 - Os actos praticados pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato de sociedade ou resultantes de deliberações dos accionistas, mesmo que tais limitações estejam publicadas.
2 - A sociedade pode, no entanto, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do seu objecto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade o não assumiu, por deliberação expressa ou tácita dos accionistas.
3 - O conhecimento referido no número anterior não pode ser provado apenas pela publicidade dada ao contrato de sociedade.
4 - Os administradores obrigam a sociedade, apondo a sua assinatura, com a indicação dessa qualidade».
O n.º 2 do artigo citado estabelece uma limitação decorrente do objecto social, que representa uma excepção à vinculação das sociedades, quando a sociedade faça prova da má-fé do terceiro. Tal pressupõe, contudo, que os actos, não obstante o desrespeito pelo objecto social, estejam compreendidos no fim lucrativo da sociedade.
Tendo em conta estes considerandos básicos referentes à capacidade e vinculação a sociedades, vejamos, então, se o caso dos autos integra alguma das excepções previstas no art. 6.º n.º 3, do CSC (a existência de um justificado interesse próprio da sociedade garante ou a circunstância de as sociedades se encontrarem em relação de domínio ou de grupo), sendo que, em caso afirmativo, a prestação de penhor será lícita, já que a sociedade embargante/recorrente será juridicamente capaz de prestar a garantia.
4.2. De acordo com o disposto no n.º 3 do art. 6.º do CSC, a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades não será considerada contrária ao fim da sociedade se existir “justificado interesse próprio da sociedade garante”.
Tal como se referiu na sentença recorrida, em face do disposto no art. 6.º, n.º 1 do CSC, uma sociedade pode prestar garantias a terceiros desde que tal acto se afigure necessário ou conveniente à prossecução do seu fim.
Esta regra volta a ser enunciada no n.º 3, embora com outra formulação, onde a noção de “fim” é substituída pela de “interesse”, surgindo estas noções como normativamente equivalentes.
Com efeito, embora a lei não defina o que seja o “justificado interesse próprio da sociedade garante”, é evidente que o conteúdo e alcance dessa expressão devem ser compreendidos à luz do fim da sociedade, ou seja, a obtenção do lucro.
João Marcelo Ferreira Cristóvão, in Garantias Prestadas por Sociedades Comerciais a Obrigações de Sociedades Coligadas, Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Direito  Ciências jurídicas empresariais, UNL, 2010/2011, p. 48 e segs., https://run.unl.pt/handle/10362/6832, enuncia, de uma forma sintética e clara, os requisitos - cumulativos - necessários para sustentar a existência de um justificado interesse próprio da sociedade garante, que afirma serem os, pontual mas isoladamente, apontados pela doutrina e jurisprudência:
«Em primeiro lugar temos a característica da economicidade, que consiste na existência de um cenário económico e financeiro apto a esclarecer a razão de ser da prestação da garantia (…). Sabemos que a prestação da garantia significa a possibilidade de fazer responder o património da sociedade por uma dívida que não é sua. Através deste requisito exige-se sempre que haja algo mais do que isto. Requer-se um qualquer factor – um interesse – representativo de uma vantagem económica explicativa da prestação da garantia. Não se exige que seja um interesse já consumado ou confirmado. Para que haja um interesse justificado e próprio da sociedade, basta uma potencial vantagem proveniente da prestação da garantia.
O justificado interesse próprio deve igualmente ser objectivo: a prestação da garantia é justificada pelo interesse próprio da sociedade quando, através dos conhecimentos técnicos aplicáveis, traduza uma vantagem objectiva para a sociedade. A análise do requisito da objectividade pelos órgãos de representação da sociedade deverá utilizar como referente, nos termos do artigo 64.º do CSC, a diligência de um gestor criterioso e ordenado (…). Importa reter que a apreciação deve ser feita objectivamente, ou seja, não se verifica a existência de um interesse simplesmente porque ele é declarado, mas sim pela constatação de factos demonstrativos de benefícios que de outra forma não se alcançariam, ou de perdas que de outra forma poderiam surgir (…).
De capital relevância é a característica da proporcionalidade que, segundo cremos, reveste-se aqui de um duplo papel: primeiro, terá de existir proporcionalidade da garantia face às obrigações garantidas; segundo, deverá haver um mínimo de correspondência entre a garantia e a vantagem que dela se retira. Na perspectiva de uma potencial diminuição patrimonial da sociedade garante, para que se registe um justificado interesse próprio, os termos da garantia não se podem revelar excessivos relativamente às responsabilidades em causa. Mas a proporcionalidade prende-se também com a própria vantagem – ou falta de desvantagem – que se pretende obter. Não haverá interesse próprio da sociedade garante quando o retorno que se julga esperado é manifestamente irrelevante (…).
