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REVOGAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
CONTRATO DE TRABALHO
CESSAÇÃO POR ACORDO
COMPENSAÇÃO MONETÁRIA
COMPENSAÇÃO GLOBAL
PRESUNÇÃO
REMISSÃO ABDICATIVA
Sumário
I. - A lei presume que a compensação pecuniária global acordada na revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta.
II. – Conhecendo previamente o trabalhador todos os termos do acordo de revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo, propostos pelo empregador, é válida a declaração quitação/renúncia abdicativa aposta nesse acordo, salvo existir falta ou erro-vício da vontade determinantes de nulidade da declaração.
Texto Integral
Processo n.º 7080/19.3T8VNF.G1.S1
Origem:Tribunal Relação Guimarães
Recurso revista
Relator: Conselheiro Domingos Morais
Adjuntos: Conselheiro Mário Belo Morgado
Conselheiro Júlio Gomes
Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. – Relatório 1.-AA intentou acção de processo comum, contra Generali Seguros, S.A. (antes denominada Seguradoras Unidas, S.A.), alegando, em resumo, que exerceu funções de técnico comercial e de gerente de delegação até 30.11.2018, data em que, por acordo entre o autor e a ré, o contrato de trabalho cessou na sequência do plano de rescisão de contratos implementado pela ré, tendo o autor recebido a respetiva compensação pela cessação do contrato, mas considerando a antiguidade reportada a 1999 e não a 1.03.1992, como deveria ter sido. O autor alegou, ainda, que assinou, no dia 20.06.18, o acordo de revogação e a declaração quitação/renúncia abdicatória junta aos autos, tendo a ré apenas assinado o primeiro daqueles documentos, no dia 30.11.18, sendo que o autor os assinou no pressuposto de que seria cumprido pela ré o critério por si anunciado de assunção da antiguidade reportada a 1992, pretendendo apenas dar quitação dos créditos que lhe seriam pagos e que constam do recibo de vencimento, não pretendendo renunciar ao direito de exigir a compensação pela antiguidade que lhe é devida no Grupo Vitalício. E com fundamento no facto de tais documentos terem sido assinados pelo autor ainda durante a vigência do contrato de trabalho e de a ré os não ter assinado, invoca o autor a nulidade das cláusulas 2ª e 3ªs do aludido acordo e declaração de remissão/renúncia.
Terminou, pedindo:
a) ser a ré condenada a reconhecer que, no âmbito da relação contratual laboral que teve com o autor, a antiguidade deste reporta-se a 01.03.1992;
b) ser declarado nula a cláusula segunda e terceira do acordo de cessação do contrato de trabalho, na parte em que é referido que a importância paga pela ré ao autor inclui todos os créditos vencidos e vincendos até à data da cessação do contrato, bem como na parte em que o autor renúncia aos direitos e créditos que lhe são devidos;
c) ser declarado nula a “declaração quitação/renúncia abdicativa” referida no artigo 80º supra; e
d) ser a ré condenada a pagar ao autor a importância de 43.238,54€, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal até efetivo integral pagamento. 2. - A Ré contestou, impugnado, parcialmente, os factos alegados pelo autor e pedindo a sua absolvição. 3. - Na 1.ª instância foi decidido: “julgo totalmente improcedente a acção e, consequentemente, absolvo a ré dos pedidos contra ela formulados.”. 4. – O Autor apelou e o Tribunal da Relação decidiu: “julgar parcialmente procedente a apelação, declarando-se que no âmbito da relação contratual laboral havida entre autor e ré, a antiguidade deste se reporta a 01/03/1992. No mais confirma-se a decisão.”. 5. - O Autor interpôs recurso de revista, concluindo, em síntese, que:
A cláusula 2ª e 3ª do acordo de revogação do contrato, que se traduz, em suma, numa renuncia ao trabalhador reclamar qualquer importância para além da que já recebeu e a declaração de “quitação/renuncia abdicativa, encontram-se redigidas de forma geral, abstracta e indeterminável, o que as torna nulas (alínea N)).
