JUROS MORATÓRIOS VINCENDOS
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Sumário


I. Os juros são o desenvolvimento do pedido inicial, pelo que nada obsta a que sejam peticionados em requerimento de ampliação do pedido.
II. Os juros de mora relativos a obrigação de indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco, se tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora; caso não haja atualização, os juros vencem-se a partir da citação.
III. Os juros compulsórios apenas serão devidos desde a data do trânsito em julgado da decisão que liquidar a obrigação.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


I. RELATÓRIO

AA intentou o presente incidente de liquidação de sentença no âmbito da ação declarativa, a seguir os termos do processo ordinário, contra BB e CC, alegando, em síntese, que os danos provocados pelas Requeridas e que se encontram reconhecidos na decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora ascendem ao montante global de €16.297,34, o que peticionam seja reconhecido, devendo, em conformidade com aquela decisão, liquidar-se o valor de €8.000,00 a ser pago solidariamente pelas Requeridas, montante acrescido de juros de mora e juros compensatórios que se vençam desde a data da notificação do incidente até integral e efetivo pagamento.

A Ré BB apresentou oposição, na qual, em suma, defendeu que o prédio propriedade do Autor encontra-se em ruína há mais de 80 anos, não sendo possível a reconstrução do referido prédio urbano, por violar disposição do Plano Diretor Municipal de Loulé.

Pediu a condenação do Autor como litigante de má-fé, em multa e indemnização, por pretender obter um benefício com dolo, alterando a verdade dos factos.

O Autor apresentou resposta, a qual foi apenas admitida na parte em que se pronunciou acerca do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Terminou pedindo a condenação da Ré nessa mesma qualidade, em indemnização, por alterar a verdade dos factos e pretender obter benefício indevido, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não pode ignora.

Foi proferido despacho saneador, com fixação do objeto de litígio e temas de prova.

O Autor requereu a ampliação do pedido, por forma a que as Rés sejam solidariamente condenadas a pagar ao Autor, sobre a quantia indemnizatória que vier a ser decidida, juros de mora contados desde data de prolação da Sentença, ocorrida em 08/12/2015, até efetivo e integral pagamento, quantias a que deverão ainda acrescer juros compulsórios, nos termos do disposto no nº 4, do artigo 829º-A do Código Civil, à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitou em julgado, ou seja, desde 10-09-2018, até efetivo e integral pagamento.

A Ré opôs-se à ampliação, alegando que estando o valor indemnizatório pendente de quantificação em execução de sentença, sendo consequentemente ilíquido, só após apuramento do valor devido, isto é, após a obtenção do valor líquido a pagar, é que poderão ser reclamados juros de mora ou juros compulsórios e excecionando a prescrição dos juros anteriores aos últimos cinco anos.

Realizou-se a audiência de julgamento, no âmbito da qual se relegou o conhecimento do requerimento de ampliação do pedido para a decisão final, após o que veio a ser proferida sentença em cujo decreto judicial se decidiu:

“Pelo exposto, ao abrigo dos citados preceitos legais, o Tribunal decide:

a) julgar o presente incidente de liquidação parcialmente procedente, por provado, e, em consequência, condenar as rés a pagar, solidariamente, ao autor a quantia de €8.000,00, acrescida de juros de mora, contados desde a data da notificação até efetivo e integral pagamento, à taxa de juros civis;

b) absolver as rés do demais peticionado no incidente;

c) julgar os incidentes de litigância de má-fé improcedentes, por não provados, e, em consequência, absolver o autor e a ré dos pedidos. (…)”

*

Inconformado com a aludida sentença, na parte em que indeferiu a ampliação dos pedidos, veio o Autor da mesma interpor recurso de apelação, apresentando, após motivação, as seguintes conclusões:

“a) – Como questão prévia, e pelos fundamentos supra, nomeadamente, porque:

- O requerimento de ampliação do pedido do A. ser efetivamente o desenvolvimento do pedido inicial de condenação solidária das RR. no pagamento ao A. da quantia de 8.000,00€ a que se ampliou o pedido de juros vencidos desde data de prolação da Sentença, em 08/12/2015, conforme, aliás, o esclareceu o STJ a fls. 20 do seu Acórdão proferido nestes autos;

– Esse esclarecimento do STJ referia-se tanto a indemnizações por danos patrimoniais, como por danos não patrimoniais [neste sentido ver também o Ac. do T.R. Porto de 27/09/2018 que cita também o Ac. Uniformizador de Jurisprudência N.4/02, e que poderá ser consultado em: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (dgsi.pt) ] :

“I - O Ac. UJ nº 4/02 veio fixar a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artºs 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

II - O que se conclui daquele Ac. UJ é que não há que distinguir se os danos são de natureza patrimonial ou não patrimonial, de acordo com a actual redacção do nº 3 do artº 805º, incidindo os juros sobre todos eles, na mesma medida”.

- Também no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 de 09 de Maio,, in DR 146 SÉRIE I-A, de 2002-06-27, https://www.stj.pt/?p=6535 se referiu que: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”.