Por último, mencione-se a característica da tempestividade: a prestação da garantia decorre em função da informação objectiva – maxime, dos conhecimentos técnicos aplicáveis – de que se dispõe no momento. Subjacente a essa informação verifica-se um interesse da sociedade garante. Mas pode acontecer que, posteriormente, se não registe qualquer vantagem. Como se disse, a vantagem ou a falta de desvantagem que se pretendeu pode ser apenas potencial. Naturalmente que a superveniência de um factor eximente da economicidade com base na qual a garantia foi prestada, não permite a desqualificação de uma garantia (válida) anteriormente prestada como um acto nulo. A capacidade de prestar a garantia é aferida no momento em que a garantia é dada».
Mais à frente, analisaremos se, no caso vertente, pode concluir-se pela existência de um justificado interesse próprio da sociedade embargante na prestação do penhor.
4.3. Nos termos do n.º 3 do art. 6.º do CSC, a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades não é, também, considerada contrária ao fim da sociedade se se tratar de “sociedade em relação de domínio ou de grupo”.
Como é consabido, de entre as várias formas de cooperação e integração de sociedades, o Código das Sociedades Comerciais regula, apenas e taxativamente, as sociedades coligadas (arts 481.º a 508.º-G do CSC), que são:
a) As sociedades em relação de simples participação (quando uma delas é titular de quotas ou acções da outra em montante igual ou superior a 10% do capital desta, mas entre ambas não existe nenhuma das outras formas de coligação relações - art.s. 483.º e 484.º do CSC);
b) As sociedades em relação de participações recíprocas (quando a detenção de acções ou quotas, em pelo menos 10% do capital social de outra sociedade, é recíproca, isto é, a participação de uma sociedade na outra pressupõe que esta também participe naquela - art. 485.º do CSC);
c) As sociedades em relação de domínio (quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante (art. 486.º do CSC), o que se presume quando a sociedade detém uma participação maioritária no capital, quando dispõe de mais de metade dos votos ou quando tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização. De assinalar que esta presunção acarreta, naturalmente, uma inversão do ónus da prova, ficando o interessado dispensado de provar, nesses casos, a existência de uma “influência dominante”. Saliente-se, ainda, que que a possibilidade de participação indirecta pode estender-se por vários graus);
d) As sociedades em relação de grupo (quando várias sociedades juridicamente autónomas são dirigidas unitariamente em função de um fim comum por sujeitos económicos que as controlam - arts. 488.º a 508.º-G do CSC).
Por ser relevante para o caso dos autos, importa ter presente que alguma doutrina integra no terceiro tipo mencionado (sociedades em relação de domínio) outras influências dominantes de facto ou económicas, para além das legalmente presumidas.
Neste sentido, veja-se, por exemplo, João Marcelo Ferreira Cristóvão, Ob. Cit., p. 58 e 59, onde escreve que: «Mais melindrosa é a questão de saber se outras influências dominantes de facto ou económicas devem ser incluídas nesta acepção de relação de domínio. Estas podem surgir, designadamente, a nível económico (um sector económico monopolístico, por exemplo) ou a nível pessoal (administradores ou sócios em comum entre sociedades). (…) Julgamos que para ser possível que este tipo de situações se considere abrangido pelo regime das relações de domínio do CSC, além da efectivação dessa influência, é preciso verificar uma situação dominante, à semelhança do que a lei estabelece (486.º n.º 2) – pondo em causa mais de metade do volume de negócios da dependente, por exemplo. Seja como for, são situações que carecem de prova e que devem ser aferidas caso a caso em juízo».
O art. 6.º, n.º 3 do CSC, ao referir-se apenas às “sociedade em relação de domínio ou de grupo”, exclui os dois primeiros tipos referidos (sociedades em relação de simples participação e sociedades em relação de participações recíproca), pelo que, quanto a estas, a prestação de garantais a dívidas das sociedades coligadas depende da verificação do “justificado interesse próprio do garante”.
No que concerne às sociedade em relação de grupo, a faculdade de prestação de garantias dentro da realidade do grupo de sociedades é ilimitada, podendo ser prestadas pelas sociedades dominante ou directoras às sociedades integralmente dominadas ou dependentes e vice-versa.
É que, tal como salienta João Marcelo Ferreira Cristóvão, Ob. Cit., p. 73, «(…) há uma direcção unitária e após a integração de uma sociedade no seio de um grupo, esta perde a sua autonomia económica de origem, competindo à sociedade hierarquicamente superior gerir os recursos aos seu dispor, como um todo. Há uma centralização de decisões num núcleo que impõe tomadas estratégicas e que aproveita os efeitos de sinergia, maximizando lucros globais fruto da redistribuição optimizada de recursos. Há uma política empresarial geral e uniforme para o conjunto das sociedades agrupadas, que assenta na concertação de uma marca – como que o padrão mínimo de existência de um grupo –, de vendas e produção, de marketing e até de know-how. Há também uma política financeira e dependência total da direcção do grupo a nível de investimento, emissão de capital, auto e hetero financiamento, distribuição de dividendos, entre outros. Relativamente às sociedades filiais de um grupo de sociedades, estas perdem autodeterminação enquanto entidades económicas independentes, passando a contribuir para o sucesso global e sobrevivência do grupo. No contexto de uma tal coligação, as sociedades-filha são instrumentalizadas em virtude da permeabilidade das suas estruturas patrimoniais (…). Os credores sociais destas sociedades vêem o património da devedora posto directamente em causa, podendo ser drasticamente reduzido ou eliminado, gozando, em contrapartida, da extensão de responsabilidade da sociedade-mãe».
