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ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
TRANSIÇÃO PARA O NRAU
PRAZO DE SUSPENSÃO
Sumário
I - A transição do contrato de arrendamento para fim não habitacional, celebrado anteriormente ao Dec.Lei n.º 257/95 de 30 de Setembro, para o NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano), findo o prazo de suspensão estabelecido na lei, não é automática uma vez que a lei exige uma nova tomada de posição do senhorio nesse sentido concreto. II - Tendo o senhorio desencadeado o procedimento de transição do contrato de arrendamento para o NRAU quando se encontrava em vigor o prazo legal de 5 anos, é aplicável o novo prazo de suspensão de 10 anos estabelecido pelo legislador, se aquele ainda não tinha terminado, computando-se o período de tempo já decorrido (art.º 297.º, n. 2 do CC).
Texto Integral
Processo n.º1529/22.5T8PRT.P1
Relatora: Anabela Andrade Miranda
Adjunta: Lina Castro Baptista
Adjunto: Pedro Damião e Cunha
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I—RELATÓRIO AA instaurou a presente acção declarativa condenatória contra “A..., Lda.”pedindo, em síntese, odespejo de locado, por extinção do contrato de arrendamento (caducidade) decorrente da oposição à sua renovação.
A Ré, em resumo, alegou que o contrato de arrendamento apenas transitaria para o NRAU em 2023, com o prazo de cinco anos de duração, ou seja, o contrato vigoraria até 27/05/2028.
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Proferiu-se sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a Ré do pedido.
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Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso finalizando com as seguintes Conclusões
A) A Recorrente não concorda nem concebe a sentença recorrida porque o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito, mormente uma errada aplicação e interpretação dos artigos 50º e ss e 54º do NRAU. Se não vejamos:
O contrato de arrendamento em apreço foi celebrado em 01/08/1963, portanto, em momento anterior à vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU) e do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de setembro que reviu o regime do arrendamento urbano para o exercício de comércio, indústria profissões liberais e outros fins lícitos não habitacionais;
C) Como tal, é aplicável ao contrato em apreço, o Capítulo II, Secção I e H do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/02 e sucessivamente alterado, designadamente pela Lei nº 31/2012, de 14/08, Lei nº 79/2014, de 19/12 e Lei nº 42/2017, de 14/06;
D) A transição do contrato para o NRAU e a atualização de rendas depende de iniciativa do senhorio, nos termos do artigo 50º do NRAU, iniciativa que a Recorrente tomou no ano de 2013, sendo que, à data, a redação do NRAU vigente era a conferida pela Lei nº 31/2012, de 14/08;
A controvérsia centra-se quanto à transição do contrato em apreço para o NRAU;
E) Ora, efetivamente, a Lei nº 79/2014, de 19 de dezembro, veio alterar o nº 6 do artigo 54.º do NRAU alargando o prazo supletivo do contrato para 3 anos e a Lei nº 43/2017, de 14 de junho, veio alterar o nº 1 do mesmo preceito, alargando para 10 anos o período moratório para a transição e o prazo supletivo do contrato para 5 anos;
F)Fazendo errada interpretação, o Tribunal a quo concluiu que o prazo supletivo do contrato, previsto, no atual artigo 54º nº 6 al. b) do NRAU, é aplicável à situação em apreço o que não se aceita nem se concebe;
G) A sentença recorrida fez uma errada interpretação da lei e do direito, sendo violadora do disposto no artigo 12º do Código Civil e no artigo 2.º da C.R.P, não devendo o Tribunal a quo aplicar, no caso em apreço a Lei nº 43/2017 de 14 de Junho, concretamente o seu atual artigo 54º;
H) As respostas firmadas na sentença recorrida não são as corretas, são claramente violadoras do artigo 12º do Código Civil e ainda de direitos liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, concretamente no artigo 2º da CRP;
I)No caso concreto estamos perante um arrendamento urbano para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95 de 30 de Setembro;
J) Após a entrada em vigor da Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto, a transição desse tipo de contratos para o N.R.A.U. e a respetiva atualização da renda, dependiam de iniciativa do senhorio, que deveria comunicar a sua intenção ao arrendatário;
K) No caso concreto, a Senhoria/Recorrente, em 24/04/2013, cumpriu o que a lei – em vigor àquele momento estipulava – e enviou uma carta à Arrendatária/Recorrida, manifestando a iniciativa de proceder à transição do contrato para o N.R.A.U. com a correspondente atualização da renda passando o contrato de arrendamento a ter prazo certo com duração de 5 anos, a renovar por acordo das partes, sendo que a renda atualizada deveria começar a ser paga logo no mês de Maio de 2013. Em resposta a Recorrida informou que não concordava com a submissão do contrato de arrendamento ao NRAU porque seria uma microentidade - nos termos do artigo 51.º n.º 5 da Lei N.º 6/2006 de 27 de Fevereiro com as alterações previstas na Lei 31/2012 de 14 de Agosto e propôs um outro valor de renda;
M) Por meio de carta datada de 30/05/2013, a Recorrida enviou documentos que atestariam tratar-se de uma microentidade nos termos supra;
N) A Recorrente respondeu por carta datada de 06/06/2013 e enviada por correio registado com aviso de receção no dia 07/06//2013, através da qual lhe comunicou que em face da documentação junta era admissível ao Senhorio exigir a atualização da renda em função do valor patrimonial do imóvel e que por via disso a renda passava para o valor mensal de 413,39€, passando o referido contrato de arrendamento não habitacional a ter prazo certo de 1 ano, e na falta de acordo, de 5 anos, renovável por períodos de 1 ano, considerando o valor da renda devida já no mês de Julho de 2013;
