TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE
ISENÇÃO DE CUSTAS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário

I - Visando os acórdãos uniformizadores de jurisprudência introduzir certeza e segurança, os tribunais de primeira instância e da Relação devem observar o sentido daqueles, a menos que introduzam um argumento inovador de grande valia, que se verifique uma evidente alteração da doutrina e da jurisprudência e ou que uma alteração de composição do Supremo Tribunal de Justiça deixe clara que a posição anteriormente adotada deixou de ser maioritária.
II - Quer as partes, quer o tribunal estão em condições de saber qual o montante do remanescente da taxa de justiça antes mesmo de o processo ser contado, pelo que a decisão de pedir a dispensa do pagamento não está dependente da elaboração da conta.
III - Não impende sobre o juiz o dever de, na sentença, se pronunciar sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por tal contrariar, quer o teor das normas atinentes, quer o sistema de pagamento das custas processuais
IV - A isenção de custas prevista no n.º 7 do art.º 6.º do R.C.P. não foi gizada para que o juiz corrija o que possa entender como sendo um valor excessivo de custas, mas sim para valorar a complexidade processual e premiar uma impecável conduta das partes.
V - Para que o juiz possa levar a cabo a sua tarefa, importa, porém, que a parte cumpra com o seu ónus de pedir a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça até ao trânsito em julgado da decisão final.

Texto Integral

Proc. 220/11.2TBAMT-D.P1

Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relatório
Na ação movida por “A..., S.A.” contra “B..., S.A.”, em que é interveniente “C..., S.A.”, a R. interpôs o presente recurso da decisão que indeferiu a sua pretensão de se ver dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça
Pede que se revogue o despacho recorrido, substituindo-o por outro que a dispense de proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.
Se assim não se entender, que seja dispensada de pagar o remanescente da taxa de justiça na proporção de 90%;
Mais requer que se declare inconstitucional o art.º 6.º/7 do Regulamento das Custas Processuais.
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Formulou as seguintes conclusões:
I - A interpretação conferida pelo Supremo Tribunal de Justiça ao artigo 6.º, n.° 7, do Regulamento das Custas Processuais é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade (ou proibição de excesso), decorrentes dos princípios do Estado de Direito e da Tutela Jurisdicional Efetiva.
II - A título meramente exemplificativo do quão inadequada é a posição do Supremo Tribunal de Justiça a respeito desta matéria, basta ponderar um cenário onde os sujeitos passivos de IRS também não poderiam reclamar do valor que viesse a ser apurado em sede de Liquidação de IRS já que, seguindo a lógica do Supremo Tribunal de Justiça, os sujeitos passivos já dispunham de todos os elementos para apurar a matéria coletável e, consequentemente, o valor que iriam ter de liquidar a título de IRS.
III - O Tribunal "a quo" reduziu a «reclamação» à questão do «pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça», nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, e valendo-se da Jurisprudência do n. 1/2022, de 03 de Janeiro, do STJ.
IV - Importa sublinhar que fica implícita, no despacho sob recurso, que o Tribunal a quo", parece entender que o artigo 6.°, n.° 7, do RCP, quando refere: «Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento», impede a apresentação de reclamação, nos termos em que ocorreu, nos Autos.