-Não configura a ampliação requerida pelo Autor, qualquer pedido subsidiário, ou alternativo;

– Estamos perante uma liquidação de Sentença, onde, mercê das decisões tomadas nos Recursos para a Relação de Évora e para o STJ, assente ficou que a condenação das RR. era solidária e, conforme refere o Ac. do STJ proferido nestes autos, onde a fls. 20 ( com sublinhado nosso), se esclarece que: “Quanto à terceira questão, não se identifica no acórdão qualquer referência à data considerada para efeitos de fixação dos danos, o que só pode ser interpretado como tendo o tribunal considerado o valor dos danos actualizado à data da sentença, vencendo juros de mora a partir daí, por ser essa a solução legal (art.° 566.° CC).”;

– Deve por isso, a douta Sentença recorrida acatar, conforme o disse o STJ, o pagamento dos juros contados desde a data da Sentença,

b) - A reforma do douto despacho em crise, deverá ser apreciada no próprio despacho em que se pronunciar sobre a admissibilidade do Recurso ( artº 614º nº 2 e 617º nº 1 e nº 2 ambos do C.P.C.), o tal como se requereu.

c) - Não existe na ampliação do pedido do A., quaisquer pedidos subsidiários, ou mesmo alternativos, como parece fazer crer a douta Sentença recorrida.

d) - Em lado algum da sua ampliação do pedido, o A. requereu para que esse mesmo pedido ampliatório fosse “tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior” ( cfr. artº 554º, nº 1, parte final, do CPC).

e) - Tudo se resume a que, o pedido primitivo do A. diz respeito a juros vincendos sobre a indemnização em liquidação, contados a partir da notificação para a liquidação da Sentença, enquanto, o pedido ampliatório diz respeito a juros vencidos a acrescer àquela indemnização, contados de acordo com a decisão do STJ, desde data de prolação da Sentença, em 08/12/2015, o que será sempre o desenvolvimento do pedido inicial de condenação solidária das RR., para pagar ao A. uma indemnização de 8.000,00 euros.

j) - Estamos perante uma liquidação de Sentença, onde, mercê das decisões tomadas nos Recursos para a Relação de Évora e para o STJ, assente ficou que a condenação das RR. era solidária e, conforme refere o Ac. do STJ proferido nestes autos, onde a fls. 20 (com sublinhado nosso), mais se esclareceu que:

“Quanto à terceira questão, não se identifica no acórdão qualquer referência à data considerada para efeitos de fixação dos danos, o que só pode ser interpretado como tendo o tribunal considerado o valor dos danos actualizado à data da sentença, vencendo juros de mora a partir daí, por ser essa a solução legal (art.° 566.° CC).”;

k) – Devendo por isso, a douta Sentença recorrida acatar, conforme o disse o STJ, o pagamento dos juros contados desde a data da Sentença, o que oportunamente o A. requereu em sede de ampliação do pedido e que não podia ter sido rejeitado, como o foi.

l) - Com todo o respeito, por estarmos perante uma solução já anteriormente esclarecida e referida pelo STJ, parece-nos nem ser preciso o pedido em juros vencidos desde data da Sentença, em sede de liquidação, pois que a Sentença do incidente de liquidação sempre teria de obedecer e acatar o já transitado e decidido pelos Tribunais Superiores, nomeadamente, pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça.

m) – Na verdade, o A. procedeu à ampliação do pedido de condenação das RR. no pagamento da quantia de 8.000,00€ a liquidar, mas acrescentando-lhe posteriormente, (ampliando), juros vencidos desde data de prolação da Sentença, em 08/12/205, o que, até, e salvo melhor entendimento, deveria ser, como já se disse, de consideração oficiosa na decisão de liquidação, ante o referido no Ac. do STJ proferido nestes autos, onde a fls. 20 ( com sublinhado nosso), se esclareceu que:

“Quanto à terceira questão, não se identifica no acórdão qualquer referência à data considerada para efeitos de fixação dos danos, o que só pode ser interpretado como tendo o tribunal considerado o valor dos danos actualizado à data da sentença, vencendo juros de mora a partir daí, por ser essa a solução legal (art.° 566.° CC).”.

n) - Só por mera cautela e excesso de zelo, como aliás o A. bem fez notar no seu requerimento de ampliação, se tocou nesse assunto referente aos juros vencidos desde data da Sentença, em 08/12/2015.

o) - Só pode pois concluir-se, com toda a certeza, que os pedidos do A., quer os primitivos, quer os constantes da ampliação do pedido, não são subsidiários entre si, nem são alternativos, são sim o desenvolvimento um do outro, ou, quanto muito, são cumulativos ( artº 555º, nº 1 do CPC ) e não estão numa relação de subsidiariedade, pelo que, poderão e deverão ser atendidos, ao contrário do que foi decidido.

p) – Por outro lado, pode concluir-se que o Ac. do STJ se refere, quer quanto aos danos patrimoniais, quer quanto aos não patrimoniais, como fixando os efeitos, para ambos de igual forma e, o valor dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, atualizados ambos à data da Sentença, em 08/12/2015, vencendo-se juros de mora a partir daí, por ser essa a solução legal, conforme o disposto no artº 566º do C. Civil.

