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CRÉDITO LABORAL
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
ASSÉDIO LABORAL
Sumário
I – Nos termos do n.º 1 do art. 323.º do Código Civil apenas a citação ou a notificação judicial são causas interruptivas da prescrição, porém, caso a citação ou notificação judicial tenham sido requeridas e não tenham ocorrido, por causa não imputável ao requerente, no prazo de cinco dias após tal requerimento, apesar de não haver citação ou notificação judicial, considera-se, excecionalmente, igualmente interrompida a prescrição logo que decorram os cinco dias. II – Assim, a interposição de uma ação judicial não é causa de interrupção da prescrição e não o é exatamente porque não se mostra legalmente prevista como tal. III – A todos os créditos emergentes de uma relação laboral se aplica o disposto no art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, e não os prazos de prescrição previsto no Código Civil, e isto por força do art. 7.º, n.º 3, deste último Diploma Legal. IV – A remissão prevista no art. 28.º do Código do Trabalho para as normas gerais do direito civil apenas se reporta ao apuramento do quantum indemnizatório por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da violação de direitos consagrados no âmbito da relação laboral e durante a sua vigência, já não a qualquer outra matéria, designadamente relativa ao próprio ato ilícito causador do direito à indemnização ou relativa a prazos de prescrição e de caducidade dos direitos laborais atribuídos. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Proc. n.º 6567/19.2T8STB.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório AA (Autor) intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “Modelo Continente Hipermercados, S.A.” (Ré), pedindo que a presente ação seja julgada provada e procedente, e, em consequência, seja a Ré condenada a pagar ao Autor:
a) o valor de €8.739,75, a que acrescerão juros de mora à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, valor esse que diz respeito a diferenças remuneratórias entre os valores auferidos pelo Autor e os valores que deveria ter auferido, considerando-se as tabelas salariais previstas no CCT APED/FEPCES, constante do BTE n.º 22, de 15-06-2008, e tendo em conta as atualizações de tabelas salariais previstas, respetivamente, no BTE n.º 18 de 15-05-2010 e no BTE n.º 30 de 15-08-2016, entre os anos de 2014 e
2018;
b) uma indemnização por danos não patrimoniais, devida pela prática de assédio laboral por parte da Ré sobre o Autor, no valor de €5.000,00; e
c) os juros de mora à taxa legal calculados desde o vencimento e até efetivo e integral pagamento;
Deverá ainda a Ré ser condenada nas custas processuais e em procuradoria condigna.
O Autor fixou o valor da ação em €13.739,75.
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Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver por acordo o litígio.
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A Ré “Modelo Continente Hipermercados, S.A.” apresentou contestação, solicitando, a final, que fosse julgada procedente, por provada, a exceção perentória da prescrição, absolvendo-se a Ré dos pedidos; ou, caso assim se não entendesse, fosse declarada procedente a exceção dilatória de inexistência de causa de pedir e, em consequência, absolvendo-se a Ré da instância; ou, caso assim se não entendesse, declarados improcedentes todos os pedidos formulados pelo Autor, absolvendo-se a Ré; devendo, em qualquer das situações, ser o Autor condenado como litigante de má-fé, nos termos do art. 542.º, nºs. 1 e 2, al. a), do Código de Processo Civil, e, em consequência, ser condenado no pagamento de uma indemnização à Ré nunca inferior a €2.500,00 e em multa.
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Em resposta, veio o Autor requerer a improcedência das exceções invocadas e a improcedência do seu pedido de condenação como litigante de má-fé e requerer a condenação da Ré como litigante de má-fé, em multa e indemnização bastante que cubram todos os encargos que o Autor teve com a presente ação.
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Realizada a tentativa de conciliação, não foi possível obter a conciliação das partes.
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Proferido despacho saneador, foi dispensada a fixação da base instrutória e a enunciação dos temas da prova.