Já no que respeita às sociedade em relação de domínio, a doutrina tem divergido quanto à a faculdade de prestação de garantias, uma vez que o n.º 3 do art.º 6.º do CSC, ao prever que as sociedades possam prestar garantias por dívidas de outras se com elas se encontrarem numa relação de domínio, não distingue se a prestadora pode ser a sociedade dominante ou a sociedade dependente.
Assim, enquanto para alguns autores (v.g., Pedro de Albuquerque, in Da Prestação de Garantias por Sociedades Comerciais a Dívidas de Outras Entidades, in ROA, ano 57, I, Janeiro 1997, p. 69-147), a prestação de garantias é ilimitada, nos moldes referidos para as sociedade em relação de grupo, podendo, pois, ser prestada pela sociedade dominante ou pela sociedade dominada, sem necessidade de invocar a existência de interesse social (a dependente e a dominante sairão beneficiadas, uma vez que esta é sócia daquela e tem interesse no sucesso da sua dependente), outros autores (v.g., Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, II - Das Sociedades, 2.ª Ed., Coimbra, Almedina, 2007) defendem uma interpretação restritiva do art. 6.º, n.º 3, por forma a abarcar, apenas, a possibilidade de prestação de garantias da sociedade dominante a dívidas da sociedade dominada (por aquela ter sempre interesse na actividade desta), excluindo a validade da prestação de garantias por parte da sociedade dominada (por força do controlo e dependência a que estas estão sujeitas pela sociedade dominante), a não ser, obviamente, que haja justificado interesse próprio em fazê-lo, nos termos supra mencionados no ponto 4.2.
4.4. Vejamos, então, se, no caso dos autos, podemos concluir pela existência de um justificado interesse próprio da sociedade embargante na prestação do penhor ou pela verificação de uma relação de domínio ou de grupo entre as sociedades garante e garantida (as outras formas de integração de sociedade supra mencionadas estão, claramente, afastadas no caso vertente).
A propósito do justificado interesse próprio, a sentença recorrida discorreu desta forma:
«Ora, in casu, não se vislumbra que os fundamentos invocados pela embargante para justificar a inexistência de interesse próprio, sejam bastantes para reconhecer a invalidade da constituição da garantia.
A circunstância da embargante se encontrar inactiva não demonstra, por si só, a falta de interesse próprio na prestação da garantia, pois o que está em causa é a titularidade por parte da embargante dos títulos de participação na X, objecto da garantia. Não está demonstrado – nem sequer alegado – que a embargante se encontre extinta e o seu património liquidado.
Também não colhe o argumento de que a embargante prestou a garantia a favor de uma fundação, pois como se viu a F tem uma participação na T, tendo sido por intermédio desta que a embargante prestou a garantia em causa».
Já a respeito de uma eventual relação de domínio ou de grupo entre a sociedade garante e a entidade garantida, o tribunal recorrido teceu as seguintes considerações:
«(…) está provado que a embargante é uma sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade anónima, que tem por objecto a indústria de moagem de cereais, a comercialização de produtos alimentares e seus subprodutos, a actividade de armazenagem bem como a prestação de serviços conexos.
O seu capital social actual corresponde a 952.525,00€ (novecentos e cinquenta e dois mil, quinhentos e vinte cinco euros), totalmente subscrito e realizado, e representado por 190.505 (cento e noventa, quinhentos e cinco) acções, de valor nominal de EUR 5 (cinco euros) cada.
Desde pelo menos 2007, o seu capital social é detido em 99,5% pela C, sendo a C uma sociedade anónima que tem por objecto principal o comércio e transformação de cereais, comércio de produtos alimentares e outros.
Os restantes 0,5% do capital social da M são detidos pela T, também pelo menos desde a mesma data. A T é uma sociedade anónima que tem por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas.
No âmbito do seu objecto social, portanto, a T detém uma participação de 100% do capital social da C, pelo que a T detém uma participação, directa e indirecta, na M, que no total se cifra em 100%.
Por sua vez, 47,48% do capital social da T é detido pela F. A F foi constituída a 12.11.1988, com sede no Funchal, por G, tendo por objecto fins caritativos, educativos, artísticos e científicos».
Decorre do conjunto destas considerações que o tribunal a quo considerou que competia à embargante a prova da inexistência de interesse próprio e, não tendo a mesma logrado provar essa falta de interesse, concluiu pela validade da garantia prestada.