O) A Arrendatária/Recorrida nada mais disse e ou se pronunciou quanto àquela carta enviada pela Senhoria/Recorrente, tendo aceite pagar o valor da renda mensal de 413,39€, tal como resulta dos recibos de renda juntos aos autos;
P) Posteriormente, em 26/09/2019 a Recorrente enviou missiva à Recorrida a informar da sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, tendo invocado a caducidade do mesmo em 31/07/2020 e solicitado a entrega do mesmo nessa data livre de pessoas e bens, que aquela recebeu a 27/09/2019;
Q) Ora, como não houve qualquer acordo expresso e na falta de qualquer outra resposta por parte da Recorrida o contrato transitou para o NRAU no prazo de cinco anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos do nº 4 do artigo 51º, ou seja, 5 anos após o dia 22 de Maio de 2013, considerando-se, desta forma, o contrato submetido ao NRAU no 22/05/2018;
R) Igualmente preceituava o artigo 54.º n.º 6 do NRAU na redação da lei aplicável à data da comunicação da Autora à Ré (Lei n.º 31/2012, de 14/08) que: “ 6 - Findo o período de cinco anos referido no n.º 1, o senhorio pode promover a transição do contrato para o NRAU, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 50.º e seguintes, com as seguintes especificidades: a) O arrendatário não pode invocar novamente qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º; b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de dois anos.”;
S) Ora, desta forma mesmo que se entendesse que o contrato não passou a estar submetido ao NRAU desde 2013, nem sujeito a um prazo de duração de 5 anos renovado por períodos de 1 ano, o referido contrato em face do não acordo entre Senhoria e Arrendatária na submissão do contrato ao NRAU, sempre teria que ficar submetido ao NRAU decorridos 5 anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos do nº 4 do artigo 51º;
E findo este período de cinco anos, a Senhoria podia promover a transição do contrato para o NRAU, e mesmo que se entenda não ter existido qualquer acordo da Arrendatária quanto ao tipo e duração do contrato que passaria a vigor, pois que, no silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de dois anos – cfr. artigo 54.º n.º 6 do NRAU (Lei n.º 31/2012, de 14/08);
U) Como acima se disse, mesmo que se entenda que não houve obtenção de qualquer acordo entre Senhoria e Arrendatária quanto à atualização da renda e à submissão do contrato ao NRAU em estrito cumprimento da lei aplicável à data (artigo 54.º do NRAU na redação da lei aplicável à data da comunicação da Autora à Ré (Lei n.º 31/2012, de 14/08) o contrato de arrendamento encontra-se submetido ao NRAU desde o dia 22/05/2018 o qual nessa data passou a vigor com prazo certo pelo período de 2 anos, sendo que, dois anos contados de 01/08/2018 - sempre terminariam em 31/07/2020 e o contrato só seria renovável caso alguma das partes não se opusesse à respetiva renovação o que não foi o caso;
V) Por via disso, é legítimo à Senhoria opor-se, como se opôs, à renovação do contrato, tendo cumprido a antecedência prevista na lei para se opor à respetiva renovação, tendo-o feito por meio de carta registada com aviso de receção em 26/09/2019, ou seja, com mais de 10 meses de antecedência em face da data de qualquer eventual renovação do mesmo;
W) É certo que, no período de 5 anos que medeia esta transição que já se encontrava a vigorar, o prazo previsto no artigo 51.º n.º 4 da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, foi alargado para 10 anos pela Lei n.º 43/2017 de 14 de Junho;
X) E desse modo, o Tribunal a quo entendeu que a lei aplicável no caso em apreço é a Lei nº 43/2017, que estipula o prazo de 10 anos, e não 5 anos, para a transição do contrato de arrendamento para o N.R.A.U, mas deverá ser contabilizado o prazo, entretanto já decorrido, assim como entendeu ainda que na falta de acordo - tal contrato terá a duração de 5 anos;
Y) Entendimento com o qual a Recorrente não pode concordar;
Z) As negociações para a transição do contrato para o NRAU, estabelecidas entre a Recorrente e Recorrida, tiveram início no remoto ano de 2013, período em que se encontrava em vigor a Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, com as alterações e aditamento introduzidas pela Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto;
AA) Aquando das negociações tendentes à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, aquilo que esteve na sua base foi o período de cinco anos previsto no artigo 54.º n.º 1 da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, e não o período de 10 anos que foi estabelecido pela alteração à respetiva Lei, ocorrida em Junho de 2017, ou seja, a Recorrente tendo por base o prazo de 5 anos, aguardou o decurso do mesmo para a transição do contrato para o NRAU, tendo em conta que o contrato de arrendamento no decorrer de todos estes anos se encontra com cláusulas desajustadas e desproporcionais ao real e atual valor do imóvel arrendado;
BB) A Lei n.º 43/2017 apenas refere no seu artigo 8.º que “a presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”, ou seja, dia 15 de Junho de 2017”;
CC) Assim, tendo em conta que o artigo 12º nº 1 do Código Civil estipula que a lei só dispõe para o futuro e ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular, isto é, se o facto ocorreu no domínio das anteriores versões da norma e já produziu os seus efeitos não lhe é aplicável a disposição agora em vigor;
