COMPETÊNCIA MATERIAL
PROPRIEDADE INTELECTUAL
ASSOCIAÇÃO
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
ESTATUTOS
DIREITOS DE AUTOR
Sumário


I – O Tribunal da Propriedade Intelectual é o materialmente competente para conhecer de uma acção em que se pede a anulação de uma deliberação, tomada em reunião, pela Direcção da AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada, sobre a distribuição de verbas no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica (na vertente Autores), na medida em que a aplicação do regime previsto no anexo C ao Regulamento da Ré supõe, sempre e em qualquer circunstância, a tomada em consideração da Lei da Cópia Privada (Lei nº 49/2015, de 5 de Junho, que alterou a Lei nº 62/98, de 1 de Setembro) que regula directamente, nos seus artigos 5º e 6º, a gestão, cobrança e distribuição da compensação equitativa a que se reporta o seu artigo 3º, que o dito Regulamento não pode, em circunstância alguma, afrontar ou ignorar.
II – Por outro lado, os Estatutos da Ré e o Regulamento interno da AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada encontram-se intrinsecamente subordinados à Lei da Cópia Privada e do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, diplomas que, em primeira linha, influenciarão decisivamente a resolução do presente dissídio jurídico, sendo que a causa de pedir apresentada nos presentes autos integra uma componente de índole normativa (relacionada – directa ou indirectamente - com a discussão sobre o direito – substantivo - ao recebimento das verbas a distribuir entre as associadas) que só pode ser verdadeiramente apreciada e dilucidada tendo em consideração a aplicação das normas e princípios constantes daqueles mesmos diplomas legais.

Texto Integral




 
 Processo nº 15850/20.3T8LSB.L1.S1

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.
Instaurou Visapress – Gestão de Conteúdos dos Media, CRL, acção declarativa comum, junto do Juízo ... da Comarca de Lisboa, contra AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada, pedindo que sejam anuladas as deliberações tomadas pela Direção da Ré na reunião realizada no dia 26 de Junho de 2020, no âmbito dos Pontos 1 e 2 da respetiva ordem de trabalhos, no que toca à distribuição de verbas no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica (na vertente Autores), com fundamento na violação direta dos Estatutos da Ré, do seu Regulamento Interno de Distribuição e respetivo Anexo C, bem como da lei, nos termos conjugados do disposto nos artigos 177º e 287º do CC e artigos 58º, n.º 1, alínea a) e 411º do CSC (estes aplicáveis analogicamente).
Na contestação que apresentou a R. invocou a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria.
A autora respondeu, pugnando pela improcedência dessa mesma excepção.
Por decisão datada de 1 de Outubro de 2021, face à nova fixação do valor da acção, foi ordenada a remessa dos autos ao Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por incompetência do Juízo ... da Comarca de Lisboa.
Foi então proferida decisão, datada de 22 de Abril de 2022, pelo Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, onde se concluiu:
«Julgar procedente, por provada, a arguida excepção dilatória de incompetência deste tribunal, em razão da matéria, para conhecer e decidir da causa por, para o efeito, ser competente o Tribunal da Propriedade Intelectual, conforme artigo 111, nº 1, als. a) e k) da Lei nº 62/2013, de 26/8 e, consequentemente, absolver a Ré da instância, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 96 e segs. - em particular o artº 98 -,576, nºs 1 e 2, 577, al. a) e 578, todos do C. P. Civil.».
Apresentou a A. recurso de apelação que veio a ser julgado improcedente por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15 de Setembro de 2022.
Veio a A. interpor recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, apresentando as seguintes conclusões:
1. A admissibilidade do presente recurso de revista, que versa sobre o tema da violação das regras de competência em razão da matéria, decorre do artigo 629º, n.º 2, alínea a) do CPC segundo o qual, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência em razão da matéria.
2. De igual modo, tendo o Tribunal da Relação decidido, em via de recurso, que o tribunal é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da causa, permite o artigo 101º, n.º 1 do CPC que o Supremo Tribunal de Justiça decida, no recurso que vier a ser interposto, qual o tribunal competente, o que se requer seja decidido no presente recurso de revista.
3. No que concerne à concreta apreciação da competência material do Tribunal, importa concluir que, quer a decisão da primeira instância, quera decisão do Tribunal da Relação, incorrem em violação das regras de competência em razão da matéria, fazendo uma errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 80º, 81º e 111º, n.º 1, alíneas a) e k) da Lei 62/2013, bem como o disposto nos artigos 96º, alínea a), 99º, n.º 1, 576º, n.º 2 e 577º, alínea a) do CPC, pelos motivos que infra se descrevem.
4. No caso dos autos, o pedido deduzido pela Autora reporta à anulação das deliberações tomadas pela Direção da Ré na reunião realizada no dia 26 de Junho de 2020 no âmbito dos Pontos1 e2 da respetiva ordemdetrabalhoscom fundamentonaviolaçãodo disposto nos artigos 8º, n.º 4 e 13º, n.º 2 alínea c) dos Estatutos da Ré, 6º, pontos 2 e 2.1 do Regulamento de Distribuição da Ré e5º, n.º 1, alínea c) do Anexo C ao Regulamento de Distribuição da Ré.