Escreveu-se na sentença recorrida que «(…) numa análise perfunctória da jurisprudência dos tribunais superiores, tem-se vindo a entender que impende sobre a sociedade garante que invoca a nulidade da garantia por si prestada com o objectivo de se fazer valer de tal nulidade para não ter de cumprir a obrigação garantida, o ónus de alegação e prova da inexistência de interesse próprio, ou seja, o ónus da prova dos requisitos da existência da tal invalidade do acto, de que se pretende aproveitar, sendo que a razão principal para tal reside na circunstância de que ninguém melhor do que a própria sociedade que presta a garantia, poderá certificar que a mesma foi prestada no seu próprio interesse».
Com efeito, a questão da existência do requisito do interesse próprio da sociedade encontra-se depende de outra questão, que é a de saber a quem incumbe o ónus de alegação e prova da existência ou inexistência desse interesse e da relação de grupo ou de domínio (ou da influência dominante exercida).
Relembramos que, in casu, a sociedade embargante afirmou a existência do seu justificado interesse directo, bem como das relações de domínio/grupo existentes entre as sociedades mencionadas (cfr. n.ºs 12 a 16 dos factos provados) e asseverou que «as obrigações assumidas e/ou a assumir no âmbito do presente Contrato são legais, válidas, eficazes e vinculativas, passíveis de ser executáveis de acordo com os termos e condições aqui consignado».
Da acta da reunião do conselho de administração da embargante consta, expressamente, que «a constituição de garantias por parte da sociedade tem particular interesse para aquela sua dominante [a T] (…) e, por essa via, para a sociedade, que tem a expectativa de que a prestação de garantias em causa contribua para a salvaguarda do património da sua dominante e, assim, para a manutenção da sua capacidade de dotar a sociedade de fundos que sejam necessários ao desenvolvimento da sua actividade».
Já na acta da assembleia geral da T afirma-se, peremptoriamente, que «existe interesse próprio da sociedade na prestação desta garantia» e que «a justificação (…) apresentada para prestação de garantia pela T a uma dívida da F vale inteiramente para a emissão de instruções vinculantes à sua participada em relação de domínio total M (…)».
4.5. A quem incumbirá o ónus de alegação e prova da existência ou inexistência do justificado interesse próprio e da relação de domínio ou de grupo?
O acórdão desta Relação de 11.10.2018, in www.dgsi.pt, debruçou-se sobre esta problemática, que sintetizou da seguinte forma:
«(…) a questão da atribuição do ónus de prova do interesse próprio da sociedade na prestação de garantias a favor de terceiros, tem sido objecto de discordância jurisprudencial, considerando uma parte da nossa jurisprudência (minoritária) que o ónus de alegação e prova da existência de interesse próprio da sociedade garante, incumbe ao credor que se pretenda aproveitar da garantia, sendo no entanto jurisprudência e doutrina maioritária (e actualmente praticamente unânime), a tese oposta, ou seja, que o ónus da prova de que tal interesse, apesar de declarado, não existe, incumbe à sociedade que emitiu a referida garantia.
Para a primeira tese, de que é exemplo máximo o Ac. do S.T.J. de 16/11/17, citado pelo recorrido, “A nulidade de que tais actos, à partida, se revestem, faz impender sobre o Banco Mutuante, beneficiário da garantia e autor em acção de verificação ulterior de créditos, o ónus de alegar e provar o justificado interesse da sociedade na prestação das garantias reais aos mutuários, por tal situação se configurar numa excepção à referida regra da nulidade e, como tal, constituir um elemento constitutivo do seu direito (artigo 342.º, n.º1, do CC).”, considerando que a “reclamação do crédito enquanto crédito garantido, (invocando as hipotecas constituídas a seu favor pela sociedade insolvente), atenta a nulidade de que os actos, à partida, se revestem, impunha ao Banco aqui Recorrente, o ónus de alegar e provar a excepção à referida regra, isto é, de que, no caso, existiu justificado interesse da sociedade na prestação das referidas garantias reais.
O justificado interesse da sociedade na prestação das garantias surge, por isso, como facto constitutivo da validade das garantias e do direito do Banco reclamante ver o seu crédito reconhecido como privilegiado. Por consequência, o ónus de provar tal circunstância teria de recair sobre o beneficiário da garantia, in casu a credor reclamante ora Recorrente – artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.”
Cita ainda em abono da sua posição, Soveral Martins para quem “Se é invocado um justificado interesse próprio da sociedade garante na prestação da garantia, quem tem o ónus de alegar e provar que aquele interesse existe é aquele que tem interesse em afirmar a validade da garantia. Para que a garantia deva ser considerada nula, basta que não se prove que existe esse justificado interesse próprio da sociedade garante. Não é, por isso, necessário que o terceiro soubesse ou não pudesse ignorar que esse justificado interesse próprio não existia. Esta conclusão parece inequívoca atendendo ao que se lê no art. 6.º, 3: aí se estabelece, logo à partida, que «Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias». É certo que, muitas vezes, a própria sociedade declara, ao prestar a garantia, que existe um justificado interesse próprio. Só por si, isso não significa que a invocação posterior, pela sociedade, da inexistência desse mesmo interesse constitua um abuso de direito. Em muitos casos, nenhuma expectativa de terceiros existe que deva ser tutelada. Os terceiros estão obrigados a conhecer a lei e os limites que esta fixa para a capacidade das sociedades comerciais. Os terceiros estão obrigados a saber que as sociedades comerciais existem para buscar o lucro (…). E se a sociedade presta a garantia a dívida de outrem alega que tem um justificado interesse próprio, o terceiro ou controla se isso é verdade, ou arrisca e sujeita-se às consequências, ou recusa a garantia”, in Código das Sociedades Comerciais em comentário, Volume I, Almedina, 1ª edição, 2010, 1998, p.110-111.