DD) Ora, de acordo com os ensinamentos do Professor Baptista Machado quando as normas visam regular a constituição de situações jurídicas, revela-se aplicável a lei do momento em que a situação é constituída;
EE) Desse modo, a nova lei não pode ter, como não tem, efeitos retroativos relativamente a situações que já se encontravam consolidadas, sendo por via disso aplicável a lei do momento em que a situação se constituiu e por via disso, porque a Lei nº 43/2017 apenas entrou em vigor em 15/06/2017, não poderá ser aplicável no caso em concreto e muito menos pode a Recorrente ser prejudicada com tal alteração da norma legal, porque a iniciativa da Senhoria para a transição do contrato para o NRAU ocorreu em 2013 durante a vigência da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro (na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14/08);
FF) É certo que a nova Lei n.º 43/2017 tem como intenção a de acautelar os direitos dos Arrendatários, no entanto não podemos descurar os direitos dos Senhorios e os seus interesses e expectativas;
GG) No caso em apreço referimo-nos a um imóvel situado no centro da cidade do Porto, e se é certo que o contrato de arrendamento já perdura desde 1967, também é certo que a sociedade evoluiu, que os preços referentes aos arrendamentos e ao próprio mercado imobiliário aumentaram e como tal, não é justo, proporcional ou equitativo que tal arrendamento se mantenha em condições ultrapassadas e desajustadas, prejudicando grave e seriamente os interesses e expetativas económicos da Recorrente;
HH) Pelo que, se conclui que o NRAU se aplica aos contratos celebrados no âmbito da lei antiga, que subsistam à data da sua entrada em vigor, abrangendo os factos ocorridos na vigência da lei nova e não já da lei velha, sem prejuízo das normas transitórias e isto significa que a Nova lei se aplica aos contratos celebrados no Mas mesmo que assim não se entende, o que não se concebe, a sentença recorrida é claramente violadora do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, vide Acórdão nº 862/2013 do Tribunal Constitucional;
JJ) No caso concreto, a Senhoria promoveu a transição para o NRAU, no ano de 2013, acreditando que teria de aguardar 5 anos para que tal transição operasse, e findo esse período teria de manter o contrato de arrendamento pelo período de dois anos;
KK) Com a alteração legislativa ocorrida no decurso deste prazo, a sua expetativa foi defraudada, sendo que o prazo de transição de 5 anos alargou para o dobro (10 anos) e após tal transição - no silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 5 anos, quando na lei anterior esse prazo era de apenas 2 anos;
LL) O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a ideia de proteção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico. O princípio da confiança na previsibilidade das soluções visa a proteção da confiança, dos cidadãos e da comunidade, na ordem jurídica, de tal forma que alterações na lei que hão de ter em conta direitos adquiridos, expectativas criadas, situações jurídicas estabilizadas que justifiquem o sacrifício da aplicação imediata da nova lei. O cidadão deve poder prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas. Deve poder confiar em que a sua actuação de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as suas consequências juridicamente relevantes. Esta confiança é violada sempre que o legislador ligue a situações de facto constituídas e desenvolvidas no passado, consequências jurídicas mais desfavoráveis do que aquelas com que o atingido podia e devia contar. Um tal procedimento legislativo afrontará frontalmente o princípio do Estado de direito democrático;
MM) O princípio da confiança é violado quando haja uma afetação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos;
NN) Note-se que o disposto no artigo 54º nsº 1 e 6 da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro conferia expetativas legitimamente fundadas à Recorrente, assim como a todos os Senhorios, de que poderiam encetar a transição para o NRAU dos contratos num prazo de 5 anos;
OO) A questão que deve ser colocada é, então, saber se a norma em causa afeta, deforma inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa direitos ou expetativas legitimamente fundadas dos cidadãos, traduzindo uma violação daquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito – i.e. uma violação do princípio da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da CRP, como é o caso. No entanto, apenas abrange os factos ocorridos na vigência da lei nova, ou seja, ocorridos após 15/06/2017 e já não da lei velha, como no caso em apreço, tendo em conta que no ano de 2013 encontrava-se em vigor a lei antiga que estabelecia o prazo de 5 anos e não de 10 anos, assim como estipulava como duração do contrato após a sua transição para o NRAU, o período de 2 anos e não 5 anos, não sendo, por via disso, aplicável ao caso em apreço a Lei nº 43/2017;
Seguindo a metodologia adotada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, importa começar por formular um juízo sobre a legitimidade das expetativas dos cidadãos visados. Neste âmbito, é necessário que: i) as expetativas dos particulares sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; ii) o Estado (em especial, o legislador) tenha atuado de forma a gerar nos particulares, expetativas de continuidade, e que, iii) os particulares tenham feito planos de vida tendo em conta essa expetativa de continuidade de comportamento estadual materializados ou traduzidos em atuações concretas;