V- Retiram-se as seguintes ideias;
(i) o saber se vai ou não haver lugar somente é passível de conhecimento a final, na elaboração da conta final;
(ii) o juiz, nada dizendo, na sentença/acórdão, sobre o remanescente da taxa de justiça, levará à presunção (ilidível) de que dispensa tal pagamento;
(iii) o juiz, condenando, na sentença/acórdão, sobre o remanescente da taxa de justiça, poderá levar a um requerimento de pedido de dispensa, sempre que não tiver fundamentado;
(iv) o juiz, condenando e fundamentando, na sentença, sobre o remanescente da taxa de justiça, mediante os "índices semióticos" que justificam tal acréscimo (articulados ou alegações prolixas; questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou análise combinada de questões jurídicas de âmbito diverso; audição de número elevado de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova), impedirá ou bloqueará um pedido de dispensa;
(iv) da conjugação dos artigos 529.", n.º 2, 530.", n.os 1 e 7, alíneas a) a c), 580.°, 616.", n.os 1, alínea a), 2, e 3, 629.°, n.ºs 1, 2, alínea c), 630.° (a contrario sensu), do NCPC, artigos 6", n.º 7, e 31.°, n.ºs 1, 2, 3, alíneas a) e b), 5, 6, do RCP, sob pena de inconstitucionalidade material de tal interpretação normativa, deve entender-se que o remanescente da taxa de justiça implica, para o julgador, um poder-dever de pronúncia, por se afigurar necessário densificar critérios de igualdade e proporcionalidade, à luz do paradigma ponderado e codificado de legitimação tributária, em sede de imposto de justiça, que não socave ou inviabilize, pela via da exigência económica, o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva.
(v) a faculdade, ínsita no artigo 6.°, n.° 7, do RCP, impõe, sob pena de inconstitucionalidade, em cada decisão judicial, que o julgador fundamente a sua decisão em matéria de custas e taxa de justiça, mormente os critérios e razões especiais, que o levam a não aplicar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, já que, de outro modo, o legislador retiraria, da inércia do sujeito processual, um efeito jurídico preclusivo e ablador da sua propriedade, que não é permitido;
(vi) a Jurisprudência do STJ n.º 1/2022 ao ser aplicada, quer nos casos em que o Juiz não se pronuncia sobre a (não) dispensa do pagamento do remanescente, quer nos casos em que se pronuncia, antes da elaboração da conta final, introduz uma contradição entre o artigo 6.º n.° 7, e 31.º, n.os 1, 2, 3, alíneas a) e b) 5, 6, do RCP, que permite a via da reclamação e do recurso, relativamente a uma decisão judicial de condenação em "custas processuais" (lato sensu, ai se abrangendo a "taxa de justiça"), que o artigo 9.", n.os 1 e 3, do CC, não permite, à sombra da «unidade do sistema jurídico» e do «legislador razoável», e, muito menos, à sombra do paradigma ponderado e codificado em matéria de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e da designada «Constituição Fiscal» de legitimação dos tributos, incluso o «imposto de justiça», como o é a taxa de justiça.
VI - A RECLAMAÇÃO da conta das «Custas e Taxa de Justiça», pode, nos termos dos artigos 6.°, n,° 7, e 31.°, n.° 1, 2, 3, alíneas a) e b), 5, 6, do RCP, inequívoca e indubitavelmente, ser apresentada "no tempo em que o foi" e com o "âmbito com que o foi".
VII - O legislador, no artigo 6.", n." 7, do RCP, impele o juiz, impondo-lhe um poder-dever a exigir uma especial fundamentação, para a não exigência do remanescente, que o mesmo indague, antes de decidir e condenar em custas processuais, se (i) a especificidade da situação justifica a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, mormente olhando, ainda (ii) à complexidade da causa e à (iii) conduta processual das partes.
VIII - No caso, note-se, «a especificidade da situação», envolvendo um litígio, entre duas sociedades comerciais em que, dada a demora do processo, se verifica que a demandada, pela aqui recorrente, já foi declarada INSOLVENTE, então, também tendo em conta que a recorrente obteve VENCIMENTO (na maior parte das suas pretensões).
IX - Ao não permitir ou admitir a reclamação da conta final, na qual, por acto não do juiz, mas da Secretaria, foi incluído o remanescente da taxa de justiça, veio legitimar-se que um acto não judicial.