O acordo e a declaração de quitação/renuncia abdicativa foram assinados em plena vigência do contrato de trabalho existente entre as partes, pelo que, estando-se perante créditos de natureza laboral, os quais são indisponíveis e irrenunciáveis, toda e qualquer renuncia, total ou parcial, a tais direitos, são naturalmente nulos e de nenhum efeito e, nessa medida, são inoponíveis ao trabalhador em relação aos créditos que reclama nestes autos(alínea O))
A declaração de quitação é assinada quando o Recorrente nem sequer tinha, ainda, recebido qualquer importância, o que reforça a sua nulidade (alínea P))
Não é oponível ao Recorrente a presunção prevista no artº 349º, nº 5 no qual se entende estarem incluídos na compensação global todos os valores devidos pela vigência e cessação do contrato, na medida em que é claro que a Recorrida garante pagar ao trabalhador a compensação indemnizatória reportado a toda a sua antiguidade e tendo apenas calculado a partir de 20/11/1999, quando deveria ser desde 01/03/1992, é inegável que aquele tem o direito a exigir desta o valor em falta, de € 43.238,54, ilidindo, assim a referida presunção iuristantum (alínea Q)). 6. - A Ré contra-alegou, concluindo pela improcedência da revista. 7. - O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da revista, por considerar “que estamos perante um acordo de cessação do contrato de trabalho e uma remissão abdicativa válidos, nos termos do art. 349.º do CT e do art. 863.º do CC.”. 8. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir. II. - Fundamentação de facto 1. – A 2.ª instância decidiu sobre a matéria de facto:
A) O Grupo Vitalício/Banco Vitalício era uma sociedade comercial, cujo objeto era o exercício de atividade de seguros e resseguros de todos os ramos.
B) A “Global – Companhia de Seguros, S.A.”, sociedade comercial cujo objeto era o exercício de catividade de seguros e resseguros, por fusão passou, em 24/01/2011, a integrar a “Açoreana Seguros, S.A.”, sociedade comercial, cujo objeto é o exercício da catividade de seguros e resseguros.
C) A “Seguradoras Unidas, S.A.” é uma sociedade comercial cujo objeto é o exercício da catividade de seguros e resseguros de todos os ramos e operações resulta da fusão, 30/12/2016, entre a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A. (sociedade incorporante), a Açoreana Seguros, S.A. (sociedade incorporada) e Seguros Logo, S.A. (sociedade incorporada).
D) As transmissões da Global para a Açoreana e desta para a Seguradoras Unidas, ocorreram sempre em relação aos mesmos estabelecimentos, com todos os elementos que compunham o seu ativo, nomeadamente equipamento de escritório, maquinismos e demais bens móveis, verificando-se o mesmo em relação aos trabalhadores, clientes, mediadores de seguros, etc.
E) Em 01/03/1992, o autor foi admitido, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, ao serviço do “Grupo Vitalício”, para exercer, sob a autoridade, direção e fiscalização desta, mediante um horário, as funções Técnico Comercial, mediante retribuição.
F) Em 20/11/1999, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, o autor foi admitido ao serviço da Global Companhia de Seguros, S.A para, sob a autoridade, direção e fiscalização desta, com um horário de trabalho completo, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de ..., mediante retribuição.
F.1 aditado: Ficou acordado entre o Autor e a Global que esta reconheceria, como reconheceu, a antiguidade daquele reportada à data que foi admitido no Grupo Vitalício, ou seja 01/03/1992, aceitação que foi comunicado ao autor pelo Diretor BB.
- F.2 aditado: A global usava por vezes tal procedimento na contratação de quadros superiores, por forma a convencer a trabalhador a integrar o seu quadro.
G) Eliminado.
H) O autor exerceu, na ré, desde 1999 até 30/11/18, as funções de ..., ... e de Gestor comercial, auferindo, em novembro de 2018, a retribuição mensal de 3.233,46€ (2.025,31€ de retribuição base, 221,15€ de complemento fixo, 506,33€ de isenção de horário de trabalho e 480,67€ de margem livre).