5. A causa de pedir configurada na petição inicial reporta ao seguinte:
5.1.Existe uma divergência entre duas associadas da Ré (que é reconhecida por todos e está confessada pela Ré nestes autos) que reclamam, simultaneamente, representar a mesma categoria de titulares de direitos: os titulares de direito de autor sobre publicações periódicas;
5.2.Os Estatutos da Ré preveem que, ocorrendo uma situação de divergência em que duas ou mais associadas reclamem a representação da mesma categoria de titulares de direitos, a forma de apuramento dos montantes da compensação equitativa que se destinam a ser distribuídos, assim como os critérios, regras e procedimentos aplicáveis à sua repartição entre estas, são regulados nos termos da Lei, dos Estatutos e do Regulamento de Distribuição (artigo 8, n.º 4 dos Estatutos);
5.3.O Regulamento de Distribuição da Ré prevê que, ocorrendo uma situação de divergência em que duas ou mais associadas reclamem a representação da mesma categoria de titulares de direitos, a divisão dos valores compensatórios entre estas será efectuada por acordo entre as entidades envolvidas ou, na falta deste, na proporção do número de obras, prestações artísticas fonogramas, videogramas, edições e publicações que cada uma demonstrar representar de entre listagens de amostras, dados ou monitorizações de utilizações reais, sendo esta matéria regulamentada nos Anexos ao Regulamento de Distribuição (artigo 6.2 e 6.2.1 do Regulamento de Distribuição);
5.4.O Anexo C do Regulamento de Distribuição da Ré prevê que, ocorrendo uma situação de divergência em que duas ou mais associadas reclamem a representação da mesma categoria de titulares de direitos (artigo 5 do Anexo C ao Regulamento de Distribuição):
5.4.1. Deverão as várias associadas que invocaram a representação ser notificadas para, em prazo não superior a 20 dias, apresentarem provas da representação invocada, designadamente, sem limitar, apresentando um ou mais dos seguinteselementos:mandatos; declaraçõesdemandato; contratos degestão; contratos de representação ou demonstração da qualidade de associado ou cooperador;
5.4.2. Caso mais do que uma das associadas em causa apresentem elementos tendentes a demonstrar a representação da publicação en causa e não existam motivos evidentes para atribuir liminar e claramente a representação a uma delas, a Direção deverá determinar que o valor proporcional correspondente à parcela objeto de litígio fique retido na AGECOP, numa conta bancária criada para este efeito, sem prejuízo da distribuição e entrega das restantes quantias às associadas que a elas tiverem direito;
5.4.3. O valor assim retido apenas poderá ser entregue a uma das associadas que o reclamam por acordo entre estas ou na sequência da comunicação à AGECOP de uma decisão arbitral ou judicial que determine a titularidade do direito e/ou do valor em causa.
5.5.Sucede que, perante uma concreta situação de divergência em que duas associadas da Ré (a Autora e a Sociedade ...) reclamam a representação da mesma categoria de titulares de direitos, a Direção da Ré, na reunião realizada em 26 de Junho de 2020, ao invés de desencadear o procedimento previsto nos Estatutos e no Regulamento de Distribuição e respetivo anexo C (determinando a notificação da Autora e da Sociedade ... para, em prazo não superior a 20 dias, apresentarem provas da representação invocada), deliberou atribuir a uma das associadas em litígio a titularidade do direito em disputa e, consequentemente, atribuir-lhe a totalidade dos valores compensatórios em causa.
5.6.Para tanto, a Direção da Ré chamou a si a autoridade, legitimidade e competência para decidir um diferendo entre duas associadas que reporta a uma questão que, além do mais, é reconhecidamente controversa e não é líquida nem evidente, tanto é que:
5.6.1. A própria Ré teve necessidade de pedir um parecer sobre a questão/divergência; e
5.6.2. Este mesmo diferendo já justificou no passado a celebração de um acordo entre as duas partes em disputa;
5.6.3.   Este diferendo mantém-se há vários anos sem solução.
5.7.Nem a lei, nem os estatutos e demais regulamentação interna da Ré lhe conferem autoridade, legitimidade e competência para decidir as divergências de fundo entre associados e determinar quem é o titular do direito em disputa, com base em interpretações feitas pela sua Direção. Ao invés, o que se impõe é a implementação de um determinado procedimento: envio de notificação às associadas que invocam a representação para, em prazo não superior a 20 dias, apresentarem provas da representação invocada.
5.8.A Ré não implementou o referido procedimento, optando antes por chamar a si a decisão sobre a divergência existente, pelo que a sua deliberação viola os Estatutos e Regulamentação interna da Ré e impõe a anulação da deliberação impugnada nestes autos.