q) Portanto, a douta Sentença de que se recorre não tem qualquer apoio nas decisões dos Tribunais Superiores e contraria mesmo o Ac. do STJ pois que, em lado algum o douto Ac. do STJ se separa a questão dos juros, como diferentes, quando se trate de danos patrimoniais, de quando se trate de danos não patrimoniais.

r) Antes pelo contrário, trata a questão dos juros relativos aos danos patrimoniais (por facto ilícito) e dos danos não patrimoniais, em conjunto e da mesma forma, não conseguindo a douta Sentença em parte alguma explicar e fundamentar, o que levou a concluir que este segmento do Ac. do STJ não se reporta aos danos patrimoniais.

s) – O esclarecimento do STJ referia-se tanto a indemnizações por danos patrimoniais, como por danos não patrimoniais [neste sentido ver também o Ac. do T.R. Porto de 27/09/2018 que cita também o Ac. Uniformizador de Jurisprudência N.4/02, e que poderá ser consultado em: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (dgsi.pt) ], e o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 de 09 de Maio,, in DR 146 SÉRIE I-A, de 2002-06-27, https://www.stj.pt/?p=6535 refere que: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”.

t) – Também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (dgsi.pt ] refere que:

“I - O Ac. UJ nº 4/02 veio fixar a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artºs 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

II - O que se conclui daquele Ac. UJ é que não há que distinguir se os danos são de natureza patrimonial ou não patrimonial, de acordo com a actual redacção do nº 3 do artº 805º, incidindo os juros sobre todos eles, na mesma medida”. u) – Do mesmo modo, o A. na sua ampliação do pedido requereu a aplicação da sanção compulsória previstas no nº 4, do artº 829º-A do CC, o que também foi rejeitado.

v) - Parece não ter razão a decisão da Sentença de indeferimento quanto a juros compulsórios, porquanto, como se refere no Ac. do STJ de 23/02/2021, com sublinhado nosso, consultável em: http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2859eb4e4d73580b80258685003acca9?OpenDocument

“ I - A sanção pecuniária compulsória legal, prevista no n.º 4 do art. 829.º-A do CC, aplica-se a todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais, e é independente da indemnização eventualmente fixada em resultado do incumprimento da obrigação.

II - A aplicação dessa sanção não depende de qualquer pedido do credor no requerimento executivo, decorrendo automática e oficiosamente da dedução do pedido exequendo.”.

w) – Até porque, na verdade, e em referência ao pedido da sanção pecuniária compulsória a “… aplicação dessa sanção não depende de qualquer pedido do credor…”, como aliás também o refere o nº 3, do artº 716º do CPC.

x) - Embora não seja preciso pedir a condenação das RR. para esta sanção compulsória, não é por isso que, se pedida tal sanção para acrescer à indemnização reclamada, a mesma possa vir a ser indeferida com os argumentos que constam da douta Sentença recorrida.

y) - Ao decidir não aceitar e rejeitar a admissibilidade da ampliação do pedido formulado pelo Autor, na sua totalidade, a douta Sentença recorrida violou, para além do entendimento do Ac. do STJ de fls, 19/20 proferido nestes autos, ainda e entre outros, violou os comandos contidos nos artigos 566º, nº2, 805º nº 3, segunda parte, 806º e 829º-A do C. Civil e ainda os artigos 554º, nº 1, 265º, nº2 e nº 4, 716º, nº 3 do CPC, os quais foram interpretados de forma a não dar provimento às pretensões formuladas pelo A./Recorrente, quando deveriam ter sido interpretados, no seu conjunto, no sentido das pretensões formuladas por aquele formuladas.

Termos em que, com os fundamentos supra, deverão proceder todas as conclusões de Recurso e, se o douto despacho recorrido não for reformado no sentido supra pretendido pelo Recorrente, deverá o mesmo ser substituído por um outro que acolha as pretensões do Recorrente e com o sentido acima peticionado, com todas as legais consequências daí advindas, assim se fazendo JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

Por despacho de 26.10.2022 foi a requerida reforma da sentença indeferida, e foi admitido o recurso, atendendo a que “pese embora o autor não tenha tido decaimento na quantia peticionada, atendendo ao limite do pedido que balizava a condenação dos réus, na decisão proferida é também apreciado o incidente de ampliação do pedido.”

*

Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***

II. QUESTÕES A DECIDIR.

Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, e não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir:

- da admissibilidade da ampliação do pedido;

- se procedem as razões aduzidas pelo Apelante para considerar que são devidos os juros de mora peticionados no requerimento de ampliação do pedido e os compulsórios referidos no requerimento de liquidação e no requerimento de ampliação do pedido.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO.

III.1. O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

1 - Na sentença objeto de liquidação consideraram-se provados os seguintes

factos:

“1- O autor tem inscrita a seu favor a propriedade do prédio urbano sito no ..., freguesia ..., concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº...95, inscrito na matriz sob o artº...06, com a área de 50m2, a confrontar a nascente com BB, norte e sul com AA e poente

com DD.

2- O autor tem inscrita a seu favor a propriedade do prédio rústico sito no ..., freguesia ..., concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº...04, inscrito na matriz sob o artº...16, com a área de 1234m2, a confrontar a norte com EE, nascente e sul com FF e a poente com caminho.