X - A interpretação normativa "ou norma funcionalmente criada", pelo STJ, no seu Acórdão n." 1/2022, de 03 de Janeiro, e pelo julgador, em redor do artigo 6.º, n.° 7, do RCP, como exigindo que a reclamação ou pedido, para dispensa do pagamento de remanescente, ocorra, antes da verificação do trânsito em julgado, afigura-se materialmente inconstitucional, por ofensa aos princípios da legalidade democrática, da constitucionalidade, bem como aos princípios da igualdade, proibição de excesso e tutela jurisdicional efectiva.
XI - Pode-se, relativamente à interpretação do artigo 6.", n.º 7, do RCP, no que à questão do prazo para o exercício pela parte do seu direito a suscitar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, apontar-se quatro interpretações possíveis:
(i) se até ao momento em que transita em julgado a decisão final (tese do Acórdão recorrido e do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 1/2022);
(ii) se nos dez dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão (tese defendida no Acórdão fundamento subjacente ao Acórdão do STJ n." 1/2022).
(iii) poderemos configurar uma terceira via de resolução, já que se não se vislumbra nenhuma norma jurídica a fixar, um dado momento temporal como preclusivo da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, aqueloutras duas soluções apresentadas, isto é, o trânsito em julgado da decisão do processo, ou os dez dias subsequentes.
(iv) a todo o tempo em que ainda é possível modificar e após notificação da modificação da conta processual.
XII - Por força do vertido no artigo 29.", n." 1, do RCP, constata-se que, com a excepção da alínea d), a elaboração da conta de custas é sempre OBRIGATÓRIA, de tal modo que, a esta luz, não colhe o entendimento ou tese de que o requerimento de dispensa que ocorre em momento ulterior ao da elaboração da conta processual daria origem a um acto inútil e proibido por lei.
XIII - Enquanto o processo, para efeitos de conta processual, puder ser objecto de contagem final e enquanto esta não ocorrer, pode ser, pertinentemente, formulado pedido de dispensa ou, de igual modo, pode o juiz determinar, oficiosamente, a dita dispensa, sendo, em ambos casos, a mesma sempre tempestiva.
XIV - Tendo a final sido apresentada ao sujeito processual, deve o mesmo poder, em reclamação da conta processual ou requerimento específico em que formule o pedido de dispensa, poder requerer a isenção, posta no artigo 6.º, n." 7, do RCP, sob pena de que o entendimento oposto impor um tratamento desigual dos sujeitos processuais, fazer valer a omissão de pronúncia (obrigatória, à guisa de "poder-dever") do juiz, em matéria de condenação em custas processuais (lato sensu, aí se inserindo a condenação no remanescente da taxa de justiça, sendo o caso).
X - O entendimento de que, face ao artigo 6.", n." 7, do RCP, quando o juiz nada diz, na sentença, relativamente à dispensa do pagamento do remanescente, tal significa que ele ó devido, viola a reserva de juiz e reconduz uma omissão de pronúncia a uma pronúncia, em termos constitucionais incompatíveis com a segurança e confiança jurídicas, subjacente ao princípio do Estado de Direito Democrático, bem como à obrigação constitucional e legal do julgador de decidir (artigo 8.", do CC).
XVI - O artigo 6.º, n.º 7, do RCP foi introduzido visando assegurar o respeito por princípios e direitos fundamentais constitucionalmente consagrados justificando-se uma interpretação que privilegie essa garantia, assim se devendo exigir dos juizes o cumprimento do poder-dever de fundamentar, na sentença/acórdão, se é, ou não, devido o remanescente da taxa de justiça.
XVII - A interpretação conferida pelo Supremo Tribunal de Justiça ao artigo 6.", n." 7, do Regulamento das Custas Processuais é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade (ou proibição de excesso), decorrentes dos princípios do Estado de Direito e da Tutela Jurisdicional Efetiva.
XVIII - Muito embora o Tribunal Constitucional tenha reconhecido não existir uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, destacou também que é necessário que "a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmático que a taxa pressupõe”.