QQ) Neste sentido, importa começar por sublinhar a legitimidade e plena justificação das expetativas dos Senhorios a que a lei atribuiu expressamente um prazo para operar a transição para o N.R.A.U e durante o normal curso de tal prazo, surge uma alteração da norma legal, alargando tal prazo em dobro e na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, alargando ainda o prazo de duração certa do contrato em mais do dobro, pois este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, quando na vigência da Lei n.º 31/2012, de 14/08 era de 2 anos;
RR) A alteração ao NRAU vem apenas na senda dos direitos e interesses dos Arrendatários, em manifesto detrimento dos Senhorios, sendo de concluir que, nesta matéria, o legislador atuou de forma a gerar nos Senhorios certas expetativas que os determinaram à realização de planos de vida, pressupondo a continuidade do comportamento estadual;
SS) E a concretização dos ditos planos traduziu-se na elaboração de uma comunicação pela Senhoria, acreditando que no final de tal período/prazo, de 5 anos, a transição por si movida se concretizaria, agindo de acordo com um comportamento social normal, respeitador do enquadramento legal aplicável, confiando na sua estabilidade, pois nada fazia prever que tal prazo fosse alargado para o dobro;
TT) Sendo do entendimento da Recorrente que se encontra demonstrada a verificação de uma mutação inesperada da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas não podiam contar, o que causou uma afetação das suas legítimas expetativas;
UU) Ora, entende a Recorrente que aplicar de imediato tal alargamento do prazo, é ultrapassar, de forma excessiva, a medida de sacrifício imposto aos interesses particulares atingidos, uma vez que bastaria a previsão de um regime transitório adequado para acautelar as expetativas legítimas dos Senhorios, sem descurar o interesse público que reside em tal lei;
VV) Conclui-se, assim, que a aplicação imediata e automática da solução legal ínsita no artigo 54.º da Lei nº 43/2017, é uma medida desproporcional que afeta o princípio constitucional da Proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição;
WW) Não podendo a Recorrente conformar-se com a sentença recorrida, considerando que o Tribunal a quo não deveria nem poderia ter aplicado a Lei nº 43/2017 de 14 de Junho, concretamente o seu artigo 54º, tendo em conta que o mesmo viola o artigo 12º do Código Civil e o artigo 2.º da C.R.P.;
Acresce ainda que,
XX) Entendeu ainda o Tribunal a quo que a Autora ainda não promoveu a transição do contrato para o NRAU, referindo que a lei é clara ao prever que finda a moratória a senhorio tem de voltar a promover a transição do contrato para o NRAU;
YY) Mais uma vez, o Tribunal a quo erra da interpretação e aplicação da lei (art. 54º n.º 6 do NRAU), não podendo concordar-se com este entendimento, pois fez interpretações da lei que não existem e que a mesma não quis prever;
ZZ) Da leitura do disposto no artigo 54º nº 6 do NRAU não resulta que finda a moratória a senhoria tenha de voltar (repetir) a promover a transição do contrato de arrendamento para o NRAU;
AAA) O artigo 54º nº 6 limita-se a referir que findo o período moratório o senhorio pode promover a transição do contrato para o NRAU, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 50.º e seguintes, ou seja, findo o período moratório o contrato transita automaticamente para o NRAU não preceituando qualquer necessidade de voltar a repetir a notificação à Arrendatária para a transição do contrato para o NRAU, alias, veja-se que o artigo 54º nº 6 alínea b) prevê que no silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, ou seja, este é um dos casos específicos em que o silêncio produz efeitos jurídicos;
BBB) Sendo certo que o artigo 54º nº 6 do NRAU apenas prevê algumas especificidades previstas nas alíneas seguintes, mormente a impossibilidade do arrendatário voltar a alegar qualquer das circunstâncias previstas no nº 4 do artigo 51º, no silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, e a possibilidade do senhorio poder atualizar a renda, de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 35º;
CCC) Um entendimento como o da sentença recorrida, além de não resultar da lei, muito menos de uma forma “clara” tal como vertido naquela sentença, obrigaria a voltar a repetir aquilo que já havia sido anteriormente feito e que a lei já anteriormente determinou;
DDD) Leia-se, novamente, o vertido no artigo 54.º do NRAU na redação da lei aplicável à data da comunicação da Autora à Ré (Lei n.º 31/2012, de 14/08), que aqui se dá por reproduzido;
EEE) Ora, resulta provado nos autos através das cartas remetidas pela Ré à Autora (mormente missivas datadas de 22/05/2013 e 30/05/2013, que a Ré discordou da submissão do contrato de arrendamento ao NRAU, alegando uma das circunstâncias previstas no nº 4 do artigo 51º, mormente a existência no locado de um estabelecimento comercial aberto ao público e alegando ser uma microentidade;
FFF) Em face da não obtenção de qualquer acordo entre Autora e Ré quanto à atualização da renda e à submissão do contrato ao NRAU urge dessa forma aplicar o artigo 54º do NRAU na redação da lei aplicável à data da comunicação da Autora à Ré (Lei nº 31/2012, de14/08), considerando-se o contrato submetido ao NRAU no prazo de cinco anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos do n.º 4 do artigo 51.º, ou seja, 5 anos após o dia 22 de Maio de 2013;
GGG) E por via disso, tal contrato fica automaticamente submetido ao NRAU no 22/05/2018 sem necessidade de se repetir por parte do Senhorio qualquer nova notificação da transição do contrato para o NRAU – vide novamente o disposto no nº 6 do art.º 54º do NRAU na redação da lei aplicável à data da comunicação da Autora à Ré (Lei n.º 31/2012, de 14/08);