3- Os réus construíram um muro em alvenaria e tijolos, o qual ocupou uma parcela de terreno delimitada por esse muro pertencente ao prédio referido em 2..

4- Ocupando uma área de 160m2, identificada a fls. 333 dos autos como área D, onde foi construída uma piscina.

5- Os réus colocaram dois portões no referido muro, aos quais se acede pelo prédio referido em 2..

6- E asfaltaram o terreno em frente desses portões, em área concretamente não

apurada, que se situa no interior do prédio referido em 2., asfalto que já não se mantém.

7- Onde antes estavam implantados uns anexos de apoio para recolha de material agrícola, construídos em tijolo e alvenaria.

8- Junto aos portões foi colocado pelos réus um marco para depósito de correio.

9- Os réus CC e GG têm inscrita a seu favor a propriedade do prédio rústico sito no ..., freguesia ..., concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº...91, inscrito na matriz sob o artº...15, com a área de 1000m2, a confrontar a norte com EE, nascente com HH, poente com herdeiros de II e sul com caminho.

10- A ré BB habita no referido prédio, o qual é contíguo do prédio referido em 2.

11- O prédio referido em 9. confronta a sul com um caminho, através do qual se fazia a passagem de pessoas e viaturas para a via pública.

12- O qual foi vedado pela ré com a construção do muro referido em 3..

13- Deixando de se efetuar por esse caminho o acesso ao prédio referido em 2..

14- Anteriormente existia um caminho que através do prédio referido em 2. dava acesso ao prédio contíguo, o qual era utilizado por diversas pessoas desde data não apurada.

15- Ao construir o muro referido em 3. foi destruída parte do prédio referido em 1., provocando a queda de paredes e telhados.

16- Os réus procederam ao corte de árvores situadas no interior do prédio referido em 2..

17- No interior do prédio referido em 2., em data não apurada, foi depositado entulho e materiais de construção, os quais já ali não se encontram.

18-Os réus mantêm esgotos a correr para o prédio referido em 2..

19- O autor nasceu e viveu com os pais no prédio referido em 1.

20- Devido a toda a situação o autor tem sentido desgosto e mal estar, aumento de stress e tensão nervosa, o que afeta a sua saúde física e psíquica.” (cf. sentença proferida a fls.600/630, cujo teor se dá por reproduzido).

2- Interposto recurso da decisão, veio a ser proferido Acórdão do Tribunal da

Relação de Évora, datado de 26.10.2017, no qual se refere:

(cf. acórdão proferido a fls. 708/746, cujo teor se dá por reproduzido).

3- Interposto recurso deste acórdão, veio a ser proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.07.2018, no qual se refere:

(cf. acórdão proferido a fls.895/915, cujo teor se dá por reproduzido).

4- O autor solicitou à “Sigma Privilege Construção” a elaboração de orçamento, referente a trabalhos de alterações em edifício, o qual foi emitido com data de 11.12.2018, no valor de €14.115,00, sem IVA, cf.doc. de fls. 948/949, cujo teor se dá por reproduzido.

5- O autor solicitou à “Construções Costa & Nicolau, Lda.” a elaboração de orçamento, referente a trabalhos de reconstrução parcial de habitação, o qual foi emitido com data de 10.05.2022, no valor de €17.661,00, sem IVA, cf. doc. de fls. 1052/1053, cujo teor se dá por reproduzido.

6- O autor solicitou a JJ a elaboração de orçamento, referente a fornecimento e plantação de alfarrobeiras e figueiras, o qual foi emitido com data de 20.12.2018, no valor de €1.480,00, a que acresce IVA, cf. doc. de fls. 950, cujo teor se dá por reproduzido.

7- O autor pagou à “GAM” a quantia de €317,34, pela limpeza de terreno e entulhos, a que corresponde recibo provisório datado de 23.11.2018, cf. doc. de fls. 951, cujo teor se dá por reproduzido.

8- A reposição das paredes e telhados do prédio urbano propriedade do autor importa um custo de €11.724,98, a que acresce IVA, no total de €14.421,72.

9- O prédio urbano propriedade do autor encontra-se em estado de ruína há mais de 40 anos.

*

III.2. Na mesma decisão considerou-se que, com interesse para a boa decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão.

*

III.3. Apreciação jurídica.

Não vindo impugnada a matéria de facto considerada pelo Tribunal Recorrido, é com base na mesma que se procederá à apreciação jurídica da pretensão recursiva, cabendo recordar que a sentença não foi impugnada no que respeita ao montante indemnizatório fixado, nem quanto aos juros moratórios em que as Rés ali foram condenadas, antes se cingindo aos juros moratórios peticionados entre a data da prolação da sentença da primeira instância e a data da notificação do requerimento de liquidação e aos juros compulsórios relativos ao período que decorreu entre a data do trânsito em julgado da sobredita sentença, e a da notificação do requerimento de liquidação.

Vejamos então.

*

III.3.1. Da ampliação do pedido.