XIX - Existe um poder/dever de garantir a adequação das custas ao serviço prestado ao cidadão, sendo certo que não é possível assegurar uma equivalência matemática precisa, mas neste caso concreto é flagrante e manifesta a desproporção existente, a qual deveria ter sido corrigida pelo juiz, já que quem deu causa ao pleito c dele saiu vencido é responsável por uma conta de custas de valor semelhante e, imediatamente após a condenação, apresenta-se à insolvência para se eximir das suas responsabilidades, não só para com o Estado, mas também para com a RECORRENTE.
XX - Pelo exposto e atendendo à função de "juiz constitucional difuso", deverá decretar-se a supra invocada inconstitucionalidade material, do aludido preceito do Regulamento das Custas Processuais, por violação princípio da proporcionalidade (ou de proibição do excesso), decorrente dos princípios do Estado de Direito e da tutela jurisdicional efetiva (artigos 2.º, 18.º n.° 2, 2.a parte, e 20.°, da Constituição da República Portuguesa), quando interpretada no sentido de não ser processualmente possível, com respeito pelo principio da preclusão, após a notificação da conta final de custas, a requerimento das partes ou oficiosamente pelo tribunal, proferir decisão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, mesmo em casos em que a taxa de justiça excede de forma intolerável - porque repudiado por uma ideia de justiça inscrita no nosso viver social - a proporção entre o serviço de justiça prestado pelo Estado e a contrapartida correspondente ao custo económico-financeiro exigível aos utentes.
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O Ministério Público contra-alegou, terminando com as seguintes conclusões:
1. O erro que à conta de custas se aponta cinge-se à questão do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
2. A lei não impõe ao julgador que, desde logo na sentença se pronuncie sobre a dispensa do pagamento do aludido remanescente. É um ónus de quem dele pretende beneficiar, requerê-lo, caso nada sobre tal dispensa tenha sido exarado em sentença, sabendo que caso nada requeira o terá necessariamente que pagar. A sentença pronunciou-se sobre as custas, pelo que não enferma de qualquer nulidade nem demanda qualquer correcção. Não se pronuncia, nem tem de pronunciar sobre o devido, ope legis, pagamento do remanescente da taxa de justiça.
3. Não se verifica qualquer das situações excepcionais que justifiquem não aplicar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça uniformizador de jurisprudência nº 1/2022, de 3 de Janeiro.
4. Não se mostram preenchidos os pressupostos legalmente fixados para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
5. Não é inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas
6. Não é inconstitucional a norma extraída do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na interpretação segundo a qual, nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o autor deve assumir o pagamento da taxa de justiça devida, independentemente da medida do vencimento ou decaimento da causa.
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Fundamentação de facto
1 - “A..., S.A.” intentou ação declarativa sob a forma de processo ordinário contra “B..., S.A.”, em que interveio “C..., S.A.”.
2 - Foi proferida decisão que transitou em julgado.
3 - A R. formulou pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após o trânsito em julgado.
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A questão a resolver consiste em determinar se a recorrente deve ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, e, na afirmativa, na totalidade ou parcialmente.
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Fundamentação jurídica
O presente recurso versa o indeferimento do tribunal de primeira instância do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça formulado pela apelante com fundamento na circunstância de ter sido apresentado após o trânsito em julgado da decisão final.
A recorrente expende que há quatro interpretações possíveis do disposto no art.º 6.º/7 do R.C.P. no que concerne à questão do prazo para o exercício pela parte do seu direito a suscitar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça:
- até ao momento em que transita em julgado a decisão final (tese do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 1/2022);
- nos dez dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão;
- o trânsito em julgado da decisão do processo, ou os dez dias subsequentes.
- a todo o tempo em que ainda é possível modificar e após notificação da modificação da conta processual.
O despacho recorrido aplicou a disciplina do ac. uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2022, de 3 de Janeiro, segundo a qual a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.
Não oferece dúvidas que, em princípio, os tribunais de primeira instância e da Relação devem observar o sentido dos acórdãos uniformizadores.