I) No âmbito de uma reorganização, através da implementação de um modelo organizacional, a ré implementou no plano de rescisões dos contratos de trabalho, que consta do documento junto a fls. 114-115, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no qual se lê, para além do mais: “A companhia está a comunicar a todos os colaboradores um plano de rescisões amigáveis que visa estabelecer um acordo de saída voluntária no âmbito do processo de redimensionamento da empresa; A companhia está a propor: a) compensação de acordo com o previsto por lei derivada de um fator multiplicador que varia consoante o valor da compensação legal, (consulte o ponto n.º 10)”, Para cálculo da compensação legal poderá consultar o simulador disponibilizado no site da Autoridade para as condições de trabalho (ACT). Realizado o cálculo da compensação legal, bastará multiplicar o valor do resultado obtido pelo fator correspondente na tabela abaixo: Compensação Legal Fator < € 25.000,00 2.1 > € 25.000,00; < € 50.000,00 2.0 > € 50.000,00; < € 75.000,00 1.9 > € 75.000,00 1.8 Valor máximo da indemnização: 180.000 €”.
J) Nessa sequência, autor e ré, em 20/06/18, alcançaram o acordo junto aos autos a fls. 130 a 132 – cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais -, no qual acordam fazer cessar por mútuo acordo, com efeitos a partir das 24h do dia 30/11/18, o contrato de trabalho entre eles celebrado, tendo a ré pago ao autor a título de compensação global, importância de 83.728,66€, reportada à antiguidade de 20/11/1999, com base na remuneração mensal de 3.233,56€ e multiplicado pelo fator 2.0, de acordo com a tabela.
K) CC, com antiguidade na ré desde 13/06/2005 e antiguidade no sector segurador desde 01/01/1982, recebeu a “compensação” pela cessação do contrato de trabalho calculada pela antiguidade que tinha ao serviço da anterior empregadora/seguradora.
L) CC foi admitido ao serviço da Açoreana –Companhia de Seguros, S.A., em maio de 2005, com a expressa assunção da sua antiguidade na indústria seguradora “para qualquer efeito, incluindo qualquer forma de cessação do contrato de trabalho”.
M) Dá-se aqui como reproduzido para todos os efeitos legais, o teor dos e-mails juntos a fls. 69 remetidos pelo autor à Drª. DD, em 12/04/2019 e 16/04/2019 e nesta data reencaminhada para a Drª. EE.
N) Dá-se aqui como reproduzido para todos os efeitos legais, o teor dos e-mails juntos a fls. 118 a 126, trocados entre o autor e o Departamento de Recursos Humanos da ré.
O) O autor remeteu à ré carta registada com aviso de receção, a 14/08/2019, junta a fls. 67-68 e cujo conteúdo se dá aqui como reproduzido para todos os efeitos legais, à qual a ré respondeu por carta datada de 10/09/2019, junta a fls. 70, verso.
P) O acordo de revogação do contrato de trabalho e o documento designado de “declaração quitação/renúncia abdicatória” foram pelo autor assinados em 20 de junho de 2018.
Q) A ré assinou, em novembro de 2018, o acordo de revogação do contrato de trabalho, não tendo assinado a “declaração quitação/renúncia abdicatória”.
*
Não resultaram provados os seguintes factos:
1) eliminado
2) A Global, através do Dr. FF, sempre anuiu perante os seus trabalhadores que foram admitidos, toda a antiguidade que estes tinham ao serviço da anterior empregadora/seguradoras, como a Açoreana Seguros, Global, Generali, Vitalício, tal como sucedeu com o autor no documento da sua admissão e com os trabalhadores Sr. GG – Aveiro e Sr. HH – Aveiro, que receberam a “compensação” calculada pela totalidade da antiguidade.
3) O pressuposto do pagamento da “compensação” ao autor tinha como elemento essencial à aplicação do critério enunciado e atrás referido, por toda a antiguidade do autor.
4) A ré sempre se confessou devedora ao autor da importância que resultaria do cálculo da compensação pelo valor da retribuição global multiplicado pelo número de anos de antiguidade reportado a 1992, e, do valor obtido, multiplicado pelo fator indicado na respetiva tabela.