O artigo 260º do Código de Processo Civil consagra o chamado princípio da estabilidade da instância ao estabelecer que “[c)itado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”, reafirmado, aliás, em uma outra norma adjectiva civil - art.º 564º alínea b) do Código de Processo Civil - ao sublinhar que “Além de outros, especialmente prescritos na lei, a citação produz os seguintes efeitos: b) Torna estáveis os elementos essenciais da causa, nos termos do artigo 260.º”, donde se conclui que, citado o demandado, a modificação subjectiva (intervenientes processuais) e objectiva (causa de pedir e o pedido) da causa, somente pode ocorrer, dependendo sempre da vontade do interessado, nas situações prevenidas na lei, e observados que sejam os requisitos de que depende o respetivo exercício.

Daqui decorre que a modificação dos elementos objetivos da lide (causa de pedir e pedido), pode ter lugar por acordo das partes ou sem esse acordo, nas condições e sob os requisitos dos artigos 264º e 265º, ambos do Código de Processo Civil, outrossim, nos termos dos artigos 588º e 589º, ambos do Código de Processo Civil, acentuando-se que os respetivos regimes, não se confundem, seja a título formal, seja a título substantivo.

São razões de estabilidade da instância e de regular tramitação processual, que determinam que a alegação superveniente, quer de factos essenciais, quer complementares, esteja sujeita a momentos específicos preclusivos.

No que respeita especificamente ao pedido, estatui o n.º 2 do artigo 265º do Código de Processo Civil que o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, sendo que o n.º 5 do citado artigo 265º do Código de Processo Civil contem uma particular previsão legal para as ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, estabelecendo-se uma particular modificação do pedido que extravasa as condições estatuídas nos nºs. 1 e 2 do consignado art.º 265º do Código de Processo Civil.

Em termos literais, “ampliação” implicará a manutenção do pedido primitivo de que se retiram novas potencialidades, que o legislador pretendeu que se assumissem como «consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo», o que significa que entre o pedido primitivo e o pedido que resulta da ampliação tem de haver um nexo de «consequência» ou «de mero desenvolvimento», o que implica, nas palavras de Alberto dos Reis, que «a ampliação deva estar contida virtualmente no pedido inicial»[1].

Tendo presentes tais considerações, não pode deixar de considerar-se válida e tempestivamente requerida a ampliação do pedido, no caso dos autos, mesmo sem o acordo das Rés.

Estava em causa no presente incidente a liquidação de indemnização emergente de responsabilidade extracontratual por facto ilícito, pelos danos patrimoniais mencionados nos pontos 15 a 18 dos factos provados, até ao valor global de oito mil euros.

Como se referiu, o valor a liquidar foi fixado em oito mil euros, que não vem controvertido.

Essa indemnização, decorrente do facto jurídico invocado como fonte de responsabilidade, distingue-se da que resulta do atraso na satisfação daquela primeira indemnização.

Ora, no que respeita aos juros, importa referir que, na petição inicial da ação de que o presente incidente é dependência, o Autor os considerou devidos desde 09.09.2004, peticionando-os, então, desde essa data.

O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a questão no Acórdão proferido nestes autos em 12.07.2018, esclarecendo, quanto à indemnização por danos patrimoniais, que “a lei aplicável – artigo 805º, n.º 3 do Código Civil – indica que a mora só existe a partir da citação, solução que se impõe considerar aplicável à indemnização fixada. O contexto da decisão e a lei não deixam margem para outra solução.”

E no que respeita aos danos não patrimoniais, entendeu que “não se identifica no acórdão qualquer referência à data considerada para efeitos de fixação de danos, o que só pode ser interpretado como tendo o tribunal considerado o valor dos danos atualizado à data da sentença, vencendo juros a partir daí, por ser essa a solução legal (art. 566º CC).(…)”.

Ficaram, pois, definidos na sobredita decisão, os momentos a partir dos quais o Autor teria direito a juros de mora.

E se é certo que no requerimento de liquidação dos danos patrimoniais o ora Autor peticionou juros de mora e juros compulsórios desde a data da notificação do mesmo requerimento, o que lhe era lícito por se tratar de direito disponível, certo é também que do requerimento não resulta que tenha pretendido prescindir dos demais.

E sendo os juros o desenvolvimento do pedido inicial, nada obstava a que formulasse requerimento de ampliação do pedido por forma a peticionar os que no requerimento inicial, por erro ou esquecimento, não pediu, designadamente, os vencidos a partir da data da sentença.

Efetivamente, e conforme pode ler-se no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 15.5.2015, proc.1520/04.3TBPBL.C1.S1[2]:

“no caso da obrigação de indemnizar, há ou pode haver duas indemnizações diferentes, sucessivas, que se somam a favor do credor: uma é a indemnização cujo objeto se pretende liquidar, proveniente de um primeiro facto constitutivo de responsabilidade, que tanto pode ser a mora ou falta de cumprimento da obrigação, como um facto lícito ou ilícito extracontratual ou até uma cláusula de um contrato de seguro; a outra é a indemnização pela mora no cumprimento da obrigação de indemnizar, depois de esta ter sido liquidada[3].

No primeiro caso, trata-se de reparar os danos que o facto causa ao lesado e o critério legal para calcular a indemnização, por equivalente, assenta na teoria da diferença: deve atender-se à diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (artigo 566º, nº 2, do Código Civil).