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Notificadas as partes da intenção do tribunal em proferir decisão sobre a exceção perentória invocada, foi, posteriormente, proferido despacho, em 04-07-2022, nos seguintes termos decisórios:
Pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção totalmente procedente quanto à exceção de prescrição e totalmente improcedente quanto à litigância de má-fé e em consequência:
a) Absolvo a R. “Modelo Continente Hipermercados, S.A” da totalidade do pedido do A. AA, por prescrição;
b) Absolvo o A. AA do peticionado pela R. “Modelo Continente Hipermercados, S.A”, a titulo de litigância de má-fé.
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Custas, na proporção do respetivo decaimento, a cargo da A. e da R. (nos termos do Art. 527º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e do critério da sucumbência aí fixado, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), fixando-se o valor da presente ação, nos termos do Art. 297º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil, sempre na redação em vigor aquando do início destes autos, no valor indicado pela A. para o efeito, atento o disposto nos Arts. 296º e 297º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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Não se conformando com a decisão proferida, veio o Autor interpor recurso de Apelação, apresentando as seguintes conclusões:
a) Vem o presente Apelação, interposta da nem por isso menos Douta Sentença proferida a 04.07.2022, sindicando-se a mesma na parte que determinou a verificação da excepção peremptória de prescrição de todos os créditos peticionados nos autos de acção comum oportunamente interpostos pelo Autor contra o Réu nos termos do disposto no artigo 337º n.º 1 do CT;
b) Entendendo o Tribunal a quo que não houve lugar a qualquer interrupção da prescrição e onerando desfavoravelmente o Autor com a demora na realização da citação judicial da Ré apenas efectuada em 04 de Novembro de 2019, por motivos alheios ao Autor, entendimento este que, salvo o devido respeito, não é pacífico.
c) Não podendo, ademais, o Recorrente sufragar nem tão pouco conformar-se com tal entendimento ao menos no que tange ao peticionado valor de 5000,00€ (cinco mil euros) atinente a indemnização fixada por danos inerentes a assédio laboral – artigos 28º e 29º n.º 2 e 4 do CT e artigo 483º do CC, e ainda no pagamento de juros de mora à taxa legal calculados desde o vencimento e até efectivo e integral pagamento desde o vencimento, vem sindicar a decisão prolatada por via do presente recurso de Apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
d) A Sentença prolatada é recorrível e a presente apelação é legal e tempestiva.
e) Ora, resulta evidente que a citação decorre logo forçosamente da própria propositura da acção a se, já que esta conceptualmente a inclui como seu elemento estrutural, já que se é certo que a citação faz anunciar ao Réu que é deduzida conta o mesmo dada pretensão, a verdade é que, nos termos gerais do direito, a interposição da acção é acto na disponibilidade das partes que revela o fim da inércia destas e sim a dinamização processual de dada relação jurídica material controvertida.
f) Atentando agora o Código de Processo Civil, temos sob a epígrafe “momento em que a acção se considera proposta” o artigo 259º.
g) Segundo o seu nº 1 a instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se intentada ou pendente logo que a respectiva petição se considere apresentada nos termos e conforme estatuem os nºs 1 e 6 do artigo 144º.
h) Mais se constacta que o nº 2 sublinha que esse acto da proposição não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação.
i) Só que aqui e francamente nem se afigura necessário que nos socorramos da falada presunção legal dos cinco dias;
j) É que esse nº 2 tem de se compaginar com o 564º e é seguro que entre os efeitos da citação não se encontra nenhum relacionado com a caducidade ou prazo de propositura da acção, pelo que esta deve ser considerada instaurada logo que apresentada na secretaria segundo a estipulação legal a respectiva petição inicial e não quando o réu seja citado.
k) A respeito dos correspondentes antigos preceitos do nº 2 do artigo 267º e artigo 481º, já o dizia o velho acórdão do STJ de 18Mar1969 in BMJ 185º-p 267.
l) Destarte, deve o presente recurso merecer provimento e devem ter-se por não extintos por caducidade os créditos atinentes ao valor da indemnização por assédio laboral, aplicando-se as normais gerais do Direito Civil porquanto se revelam, no caso concreto, mais favoráveis ao trabalhador e aqui recorrente.