5) Pelas ... Dr.ª DD e a assessora Dr.ª EE foi transmitido ao autor que a ré se comprometia a pagar a este a compensação nos termos supra expostos e de acordo com os critérios enunciados de acordo com a antiguidade do autor reportada a 1992.
6) Quando o autor assinou o referido acordo, foi sempre criado neste a expectativa de que caso conseguisse provar a antiguidade de 1992 que lhe seria pago a importância remanescente devida.
7) O autor apenas assinou o acordo revogação do contrato de trabalho e a declaração de remissão, no prossuposto de que estaria a ser cumprido na íntegra o critério anunciado pela ré, contabilizando, no cálculo da compensação, a sua antiguidade reportada a 1992.
8) Quer no acordo de revogação, quer na declaração de “Quitação/Renúncia Abdicativa”, o autor apenas pretendeu dar quitação aos créditos salariais que lhe seriam pagos e que se encontram discriminados no recibo de vencimento, não pretendendo renunciar ou abdicar do direito de exigir a compensação pela antiguidade no Grupo Vitalício, desde 1992 a 1999.
9) O Grupo Vitalício, por fusão, foi integrado na Generali – Companhia de Seguros, S.A.
10) O autor foi admitido ao serviço da Global Companhia de Seguros, S.A em 1/11/1999.
1. - Do objeto do recurso de revista - Da nulidade das cláusulas segunda e terceira do acordo de cessação do contrato de trabalho, na parte em que é referido que a importância paga pela Ré ao Autor inclui todos os créditos vencidos e vincendos até à data da cessação do contrato, bem como na parte em que o Autor renuncia aos direitos e créditos que lhe são devidos; e
- Da nulidade da “Declaração Quitação/Renúncia Abdicativa”. 2. - No Acórdão da Relação pode ler-se: “No caso presente o trabalhador, que não era obrigado a anuir na cessação do contrato, antes aderiu voluntariamente ao plano de rescisões amigáveis, assinou quer o acordo de cessação, após negociações e tentativas de ver reconhecida a sua antiguidade, quer o documento de remissão. Anuiu, não sendo obrigado a fazê-lo, e dispondo de 7 dias para dar sem efeito o mesmo, não o fez. Nada aponta no sentido de qualquer constrangimento no sentido de declarar o que não pretendia declarar. Não tinha a ré qualquer especial interesse na desvinculação deste específico trabalhador, tendo o processo negocial decorrido no âmbito de um plano geral de rescisões por mútuo acordo destinado a qualquer colaborador. Do acordo a que o autor anuiu e que assinou, no âmbito de tal plano e após negociação da sua adesão ao mesmo, consta a data a que a antiguidade se reportará, 20/11/1999, os montantes a pagar, constando expressamente o valor de 83.728,66 €. No ponto 5 da cláusula segunda consta que o “segundo acordante declara aceitar que a primeira acordante apenas se o obriga ao pagamento do montante convencionado no numero 1 da presente clausula, a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato, cujo valor é superior a uma eventual compensação legal, porquanto o segundo acordante aceita que o mesmo integra a totalidade dos créditos… com única exceção dos que se encontram referidos, de forma expressa e individualiza, no numero 2 da presente clausula…” – sobre a compensação pecuniária global veja-se o artigo 349º, 5 do CT - se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta -. Note-se que o acordo prevê de forma expressa as únicas exceções ao valor acordado como compensação global, o que contraria a alegação do autor no sentido de que lhe foi criada a expetativa de que caso demonstrasse a antiguidade acordada aquando da contratação o valor seria revisto. Se assim tivesse sido, porque não constar como exceção? Não se encontram razões para considerar nulas as cláusulas referidas do acordo, nem o documento de quitação e abdicação.”. 3. – O Autor recorrente invocou a nulidade das cláusulas 2.ª e 3.ª do acordo de revogação do contrato e a declaração de “quitação/renuncia abdicativa”, por se encontram redigidas de forma geral, abstracta e indeterminável; e porque foram assinados em plena vigência do contrato de trabalho existente entre as partes, são inoponíveis ao trabalhador em relação aos créditos que reclama nestes autos.