No segundo caso, pretende-se reparar o atraso no cumprimento da obrigação de indemnização por equivalente, correspondendo a indemnização aos juros a contar do dia da constituição em mora (artigo 806º, nº 1, do Código Civil).

Neste caso, privativo das prestações pecuniárias, como o é, no fundo, aquela primeira indemnização depois da respectiva liquidação, utiliza-se uma forma abstracta de apuramento dos danos, estabelecendo-se uma indemnização a forfait, com recurso às taxas legais de juros de mora.

Porém, no caso de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco (e, como é entendido, também por facto lícito), o legislador criou um termo inicial específico para a mora, anterior à própria liquidação da indemnização[5]: o devedor constitui-se em mora a partir da citação – art. 805º, nº 3, do CC; ou seja, em vez de se proceder à avaliação do dano real sofrido com a mora, presume-se que, por estar privado do montante da indemnização, o lesado sofre um prejuízo que corresponde aos juros contados desde a citação[6].(…)

O princípio do pedido tem consagração inequívoca no art. 3º, nº 1, do CPC: o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (…).

É ao autor que, naturalmente, incumbe definir a sua pretensão, requerendo ao tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado a satisfazê-la. Será na petição inicial que o autor deve formular esse pedido – art. 552º, nº 1, e) do CPC –, dizendo "com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a acção"[11]. (…)

Assim, se o autor não actua em conformidade, não exercitando, em toda a sua virtualidade, o aludido princípio, não pode mais tarde, ultrapassada a fase em que seria processualmente admissível a ampliação (cfr. art. 265º, nº 2, do CPC), pedir ao tribunal que supra a sua omissão, nem este o pode fazer oficiosamente. Se o fizer, estará a ferir de nulidade a sentença, nos termos referidos[16]. (…)

Com efeito, sendo de considerar que o pedido de juros constitui desenvolvimento do pedido de condenação na indemnização por equivalente [22], os autores, mesmo sem o acordo da parte contrária, poderiam ter ampliado o pedido até ao encerramento da discussão na 1ª instância (art. 273º, nº 2, do CPC então em vigor), contemplando aqueles juros.

Não o fizeram, como se exigia que o fizessem para fazer valer essa pretensão, sendo-lhes vedado requerer a ampliação depois do referido encerramento. (…)” (o destacado é nosso)[4].

Não pode, consequentemente, manter-se a decisão recorrida no que respeita ao requerimento de ampliação do pedido, pois que o mesmo foi apresentado tempestivamente e a ampliação consistiu no desenvolvimento do pedido formulado no requerimento de liquidação, tanto no que concerne aos juros moratórios, como aos compulsórios, tanto mais que estes são, como veremos, de aplicação automática.

Note-se que, em rigor, a ampliação do pedido não foi formulada a título subsidiário, isto é, apenas para o caso de um outro pedido improceder. A subsidiariedade a que o Autor se refere no requerimento de ampliação é apenas de entendimento do Tribunal – o Autor referiu entender, em face das decisões já proferidas nos autos, que não precisava de formalizar a ampliação, apresentando o requerimento para o caso de assim não se entender.

Procede, pois a apelação neste ponto.

*

III.3.2. Dos juros moratórios.

Importa recordar que apenas está em causa no incidente a fixação da indemnização pelos danos elencados nos pontos 15 a 18 dos factos provados na sentença proferida em 08.12.2015 e que não se discute no recurso o montante indemnizatório de oito mil euros fixado pelo Tribunal Recorrido, mas apenas o momento a partir do qual são devidos juros, se desde a notificação do requerimento de liquidação, ou se desde a sentença proferida em 08.12.2015, como pretende o Autor, pretensão que verteu no requerimento de ampliação do pedido.

Apreciando.

Nos termos do estipulado no artigo 804º do Código Civil, “[a] simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados” (nº. 1), devendo “o devedor considerar-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido.” (nº. 2)

Por sua vez, dispõe-se no artigo 805º do mesmo diploma, e naquilo que para aqui mais releva, que:

«1. O devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:

a) (…);

b) Se a obrigação provier de facto ilícito;

c) (…)

3. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.»

Por último, preceitua-se no artigo 806º que:

« 1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.

2. (…)

3. (…) »

O regime do artigo 805º, n.º 3 do Código Civil foi apenas objeto de uma interpretação restritiva no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) nº. 4/2002, publicado no Diário da República n.º 146/2002, Série I-A de 2002-06-27, que decidiu, em relação a todas as indemnizações (por danos patrimoniais ou por não patrimoniais), que tenham sido atualizadas à data da prolação da decisão, o seguinte:

«Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.»; ponderando, na sua fundamentação, a função indemnizatória dos juros de mora desde a citação (arts. 804º ss. e 805º/2 do C. Civil) e a função reparadora da atualização indemnizatória do artº. 566º/2 do C. Civil.»

Tal regime aplica-se, sem qualquer distinção, quer a indemnizações fixadas por danos presentes, quer a indemnizações fixadas por danos futuros e que a lei admite que sejam contabilizadas com antecedência à sua verificação (cf. artigos 562º e ss. e 564º nº. 2)[5].