6. Em face da causa de pedir e fundamentos configurados na petição inicial e do pedido ali deduzido impunha-se que o Tribunal da Relação concluísse pela competência material do Juízo Central Cível para a apreciação deste litígio, porquanto:
7. A questão a decidir nestes autos reconduz-se a saber se, perante a divergência existente entre duas associadas que reclamam o mesmo direito (divergência que está reconhecida neste processo), e independentemente das suas próprias convicções e interpretações, a Ré deveria ter desencadeado o mecanismo previsto nos artigos 8º dos Estatutos, 6º do Regulamento de Distribuição e 5º do Anexo C ao Regulamento de Distribuição e se, não o fazendo, a Ré viola estas disposições estatutárias e regulamentares, o que importa a anulação da deliberação impugnada.
8. A apreciação deste pedido e desta causa de pedir,tal como configurados pela Autora na petição inicial, tem caráter meramente adjetivo e não pressupõe, não implica, nem carece de qualquer apreciação material quanto à divergência existente, nem quanto à substância do direito que é reclamado por duas associadas, já que não se pretende que o Tribunal decida nestes autos a qual das associadas pertence o direito que ambas reclamam.
9. Isto é, o que se pede que seja apreciado nestes autos é uma questão formal de violação de um procedimento estatutário e não uma questão material ou substantiva de verificação da existência, conteúdo e eventual violação de quaisquer direitos emergentes da legislação sobre direito de autor ou cópia privada, sendo que estas duas questões são autónomas, podendo a questão adjetiva ser apreciada sem que se imponha qualquer apreciação sobre a questão substantiva ou material subjacente.
10. Daqui resulta que a apreciação do mérito destes autos não importa a apreciação das disposições legais em matéria de cobrança, gestão e distribuição das aludidas compensações, ao invés do que entendeu o Tribunal da Relação.
11. Ademais, há que reconhecer que a Autora não invoca, em momento algum, qualquer violação da Lei da Cópia Privada, do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, nem dequalquer outralegislação especializada para sustentarasuapretensão,masapenas a violação dos estatutos, do regulamento interno da Ré e seu anexo, do código civil e do código das sociedades comerciais.
12. Deste modo, tendo em conta:
12.1. Que a competência material do tribunal se afere pelos termos em que a ação é proposta e pela forma como o autor estrutura o pedido e os respetivos fundamentos na petição inicial; e
12.2. Que nos termos do artigo 111º, n.º 1, alíneas a) e k) da Lei 62/2013, o Tribunal de Propriedade Intelectual é competente para a apreciação de ações em que a causa de pedir verse, incida, tenha como objeto específico a apreciação da existência de direitos de autor ou conexos, sobre a sua violação e sobre as consequências, ou sobre a lei dacópia privada,o quenão é,de todo, ocaso ema apreço, pois o Tribunal apenas é chamado a pronunciar-se sobre violação dos Estatutos da Ré e Regulamento de Distribuição por omissão de implementação de procedimento estatutário previsto para situações de divergência entre associadas (sendo que as meras referências feitas no processo ao regime jurídico da cópia privada e a direitos de autor, sem que essas matérias consubstanciem a causa de pedir delineada no processo, não são suficientes para atribuir a competência material ao Tribunal da Propriedade Intelectual),
13. Impõe-se concluir que o Tribunal da Propriedade Intelectual não tem competência material para apreciar o mérito dos presentes autos, cabendo essa competência aos Juízes ..., o que deverá ser determinado por este Supremo Tribunal, assim se promovendo a costumada justiça.
14. Por último, ainda deverá atender-se ao facto de a Autora/Apelanteserumapessoacoletiva privada sem fins lucrativos que atua, nesta ação, no âmbito das suas atribuições estatutárias e para defender os interesses que lhe estão conferidos pelo respetivo estatuto, particularmente os interesses dos seus associados, pelo que, nos termos previstos no artigo 4º, n.º 1, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais, está isenta de custas processuais.  
