DADOS DE TRÁFEGO CONSERVADOS
DADOS DE TRÁFEGO INTERCETADOS EM TEMPO REAL
ESCUTAS TELEFÓNICAS
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário

I - Haverá que distinguir entre a prova proveniente dos dados de tráfego conservados, previstos pela Lei número 32/2008 de 17 de julho e a prova proveniente de dados de tráfego intercetados, e conhecidos em tempo real, prevista no artigo 189.º n.º 2 do Código de Processo Penal, sendo que somente a primeira está abrangida pela declaração de inconstitucionalidade resultante do acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional.
II - A recolha de dados de tráfego intercetados e conhecidos em tempo real e o seu fornecimento às autoridades judiciárias para efeitos de investigação criminal, desde que verificados os demais pressupostos legais não colide com a inconstitucionalidade declarada relativamente aos artigos 4°, 6° e 9° da Lei n.º 32/2008 de 17 de julho.

Texto Integral

Proc. n.º 344/20.5IDPRT-A.P1


Acordam em Conferência na 1ª secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto


Nos autos nº 344/20.5IDPRT-A.P1 que correm na comarca do Porto, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Instrução Criminal do Porto - Juiz 1, foi proferido o seguinte despacho:
“Defere-se, nos termos dos art.º 187.º, n.º 1, al. b), 189.º e 269.º, n.º 1, al. e), todos do C. Pr. Penal, à requerida intercepção e gravação das comunicações efectuadas de e para os cartões SIM ... e ..., ambos da operadora V....
Com efeito, considerando os indícios já recolhidos no inquérito em curso e as informações policiais dele constantes, as promovidas escutas telefónicas recortam-se como essenciais para a descoberta da factualidade relevante, pois que, de outro modo, se revelará muito dificultada - senão mesmo impossibilitada – a acção investigatória dos órgãos de polícia criminal que conduzem a presente investigação (art.º 187.º, n.º 1 do C. Pr. Penal).
Assim, autoriza-se a intercepção e gravação a intercepção das comunicações efectuadas pelos aparelhos de comunicação móveis acima referidos, bem como cópia legível dos contratos de adesão com a operadora caso existam, ou no caso de se tratar de um cartão recarregável, fornecimento das datas de carregamento, referências multibanco, códigos de carregamento e demais dados que permitam a identificação dos cartões bancários utilizados para proceder ao respectivo carregamento.
No que respeita à facturação detalhada onde constem as chamadas efectuadas e recebidas (trace-back), bem como a informação das células activadas durante as conversações e a identificação dos números que os contactem, considerando que, nos termos do art.º 4.º, n.º 1, al.s c) e f) da Lei 32/2008, de 17.JUL, essas informações dizem respeito a dados de tráfego e que esses normativo (bem como os seus art.ºs 6.º e 9.º) foram declarados inconstitucionais, pelo ac. do Tr. Constitucional n.º 268/2022, de 19.ABR, com força obrigatória geral, não pode dar-se acolhimento a tal pretensão do M. Público.
Prazo: 90 dias (art.º 187.º, n.º 6 do C. Pr. Penal).”