Termos, pois, em que, há que decidir - de resto em consonância com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nestes autos, que, como referimos, entendeu serem os mesmos devidos desde a citação – que os juros moratórios são devidos desde a data em que o Autor os peticiona, ou seja, desde a prolação da sentença de 08.12.2015 e até integral e efetivo pagamento.

E não se diga que ocorreu a prescrição dos vencidos há mais de cinco anos, porquanto nos termos das disposições conjugadas dos artigos 323º e 327º do Código Civil, a prescrição interrompeu-se com citação e não correu novo prazo enquanto a sentença não transitou em julgado, sendo que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos apenas transitou em setembro de 2018.

Procede, pois, também nesta parte, a apelação.

*

III.3.3. Dos juros compulsórios.

No requerimento de ampliação do pedido a que supra se aludiu referiu o ora Autor que à quantia a liquidar deveriam acrescer juros compulsórios nos termos do disposto no artigo 829ºA do Código Civil, “juros que, aliás, são automaticamente devidos à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitou em julgado, em 10-09-2018.

O Tribunal recorrido entendeu, quanto a este ponto, que:

“a sanção pecuniária compulsória apenas é admissível mediante limitados requisitos, na medida em que a mesma não pode ser decretada oficiosamente pelo Tribunal e só é permitida em relação a prestações de facto infungível.

No caso em apreço, encontrando-se em causa o pagamento de determinada quantia, a mesma não é infungível, sendo lícito o recurso à execução para pagamento de quantia certa (art.º724º e ss. Do Código de Processo Civil).

Donde, não será admissível a condenação das rés em sanção pecuniária compulsória, motivo pelo qual se considera improcedente este pedido.”

Vejamos.

Dispõe o art. 829º-A do Cód. Civil, sob a epígrafe “sanção pecuniária compulsória”.

1- Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.

2- A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.

3- O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em parte iguais, ao credor e ao Estado.

4- Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.

É hoje pacífica a distinção entre a sanção pecuniária compulsória judicial, prevista no número 1 do artigo 829ºA do Código Civil e a sanção pecuniária compulsória legal, a que alude o nº4[6].

Como é sabido, a sanção pecuniária compulsória foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, através do aditamento da norma do artigo 829º-A, acabada de transcrever.

A finalidade desse aditamento consta do ponto 5. do preâmbulo desse diploma:

“Autêntica inovação, entre nós, constituem as sanções compulsórias reguladas no artigo 829.º-A. Inspira-se a do n.º 1 desse preceito no modelo francês das astreintes, sem, todavia, menosprezar alguns contributos de outras ordens jurídicas; ficando-se pela coerção patrimonial, evitou-se, contudo, atribuir-se-lhe um carácter de coerção pessoal (prisão) que poderia ser discutível face às garantias constitucionais.

A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.

Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória - no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) - poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico”.

O artigo 829.º-A acolheu, pois, duas distintas modalidades de sanção pecuniária compulsória, tendo em conta o tipo de obrigação cujo cumprimento se destina promover: a primeira (n.º 1), de natureza judicial, fixada pelo tribunal a requerimento do credor, quando em causa esteja o cumprimento de obrigações de prestação de facto infungível; a segunda (n.º 4), de natureza legal, previamente fixada por lei e de funcionamento automático, aplicável em caso de condenação no cumprimento de uma obrigação pecuniária de quantia certa.

Como salienta Pinto Monteiro, citado no mencionado Acórdão do STJ de 23.02.2021, é flagrante a “desarmonia da sanção consagrada no n.º 4, em face dos restantes números do mesmo preceito legal, que prevêem e regulam a sanção pecuniária compulsória tout court”. Idealizada para as obrigações de facto não fungível, atenta a inviabilidade da execução específica, a sanção compulsória judicial tem carácter subsidiário, ao contrário da sanção compulsória legal, que tem alcance geral por se aplicar a todas as situações em que seja estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente.

Ora, nas obrigações pecuniárias nenhum problema se levanta sobre a execução específica, na medida em que, de acordo com o que se estabelece artigo 817.º do Código Civil, se a obrigação não for cumprida voluntariamente, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, mediante a competente execução para pagamento de quantia certa.

Por isso, segundo esse autor, “enquanto a sanção pecuniária compulsória ‘tout court’ se confina ao domínio das prestações insusceptíveis de execução específica, já a última pretende evitar o recurso à execução coactiva das obrigações pecuniárias, apesar de esta ser sempre possível, no plano dos princípios”. Nessa medida, defende que a arrumação no n.º 4 do artigo 829º-A não é a melhor, alvitrando que seria preferível a sua inserção no artigo 806º, norma dedicada às obrigações pecuniárias.

A sanção pecuniária compulsória legal é independente da indemnização eventualmente fixada em resultado do incumprimento da obrigação, não possuindo qualquer natureza reparadora, pois, a sua finalidade não é a de reparar danos causados pela falta de cumprimento pontual, “mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou o seu desleixo, indiferença ou negligência”[7]], sendo o seu montante fixado sem qualquer relação com o dano sofrido pelo credor.

O âmbito de aplicação da sanção pecuniária legal cobre, portanto, todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais[8].