Nestes termos e nos demais de Direito e invocando o doutíssimo suprimento, deve a aliás operosa sentença recorrida ser revogada e substituída por outra onde se reconheça não se mostrar extinto por prescrição o peticionado crédito respeitante a indemnização por assédio laboral, prosseguindo os autos para efeitos de produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento, com o que será feita a desejada JUSTIÇA!
…
A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, terminando com as seguintes conclusões.
1. A Sentença proferida pelo Tribunal a quo é justa, clara e fundamentada na lei, não merecendo qualquer reparo.
2. Nas suas alegações, invoca o Recorrente que a indemnização por alegadamente ter sido vítima de assédio laboral no local de trabalho não pode considerar-se prescrita, porquanto, e segundo o mesmo, tal crédito não pode ser subsumido à categorização de créditos laborais, pois diz respeito, segundo o mesmo, a uma indemnização por factos ilícitos.
3. São vários os argumentos que abalam por completo a posição que o Recorrente assume nas suas alegações. Vejamos,
4. Importa começar por esclarecer que o que decorre do art. 28.º do CT é que as normas aplicáveis à determinação do quantum da indemnização, no caso da prática de ato discriminatório ou assédio, são as normas gerais do Código Civil e não as normas de natureza laboral.
5. Ou seja, trata-se de uma remissão para os critérios gerais de fixação da obrigação de indemnizar constantes do Código Civil, apenas.
6. Por outro lado, é de esclarecer que o alegado direito indemnizatório invocado pelo A. assenta na violação do contrato de trabalho,
7. Violação essa que terá alegadamente ocorrido precisamente no decurso da relação laboral,
8. Razão pela qual terá de se aplicar o disposto no n.º 1 do art. 337.º do CT que prevê “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.” (negrito nosso).
9. A propósito do referido art. 337.º n.º 1 do CT refere Maria do Rosário Palma Ramalho: “o conceito de créditos laborais constantes desta norma é um conceito amplo, uma vez que se incluem aqui não apenas os créditos remuneratórios em sentido estrito, mas todos os créditos que resultem da celebração e da execução do contrato de trabalho, e ainda os decorrentes da violação do contrato e da sua cessação”, in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, pág 581.
10. Ainda neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 609/19.9T8AVR.P1 de 09.01.2020 acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 1015/10.6TTALM.L1-4 de 21.03.2012.
11. Pelo que, dúvidas não subsistem que a indemnização por alegado assédio moral está também sujeita ao prazo prescricional de um ano previsto no art. 337.º do CT.
12. Ainda, e por outro lado, o legislador foi claro e expresso quando estabeleceu que os créditos laborais estão sujeitos a um prazo de prescrição de um ano,
13. E assim é por razões de segurança jurídica e económica, mas também por razões de paz social.
14. Importa invocar que o regime previsto no Código do Trabalho é um regime especial, contrariamente ao regime constante do Código Civil que é de natureza geral, razão pela qual este não pode afastar aquele uma vez que a lei especial não pode ser afastada pela lei especial nos termos do art. 7.º n.º 3 do CC.
15. Assim, e atento o exposto, aquando da citação da Recorrida a 04.11.2019, já havia qualquer crédito do aqui Recorrente sobre a Recorrida prescrito nos termos do art. 337.º do CT.
16. Pois só a citação da Recorrida poderia ter interrompido o decurso do prazo prescricional nos termos do art. 323.º n.ºs 1 e 2 do CC.
17. Razão pela qual, e salvo o devido respeito, a decisão do Tribunal a quo que julgou prescrito, por aplicação do art. 337.º n.º 1 do Código do Trabalho, o alegado crédito do Recorrente peticionado a título de indemnização por alegadamente ter sido vítima de assédio laboral, deve ser mantida, negando-se provimento às alegações do Recorrente.
Nestes termos, requer a Vossas Excelências se dignem julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo Recorrente.
Assim se fará, JUSTIÇA!
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O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, e, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, tendo a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida.
Não foi apresentada resposta ao parecer.
Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos, foram os autos enviados aos vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Apelante, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Factos interruptivos da prescrição dos créditos invocados pelo Autor; e 2) Prazo de prescrição dos créditos devidos por assédio laboral.
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III – Matéria de Facto
Os factos que relevam para a resolução das presentes questões são os que constam do relatório que antecede e ainda:
1. O Autor interpôs a presente ação em 15-10-2019[2].
2. Na petição inicial, quanto à citação da Ré, ficou a constar “PARA TANTO requer a V. Exª. se digne ordenar a citação da Ré. para querendo, contestar no prazo e sob a cominação legal, seguindo-se os ulteriores termos até final.
3. O contrato de trabalho entre Autor e Ré cessou a 15-10-2018[3].
4. A Ré foi citada em 04-11-2019[4].
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IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) ocorreram factos interruptivos da prescrição dos créditos invocados pelo Autor; e (ii) qual é o prazo da prescrição dos créditos devidos por assédio laboral.
1 – Factos interruptivos da prescrição dos créditos invocados pelo Autor
Segundo o Apelante, a citação decorre logo forçosamente da própria propositura da ação, já que se é certo que a citação faz anunciar ao Réu que é deduzida contra o mesmo dada pretensão, a verdade é que, nos termos gerais do direito, a interposição da ação é o ato, na disponibilidade das partes, que revela o fim da inércia destas e leva à dinamização processual de dada relação jurídica material controvertida.
Mais considera que o disposto no n.º 2 do art. 259.º do Código de Processo Civil tem de se compaginar com o disposto no art. 564.º do mesmo Diploma Legal, do qual não consta como efeitos da citação, a caducidade ou o prazo de propositura da ação, pelo que esta deve ser considerada instaurada logo que apresentada na secretaria a respetiva petição inicial, segundo a estipulação legal, e não quando o réu seja citado.
Dispõe o art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que:
1 - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Estipula o art. 323.º, nºs. 1 e 2, do Código Civil, que:
1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
Determina o art. 259.º do Código de Processo Civil que:
1 - A instância inicia-se pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que a respetiva petição se considere apresentada nos termos dos n.os 1 e 6 do artigo 144.º
2 - Porém, o ato da proposição não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário.
Consagra, por fim, o art. 564.º do Código de Processo Civil que:
Além de outros, especialmente prescritos na lei, a citação produz os seguintes efeitos:
a) Faz cessar a boa-fé do possuidor;
b) Torna estáveis os elementos essenciais da causa, nos termos do artigo 260.º;
c) Inibe o réu de propor contra o autor ação destinada à apreciação da mesma questão jurídica.
Ora, basta atentar nos citados artigos, para facilmente se concluir que a interposição de uma ação judicial não é causa de interrupção da prescrição e não o é exatamente porque não se mostra legalmente prevista como tal. Nos termos do n.º 1 do art. 323.º do Código Civil apenas a citação ou a notificação judicial são causas interruptivas da prescrição, porém, caso a citação ou notificação judicial tenham sido requeridas e não tenham ocorrido, por causa não imputável ao requerente, no prazo de cinco dias após tal requerimento, apesar de não haver citação ou notificação judicial, considera-se, excecionalmente, igualmente interrompida a prescrição logo que decorram os cinco dias.
Acresce que os efeitos produzidos pela citação, consagrados no art. 564.º do Código de Processo Civil, são apenas alguns desses efeitos, como expressamente se fez constar em tal artigo, quando nele se inscreveu “Além de outros, especialmente prescritos na lei, a citação produz os seguintes efeitos (…)”, sendo que um dos outros efeitos da citação prescritos na lei, concretamente no n.º 1 do art. 323.º do Código Civil, é o efeito de fazer interromper a prescrição.