Cumpre decidir. 4. - A resolução de contrato de trabalho por mútuo acordo é uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho, prevista no artigo 340.º, alínea b) e regulada no artigo 349.º, ambos do CT, o qual estabelece:
“1 - O empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo. 2 - O acordo de revogação deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar. 3 - O documento deve mencionar expressamente a data de celebração do acordo e a do início da produção dos respetivos efeitos, bem como o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação. 4 - As partes podem, simultaneamente, acordar outros efeitos, dentro dos limites da lei. 5 - Se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta.” (negritos nossos)
No acórdão do STJ de 25.11.2009, proc. 274/07.6TTBRR.S1, Relator Sousa Grandão, in www.dgsi.pt, foi consignado:
“É entendimento deste Supremo Tribunal que o contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente quando as partes se dispõem a negociar a cessação do vínculo pois, nessa fase, já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho, o que não exclui que tal contrato não possa ser tido como inválido, sempre que concorra um vício na declaração da vontade, seja ele intrínseco ao agente ou motivado por terceiros.” (negritos nossos)
No acórdão do STJ, de 22 de fevereiro de 2017 (Relator Gonçalves da Rocha), in www.dgsi.pt, pode ler-se: “A remissão é uma das causas de extinção das obrigações, para além do cumprimento, assumindo natureza contratual conforme resulta expressamente do nº 1 do artigo 863º do CC, donde resulta que o credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor. Assim a remissão duma dívida traduz-se numa renúncia manifestada pelo credor à prestação devida pelo devedor, tendo esta declaração a virtualidade de extinguir a obrigação desde que se verifique a aceitação do devedor, ainda que esta possa ser tácita, conforme prevê o artigo 234º do C.C. Por isso e conforme sustenta Antunes Varela, (in ‘Das Obrigações em Geral’, 7ª ed., II vol., p. 247 ss.), “a remissão constitui a renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com a aquiescência da contraparte, necessitando de revestir a forma de contrato, quer se trate de remissão donativa, quer de remissão puramente abdicativa”. Assim sendo, para ocorrer a remissão é fundamental que a declaração negocial tenha precisamente carácter remissivo, ou seja, que com ela a parte credora declare, sem margem para dúvidas, que renuncia à prestação em dívida pelo devedor. O direito laboral prevê esta forma de extinção das obrigações resultantes dum contrato de trabalho ou da sua cessação, nomeadamente no artigo 349º do CT (2009) a que correspondia o disposto nos artigos 393º e 394º do CT (2003). Assim, por expressa previsão da norma, trabalhador e empregador poderão fazer cessar o contrato de trabalho através dum acordo, que deverá revestir a forma escrita (349º/2), devendo constar do documento a data da produção dos seus efeitos (nº 3), e podendo para além disso as partes acordar numa compensação pecuniária de natureza global para o trabalhador, presumindo-se então que nesta compensação foram incluídos e liquidados todos os créditos devidos ao trabalhador à data da cessação do contrato ou exigíveis por força desta cessação. (…). (T)ratando-se dum contrato de remissão, este constitui um negócio jurídico bilateral que pressupõe um conteúdo intelectual (o credor tem que saber que o crédito se mostra insatisfeito) e um conteúdo volitivo (o credor pretende renunciar ao crédito), pelo que a vontade de remitir deverá, de forma concludente, resultar da interpretação da declaração negocial aferida em função do concreto circunstancialismo de cada caso. Para tanto, e recorrendo aos critérios que o nº 1 do artigo 236º do CC estabelece, a declaração valerá com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (nº 1). De qualquer forma, a doutrina da impressão do destinatário não pode ser atendida se o declarante não puder razoavelmente contar com esse sentido, conforme resulta da parte final daquele nº 1, o que constitui uma limitação subjectiva ao critério objectivista, impelindo o intérprete à ponderação das circunstâncias de cada caso”.