Apresentou a R. contra-alegações com as seguintes conclusões:
I - A Recorrente interpôs o presente Recurso de Revista, por não se conformar com o Acórdão proferido em segunda instância que, considerando competente o Tribunal da Propriedade Intelectual [“(…) a alegada invalidade das deliberações em causa respeita ao regime jurídico da cópia privada, como bem se concluiu na decisão recorrida. Em consequência, o tribunal competente para dirimir este litígio é o Tribunal da Propriedade Intelectual. Impõe-se, pois, a improcedência do recurso. (…) Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.”], concluiu pela improcedência do recurso de apelação instaurado pela Recorrente e manteve a decisão proferida em primeira instância [“Julgar procedente, por provada, a arguida excepção dilatória de incompetência deste tribunal, em razão da matéria, para conhecer e decidir da causa por, para o efeito, ser competente o Tribunal da Propriedade Intelectual, conforme artº 111, 1, als. a) e k) da Lei 62/2013, de 26/8 e, consequentemente, absolver a da instância, tudo em conformidade com o disposto nos artºs 96 e segs. - em particular o artº 98 -, 576, nºs 1 e 2, 577, al. a) e 578, todos do C. P. Civil.”.];
II.Mas,ao contráriodo que aRecorrente sustenta nas suas Alegações e Conclusões deste  Recurso, bem esteve o Tribunal da Relação de Lisboa ao decidir como decidiu, não podendo o Douto Acórdão proferido ter sido outro face ao que vem peticionado pela Recorrente nestes autos;
III.Nesta sede vem a Recorrente sustentar que i) “A Autora, na configuração do processo que faz na petição inicial, não invoca qualquer violação da Lei da Cópia Privada, do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, nem de qualquer outra legislação especializada, invocando apenas a violação dos estatutos, do regulamento interno da e seu anexo, do código civil e do código das sociedades comerciais”; ii) “A Autora, na configuração do processo que faz na petição inicial, em momento algum pede ao tribunal que decida quem tem direito a receber as verbas em disputa à luz das disposições legais que sejam aplicáveis à matéria”; iii) “Apesar de as partes neste processo serem entidadesque se movem no meio do direito de autor e direitosconexos, bem como da cópia privada, nem o pedido, nem a causa de pedir reportam, se reconduzem ou versam sobre direito de autor e direitos conexos ou sobre o regime jurídico da cópia privada.”; iv) “Para a apreciação da causa de pedir e do pedido deduzido nos presentes autos não é, de todo, necessário, analisar e aplicar qualquer disposição contida no Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos ou na Lei da Copia Privada.”; v) “A Autora alega que a incumpriu os seus estatutos, regulamento e anexo, não por força de qualquer interpretação do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos ou da Lei da Copia Privada, mas sim pela mera interpretação dos estatutos, regulamento e anexo em causa.”;
IV.No entanto, apesar do que agora sustenta, o facto é que foi a própria Recorrente que, para fundamentar a sua pretensão,invocou,por diversas vezes,para alémdos Estatutos e Regulamentos Internos da Recorrida, e ainda um seu Anexo, o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos bem como a Lei nº 62/98, de 01.09, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 50/2004, de 24.08, Lei nº 49/2015, de 05.06, Decreto- Lei nº 100/2017, de 23.08 e Lei nº 2/2020, de 31.03 (ambos os diplomas já supra definidos como “CDADC” e “Lei da Cópia Privada”);
V.Isso mesmo é o que resulta,nomeadamente,dos artigos 27º,43º e 44º da Petição Inicial, onde a Recorrente invoca expressamente a titularidade de direitos de autor sobre publicações periódicas por parte dos seus associados como elemento integrante da factualidade descrita naquele articulado e juridicamente relevante,
VI.E ainda o que resulta dos artigos 31º, 50º, 51º,pontoII, 54º, 57º e 59º da referida Petição Inicial, nos quais a Recorrente invoca expressamente ter a Recorrida violado a lei;
VII.É, assim, cristalino, que a pretensa invalidade das deliberações objecto da presente acção resulta, no entender da Recorrente, da alegada violação dos procedimentos estabelecidos pela Recorrida em concretização do regime jurídico da cópia privada, em articulação com as próprias regras do CDADC, ou seja, resulta, naturalmente, também da violação da lei (Lei da Cópia Privada), expressamente alegada pela Recorrente ao longo da sua Petição Inicial;
VIII.E isso mesmo também é o que decorre do peticionado, a final, na Petição Inicial, pela Recorrente;
IX.Não fazem, por isso, qualquer sentido, desde logo porque nem sequer correspondem à verdade, as alegações da Recorrente já supra transcritas na Conclusão III, de que a Recorrente na configuração do processo que faz na petição inicial, não invoca qualquer violação da Lei da Cópia Privada, do CDADC, nem de qualquer outra legislação especializada, invocando apenas a violação dos Estatutos e Regulamento interno da Recorrida e seu anexo, do Código Civil (“CC”) e do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”);
X.Na verdade, e não obstante o que agora vem a Recorrente de novo defender em sede deste Recurso, o facto é que o pedido por si formulado tem como causa de pedir a conduta da Recorrida descrita nos autos que, no entender da Recorrente, consubstanciará uma “(...) violação direta dos Estatutos da Ré, do seu Regulamento Interno de Distribuição e respectivo anexo, bem como da lei (...)” [sublinhado nosso],
XI.Violação da lei essa que, como já supra se referiu e demonstrou, é por diversas vezes expressamente alegada pela Recorrente na Petição Inicial;