Por fim, dir-se-á que a circunstância de a propositura da ação não interromper o prazo da prescrição não implica que apenas se considere que a ação foi proposta, ou como diz a lei, a instância se inicia, só após a citação do Réu, confundindo o Autor dois conceitos jurídicos distintos, a saber, o início da instância e a citação do Réu. É exatamente por estarmos perante dois momentos processuais distintos que o ato da propositura da ação, que dá início à instância, “não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição em contrário[5]”, sendo a disposição em contrário o disposto no n.º 2 do art. 323.º do Código Civil.
Pelo exposto, carece de fundamento jurídico a pretensão do Autor de que a propositura da ação seja causa de interrupção do prazo de prescrição, pelo que, tratando-se de créditos laborais[6], cujo prazo de prescrição ocorre decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho[7], tendo o contrato de trabalho cessado em 15-10-2018, a prescrição ocorreu em 16-10-2019. Porém, a Ré apenas foi citada em 04-11-2019, e, uma vez que o pedido de citação normal da Ré apenas ocorreu no dia 15-10-2019[8], mesmo a considerar o prazo de cinco dias sem que a citação da Ré tenha ocorrido, por facto não imputável ao Autor, ou seja, o dia 20-10-2019, nessa data tais créditos já estavam manifestamente prescritos.
Nesta conformidade, improcede, nesta parte, a pretensão do Autor.
2 – Prazo de prescrição dos créditos devidos por assédio laboral
Considera o Apelante que o prazo de prescrição, quanto ao crédito devido por assédio laboral, cujo montante peticionou em €5.000,00, não é o constante do art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, mas sim o constante do art. 498.º, n.º 1, do Código Civil, por estarmos perante uma situação de responsabilidade por factos ilícitos nos termos do art. 483.º do mesmo Diploma Legal.
Estabelece o art. 483.º do Código Civil que:
1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
Por sua vez, dispõe o art. 498.º, n.º 1, do Código Civil, que:
1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
Consagra igualmente o art. 28.º do Código do Trabalho que:
A prática de acto discriminatório lesivo de trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.
E, por último, estatui o art. 29.º do Código do Trabalho que:
1 - É proibida a prática de assédio.
2 - Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
3 - Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior.
4 - A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior.
5 - A prática de assédio constitui contraordenação muito grave, sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei.
6 - O denunciante e as testemunhas por si indicadas não podem ser sancionados disciplinarmente, a menos que atuem com dolo, com base em declarações ou factos constantes dos autos de processo, judicial ou contraordenacional, desencadeado por assédio até decisão final, transitada em julgado, sem prejuízo do exercício do direito ao contraditório.
Em face dos citados artigos, resulta, por um lado, que o crédito resultante da prática de assédio laboral consubstancia, inequivocamente, uma situação ocorrida em âmbito laboral (aquando do acesso ao emprego, no próprio emprego, trabalho ou formação profissional), e, por outro, que o Código do Trabalho, enquanto conjunto de normas especiais de direito, estabelece uma norma específica para o prazo de prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho. Deste modo, a todos os créditos emergentes de uma relação laboral se aplica o disposto no art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, e não os prazos de prescrição previsto no Código Civil, e isto por força do art. 7.º, n.º 3, deste último Diploma Legal.
Invoca-se, a este propósito, Maria do Rosário Palma Ramalho em Direito do Trabalho – Situações Laborais Individuais[9]:
[…] o conceito de créditos laborais constantes desta norma é um conceito amplo, uma vez que se incluem aqui não apenas os créditos remuneratórios em sentido estrito, mas todos os créditos que resultem da celebração e da execução do contrato de trabalho, e ainda os decorrentes da violação do contrato e da sua cessação.