HHH) Ora, desta forma mesmo que se entendesse que o contrato não passou a estar submetido ao NRAU desde 2013, nem sujeito a um prazo de duração de 5 anos renovado por períodos de 1 ano, o referido contrato em face do não acordo entre Autora e Ré na submissão do contrato ao Novo Regime do Arrendamento Urbano sempre teria que ficar submetido AUTOMATICAMENTE ao NRAU decorridos 5 anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos do nº 4 do artigo 51º;
III) E findo o período de cinco anos, a Autora enquanto Senhoria podia promover a transição do contrato para o NRAU, e mesmo que se entenda não ter existido qualquer acordo da Ré quando ao tipo e duração do contrato que passaria a vigor, no silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de dois anos – cfr. artigo 54.º n.º 6 do NRAU (Lei n.º 31/2012, de 14/08);
JJJ) Ora, mesmo que se entenda que não houve obtenção de qualquer acordo entre Autora e Ré quanto à atualização da renda e à submissão do contrato ao NRAU em estrito cumprimento da lei aplicável à data (artigo 54.º do NRAU na redação da lei aplicável à data da comunicação da Autora à Ré(Lei n.º 31/2012, de 14/08) o contrato de arrendamento encontra-se automaticamente submetido ao NRAU desde o dia 22/05/2018 o qual nessa data passou a vigor com prazo certo pelo período de 2 anos, sendo que, 2 anos contados de 01/08/2018 sempre terminariam em 31/07/2020, e o contrato só seria renovável caso alguma das partes não se opusesse à respetiva renovação o que não foi o caso;
KKK) Deste feita é legítimo à Autora opor-se à renovação do contrato, tendo cumprido a antecedência prevista na lei para se opor à respetiva renovação, tendo-o feito por meio de carta registada com aviso de receção em 26/09/2019, ou seja, com mais de 10 meses de antecedência em face da data de qualquer eventual renovação do mesmo;
LLL) A Recorrente não pode concordar com o entendimento do Tribunal a quo, pois entende que que mais uma vez o Tribunal faz uma errada interpretação da lei e do direito e por consequência disso faz uma errada aplicação do direito mormente do artigo 54.º n.º 6 do NRAU,
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A Ré contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
A) A Recorrida em tudo concorda com a sentença aqui recorrida, quer na parte onde esta reconhece o direito de propriedade à Recorrente do imóvel, quer na parte em que reconhece que o contrato de arrendamento assinado em 1963.
B) O mesmo acontece quanto à decisão respeitante à limitação do litígio pura e simplesmente na questão de qual lei aplicar no tempo, deixando de lado quaisquer possíveis litígios respeitantes à atualização de renda, à falta do seu pagamento ou o não reconhecimento, por parte da Recorrida, da Recorrente como legítima proprietária e senhoria.
C) Aquando de uma tentativa de atualização de renda e transição do contrato para o regime jurídico do NRAU, promovido nos conformes da lei pela senhoria, as partes fizeram uso da circunstância prevista no n.º4 do 51.º do NRAU.
D) Tratando-se aquele estabelecimento comercial numa microentidade, contrato (e agora fazem os uso do verbo que consta na sentença aqui recorrida) não pode ser submetido ao NRAU, tendo em conta a falta de acordo, por um período de cinco anos.
E) Quanto à aplicação da lei no tempo, mais uma vez a douta sentença que aqui é infelizmente duvidada do Tribunal a quo fez uma interpretação que nos cabe a adjetivá-la de normal e racional.
F) Segundo o 297.º n.º2 do CC: “A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial ”
G) À data da transição para o NRAU (2013), a lei previa um prazo de 5 anos para a transição ocorrer – dado o facto do não acordo das partes – e um prazo de 2 anos, supletivo, caso o senhorio não voltar a promover uma transição para o novo regime.
H) Em 2014, a lei foi alterado e o prazo supletivo passou para 3 anos.
I) Em 2017, foi sofrida nova alteração, tendo o prazo de transição por falta de acordo passado a ser de 10 anos e o supletivo de 5 anos.
J) Ora, em 2017 o único prazo que corria era o do n.º 1 do 54.º do NRAU. Assim, entre 2013 e 2017, aplicou-se o prazo já previsto na versão da Lei 6/2006 em 2012, o de 5 anos, estando já corridos quatro anos.
K) Ao se estender o prazo de 5 para 10 anos, segundo o artigo 297.º n.º2 CC, segundo a jurisprudência aqui já mencionada, segundo o entendimento de uma sentença do Tribunal de 1ª instância e segundo o que a Recorrida contestou, o prazo aplicável ao contrato é de 10 anos para transição para o NRAU, mas computando-se 4 anos já decorridos , e um (novo) prazo supletivo de cinco anos.
L) E com essa computação dos anos já decorridos, a segurança jurídica das partes vê-se não afetada.
M) Senão vejamos o entendimento de Antunes Varela e Pires de Lima em “Código Civil Anotado, Volume I”: “Sendo o novo prazo mais longo, é este o prazo relevante, computando-se todo o tempo decorrido”.
N) Estes prazos a que a Recorrente se refere são todos os que a lei, ao longo do tempo, foi alterando e aos quais se refere como os que se devem utilizar mediante a falta de acordo das partes para a transição para o NRAU ou no caso de invocação da existência de uma micro entidade no espaço arrendando.
O) Com naturalidade, a Recorrida faz suas palavras e seus entendimentos perante o que aqui foi longamente e desnecessariamente exposto e argumentado por parte da doutrina e da jurisprudência.
P) À Recorrente apenas resta, findo o prazo estabelecido pelo n.º1 devidamente computado dos anos já decorridos, promover nova transição para o NRAU, se assim o desejar, estando aí vedada ao arrendatário a possibilidade de invocar novamente a questão da microentidade.