XII.É, assim, inegável que, no caso dos presentes autos, a conduta imputada pela Recorrente à Recorrida - e que aquela no artigo 57º da Petição Inicial, e aqui reitera em sede de Recurso, qualifica de “ilegal e contrária aos Estatutos” - terá de ter o correcto enquadramento normativo face ,não só aosEstatutos da Recorrida,masessencialmente face ao regime jurídico da cópia privada (Lei da Cópia Privada), como, aliás, bem decidiram o Tribunalde Primeira Instância eo Tribunalda Relação de Lisboano Acórdão ora recorrido;
XIII.De facto, e como resulta da factualidade descrita pela própria Recorrente na Petição Inicial, é por esta fazer determinada interpretação da lei (Lei da Cópia Privada e do CDADC) - interpretação essa que não tem qualquer cabimento face ao disposto naqueles diplomas - que defende que a Recorrida, conhecedora da existência da divergência que aquela tem com a ... (que é a entidade de gestão colectiva dos direitos dos autores), deveria ter implementado o procedimento previsto no Anexo C ao Regulamento de Distribuição, previamente a qualquer distribuição dos valores cobrados com referência ao Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica (já supra definido como “DCGR”), na vertente de autores;
XIV.Contrariamente, a posição da Recorrida - na sua qualidade de entidade gestora, constituída, nos termos da Lei da Cópia Privada, por todas as entidades de gestão colectiva que emPortugalrepresentamos autores,os artistas,intérpretes e executantes, os produtores de fonogramas, os produtores de videogramas e os editores, e que tem por objecto a cobrança, gestão e posterior distribuição pelas suas Associadas das quantias previstas no artigo 82º do CDADC, nos termos da referida Lei da Cópia Privada - é a de que tal procedimento não é aplicável, desde logo face ao que expressamente dispõe a já citada Lei da Cópia Privada, conjugada com o disposto no CDADC,
XV.Tal como, aliás, resulta das declarações de voto da AUDIOGEST e da ..., ambas Associadas da Recorrida e membros da Direcção da mesma, proferidas na reunião da Direcção da Recorrida de 26.06.2020 (e transcritas na acta daquela reunião que foijunta pela Recorrente à Petição Inicial como doc. ...);
XVI.Tal como a Recorrida teve oportunidade de defender e esclarecer - em sede de Contestação e de Contra-Alegações ao Recurso de Apelação por si apresentadas – da interpretação que faz da Lei da Cópia Privada, conjugada com o disposto no CDADC (e que é a única possível face ao expressamente disposto naqueles diplomas e especialmente na citada Lei da Cópia Privada), a Recorrente, enquanto entidade de gestão colectiva dos direitos dos editores de publicações periódicas que é (como foi pela mesma expressamente reconhecido nomeadamente nos artigos 11º, 15º e 27º da Petição Inicial), não tem direito à compensação equitativa atribuída aos autores, não integrando esta categoria de “autores”;
XVII.Repita-se que foi por essa razão que a Recorrida entendeu não existir qualquer divergência a sanar ou reclamação duplicada que justificasse o procedimento especial previsto no referido Anexo C, previamente à distribuição das quantias em causa que fez, de acordo com o disposto no artigo 7º da Lei da Cópia Privada;
XVIII.Resulta, assim, evidente que a factualidade alegada pela própria Recorrente como fundamento do efeito prático-jurídico visado - ou seja, a causa de pedir - está inequívoca e necessariamente associada ao regime jurídico da cópia privada (Leida Cópia Privada), bem como, também, ao regime jurídico dos direitos de autor e direitos conexos (CDADC),
XIX.Oque impõe necessariamente,e desdelogo,umjuízo quanto à qualidade da Recorrente para efeitos de aplicação do próprio regime jurídico da cópia privada, no que à distribuição da compensação equitativa (na vertente autores) prevista no artigo 3º da Lei da Cópia Privada diz respeito, e que está em causa nos presentes autos;
XX.Diga, pois, o que disser a Recorrente, é inegável que nestes autos estão em causa questões de interpretação do regime jurídico da cópia privada (Lei da Cópia Privada), e também de direitos de autor e de direitos conexos (CDADC), que integram a própria causa de pedir,
XXI.Não fazendo qualquer sentido que a Recorrente venha defender que “O que se pede que seja apreciado nestes autos é uma questão formal ou adjetiva de violação de um procedimento estatutário, e não uma questão material ou substantiva de verificação da existência, conteúdo e eventual violação de quaisquer direitos emergentes da legislação sobre direito de autor ou cópia privada”,nem que venha defender de que “(…)a questão adjetiva ou procedimental reportada à necessidade de implementação de um mecanismo estatutário de resolução de divergências entre associadas“´(…) é prévia e é autónoma da apreciação da questão material e substantiva (…)”;
XXII.E não faz qualquer sentido porque, como resulta de tudo o que já supra se expôs, no caso em apreço - e desde logo também face à factualidade expressamente alegadapela Recorrente e ainda à invocação expressa de violação da lei por diversas vezes na Petição Inicial - é evidente que qualquer decisão acerca da apelidada “questão formal ou adjetiva” estará sempre dependente de uma prévia decisão acerca da apelidada “questão material ou substantiva”;
XXIII.Qualquer decisão acerca da alegada ilegalidade das deliberações,resultante da alegada inobservância, por parte da Recorrida, de um determinado formalismo, estará sempre dependente de uma prévia análise e consequente decisão acerca da lei substantiva subjacente (Lei da Cópia Privada em conjugação com o CDADC);
XXIV.Que é o que, aliás - e bem -, resulta da decisão proferida em primeira instância, decisão essa que o Acórdão ora recorrido confirmou, decidindo, em consequência, - e também bem - que “(…) o tribunal competente para dirimir este litígio é o Tribunal da Propriedade Intelectual. Impõe-se, pois, a improcedência do recurso. (…) Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.”.