E no acórdão do STJ, de 24-02-2015, proc. n.º 456/13.1TTLRA.C1.S1 (Relator Fernandes da Silva), foi sumariado:
“III – O contrato de remissão abdicativa tem plena aplicação no âmbito das relações laborais, concretamente quando o trabalhador se predispõe a negociar os efeitos de uma já consumada resolução do contrato, por si antes assumida. IV – Só a alegação/demonstração da falta ou de vícios da vontade na produção da declaração negocial é susceptível de produzir a invalidação desta.”.
Por sua vez, no acórdão do STJ, de 13.02.2019, proc. n.º 1059/16.4T8PNF.P1.S1, Júlio Gomes (Relator)], in www.dgsi.pt, pode ler-se no sumário:
“I. Não fica demonstrada a existência de qualquer vontade de remitir por parte do trabalhador, quando não só não se provou a existência de qualquer negociação prévia, como o teor do texto que o trabalhador assinou não sugere, nem alerta, para qualquer remissão abdicativa. II. A declaração negocial não pode valer com um sentido com o qual o declarante não podia razoavelmente contar e o declarante ao assinar um documento de quitação e pagamento de direitos não pode razoavelmente contar que o mesmo valha como remissão abdicativa.”. 5. - Resulta da factualidade dada como provada que:
(i) os termos do “plano de rescisões amigáveis” e voluntárias, incluindo a fórmula de cálculo da compensação pecuniária global, foram, previamente, dados a conhecer pela Ré a todos os seus trabalhadores interessados, incluindo o Autor;
(ii) nessa sequência, Autor e Ré subscreveram o Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho, fixando a título de compensação global, a importância de 83.728,66€, reportada à antiguidade de 20.11.1999, com base na remuneração mensal de 3.233,56€ e multiplicado pelo fator 2.0, de acordo com a tabela descrita no “plano de rescisões amigáveis”, bem como nosmontantes ilíquidos correspondentes ao vencimento, férias, subsídio de férias e de natal, pelo trabalho prestado até à data da cessação do contrato de trabalho, descritos na Cláusula Segunda do Acordo de Revogação, epigrafada de (Compensação Pecuniária de Natureza Global/Créditos Salariais/Pagamento);
(iii) o Autor declarou que “para além dos montantes previstos na Cláusula Segunda, renuncia e/ou nada tem a receber, a nenhum título, remunerações, férias subsídios de férias e de Natal, comissões, bónus, prémios, subsídios …, indemnizações de qualquer natureza, …, e quaisquer outros direitos de expressão pecuniária, …, conferindo aqui o Segundo Acordante integral quitação e renunciando expressamente à interposição de quaisquer acções judiciais ou arbitrais, ou a outro tipo de reclamações emergentes do contrato de trabalho atrás identificado bem como do presente Acordo de Revogação. O Segundo Acordante declara, expressamente e para todos os efeitos legais, que a declaração expressa no parágrafo anterior, …, corresponde a uma remissão abdicativa, nos termos do n.º 1 do artigo 863.º do Código Civil, razão pela qual assume expressamente a extinção, com o pagamento dos montantes identificados na Cláusula Segunda)”, como consta dos n.ºs 1. e 2. da Cláusula Terceira do Acordo de Revogação, epigrafada de (Declaração Liberatória/Renuncia Abdicativa).
E no n.º 4 da mesma Cláusula Terceira foi escrito: “Em complemento ao disposto nos números anteriores da presente Cláusula, e sem prejuízo dos mesmos, o Segundo Acordante obriga-se à assinatura da respectiva declaração liberatória/renuncia abdicativa, verificando-se o pagamento integral dos valores previstos nos números 1 e 2 da Cláusula Segunda, nos 5 dias subsequentes à data do seu recebimento, constituindo a entrega desta declaração condição essencial para a celebração do presente acordo”.
Conforme consta do histórico do processo, o Autor, com a petição inicial, juntou aos autos o “Doc. 12”, intitulado “Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho”, datado de 20 de Junho de 2018 e assinado pelos outorgantes, Autor e Ré. E por cima do título desse documento, escrito à mão, foi anotado: “Cópia do original (Recebido a 28.11.2018)”. E juntou o “Doc. 16”, intitulado “Declaração Quitação/Renúncia Abdicativa”, assinado por ele próprio e datado de 04 de Dezembro de 2018.