Inconformado, veio o Digno Magistrado do ministério Público, interpor recurso, tendo concluído o mesmo nos seguintes termos:
I – Conforme admitido pelo disposto no art.º 187º do Código de Processo Penal, o Ministério Público promoveu interceções telefónicas e a obtenção de dados de tráfego, trace-back e georreferenciação.
II – o MMº Tribunal a quo considerou essencial à descoberta da verdade a realização de interceções telefónicas, mas negou a restante promoção por considerar ser inconstitucional a obtenção desses elementos. Fundou-se na declaração de inconstitucionalidade feita no inciso decisório do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022.
III – O Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre a inconstitucionalidade do disposto no art.º 189º/2, do Código de Processo Penal, mas sim sobre normas da Lei 32/2008.
IV – Caso o MMº Juiz do Tribunal a quo entendesse que o disposto no art.º 189º/2, do Código de Processo Penal é inconstitucional em virtude da doutrina constante de tal Acórdão, teria que expressamente tê-lo declarado para que se iniciasse o mecanismo de fiscalização difusa de constitucionalidade com recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, o que não fez. Tão pouco elencou argumentos que permitam concluir que assim o entende.
V – Já depois de publicado o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, foi proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de 06.09.2022, no Processo 618/16.0 SMPRT, em sede de recurso extraordinário de revisão.
VI - Aí se sumariaram as seguintes conclusões: “Os arts.187º a 189º, do Código de Processo Penal regulam o recurso aos dados relativos a conversações ou comunicações telefónicas em tempo real, enquanto o acesso aos dados conservados pelas operadoras por conversações ou comunicações telefónicas passadas é regulado pela Lei n°32/2008, de 17 julho;
VII - O n.º 1 do art.187º do Código de Processo penal delimita o objeto dessa regulação como “a interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas”, o que representa comunicações a ocorrer, conversações ou comunicações telefónicas em tempo real.
VIII - Já se o que interessa processualmente são comunicações passadas, localizadas no tempo e no espaço, chama-se à colação a Lei n°32/2008, de 17 de julho.
IX - São, pois, dois meios de prova diferentes: um as escutas telefónicas, outro a conservação e transmissão dos dados. O primeiro regulado nos arts 187º a 190º do Código de Processo Penal. O segundo previsto nos artigos 4°, 6° e 9° da Lei n.º 32/2008, agora declarados inconstitucionais nos termos do acórdão n° 268 do Tribunal Constitucional.
X - Mais, a doutrina fala mesmo na trilogia das fontes da prova digital, a saber: Código de Processo Penal, artigos 187º a 190º, Lei 32/2008, de 17.07, a denominada lei dos metadados, e a Lei 109/2009, de 15.09, Lei do Cibercrime, “três diplomas legais para regular aspetos parcelares da mesma realidade concreta.”
XI – O acórdão do Tribunal Constitucional não buliu em mínima medida sequer com o regime processual penal das interceções telefónicas.”
Termos em que se pugna que o Despacho recorrido seja substituído por outro que ordene às operadoras de telecomunicações que fornecem os serviços de comunicações aos postos alvo de interceção, que entreguem nos autos os dados de faturação detalhada, trace-back e de georreferenciação, para o período da interceção decidida judicialmente.

Neste Tribunal o Digno Procurador Geral Adjunto teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido do provimento do recurso.

Cumpre assim apreciar e decidir.

2- Fundamentação.
Atentas as conclusões do recurso, sendo estas que constituem o seu objeto, a única questão colocada é o saber se o requerido pelo recorrente encontra suporte legal constitucional.
Vejamos então.
No âmbito destes autos, em que se investiga a prática de crimes de fraude fiscal qualificada e associação criminosa, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 103º, 104º e 89º, respetivamente, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e crime de branqueamento, p. e p. nos termos do disposto no art.º 368ºA, do Código Penal, o Ministério Público promoveu a emissão de ordem judicial para a realização de interceções telefónicas aos cartões mencionados no primeiro parágrafo do Despacho com a referência Citius 442291943, do Tribunal a quo.
Também promoveu a junção de faturação detalhada, registos de trace-back e georreferenciação.
Quanto a esta última pretensão, entendeu o M. Juiz de Instrução que e transcreve-se: “ No que respeita à facturação detalhada onde constem as chamadas efectuadas e recebidas (trace-back), bem como a informação das células activadas durante as conversações e a identificação dos números que os contactem, considerando que, nos termos do art.º 4.º, n.º 1, al.s c) e f) da Lei 32/2008, de 17.JUL, essas informações dizem respeito a dados de tráfego e que esses normativo (bem como os seus art.ºs 6.º e 9.º) foram declarados inconstitucionais, pelo ac. do Tr. Constitucional n.º 268/2022, de 19.ABR, com força obrigatória geral, não pode dar-se acolhimento a tal pretensão do M. Público.”
Ora, tendo apoiado tal indeferimento na declaração de inconstitucionalidade decidida pelo acórdão do Tribunal Constitucional de 19 de Abril, Acórdão nº 268/22, importa verificar se tal diligência promovida pelo MP tem ou não suporte legal.
Conforme resulta do acórdão do Tribunal Constitucional supra identificado, foi decidido:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição;
b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.
Temos assim, como declarado inconstitucional com força obrigatória geral as normas dos artigos 4º, conjugado com o artigo 6º e artigo 9º da lei 32/2008 de 17 de Julho, sendo que tais normas tinham a seguinte redação:

Artigo 4.º
Categorias de dados a conservar
1 - Os fornecedores de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações devem conservar as seguintes categorias de dados:
a) Dados necessários para encontrar e identificar a fonte de uma comunicação;
b) Dados necessários para encontrar e identificar o destino de uma comunicação;
c) Dados necessários para identificar a data, a hora e a duração de uma comunicação;
d) Dados necessários para identificar o tipo de comunicação;
e) Dados necessários para identificar o equipamento de telecomunicações dos utilizadores, ou o que se considera ser o seu equipamento;
f) Dados necessários para identificar a localização do equipamento de comunicação móvel.
2 - Para os efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, os dados necessários para encontrar e identificar a fonte de uma comunicação são os seguintes:
a) No que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel:
i) O número de telefone de origem;
ii) O nome e endereço do assinante ou do utilizador registado;
b) No que diz respeito ao acesso à Internet, ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet:
i) Os códigos de identificação atribuídos ao utilizador;
ii) O código de identificação do utilizador e o número de telefone atribuídos a qualquer comunicação que entre na rede telefónica pública;
iii) O nome e o endereço do assinante ou do utilizador registado, a quem o endereço do protocolo IP, o código de identificação de utilizador ou o número de telefone estavam atribuídos no momento da comunicação.
3 - Para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1, os dados necessários para encontrar e identificar o destino de uma comunicação são os seguintes:
a) No que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel:
i) Os números marcados e, em casos que envolvam serviços suplementares, como o reencaminhamento ou a transferência de chamadas, o número ou números para onde a chamada foi reencaminhada;
ii) O nome e o endereço do assinante, ou do utilizador registado;
b) No que diz respeito ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet:
i) O código de identificação do utilizador ou o número de telefone do destinatário pretendido, ou de uma comunicação telefónica através da Internet;
ii) Os nomes e os endereços dos subscritores, ou dos utilizadores registados, e o código de identificação de utilizador do destinatário pretendido da comunicação.
4 - Para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1, os dados necessários para identificar a data, a hora e a duração de uma comunicação são os seguintes:
a) No que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel, a data e a hora do início e do fim da comunicação;
b) No que diz respeito ao acesso à Internet, ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet:
i) A data e a hora do início (log in) e do fim (log off) da ligação ao serviço de acesso à Internet com base em determinado fuso horário, juntamente com o endereço do protocolo IP, dinâmico ou estático, atribuído pelo fornecedor do serviço de acesso à Internet a uma comunicação, bem como o código de identificação de utilizador do subscritor ou do utilizador registado;
ii) A data e a hora do início e do fim da ligação ao serviço de correio electrónico através da Internet ou de comunicações através da Internet, com base em determinado fuso horário.
5 - Para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1, os dados necessários para identificar o tipo de comunicação são os seguintes:
a) No que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel, o serviço telefónico utilizado;
b) No que diz respeito ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet, o serviço de Internet utilizado.
6 - Para os efeitos do disposto na alínea e) do n.º 1, os dados necessários para identificar o equipamento de telecomunicações dos utilizadores, ou o que se considera ser o seu equipamento, são os seguintes:
a) No que diz respeito às comunicações telefónicas na rede fixa, os números de telefone de origem e de destino;
b) No que diz respeito às comunicações telefónicas na rede móvel:
i) Os números de telefone de origem e de destino;
ii) A Identidade Internacional de Assinante Móvel (International Mobile Subscriber Identity, ou IMSI) de quem telefona;
iii) A Identidade Internacional do Equipamento Móvel (International Mobile Equipment Identity, ou IMEI) de quem telefona;
iv) A IMSI do destinatário do telefonema;
v) A IMEI do destinatário do telefonema;
vi) No caso dos serviços pré-pagos de carácter anónimo, a data e a hora da activação inicial do serviço e o identificador da célula a partir da qual o serviço foi activado;
c) No que diz respeito ao acesso à Internet, ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet:
i) O número de telefone que solicita o acesso por linha telefónica;
ii) A linha de assinante digital (digital subscriber line, ou DSL), ou qualquer outro identificador terminal do autor da comunicação.
7 - Para os efeitos do disposto na alínea f) do n.º 1, os dados necessários para identificar a localização do equipamento de comunicação móvel são os seguintes:
a) O identificador da célula no início da comunicação;
b) Os dados que identifiquem a situação geográfica das células, tomando como referência os respectivos identificadores de célula durante o período em que se procede à conservação de dados.
Artigo 6.º
Período de conservação
As entidades referidas no n.º 1 do artigo 4.º devem conservar os dados previstos no mesmo artigo pelo período de um ano a contar da data da conclusão da comunicação.
Artigo 9.º
Transmissão dos dados
1 - A transmissão dos dados referentes às categorias previstas no artigo 4.º só pode ser autorizada, por despacho fundamentado do juiz de instrução, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção e repressão de crimes graves.