XXV.Finalmente não pode a Recorrida deixar de sublinhar que não faz qualquer sentido que a Recorrente defenda que ao não recorrer ao mecanismo previsto no Anexo C ao Regulamento de Distribuição, a Recorrida se autoinvestiu “nas vestes de juiz decisor”, dando razão a uma das suas associadas em detrimento da outra.
XXVI.E não faz qualquer sentido porque - e como a Recorrente bem sabe - é pressuposto essencial da aplicação da regulamentação interna aprovada pela Recorrida, ao abrigo da Lei da Cópia Privada, que haja duas ou mais associadas a representar os titulares da mesma categoria de direitos nos termos da Lei da Cópia Privada e do nº 1 do artigo 6º do Regulamento de Distribuição, o que não aconteceu no caso em apreço;
XXVII.Na verdade, a aqui Recorrente sempre, e só, se apresentou perante a Recorrida como “entidade de gestão colectiva de direitos de autor e conexos dos editores de publicações periódicas” (sendo nessa qualidade que é associada da Recorrida),
XXVIII.E em momento algum, se arrogou ou reivindicou, perante a Recorrida, a representação de jornalistas e/ou pessoas que escrevem em tais publicações periódicas,
XXIX.Essas sim titulares de direitos de autor sobre as obras que integram as publicações periódicas nos termos e para efeitos do disposto na Lei da Cópia Privada, e como tal as únicas com direito a receber a compensação equitativa aí prevista para os autores.
XXX.Éa Leida Cópia Privada,naturalmente conjugada como disposto no CDADC,que assim o determina,pelo que foiesta única possívelinterpretação da Lei da Cópia Privada, mais concretamente dos conceitos de “autor” e “editor” utilizados no artigo 7º da referida Lei, que levou a Recorrida a concluir não haver, na situação descrita, duas associadas a representar a mesma categoria de titulares de direitos, porquanto a ... representa autores, tal como este conceito é construído para efeitos da Lei da Cópia Privada, ao passo que a Recorrente representa editores, tal como este conceito é construído para efeitos da Lei da Cópia Privada;
XXXI.Sendo inegável que para se aferir e decidir se as deliberações tomadas pela Direcção da Recorrida na reunião de 26.06.2020 são anuláveis, por serem inválidas e ilegais, terá necessariamente de se aferir se as mesmas violaram o regime jurídico da cópia privada (Lei da Cópia Privada) e por inerência também o disposto no CDADC, bem esteve o Tribunal da Relação de Lisboa ao decidir como decidiu que a competência para a matéria em discussão nestes autos é do Tribunal da Propriedade Intelectual, confirmando assim aquela que já tinha sido a decisão de primeira instância;
XXXII.Assim, e ao contrário do que sustenta a Recorrente, não existe qualquer “(…) errónea interpretação da lei, concretamente das regras de competência em razão da matéria, violando o disposto (Vd. artigo 674º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC): a. Nos artigos 96º, alínea a), 99º, n.º 1, 576º, n.º 2 e 577º, alínea a) do CPC; b. Nos artigos 80º, n.º 1, 81º e 111º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário)” por parte do Tribunal da Relação de Lisboa;
XXXIV. A decisão tomada pelo Tribunal da Relação de Lisboa não violou qualquer norma.
Deverá, assim, o Acórdão recorrido - que julgando improcedente a apelação confirmou a decisão do Tribunal de Primeira Instância - ser mantido nos seus exactos termos,
XXXV.      Julgando-se assim “(…) procedente, por provada, a arguida excepção dilatória de incompetência deste tribunal [Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa], em razão da matéria, para conhecer e decidir da causa por, para o efeito, ser competente o Tribunal da Propriedade Intelectual, conforme artº 111, 1, als. a) e k) da Lei 62/2013, de 26/8 (…)”, e, consequentemente, absolver-se a Recorrente da instância, “(…) tudo em conformidade com o disposto nos artºs 96 e segs. - em particular o artº 98 -, 576, nºs 1 e 2, 577, al. a) e 578, todos do C. P. Civil. (…)”;
XXXVI.E naturalmente, e em consequência - nomeadamente atento ao expresso pedido da Recorrente efectuado nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 101º, n.º 1 do CPC - mais deverá este Supremo Tribunal de Justiça decidir que o Tribunal competente para conhecer desta causa é o Tribunal da Propriedade Intelectual.

 
II – FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
Competência do tribunal, em razão da matéria, para o conhecimento da causa. Deliberação, em reunião, tomada pela Direcção da Ré AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada. Distribuição de verbas no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica (na vertente Autores). Atribuição da competência ao Tribunal da Propriedade Intelectual em detrimento dos Juízos ... do Tribunal da Comarca de Lisboa.