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II—Delimitação do Objecto do Recurso
As questões principais decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em saber se a Autora, na qualidade de senhoria, promoveu eficazmente a transição do contrato de arrendamento para fim não habitacional para o NRAU e ainda qual o prazo aplicável para essa transição: o prazo de 5 anos previsto na Lei n.º 31/2012 de 14.08, em vigor na data em que foi remetida a carta à Ré para submissão do contrato ao NRAU ou o prazo de 10 anos estabelecido pela Lei n.º 43/2017, de 14 de junho.
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III—FUNDAMENTAÇÃO FACTOS PROVADOS (elencados na sentença)
1-A autora tem registada a seu favor a aquisição da propriedade do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...... ....
2-Desde 1 de agosto de 1963, a ré explora um estabelecimento comercial no rés-do-chão e dependência do referido prédio.
3-Em 2 de maio de 2013, a autora remeteu à ré a carta, recebida por esta no dia imediato, junta a fls. 7 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Assunto: Atualização da renda
Locado: Estabelecimento sito Av. ..., ... (…)
Venho pelo presente e na qualidade de proprietária do locado supra referenciado, comunicar que iremos dar início à atualizacão da renda do imóvel que ocupa ao abrigo do disposto no art. 30º da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro – NRAU, alterada pela Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto, e em resultado da avaliação geral efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, cuja notificação e caderneta predial se anexam.
Informa-se que o valor do rés-do-chão é de 77.410,00 € tal como resulta da caderneta predial que se junta.
Assim sendo, informo que a renda anual passa a ser de 5.160,67 euros e a renda mensal passa a ser de 430,06 euros, passando o contrato de arrendamento a ter prazo certo, com a duração de 5 anos, a renovar por acordo das partes, considerando-se esta o valor da renda já no mês de Maio de 2013.
4 – Em 22 de maio de 2013, a ré remeteu à autora a carta, recebida por esta no dia imediato, junta a fls. 10 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Assunto: Estabelecimento sito na Avenida ..., Porto; (…)
Nos termos e para os efeitos previstos no nº 4 do artigo 51º, dos artigos 52º e 33º, este último aplicável com as devidas adaptações, todos do NRAU, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, cumpre-nos informar V. Ex.ª do seguinte:
a) De que discordamos da submissão do citado contrato ao NRAU, bem como do valor da renda mensal proposto;
b) De que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microentidade;
c) De que se junta em anexo documentação comprovativa da circunstância acabada de referir;
d) De que proponho, como valor actualizado da renda mensal, o de € 350,00 (…).
5 – Em anexo à carta referida no ponto 4 – factos assentes –, a ré remeteu à autora o documento intitulado “Balancete do Razão”, junto fls. 12, subscrito pelo gerente da ré, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito;
6 – Em anexo à carta referida no ponto 4 – factos assentes –, a ré remeteu à autora o documento intitulado “BALANÇO EM 31 DE DEZEMBRO DE 2012”, junto fls. 12 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito;
7 – Em 28 de maio de 2013, a autora remeteu à ré a carta, recebida por esta no dia imediato, junta a fls. 13, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Assunto: Atualização da renda
Locado: Habitação sita na Avenida ..., Porto
Exmos. Senhores;
Venho pela presente acusar a receção da vossa carta datada de 22/05/2013 e atento o teor da mesma dizer o seguinte:
(…)
Todavia, após uma análise do “Balancete Razão” referente ao ano de 2011 e 2012, facilmente se depreende que o mesmo simplesmente faz alusão meramente sumária e contabilística, que com toda a probabilidade não se coaduna com a realidade comercial.
Ora, tal como compreenderão é impensável validar os referidos Balancetes como documentos comprovativos da vossa insuficiência económica, pois os mesmos não se mostram validados por nenhum TOC ou ROC, sendo genéricos, pelo que não têm qualquer validade.
Pelo exposto, dou aqui por reproduzido o teor da carta que lhes remeti anteriormente.
8 – Em 30 de maio de 2013, a ré remeteu à autora a carta, recebida por esta no dia imediato, junta a fls. 14 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Assunto: Estabelecimento sito na Avenida ..., Porto;
(…)
Deste modo, os direitos da nossa firma estão consagrados no artigo 51º do NRAU, pelo que reencaminho os documentos comprovativos de:
a) Que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público;
b) Que o total do último balanço da nossa firma não ultrapassa € 500.000,00 (quinhentos mil euros);
c) Que o nosso volume de negócio líquido é significativamente inferior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros).
9 – Em anexo à carta referida no ponto 8 – factos assentes –, a ré remeteu à autora os documentos intitulados “Listagem de execução orçamental”, “Licenças emitidas por outras entidades”, “Balancete do Razão”, “BALANÇO EM 31 DE DEZEMBRO DE 2012” e “Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22”, juntos de fls. 16 a 21, que aqui se dão por transcritos
10 – Em 7 de junho de 2013, a autora remeteu à ré a carta, recebida por esta no dia 11 de junho de 2013, junta a fls. 21 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Assim, nos termos do art.º 51º do NRAU, cabe ao arrendatário na sua resposta se for caso disso invocar, umas das circunstâncias contempladas no nº 4, de tal normativo.
Ao que parece e conforme os documentos juntos, poderemos estar na presença de uma microentidade, devido ao volume reduzido de negócios, e ao balanço por vós indicado ser inferior a 500.000,00 €.
Ora, é legítimo da vossa parte apresentar a uma contraproposta, contudo a mesma é bastante baixa, face ao valor patrimonial do locado, obstando de todo a minha anuência.