2 - A autorização prevista no número anterior só pode ser requerida pelo Ministério Público ou pela autoridade de polícia criminal competente.
3 - Só pode ser autorizada a transmissão de dados relativos:
a) Ao suspeito ou arguido;
b) A pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou
c) A vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.
4 - A decisão judicial de transmitir os dados deve respeitar os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, designadamente no que se refere à definição das categorias de dados a transmitir e das autoridades competentes com acesso aos dados e à protecção do segredo profissional, nos termos legalmente previstos.
5 - O disposto nos números anteriores não prejudica a obtenção de dados sobre a localização celular necessários para afastar perigo para a vida ou de ofensa à integridade física grave, nos termos do artigo 252.º-A do Código de Processo Penal.
6 - As entidades referidas no n.º 1 do artigo 4.º devem elaborar registos da extracção dos dados transmitidos às autoridades competentes e enviá-los trimestralmente à CNPD.
Resulta daqui que o regime declarado inconstitucional tem como objeto unicamente a obtenção de dados correspondentes a comunicações já ocorridas e que se encontram preservados ou conservados.
No caso dos autos, e com o devido respeito, temos o pedido formulado pelo Ministério Público relativo a dados de faturação detalhada, registos de trace-back e georreferenciação dos telefones cujos números identifica e que pretendia, e obteve, pelo despacho recorrido, autorização para a interceção e gravação das comunicações efetuadas.
Estamos assim no âmbito do disposto no artigo 189º/2, do Código de Processo Penal, que, se refere à obtenção de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversas ou comunicações.
O regime consagrado no artigo 189º nº 2 do CPP não foi objeto de qualquer declaração de inconstitucionalidade, nem será possível estender, do acórdão do Tribunal Constitucional qualquer interpretação que o faça perder a sua eficácia, sendo certo que se fosse esse o entendimento do M. Juiz de Instrução, deveria ter referido expressamente o seu entendimento de inconstitucionalidade do preceito para assim ser despoletado o processo de controle constitucional.
Tal como tem vindo a jurisprudência posterior ao acórdão do Tribunal Constitucional a defender, e a que aderimos, o artigo 189.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com a extensão do regime das escutas telefónicas nele consagrada, remetendo para os requisitos de admissibilidade fixados no artigo 187.º, n.ºs 1 e 4 do mesmo diploma, tem em vista os dados recolhidos em tempo real.
Veja-se o acórdão do STJ de 06/09/2022, disponível em www.dgsi.pt:
“ Os artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal regulam o recurso aos dados relativos a conversações ou comunicações telefónicas em tempo real, enquanto o acesso aos dados conservados pelas operadoras por conversações ou comunicações telefónicas passadas é regulado pela Lei n.º 32/2008, de 17 julho; o n.º1, do artigo 187.º citado delimita o objeto dessa regulação como “a interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas”, o que representa comunicações a ocorrer, conversações ou comunicações telefónicas em tempo real. Já se o que interessa processualmente são comunicações passadas, localizadas no tempo e no espaço, chama-se à colação a Lei n.º 32/2008, de 17 de julho,
São, pois, dois meios de prova diferentes, um as escutas telefónicas, outro a conservação e transmissão dos dados. O primeiro regulado nos artigos 187.º a 190.º do Código de Processo Penal. O segundo previsto nos artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, agora declarados inconstitucionais nos termos do acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional.
Mais, a doutrina fala mesmo na trilogia das fontes da prova digital, a saber, Código de Processo Penal – artigos 187.º a 190.º, Lei 32/2008, de 17/07, a denominada lei dos metadados, e a Lei n.º 109/2009, de 15/09, Lei do Cibercrime, “três diplomas legais para regular aspetos parcelares da mesma realidade concreta.””.
Haverá assim que distinguir, - tal como defende neste autos a Ilustre Procurador Geral Adjunta no seu parecer, a que também aderimos sem reservas - entre a prova proveniente dos dados de tráfego conservados, previstos pela Lei n.ºs 32/2008 e a prova proveniente de dados de tráfego intercetados, e conhecidos em tempo real, onde é o regime das escutas telefónicas - artigo 189.º n.º 2 do Código de Processo Penal – sendo que somente os primeiros estão abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional e por conseguinte o acesso aos mesmos seria legalmente inviável face ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022 enquanto que em relação aos segundos (em tempo real) não se lobrigaria qualquer obstáculo constitucional e o seu fornecimento às autoridades judiciárias para efeitos de investigação criminal seria perfeitamente admissível, desde que verificados os demais e respetivos pressupostos legais, o que é manifestamente o caso dos autos.

3- Decisão

Pelo exposto, julga-se provido o recurso e consequentemente revoga-se o despacho recorrido na parte em que indeferiu a promoção do Ministério Público relativo à obtenção da faturação detalhada onde constem as chamadas efetuadas e recebidas (trace-back), bem como a informação das células ativadas durante as conversações e a identificação dos números que os contactem, devendo ser substituído por despacho que autorize o promovido nesta parte.

Sem custas

Porto, 8 de fevereiro de 2023
Raul Esteves
Amélia Catarino
Maria Joana Grácio