Os recursos para uniformização de jurisprudência visam introduzir certeza e segurança em domínios em que mesmo ao nível da instância de recurso constituída pelo Supremo Tribunal de Justiça exista divergência, no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
Dispõe o n.º 1 do art.º 688.º do C.P.C. que as partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
Escreve Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, 2022, p. 574): quanto à natureza vinculativa ou meramente persuasiva do acórdão de uniformização remete-se para o que se deixou referido na anot. ao art.º 687.º. (…) Aí se lê (cf. p. 540): por oposição à doutrina dos Assentos, os acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, além de não serem dotados de eficácia obrigatória geral, como decorria do revogado art.º 2.º do C.C., não são vinculativos para quaisquer tribunais (…) Todavia, a lei não deixou de lhes atribuir um especial relevo, conferindo-lhes implicitamente força persuasiva, como se constata pelos seguintes elementos normativos. Desde logo, através da função e objetivos da jurisprudência uniformizadora: o valor da segurança jurídica e a busca de soluções que potenciem o tratamento igualitário ressalta com nitidez do art.º 686.º, na medida em que confere ao Presidente do Supremo o poder de determinar o julgamento ampliado da revista. Deriva ainda da tendencial estabilização da jurisprudência que pode resultar do julgamento ampliado conseguida através de diversas medidas dispersas pelo C.P.C..
Enumera em seguida essas medidas, contidas nos arts. 629.º/2/c, 629.º/2/d, 672.º/1/c, 671.º/2/b, 656.º, 679.º, 688.º/3 e 536.º/2/b.
Termina aquele autor (p. 541): mesmo sem valor vinculativo, a jurisprudência uniformizadora deve ser acatada pelos tribunais inferiores e até pelo próprio STJ em recursos posteriores, enquanto se mantiverem os pressupostos que a ela conduziram em determinado contexto histórico
Como se lê no ac. S.T.J. de 13-11-2003 (proc. 03P3157, Simas Santos, consultável in http://www.dgsi.pt/, tal como os demais acórdãos que vierem a ser nomeados, salvo indicação diversa), o eventual afastamento, por parte dos tribunais judiciais, da jurisprudência fixada só deverá ocorrer quando:
- o tribunal judicial em causa tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador (no seu texto ou em eventuais votos de vencido), susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada;
- se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; ou, finalmente,
- a alteração da composição do Supremo Tribunal de Justiça torne claro que a maioria dos juízes das Secções Criminais deixaram de partilhar fundadamente da posição fixada.
Mas seguramente não sucederá quando o Tribunal Judicial não acata a jurisprudência uniformizada, sem adiantar qualquer argumento novo, sem percepção da alteração das concepções ou da composição do Supremo Tribunal de Justiça, baseado somente na sua convicção de que aquela não é a melhor solução ou a “solução legal”, com base em argumentos já considerados.
No caso vertente não se verifica nenhuma das objeções apontadas à aplicação da tese do acórdão, pelo que esta deverá ser acatada.
Resta, assim, aferir se deve recair sobre a doutrina do acórdão algum dos juízos de inconstitucionalidade apontados pela apelante.
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Segundo a recorrente, a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça do art.º 6.º/7 veiculada no acórdão uniformizador é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade (ou proibição de excesso), decorrente dos princípios do estado de direito e da tutela jurisdicional efetiva.
Prevê o art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe Estado de direito, que a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
E o art.º 20.º da mesma lei fundamental, sob a epígrafe acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva:
1 - A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
5 - Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
A mera consulta das tabelas anexas ao Regulamento das Custas Processuais permite aos utentes da justiça ficar com uma ideia muito razoavelmente precisa dos montantes das taxas de justiça que hão de suportar, ab initio e a final. As partes, pelo menos quando representadas por advogado, como é o caso, reúnem suficientes condições para anteverem o que lhes será exigido a título de remanescente da taxa de justiça, pelo que é antes de elaborada a conta que devem requerer a dispensa a que se reporta o n.º 7.º do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
Não se vislumbra, desta forma, violação do princípio da proporcionalidade, como não se entrevê como possa a doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência ferir o Estado de direito democrático ou o acesso aos tribunais. Por conseguinte, sendo a norma e a interpretação da mesma conformes à Lei Fundamental, pelo menos nesta perspetiva, inexiste fundamento para deixar de as aplicar.