Passemos à sua análise: 
A A. sustenta a competência dos Juízos ... do Tribunal da Comarca de Lisboa (competência comum ou residual) para o conhecimento da causa com fundamento nas seguintes razões essenciais:
- o seu pedido circunscreve-se apenas à anulação de deliberações tomadas pela Direcção da Ré, com violação dos seus Estatutos e do Regulamento interno;
- trata-se de uma divergência entre duas associadas relativamente ao mesmo direito;
- a Ré apressou-se a decidir tal conflito sem haver desencadeado o mecanismo previsto no artigo 8º dos Estatutos.
- tudo isto tem carácter meramente adjectivo e não pressupõe, não implica, nem carece de qualquer apreciação material quanto à divergência existente, nem quanto à substância do direito que é reclamado por duas associadas (não se pretendendo que o Tribunal decida a qual das associadas o mesmo pertence).
 - a A. só invoca a violação dos Estatutos da Ré e seu anexo, bem como o Código Civil e o Código das Sociedades Comerciais.
Vejamos:
Adiante-se, desde já, ser nosso entendimento que a competência material para o conhecimento da presente causa deverá ser deferida ao Tribunal da Propriedade Intelectual por aplicação ao caso do disposto no artigo 111º, nº 1, alíneas a) e k), da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), concordando-se assim com o decidido pelas instâncias.
Com efeito, embora a recorrente procure isolar, em termos estritamente formais, o thema decidendum que trouxe aos autos e que importará conjugar com a concreta estruturação que imprimiu à causa de pedir, afastando-o e desfocando-o da necessidade de avocar o regime jurídico dos direitos de autor e direitos conexos, bem como, e em especial, o regime jurídico da cópia privada, o certo é que se torna absolutamente inevitável e incontornável a tomada em consideração das normas contidas nestes diplomas legais para se poder judiciosamente aferir da (i)licitude da actuação, em reunião de órgãos sociais, da Direcção Ré AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada.
 O que está em causa neste litígio, em termos decisivos e essenciais, é no fundo uma questão respeitante à distribuição de verbas no Departamento de Cópia Gráfica e Reprográfica (na vertente Autores) (cfr. artigo 32º da petição inicial), que não se reconduz, por sua própria natureza, a uma mera divergência de natureza puramente adjectiva ou procedimental.
Aliás, a própria A. acaba invocar o seu direito de autor fundando-o também (ainda que indirectamente) no disposto nos artigos 19º, 43º e 44º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, que cita nos artigos 43º e 44º da sua petição inicial.
Por outro lado, a aplicação do regime previsto no anexo C ao Regulamento da Ré AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada pressupõe, sempre e em qualquer circunstância, a tomada em consideração da Lei da Cópia Privada (Lei nº 49/2015, de 5 de Junho, que alterou a Lei nº 62/98, de 1 de Setembro) que regula especificamente, nos seus artigos 5º e 6º, a gestão, cobrança e distribuição da compensação equitativa a que se reporta o seu artigo 3º.
O que equivale a concluir que para a análise da (in)correcção procedimental adoptada, em reunião, por parte da Direcção da Ré não é possível, de todo, prescindir, como pano de fundo jurídico necessário para aferir da sua legalidade e do seu fundamento substantivo, enquanto órgão estatutário, da concreta e indispensável análise do regime consignado na Lei da Cópia Privada e do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, que não pode nunca ser afrontado ou ignorado.
De resto, como bem se salientou no acórdão recorrido, os Estatutos da Ré AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada e o Regulamento interno desta encontram-se intrinsecamente subordinados à Lei da Cópia Privada e do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, diplomas que, em primeira linha, influenciarão decisivamente a resolução do presente dissídio jurídico, sendo inevitável a sua análise e avocação.
Ou seja, não é concebível a apreciação global desta matéria sem ter presente os diplomas gerais que imperativamente a disciplinam e regulam e, em especial, o regime definido pela Lei da Cópia Privada, nos termos da Lei nº 49/2015, de 5 de Junho.
O que significa que o que é discutido nos autos extravasa nitidamente a simples divergência no domínio procedimental e adjectivo entre duas associadas, não sendo assim possível aquilatar da legalidade conduta da Direcção da Ré com abstracção do fundamento substantivo do direito de que ambas as partes se arrogam e que concretamente (e em termos finalísticos) disputam (sendo essa, no fundo, a questão jurídica principal que as divide e opõe).
Basta, aliás, neste sentido atentar no regime específico estabelecido nos artigos 3º e 6º da referida Lei, onde pode ler-se:
 Sob a epígrafe “Compensação equitativa”
 “A quantia referida no artigo anterior tem a natureza de compensação equitativa, visando compensar os titulares de direitos dos danos patrimoniais sofridos com a prática da cópia privada” (artigo 3º, nº 1).