E, a ser assim, os invocados créditos do Autor por alegado assédio laboral (conforme alegado, por atribuição de funções não enquadradas na sua categoria profissional e que correspondem a categorias profissionais hierarquicamente inferiores e pela atribuição de uma carga horária maior e diversa das dos outros colegas naquelas mesmas funções), por se reportarem à violação de disposições legais e convencionais decorrentes do contrato de trabalho celebrado entre as partes, e ocorridas durante a sua vigência, apenas podem ser considerados como créditos laborais e, por isso, sujeitos ao prazo de prescrição previsto no art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Acresce que a remissão prevista no art. 28.º do Código do Trabalho para as normas gerais do direito civil apenas se reporta ao apuramento do quantum indemnizatório por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da violação de direitos consagrados no âmbito da relação laboral e durante a sua vigência, já não a qualquer outra matéria, designadamente relativa ao próprio ato ilícito causador do direito à indemnização ou relativa a prazos de prescrição e de caducidade dos direitos laborais atribuídos. Aliás, nem faria sentido ser de outro modo, visto que, sempre que exista uma norma especial no direito do trabalho que afaste o estatuído no direito civil e processual civil, terá de ser essa a norma a ser aplicada nas relações laborais, só não o sendo se expressamente o excecionar, remetendo para as normas gerais, o que, como já referimos, não acontece, nos termos do citado art. 28.º do Código do Trabalho, quanto aos prazos de prescrição dos créditos laborais.
Cita-se, pela sua clareza, o acórdão do TRP, proferido em 09-01-2020[10][11]:
Com efeito, do citado art. 337º, nº 1, do CT/2009, tal como dos seus antecessores, decorre inequivocamente que têm eles por objecto não apenas os créditos estritamente remuneratórios, mas também os decorrentes da violação do contrato de trabalho, nos quais se incluem, pois, os decorrentes da obrigação de indemnização fundada na violação das normas convencionais (contrato individual de trabalho ou instrumento de regulamentação colectiva) ou legais que regulam o contrato de trabalho, reportem-se elas a obrigações principais ou acessórias deste decorrentes, neles se incluindo, pois e também, o crédito indemnizatório a que se referem os arts. 28º e 29º, nº 3, do CT/2009, decorrente, no caso e segundo a Recorrente, de alegados atos consubstanciadores de assédio moral, sendo ainda de realçar que a factualidade em causa que constitui a causa de pedir invocada se reporta, alegada e essencialmente, ao incumprimento contratual pela Ré do normativo que disciplina o contrato de trabalho, mormente o relativo à alteração do horário de trabalho, à inexistência de mapa de férias, ao exercício de tarefas não compreendidas nas funções/categoria profissional, ao controlo do desempenho por videovigilância e a outros atos de controlo exercido pela Ré ao desempenho da actividade da A. e concreto modo em como o terá sido. Ou seja, assenta o alegado direito indemnizatório em atos praticados na execução do contrato de trabalho que a Recorrente entende serem violadores das normas que o regem e consubstanciadores de assédio moral, assim constituindo crédito, para os efeitos em questão, decorrente da violação do contrato de trabalho abrangido pelo art. 337º, nº 1, do CT/2009.
Importa, então, concluir que sendo o crédito resultante da prática de assédio no âmbito de uma relação laboral um crédito laboral, é de aplicar ao mesmo o prazo de prescrição previsto no art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho. Assim, o alegado crédito por assédio laboral que o Autor peticiona já se encontrava prescrito aquando da citação da Ré, em 04-11-2019, visto que tal prescrição ocorreu em 16-10-2019.
Pelo exposto, apenas nos resta declarar, também quanto a esta questão, a improcedência da pretensão do Autor.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Autor (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Évora, 9 de fevereiro de 2023 Emília Ramos Costa (relatora) Mário Branco Coelho Paula do Paço
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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.
[2] Referência n.º 33715038
[3] Facto acordado entre as partes, conforme art. 3.º da petição inicial e art. 3.º da contestação.
[4] Referência n.º 4726770.
[5] N.º 2 do art. 259.º do Código de Processo Civil.
[6] Sem aqui abordarmos a questão se o crédito resultante de assédio laboral é ou não um crédito laboral, a qual analisaremos de seguida.
[7] Art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
[8] Na data da propositura da ação.
[9] Parte II, Almedina, p. 581.
[10] No âmbito do processo n.º 609/19.9T8AVR.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[11] Veja-se igualmente o acórdão do TRL, proferido em 21-03-2012, no âmbito do processo n.º 1015/10.6TTALM.L1-4, consultável em www.dgsi.pt.