Em sentido contrário e formando posição maioritária e dominante na doutrina e jurisprudência, a imputação do ónus de prova, tratando-se de um facto impeditivo do interesse do direito invocado pelo credor, incumbe à sociedade garante, nomeadamente por a “entender-se que é a sociedade garantida que tem que provar a existência de interesse próprio por parte da sociedade garante, estar-se-ia perante uma prova que na prática seria muito difícil ou impossível de fazer, salvo, obviamente, se existissem prévias cautelas à prestação da garantia. Tirando casos limite, não se vê como é que uma sociedade pode provar que os actos praticados por outra foram no interesse próprio desta, tanto mais que por um lado a lei não diz o que entender por tal interesse e, por outro, este teria que ser avaliado com referência à globalidade da actividade social da sociedade e não apreciado o acto de forma isolada.” (citado ac. do STJ de 13/05/2003).
Desde já se adianta que se adere na íntegra a esta posição.
Com efeito, é certo que a regra constante do artº 6 nº 3 do CSC, consiste na limitação da possibilidade das sociedades comerciais de prestarem garantias a dívidas de outras entidades, restringindo essa possibilidade à verificação de:
a) justificado interesse próprio da sociedade garante;
b) tratar-se de sociedade em relação de domínio ou de grupo;
No entanto, não resultando da lei qualquer definição legal do que constitui o justificado interesse próprio da sociedade, terá este de ser definido pela própria sociedade, através dos seus órgãos estatutários e de acordo com os seus objectivos societários.
(…)
Assim sendo, deve “entender-se que as ressalvas estabelecidas no mencionado n.º 3 do referido preceito legal implicam a possibilidade de prestação de garantias tanto dowstream como upstream na relação de grupo ou de domínio; e em relação ao “justificado interesse próprio” compete apenas à sociedade determinar o mesmo.” (Ana Perestrelo de Oliveira (Manual de Grupos de Sociedades, 2017, pág. 187).
Temos pois que, celebrada a garantia e declarada em escritura pública que existe interesse próprio da sociedade, cabe à sociedade que invoca a nulidade o ónus da prova da ausência de interesse próprio ou da inexistência da relação de grupo, uma vez que, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (v. artigo 342° nºs. 1 e 2 do C. Civil)».
O acórdão referido foi confirmando pelo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 12.03.2019, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «impende sobre a sociedade garante que invoca a nulidade da garantia por si prestada com o objetivo de se fazer valer de tal nulidade para não ter de cumprir a obrigação garantida, o ónus de alegação e prova da inexistência de interesse próprio, ou seja, o ónus da prova dos requisitos da existência da tal invalidade do acto, de que se pretende aproveitar, sendo que a razão principal para tal reside na circunstância de que ninguém melhor do que a própria sociedade que presta a garantia, poderá certificar que a mesma foi prestada no seu próprio interesse e esta é a posição maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça».
Escreve-se neste último acórdão que: «A jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender que impende sobre a sociedade garante que invoca a nulidade da garantia por si prestada com o objectivo de se fazer valer de tal nulidade para não ter de cumprir a obrigação garantida, o ónus de alegação e prova da inexistência de interesse próprio, ou seja, o ónus da prova dos requisitos da existência da tal invalidade do acto, de que se pretende aproveitar, sendo que a razão principal para tal reside na circunstância de que ninguém melhor do que a própria sociedade que presta a garantia, poderá certificar que a mesma foi prestada no seu próprio interesse, cfr inter alia os Ac STJ de 13 de Maio de 2003 (Relator Pinto Monteiro), 17 de Junho de 2004 (Relator Quirino Soares), 7 de Outubro de 2010 (Relator Álvaro Rodrigues), 28 de Maio de 2013 (Relator Fernandes do Vale), 22 de Maio de 2018, deste mesmo colectivo; João Labareda, Direito Societário Português Algumas Questões, 186/192; Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso De Direito Comercial, Volume II, Das Sociedades, 3ª edição, 193/199; Osório de Castro, Da Prestação De Garantias Por Sociedades a Dívidas De Outras Entidades, ROA Ano 56, Agosto 1996, 565/593; Vaz Serra, RLJ 103º, 27.