Assim, dada à execução sentença condenatória de obrigação pecuniária, a sanção pecuniária compulsória opera sem ter de constar da sentença, constituindo efeito legal do respetivo trânsito em julgado, e integrando-se, sem mais, no âmbito de exequibilidade desse título, conforme resulta do disposto no artigo 716º, n.º 3 do Código de Processo Civil, que consagra, como regra geral relativa à sanção pecuniária compulsória, que esta seja liquidada a final pelo agente de execução pelas importâncias devidas em consequência da sua imposição.

A aplicação do n.º 4 do artigo 829º-A não depende, pois, de qualquer pedido do credor no requerimento executivo, decorrendo automática e oficiosamente da dedução do pedido exequendo.

Mas nada impede o credor de a requerer no âmbito da ação declarativa, sendo que, nesse caso, o Tribunal não pode deixar de condenar no respetivo pagamento, desde que se verifiquem os respetivos pressupostos.

Ora, no caso dos autos, estando em causa a condenação no pagamento de uma quantia pecuniária, a sanção pecuniária compulsória legal prevista no n.º 4 do artigo 829ºA citado, será devida, caso as Rés não procedam ao respetivo pagamento, “desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado” como resulta da lei.

Na situação sub judice, porém, temos de dar mais um passo para a definição do termo inicial da sanção pecuniária compulsória legal, porquanto a sentença condenatória proferida em 08.12.2015 e que transitou em julgado em 2018, como entende o Autor, não liquidou a quantia devida pelos danos em causa neste incidente de liquidação.

Deverá ainda assim entender-se que a sanção é devida desde 10.09.2018, como entende o Autor/Apelante, ou antes a partir do trânsito em julgado da sentença proferida no incidente de liquidação, por apenas com esta se encontrar quantificado o montante a pagar?

Em vista da natureza e das finalidades que subjazem à sanção em apreço, supra mencionadas, apenas a partir do trânsito em julgado da sentença que liquida a obrigação será a mesma devida, pois só então estará definitivamente assente a existência e o conteúdo da obrigação a cujo cumprimento voluntário visa compelir, por não estarem já em causa os direitos e as obrigações primárias das partes, mas a sua realização.

Só a partir da liquidação é a sentença exequível.

Apenas este entendimento respeita, pois, a “ligação umbilical entre a sanção pecuniária compulsória e a sentença de condenação respeitante à obrigação principal: diferentemente da obrigação de indemnizar, a obrigação de suportar a sanção pecuniária compulsória não nasce com a simples mora do devedor, que respeita exclusivamente às relações entre ele e o credor, mas sim com a continuação da mora após a definição do direito do credor pelos tribunais; ao incumprimento da obrigação adiciona-se o incumprimento do determinado na decisão judicial”, isto é, “[q]uer a sanção pecuniária compulsória judicial, quer a sanção pecuniária legal, pressupõem a condenação do devedor no cumprimento da obrigação principal e, portanto, um duplo incumprimento (desta obrigação e da sentença sobre ela proferida na ação declarativa de condenação), ou seja, exigem a continuação da mora após a definição do direito pelos tribunais, com o inerente desrespeito culposo pelas decisões destes[9]

Os juros compulsórios apenas serão devidos, pois, desde a data do trânsito em julgado da decisão que liquidou a obrigação, caso, obviamente, então o incumprimento se mantenha.

*

IV. DECISÃO.

Em face do exposto acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

- revogam a decisão recorrida na parte em que considerou não ser admissível o requerimento de ampliação do pedido, que substituem por outra que admite tal ampliação;

- condenam as Rés a pagar ao Autor juros de mora à taxa legal, que atualmente é de 4% ao ano, sobre a fixada quantia de oito mil euros desde a data da sentença de 08.12.2015, data a partir da qual foram peticionados, até integral pagamento;

- condenam as Rés no pagamento dos juros compulsórios à taxa de 5%, que se vencerem sobre a fixada quantia de oito mil euros, desde a data do trânsito em julgado da presente decisão, caso então o incumprimento persista, até integral pagamento;

- mantém no mais, a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente e pelas Recorridas, na proporção do decaimento – artigo 527º do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

***

Lisboa, 2023-01-12

(Ana Pessoa)
(José António Moita)
(Mata Ribeiro)
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[1] «Comentário ao Código de Processo Civil», III, 94

[2] Acessível em www.dgsi.pt.

[3] Cf. Antunes Varela, RLJ 102-89.

[4] Cf. no mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 26-01-2021, proferido no âmbito do processo n.º 5362/18.0T8CBR-B.C1 e o Acórdão do STJ de 19.06.2019, proferido no âmbito do processo n.º 22392/16.0T8PRT.P1.S1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.

[5] Cf. o Acórdão do STJ de 21.06.2022, proferido no âmbito do processo n.º 1633/18.4T8GMR.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.

[6] Cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.02.2021, proferido no âmbito do processo n.º 708/14.3T8OAZ-A.P1.S1

[7] Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, páginas 456 e seguintes.

[8] Idem.

[9] Cf. Lebre de Freitas, “TERMO INICIAL DA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA JUDICIAL”, https://portal.oa.pt/media/133309/jose-lebre-de-freitas.pdf, pgs. 194, 196 e 211