Sempre que a utilização seja habitual e para servir o público mediante a prática de atos de comércio, o preço de venda ao público das fotocópias de obras, eletrocópias e demais suportes inclui uma compensação equitativa correspondente a 3 % do valor do preço de venda, antes da aplicação do IVA, montante que é gerido pela entidade gestora a que se refere o artigo 6.º” (artigo 3º, nº 2).
Para os efeitos do disposto no número anterior, e em ordem a permitir a sua correta exequibilidade, devem as entidades públicas e privadas que utilizem, nas condições supramencionadas, aparelhos que permitam a fixação e a reprodução de obras e prestações, celebrar acordos com a entidade gestora referida no número anterior” (artigo 3º, nº 3).
No preço da primeira venda ou disponibilização em território nacional e antes da aplicação do IVA em cada um dos aparelhos, dispositivos e suportes analógicos e digitais que permitem a reprodução e armazenagem de obras, é incluído um valor compensatório nos termos da tabela anexa à presente lei e da qual faz parte integrante” ( artigo 3º, nº 4).
 Sobre a epígrafe “Entidade gestora”:
“A cobrança, gestão e distribuição da compensação equitativa a que se refere o artigo 3.º incumbem à AGECOP - Associação para a Gestão da Cópia Privada, adiante designada entidade gestora, pessoa coletiva, sem fins lucrativos, de natureza associativa, constituída por todas as entidades de gestão coletiva que em Portugal representam os autores, os artistas, intérpretes e executantes, os produtores de fonogramas, os produtores de videogramas, e os editores” (artigo 6º, nº 1).
Os estatutos da entidade gestora devem regular, entre outras, as seguintes matérias:
a) Objeto e duração;
b) Denominação e sede;
c) Órgãos sociais;
d) Modos de cobrança das compensações equitativas fixadas pela presente lei;
e) Critérios de repartição das compensações equitativas entre os membros dos associados, incluindo os modos de distribuição e pagamento aos beneficiários que não estejam inscritos nos respetivos organismos, mas que se presume serem por estes representados;
f) Publicidade das deliberações sociais;
g) Direitos e deveres dos associados;
h) Estrutura e organização interna, designadamente a previsão de existência de dois departamentos autónomos na cobrança e gestão das compensações equitativas percebidas, correspondentes, por um lado, a cópia de obras reproduzidas em fonogramas e videogramas e, por outro lado, a cópia de obras editadas em suporte papel e eletrónico;
i) Dissolução e destino do património” (artigo 6º, nº 2).
Na fixação dos critérios referidos na alínea e) do número anterior, são obrigatoriamente ponderados os seguintes fatores:
a) A representatividade dos titulares de direitos;
b) O resultado dos estudos realizados pela entidade gestora, nomeadamente sobre a natureza das obras reproduzidas e os hábitos de cópia da população portuguesa;
c) A utilização, pelos titulares dos direitos, de medidas eficazes de carácter tecnológico, designadamente, de mecanismos digitais de proteção;
d) O acesso da população portuguesa a reproduções contratualmente autorizadas pelos titulares dos direitos” (artigo 6º, nº 3).
De notar, ainda, que a causa de pedir apresentada nos presentes autos integra necessariamente uma componente de índole normativa (relacionada – directa ou indirectamente - com a discussão sobre o direito – substantivo - ao recebimento das verbas a distribuir entre as associadas) que só pode ser verdadeiramente apreciada e dilucidada tomando em consideração a aplicação das normas e princípios constantes daqueles mesmos diplomas, em especial a Lei da Cópia Privada (de cuja análise nunca se poderá prescindir ou pretender ignorar).
Pelo que, em função da natureza específica dessas matérias e das normas a que se encontram especialmente subordinadas (pertinentes indubitavelmente ao Direito da Propriedade Intelectual), e de acordo com o artigo 111º, nº 1, alíneas a) e k) da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), o tribunal competente em razão da matéria para o conhecimento da causa é o Tribunal da Propriedade Intelectual (vocacionado para a sua apreciação) e não o Juízo Central Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, conforme pretendia a recorrente.
Quanto à questão da condenação em custas, face à natureza da recorrente enquanto pessoa colectiva privada sem fins lucrativos que actua nesta acção no âmbito das suas atribuições estatutárias e para defender os interesses que lhe estão conferidos pelo respectivo estatuto:
Assiste-lhe naturalmente razão.
O artigo 4º, nº 1, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais, concede-lhe efectivamente a isenção de custas de que a mesma diz beneficiar, encontrando-se a actividade processual prosseguida integrada no âmbito das suas atribuições estatutárias, defendendo os interesses conferidos pelo respectivo estatuto.
Nega-se assim a revista, sem prejuízo da alteração do acórdão recorrido em matéria de condenação em custas, tomando-se agora em consideração a situação de isenção subjectiva de custas de que a A. comprovadamente goza.

IV – DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) negar parcialmente a revista, concedendo-a apenas em matéria de isenção do pagamento de custas nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais.
 Sem custas, face à isenção de que goza a recorrente nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais.


Lisboa, 17 de Janeiro de 2023.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Resende

Maria José Mouro
                                          


V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.