Assim dada a impossibilidade de acatamento, só nos resta apenas uma solução, cingirmos ao que nos é imposto legalmente,
Ora, segundo do art.º 51 nº 7, que nos remete para o art.º 31º, é admissível ao senhorio exigir atualização da venda em função do valor patrimonial do imóvel, pelo que o valor assim permitido é de 413,39 €.
Faço-lhe uma pequena advertência, caso se comprove a sua insuficiência económica, poderá requerer junto dos serviços de segurança social a atribuição do subsídio de renda.
Por todo o exposto, informo que a renda anual passa a ser de 4.960,66 euros e a renda mensal passa a ser de 413,39 euros, passando o contrato de arrendamento não habitacional a ter prazo certo, com a duração de 1 ano, e na falta de acordo, de duração de 5 anos, renovável por períodos de um ano, considerando-se esta o valor da renda já no mês de Julho.
11 – A partir de junho de 2013, a ré passou a entregar à autora a renda mensal de € 413,39.
3. Comunicações no ano 2019
12 – Em 26 de setembro de 2019, a autora remeteu à ré a carta, recebida por esta no dia imediato, junta a fls. 29 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Na sequência das cartas trocadas em momento anterior, e considerando a duração anual do contrato de arrendamento e a aplicação das novas regras do NRAU,
Informo que me oponho à renovação do contrato de arrendamento, caducando o mesmo no dia 31/07/2020.
Pelo que, na referida data, deverão V. Exa. proceder à entrega do locado livre de pessoas e bens.
Sem prejuízo de apresentarem uma proposta de celebração de novo contrato, com novas condições, designadamente quanto ao valor mensal da renda (de acordo com os valores que estão a praticar nas redondezas).
13 – Em 7 de outubro de 2019, a ré remeteu à autora a carta, recebida por esta, junta a fls. 31, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Acusamos a recepção da sua carta datada do dia 26 do passado mês de setembro, que nos mereceu a melhor atenção.
Sucede que a dita carta padece de graves equívocos, resultantes de falta de conhecimento, ou mesmo de simples leitura, da legislação em vigor aplicável ao caso concreto.
Com efeito,
Das disposições conjugadas dos artigos 51º e 54º do NRAU, na sua atual redação, resulta, com clareza, que o contrato de arrendamento que nos vincula só poderá ficar submetido ao NRAU a partir de maio de 2023.
14 – Em 28 de outubro de 2019, a autora remeteu à ré a carta, recebida por esta no dia imediato, junta a fls. 32, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Como não foi possível chegar a acordo com esta empresa, atento o silêncio da mesma, o contrato de arrendamento passou a ter a duração de 5 anos, logo, de julho de 2013 a julho de 2018, tendo sido renovado por períodos de um ano, logo, de julho de 2018 a julho de 2019 e de julho de 2019 a julho de 2020.
Pelo que, esta empresa está completamente equivocada, pois, nos termos dos artigos 51.º a 54.º do NRAU o contrato que nos vincula está submetido ao NRAU desde 2013, devido as cartas trocadas no ano de 2013.
15 – Em 4 de novembro de 2019, a ré remeteu à autora a carta, recebida por esta, junta a fls. 33 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Efetivamente, o equívoco não é da nossa empresa mas da sua pessoa, bastando, para sua confirmação, uma simples leitura do estatuído no artigo 54º, nº 1, do NRAU, nos termos do qual:
"Caso o arrendatário invoque e comprove uma das circunstâncias previstas no nº 4 do artigo 51º, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de 10 anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos do nº 4 do artigo 51º”.
Assim, tomando em boa conta o teor da nossa missiva de 30 de maio de 2013, cuja cópia anexamos à presente, por V. Ex. a rececionada no início de junho do mesmo ano, dúvidas não restam no sentido de que, como já lhe explicamos, “o contrato de arrendamento que nos vincula só poderá ficar submetido ao NRAU a partir de maio de 2023”.
16 – A ré não entregou o locado à autora, continuando a ocupá-lo e a exercer a sua atividade no mesmo.
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IV-DIREITO
A Autora pretende obter o despejo do locado, onde se encontra instalado um estabelecimento comercial aberto ao público, por entender que após ter findado o prazo de cinco anos de transição do contrato de arrendamento celebrado com a Ré para o NRAU (Novo Regime de Arrendamento Urbano) a oposição à renovação do mesmo, comunicada à arrendatária, é eficaz e determina, em consequência, a caducidade do contrato de arrendamento.
Por seu turno, a Ré sustenta que, com a entrada em vigor da Lei n.º 43/2017 de 14.06, que introduziu no regime um novo prazo de 10 anos de transição e um supletivo de 5 anos para a duração do contrato, o prazo aplicável ao contrato de arrendamento para se considerar submetido ao NRAU é de 10 e não de 5 anos, computando-se o período de 4 anos já decorridos. Quadro Legal
A Lei n.º 6/2006 de 27.02 aprovou um novo regime do arrendamento urbano (NRAU), revogou o RAU previsto no Dec.-Lei n.º 321-B/90 de 15.10 (em vigor desde 18.11.1990) e estabeleceu um regime transitório nos arts. 26.º e 28.º para os contratos celebrados anteriormente à data de entrada em vigor do NRAU.
Nos termos do art.º 59.º, n.º 1 o novo regime aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias.
A Lei n.º 31/2012 de 14.08 introduziu alterações na referida Lei n.º 6/2006 de 27.02 nomeadamente com o aditamento do art.º 50.º que permitiu ao senhorio, por sua iniciativa, a transição do contrato de arrendamento para fim não habitacional, celebrado anteriormente à entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 257/95 de 30 de Setembro, através da comunicação dessa sua intenção ao arrendatário e cumprindo os requisitos previstos na norma.