Nessa jurisprudência maioritária encontra-se o Acórdão fundamento, de 16 de Novembro de 2017 (Relatora Graça Amaral), o qual, como se vislumbra pela leitura do trecho supra extractado, segue a mesma linha de raciocínio do Acórdão recorrido: impenderá sobre a sociedade garante que invoque a nulidade da garantia por si prestada com o objectivo de se fazer valer de tal nulidade para não ter de cumprir a obrigação garantida, o ónus de alegação e prova da inexistência de interesse próprio, ou seja, o ónus da prova dos requisitos da existência da tal invalidade do acto, de que se pretende aproveitar (…)».
Também o acórdão da RE, de 16.01.2020, in www.dgsi.pt., considerou que:
«A regra prevista no art.º 6º, nº 3, do C.S.C., consiste na limitação da possibilidade das sociedades comerciais de prestarem garantias a dívidas de outras entidades, excepto em caso de justificado interesse próprio da sociedade garante, ou no caso de se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
- Não estando definido na lei o que constitui o justificado interesse próprio da sociedade, terá este de ser definido pela própria sociedade, através dos seus órgãos estatutários e de acordo com os seus objectivos societários.
- Constando de escritura pública de constituição unilateral de hipoteca para garantia de dívidas de terceiros, que existe interesse próprio da sociedade, incumbe à sociedade garante que invoca a nulidade, o ónus de prova da ausência de interesse próprio ou da inexistência da relação de grupo, uma vez que, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado recai sobre aquele contra quem a invocação é feita».
Recentemente, o acórdão da RC de 05.04.2022, in www.dgsi.pt., reafirmou esta jurisprudência, decidindo que:
 «I - A sociedade comercial pode prestar garantias a dívidas de outras entidades se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
II - Invocando a sociedade garante a nulidade das garantias que prestou a terceiros, cabe-lhe a ela provar que não se verificavam as situações que tornavam válidas as garantias prestadas».
Como se refere na anotação ao art. 6.º do CSC, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina, 5.ª Edição, p. 119 e segs., «tem vindo também a consolidar-se uma orientação jurisprudencial que sustenta um entendimento diverso da repartição do ónus probandi, fazendo recair sobre a sociedade garante o ónus da prova da inexistência de justificado interesse. Esta orientação jurisprudencial, além de partir da identificação normativa entre fim e interesse da sociedade, leva a assumir, na prática, que a regra geral (aquela que aproveita a terceiros e beneficiários) é a validade das garantias prestadas a dívidas de outras entidades: é uma consequência da superação pragmática do princípio da especialidade. Com efeito, outro entendimento levaria, na esmagadora maioria dos casos, a um profundo desequilíbrio na repartição do ónus da prova. O terceiro a quem aproveita o direito não está, na maioria das vezes, em condições de demonstrar o justificado interesse da sociedade garante, já que não pode nem lhe é exigível que emita um juízo qualificado acerca do que seja o interesse social de tal entidade. Mais se diga que os terceiros beneficiários creem justificadamente que a sociedade, ao constituir garantias a seu favor, o pode fazer e nisso tem interesse, já que tal comportamento – agir no quadro legal e de acordo com o interesse social – corresponde ao comportamento padrão economicamente razoável, com o qual legitimamente podem contar».
Quanto a nós, alinhamos com a referida posição maioritária e dominante, entendendo que se está perante factos impeditivos do direito invocado pelo credor, incumbindo, por isso, à sociedade garante a prova da inexistência do justificado interesse e da relação de grupo/domínio ou influência dominante, sobretudo quando a mesma assim o declarou antes ou aquando da prestação a garantia.
É que se a prestação da garantia está compreendida naqueles actos que permitem à sociedade atingir o seu fim, na acepção do n.º 1 do art.º 6.º, então terá de concluir-se que ela tem capacidade para a prestar. Logo, se a sociedade garante invocar a nulidade da garantia por incapacidade, terá de provar que prestou a garantia sem justificado interesse próprio ou fora de uma relação de grupo/domínio.
No que respeita à influência dominante, importa ter presente que, tal como se disse supra, que as presunções previstas no n.º 2 do artigo 486.º são, apenas, algumas das situações passíveis de se configurarem como influência dominante, nada impedido que se demonstre a existência dessa influência dominante, fora dos casos previstos.
Certo é que a prova deve recair sobre as circunstâncias verificadas no momento da prestação da garantia.
4.6. No caso dos autos, é inequívoco que a recorrente não logrou provar a sua falta de interesse na prestação da garantia, nem da influência de domínio.
Ao invés, o Conselho de Administração deliberou a constituição da garantia, afirmando e justificando o interesse próprio da sociedade na prestação dessa garantia, o que impõe que se considere que os bancos credores dela beneficiários confiaram na sua validade, não lhe sendo exigível que procedesse à verificação desse interesse.