Nas alíneas P) e Q) da matéria de facto, foi dado como provado: P) O acordo de revogação do contrato de trabalho e o documento designado de “declaração quitação/renúncia abdicatória” foram pelo autor assinados em 20 de junho de 2018. Q) A ré assinou, em novembro de 2018, o acordo de revogação do contrato de trabalho, não tendo assinado a “declaração quitação/renúncia abdicatória”.
Decorre do texto do n.º 3 do citado artigo 349.º, que o acordo de revogação deve mencionar duas datas: a data da celebração do acordo e a data do início da produção dos respetivos efeitos, ou seja, a data da cessação do contrato de trabalho pode ser posterior à data em que é celebrado o acordo de revogação.
Na “Cláusula Primeira (Revogação de Contrato de Trabalho / Produção de Efeitos)”, n.º 2, foi escrito: “A Primeira e o Segundo Acordantes acordam fazer cessar por mútuo acordo, com efeitos a partir das vinte e quatro horas do dia 30 de Novembro de 2018 (“Data da Cessação”)”.
Resulta, pois, do “Doc. 12” que o acordo de revogação do contrato de trabalho, incluindo a remissão abdicativa (inserida nos n.ºs 1. e 2. da Cláusula Terceira do Acordo de Revogação), foi celebrado ainda durante a vigência do contrato de trabalho, como permite o citado n.º 3 do artigo 349.º do CT.
Inexiste, pois, a alegada violação do princípio da indisponibilidade dos créditos laborais.
Conforme o prescrito no citado artigo 349.º, n.º 5, último segmento, presume-seque a compensação global inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta.
Ora, o Autor não só não revogou o acordo de revogação do contrato de trabalho, até ao sétimo dia seguinte à data acordada pelas partes para a cessação do contrato de trabalho – “a partir das 24h do dia 30/11/18” -, como prevê o artigo 350.º do CT (e como aludido na Cláusula Primeira, n.º 4, do Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho), como também não ilidiu a mencionada presunção legal, nos termos previstos no artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil: “As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário”.
Na verdade, o Autor não só era pleno conhecedor do “plano de rescisões amigáveis” e voluntárias da autoria da Ré, incluindo dos critérios para o cálculo da compensação pecuniária global - não invocou, nem provou, qualquer falta ou erro-vício da vontade determinantes das arguidas nulidades -, como não provou que tivesse suscitado perante a Ré, antes e aquando da assinatura do acordo de revogação, a questão da sua antiguidade reportada a 01.03.1992, para efeitos do cálculo do valor da compensação, como decorre dos pontos 3) a 8) dos factos dados como não provados.
Dito de outra forma: o Autor não só aderiu, voluntariamente, ao plano de rescisões amigáveis proposto e negociado com a Ré - cfr. as alíneas I) e J) dos factos provados -, como não provou, como era seu ónus, qualquer falta ou erro-vício da vontadena produção do acordo de revogação, nomeadamente, que apenas tenha assinado o acordo de revogação e emitido a declaração de remissão abdicativa, no prossuposto de que a Ré calcularia a respectiva compensação, reportando a sua antiguidade a 1992.
Além disso, perante o texto do n.º 4 da Cláusula Terceira do Acordo de Revogação, a “Declaração Quitação/Renúncia Abdicativa” mais não constituiu do que uma simples declaração de pagamento dos créditos - compensação pecuniária global e salários - acordados no Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho, cessado a 30 de novembro de 2018.
O Autor não alegou a falta de pagamento desses acordados créditos. 6. - Considerando todo este circunstancialismo, irreleva, para efeitos do alegado acto discriminatório, a comparação que o Autor faz com dois dos trabalhadores abrangidos pelo “plano de rescisões amigáveis” proposto pela Ré.
Improcede, assim, o recurso de revista. IV. - Decisão
Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social julgar improcedente o recurso de revista.
Custas a cargo do Autor.