O legislador poderia, é certo, ter legislado diversamente. Não compete, todavia, aos tribunais, proceder a interpretações ab-rogantes da lei.
Argumenta, outrossim, a apelante que o tribunal a quo reduziu a reclamação, nomenclatura por si dada ao requerimento em que pediu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a essa matéria, como se entendesse que está vedada a reclamação da conta com este fundamento.
A questão assim suscitada é despicienda. A pretensão da ora recorrente consiste na dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Não viu alcançado esse desiderato, ou seja, a substância do seu requerimento foi indeferida. E não o foi porque a reclamação, ou a dispensa, não era em si mesma admissível, mas porque o momento processual para requerer a dispensa já tinha passado.
Prossegue a apelante nas suas considerações defendendo que o juiz nada dizendo na sentença/acórdão sobre o remanescente da taxa de justiça levará à presunção (ilidível) de que dispensa tal pagamento.
Aduz ainda que da conjugação do disposto nos arts. 529.º/2, 530.º/1/7/a) a c), 580.°, 616.º/1/a/2/3, 629.º/1/2/c), 630.º (a contrario sensu) do C.P.C., nos arts. 6.º/7 e 31.º/1/2/3/a/b/5/6 do Regulamento das Custas Processuais emerge que, sob pena de inconstitucionalidade material de tal interpretação normativa, deve entender-se que o remanescente da taxa de justiça implica, para o julgador, um poder-dever de pronúncia, por se afigurar necessário densificar critérios de igualdade e proporcionalidade. Impor-se-ia que em cada decisão judicial o julgador fundamentasse a sua decisão em matéria de custas e taxa de justiça, mormente os critérios e razões que levem a não aplicar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
A questão que se coloca consiste em determinar se impende sobre o juiz o dever de, na sentença, se pronunciar sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Quer o teor literal do n.º 7 do art.º 6.º do R.C.P. (em concordância com o n.º 2 do art.º 9.º do C.C., escreve Oliveira Ascensão, in O Direito. Introdução e Teoria Geral, p. 350, que a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação), quer o edifício normativo em que assentam as custas conduzem a que se responda negativamente a tal questão.
No n.º 7 do art.º 6.º consigna-se que nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. Deste preceito decorre que a regra é o pagamento do remanescente e que a exceção é a isenção. O legislador previu um valor de taxa de justiça em função do valor da causa e correlativo do mesmo. Porém, no que se refere às causas de valor superior a €275.000,00, dilui no tempo o pagamento daquela taxa, não o exigindo na totalidade ab initio. Não está, contudo, em causa uma verdadeira dispensa de pagamento do remanescente, mas sim um diferimento temporal. Nos termos da lei, o que é previsível para a parte é que tenha que o vir a pagar.
Uma vez mais, não cabe ao julgador aquilatar da bondade do sistema assim gizado, mas sim aplicá-lo. A pretensão da recorrente é que é diametralmente oposta ao sistema de pagamento das custas erigido.
Ainda que sem especificar a questão em sede de conclusões, a apelante requereu a reforma da sentença nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 616.º/1/3 do C.P.C.. Por aquilo que se vem de dizer já se vê que não lhe assiste razão, pois não havia motivo para o juiz se pronunciar acerca da pretendida isenção de custas na sentença, pelo que sempre esta pretensão teria que improceder.
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Deverá, apesar de tudo, fazer-se tábua rasa da lei por ser esta violadora da Lei Fundamental?