Tal como salienta Pedro de Albuquerque, in Da Prestação de Garantias por Sociedades Comerciais a Dívidas de Outras Entidades, ROA, Ano 57, Jan. 1997, p.131, «saber se um ato é ou não de interesse social, e salvo circunstâncias verdadeiramente excecionais, postula um conhecimento dos negócios da sociedade que só os respetivos órgãos estão em condições de ter, não um terceiro. Por isso sustentar a necessidade de os terceiros realizarem um controlo de mérito sobre a deliberação social, em virtude da qual se decide oferecer determinada garantia, envolveria a possibilidade de os terceiros se substituírem às sociedades na determinação dos objetivos a alcançar – pois só dessa forma lhes seria dado determinar qual o interesse social. E o mesmo se dirá a propósito da possibilidade de os tribunais sindicarem a existência ou não do interesse social invocado para justificar a concessão de determinada garantia».
De resto, e como foi demonstrado pelo tribunal a quo, não procedem os argumentos invocados pela Recorrente para justificar a inexistência de interesse próprio: inexistência de qualquer actividade social por parte da sociedade garante e inexistência de vantagem patrimonial (por a garantia ter visado permitir à F deter uma posição qualificada no Banco A e não financiar a actividade da garante).
No que respeita à primeira ordem de argumentos, têm razão os recorridos quando afirmam, mas suas contra-alegações, que «o facto de a M não ter desenvolvido a atividade que, alegadamente, constituía o seu objeto social não invalida que os potenciais fundos obtidos com a celebração dos financiamentos pudessem ter servido ao desenvolvimento da sua atividade ou qualquer outro interesse seu», sendo que, relativamente à segunda ordem de argumentação, «o motivo então invocado para o interesse da M na constituição da Garantia foi a salvaguarda do património da T, no sentido de se manter capaz de dotar a M de fundos necessários ao desenvolvimento da sua atividade (como adiante se verá, a T detém uma participação, direta e indireta, de 100% na M). (…) a prestação da Garantia pela Executada evitou a perda de um ativo considerado fundamental – que de outra forma não se poderia evitar – para a sua dominante, a T. (…) Havia, pois, uma expetativa de vantagem patrimonial na constituição da Garantia por parte da M, o que justificava o seu interesse próprio na constituição da mesma».
A prestação da garantia a dívidas da F, ainda que pudesse não acarretar uma vantagem económica imediata ou evidente para a sociedade garante, era, assumidamente, conveniente à prossecução de vantagens de cariz económico da mesma, não visando, apenas, proporcionar uma vantagem aos credores garantidos.
No que concerne à inexistência da relação de domínio ou de grupo da embargante (sociedade garante) com a F (entidade garantida), defende a recorrente que, não sendo aquela F uma sociedade, não se pode invocar a segunda excepção prevista no n.º 3 do ar. 6º do CSC.
 Mas, também aqui, não procedem os seus argumentos.
Relembremos que o capital social da embargante é detido em 99,5% pela C e em 0,5% pela T. Esta última, por sua vez, detém uma participação de 100% do capital social da C.
Desta forma, a T detém uma participação, directa e indirecta, na M, que no total se cifra em 100%.
Por sua vez, 47,48% do capital social da T é detido pela F.
Todas estas entidades – M, C, T e F – são administradas por G ou por R, seu filho (cf. certidão permanente do registo comercial da M junta como documento n.º 2 à petição de embargos e com o código de acesso atualizado n.º 2335-5047-6771, certidões permanentes do registo comercial da C e da M e Estatutos da F juntos à petição de embargos como documentos n.ºs 4, 6 e 7).
A próprias embargante e T referem-se, nas actas referidas nos factos provados, a uma relação de domínio existente entre as entidades em causa.
O mesmo sucede no “Acordo Quadro” de que é parte a embargante, onde as entidades intervenientes declararam que se encontravam numa relação de domínio ou de grupo (cfr. alínea (r) da Cláusula 1.1 do Acordo Quadro).
Não pode, pois, deixar de concordar-se com as recorridas, quando defendem, nas suas contra- alegações, que «a F, pese, embora, seja formalmente uma fundação, sempre atuou como uma holding do grupo de entidades controladas e administradas por G, sendo precisamente através da F que G tomou participações qualificadas em várias sociedades cotada na bolsa. A F atuava, assim, no desenvolvimento dessa sua atividade, como uma verdadeira sociedade comercial, procurando obter lucros a partir de investimentos em sociedade».
4.7. Mas, ainda que se entendesse que, in casu, não se encontrava preenchida nenhuma das excepções previstas no n.º 3 do art.º 6.º do CSC, sempre teríamos que a arguição de nulidade da garantia por parte da sociedade garante seria, em face das circunstâncias do caso concreto, abusiva, nos termos do artigo 334.º do CC, por atentar contra o princípio da tutela da confiança legítima decorrente do princípio da boa fé, por a mesma adoptar um comportamento com que, razoavelmente, não se contava, face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou.
Trata-se da figura do venire contra factum proprium, situação em que o exercente deixa entender, ou declara, ir tomar uma certa atitude e, depois, toma atitude contrária ou diversa (remete-se, a este respeito, para as considerações teóricas expendias na sentença recorrida, que merecem a nossa inteira concordância).