Admitiu-se a resposta do arrendatário, no prazo de 30 dias, e a invocação nos termos do art. 54.º, da existência no locado de um estabelecimento comercial aberto ao público, que é uma microentidade (cfr. art.º 51.º, n.º 4).
Caso o arrendatário invoque e comprove as circunstâncias previstas no n.º 4 do art.º 51.º designadamente aquela acima mencionada, o contrato só ficaria submetido ao NRAU, na falta de acordo entre as partes, no prazo de cinco anos a contar da recepção da resposta do arrendatário (cfr. art.º 54.º, n.º 1).
Assim, a correcta comprovação dessas circunstâncias permite ao arrendatário opor-se à possibilidade de serem atribuídos ao contrato de arrendamento tipo e duração diferentes daqueles que vigoravam até esse momento durante essa moratória de cinco anos.
No caso sub judice a Autora, em 2 de maio de 2013, remeteu à Ré a carta, recebida por esta no dia imediato, comunicando a sua intenção de actualização da renda.
Em 22 de maio de 2013, a Ré remeteu à Autora a carta, recebida por esta no dia imediato, nos termos da qual declarou que discordava da submissão do citado contrato ao NRAU bem como do valor da renda mensal proposto; informou que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público que é uma microentidade e juntou documentação comprovativa dessa situação.
Portanto, com o recebimento da resposta da arrendatária, o contrato só passaria a ficar submetido ao NRAU após terem decorrido cinco anos a contar da 23 de Maio de 2013, data da recepção da resposta pela Autora, exigindo a lei que o senhorio promova novamente a transição para o NRAU (n.º 6 do art.º 54.º).
Acontece, porém, que após a iniciativa da senhoria no sentido de conseguir a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, a Lei n.º 6/2006 de 27.02 foi alterada pelas Leis 79/2014 de 19.12, 42/2017 de 14.06 e 43/2017 de 14.06.
Esta última Lei n.º 43/2017 de 14.06 (6.ª versão da Lei n.º 6/2006) aumentou o prazo de transição de 5 para 10 anos, e na falta de acordo sobre a duração do contrato, considerou-se, findo o prazo de 10 anos, caso tivesse sido promovida a sua transição, como celebrado por cinco anos (cfr. art.º 54.º, n.º 6. al. b)).
Assim, como esclarece Edgar Martins Valente[1], a correcta comprovação dessas circunstâncias permite ao arrendatário opor-se à possibilidade de serem atribuídos ao contrato de arrendamento tipo e duração diferentes daqueles que vigoravam até esse momento durante os 10 anos contabilizados desde o momento em que o senhorio recepciona a resposta do arrendatário onde este invoca e apresenta os elementos necessários à respectiva comprovação da circunstância que lhe é aplicável.
Considerando que a iniciativa da Autora de sujeitar o contrato de arrendamento ao novo regime ocorreu quando o prazo estabelecido na lei era de cinco anos e que no decurso desse período temporal (após 4 anos) esse prazo foi aumentado para dez anos, a questão que parecia ser pertinente era a de saber qual o prazo aplicável à situação retratada nos autos.
No entanto, o tribunal a quo julgou improcedente a pretensão de despejo da Autora com base num motivo considerado determinante: a omissão da Autora, finda a moratória, seja de cinco anos ou dez de anos, de promover a transição do contrato de arrendamento, nos termos da lei, para o NRAU.
Na verdade, a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, findo o prazo de cinco ou dez anos, não é automática uma vez que a lei exige uma nova tomada de posição do senhorio nesse sentido concreto, o que não sucedeu no presente caso.
Em suma, o senhorio apenas poderá denunciar eficaz e validamente o contrato de arrendamento se, após o decurso do prazo de suspensão, promover novamente a transição do contrato para o NRAU.[2]
De qualquer forma, tal como também foi elucidado na sentença, o prazo suspensivo ainda não tinha decorrido por ser aplicável o prazo de 10 anos previsto no art.º 54.º, n.º 6. al. b)) com a redacção dada pela Lei n.º 43/2017 de 14.06.
Com efeito, segundo o art.º 297.º n.º2 do C.Civil: “A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial”.
Nesse sentido a jurisprudência e doutrina tem defendido que se aplica ao prazo em curso a nova lei que estabelece um mais longo, ocorrendo a transição para o NRAU findo este (novo) período, descontando-se, contudo, o tempo decorrido desde a recepção da resposta do arrendatário.[3]
Não tendo decorrido o prazo de 10 anos nem a nova promoção por parte do senhorio do processo de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, improcede a pretensão da Autora, como bem foi decidido.
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V-DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença.
Custas pela Apelante.
Notifique.
Porto, 14/12/2022
Anabela Andrade Miranda
Lina Baptista
Pedro Damião e Cunha
_____________ [1] Manual de Arrendamento e Despejo, Almedina, 2021, pág. 254. [2] Nesse sentido Valente, Edgar Martins, v. ob. cit. págs. 256 e 257. [3] Varela, Antunes, Lima, Pires de, Código Civil Anotado, vol I, 4.ª edição, pág. 271, Ac. STJ de 13/04/2021, Ac. Rel. Porto de 08/10/2019, Ac. Rel. Guim. de 5/12/2019 e Ac. Rel. Lisboa de 14/05/2020 disponíveis em www.dgsi.pt.