A apelante esgrime com a violação dos princípios da igualdade e da proibição de excesso. Não se logra, porém, discernir em que medida se possam justificar tão severas críticas.
Como se disse, a consulta das tabelas anexas ao Regulamento das Custas Processuais permite aos utentes da justiça calcular o valor das custas. Os utilizadores do sistema sabem também que, mediante a verificação de determinadas condições, que não podem estar certos que venham a mostrar-se reunidas no desenlace do processo, são suscetíveis de vir a ficar isentos do pagamento do remanescente e que deverão formular pedido nesse sentido.
Não se alcança, por conseguinte, em que medida possa a Constituição da República Portuguesa estar a ser atropelada.
Em abono da sua tese, expende a apelante que o juiz tem um poder dever de garantir a adequação das custas ao serviço prestado ao cidadão, sendo neste caso manifesta a desproporção existente, que deveria ter sido corrigida. Aduz a recorrente que quem deu causa ao pleito e dele saiu vencido é responsável por uma conta de custas de valor semelhante e imediatamente após a condenação se apresenta à insolvência para se eximir das suas responsabilidades para com o Estado, mas também para com a recorrente.
De acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., pp. 392 e 393), o princípio da proporcionalidade ou princípio da proibição do excesso, desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato) e princípio da justa medida ou da proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).
Na situação sub judice está em causa a proporcionalidade entre o serviço de justiça prestado pelo Estado e a contrapartida correspondente ao custo económico-financeiro exigível aos utentes. Uma vez mais, a recorrente exercita a sua discordância relativamente a matéria legislada. Efetivamente, é o legislador que estabelece o valor das taxas de justiça, podendo cada um, no âmbito da liberdade de expressão, e nos canais adequados, expor a sua opinião a esse propósito. Já não assim o julgador. Realça-se que a isenção de custas prevista no n.º 7 do art.º 6.º do R.C.P. não foi gizada para que o juiz corrija o que possa entender como sendo um valor excessivo de custas, mas sim para valorar a dificuldade processual dos autos e premiar uma impecável conduta das partes. Importa, porém, para que possa levar a cabo a sua tarefa que a parte cumpra com os seus ónus processuais em devido tempo.
O que não se mostra viável é diminuir o valor da taxa de justiça por via jurisdicional.
Não se entrevendo fundamento para apodar de inconstitucional a interpretação dada à norma em apreço pelo ac. uniformizador em questão e não se verificando qualquer situação excecional que justifique a sua não aplicação à situação decidenda, não se nos oferece dúvidas que é essa a interpretação a ser adotada.
Chama-se à colação o Ac. do Tribunal Constitucional do proc. n.º 347/21 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) que decidiu “não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do R.C.P., introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas” bem como “não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, na interpretação segundo a qual, nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o autor deve assumir o pagamento da taxa de justiça devida, independentemente da medida do vencimento ou decaimento da causa.”
Bem assim o ac. da Relação de Lisboa de 12-4-2018, (proc. 562/13.2TVLSB.L3-8, António Valente), em que se sumaria: I - As partes podem requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6º nº 7 do RCP até ao trânsito em julgado da decisão final ou pelo menos, até ao momento de elaboração da conta. II - Sendo assim extemporânea, a apresentação de tal requerimento após a elaboração da conta. III - Não existe violação de qualquer princípio constitucional, nomeadamente o direito fundamental de acesso aos tribunais, na medida que não foi impedida a parte de requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça, foi simplesmente fixado um limite na sequência processual para que tal requerimento possa ter lugar.
Atente-se em que o citado acórdão uniformizador responde consistentemente à generalidade das objeções da recorrente a propósito da questão suscitada, pelo que para o mesmo se remete.
Por tudo o exposto, improcede a totalidade das pretensões da recorrente.
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Dispositivo
Nos termos sobreditos acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão proferida.
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Custas pela apelante (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto 27/02/2023
Teresa Fonseca
Maria José Simões
Augusto de Carvalho