No caso dos autos, e tal como se entendeu na sentença recorrida, «a embargante fundamenta a sua oposição com factos que estão em manifesta contradição com os acordos que celebrou com os exequentes, não vindo a mesma invocar quaisquer factos posteriores à celebração dos acordos e que lhe permitissem a sua apresentação. Com esta sua conduta (factum proprium), a embargante atenta contra a boa-fé, constituindo o seu comportamento uma violação dos limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes. (…) Ou seja, a M não só constituiu a garantia, declarando, por diversas vezes, aos Bancos Exequentes ter um justificado interesse próprio na sua prestação, como afirmou, por diversas vezes, fazer parte do Grupo Y. Neste contexto, a alegação de que a garantia prestada é nula com base na alegada inexistência de interesse próprio da M na sua constituição e na alegada inexistência de uma relação de Grupo contraria totalmente os limites impostos pela boa-fé, uma vez que contradiz o comportamento assumido anteriormente pela M, violando a legítima confiança depositada pelos exequentes na veracidade das suas declarações. Como bem alegam os embargados, a situação de confiança criada estava conforme com o sistema, tendo os Bancos Exequentes tomado todas as precauções que lhes eram exigíveis, nomeadamente, garantindo que o interesse próprio que a M declarava se encontrava apoiado numa deliberação do seu Conselho de Administração. Essa confiança foi ainda reforçada pelo facto de G ser administrador e ditar os destinos e as vontades quer da F, quer da T e da M e de o mesmo ter proposto, negociado e aceite os termos da garantia aqui em causa».
Mais uma vez, não podemos deixar de concordar com as recorridas, quando, nas suas contra-alegações, fazem notar que «(…) mantendo-se hoje nas mesmas funções aquele que já na data da referida ata exercia o cargo de Presidente do Conselho de Administração da M, a mudança repentina de opinião – no caso, quanto ao justificado interesse próprio da M em constituir a Garantia, bem como ao facto de existir uma relação de domínio total entre a T e a M - só encontra justificação como forma de se pretender furtar às responsabilidade que, então, deliberadamente pretendeu assumir».
Sobre situação análoga, entendeu já o STJ, em acórdão de 10.01.2017, in  www.dgsi.pt, que «deve ser considerada abusiva, nos termos e para os efeitos do art. 334.º do CC, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, a invocação judicial da nulidade de uma garantia prestada por uma sociedade, ao abrigo do art. 6.º, n.º 3, do CSC, quando quem assim actua é uma sociedade representada pela mesma pessoa física que propôs a constituição da garantia, interveio na acta da assembleia geral que aprovou a sua prestação afirmando expressamente a existência de interesse próprio e, além disso, teve prévio conhecimento do negócio sem opor nenhuma objecção» (veja-se, no mesmo sentido, o acórdão da RC de 04.05.2022, supra citado).
Enfim, agindo a embargante em evidente abuso de direito, a arguição da nulidade em causa sempre seria ilegítima e, por conseguinte, improcedente a sua oposição à execução.
4.8. Defende, finalmente, a recorrente que «a interpretação do artigo 6.º, n.º 3.º do CSC feita pelo Tribunal a quo, no sentido de as sociedades comerciais poderem constituir garantias a favor de terceiros, mesmo sem qualquer interesse próprio (bastando a mera afirmação desse interesse para o mesmo se verificar) e sem existir relação de grupo societário é inconstitucional, por violação do art. 12.º, n.º 2, da CRP, o qual dispõe que “As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”».
Não foi, contudo, essa a interpretação feita pelo tribunal a quo.
Resulta inequívoco da sentença recorrida que o tribunal a quo não entendeu que as sociedades comerciais podem constituir garantias a favor de terceiros, mesmo sem qualquer interesse próprio e sem existir relação de grupo societário, como parece ter entendido a recorrente.
Pelo contrário, o tribunal a quo reconheceu que, ao abrigo do artigo 6.º, n. º 3 do CSC, a validade da prestação de garantias por parte de uma sociedade depende, sempre, da verificação de justificado interesse próprio da sociedade garante ou da existência de uma relação de grupo, mas concluiu que competia à sociedade garante, que invoca a nulidade da garantia, demonstrar que tais requisitos não se encontravam preenchidos, demonstração que a mesma não logrou fazer.
Ou seja, o tribunal a quo considerou verificadas as excepções que tornam válida a prestação de uma garantia ao abrigo do artigo 6.º n.º 3 do CSC, pelo que concluiu pela validade da garantia prestada pela embargante, o que, por si só, evidencia que na interpretação do tribunal a quo não estava dispensada a demonstração de, pelo menos, uma dessas excepções.
Inexiste, destarte, a inconstitucionalidade apontada na interpretação feita pelo tribunal a quo do artigo 6.º n.º 3 do CSC.
4.9. Aqui chegados, conclui-se que soçobram todas as conclusões da recorrente, improcedendo o recurso por si interposto.
A recorrente suportará as custas do recurso, por ter ficado vencida (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
V – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela executada, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Lisboa, 09/03/2023
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Teresa Pais
Carla Mendes