ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Sumário


I- É de excluir do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, o pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias que não emerjam diretamente do contrato, que não estão no mesmo expressamente fixadas e definidas, mas resultem antes do seu incumprimento culposo, da sua denúncia não atempada, ou de qualquer outra causa que, embora fundada no contrato, não se cinja à exigência do cumprimento deste, mas outrossim à verificação do seu incumprimento, da legitimidade da sua resolução, da intempestividade da sua denúncia etc.
II. Tais procedimentos com a linearidade de tramitação prevista no diploma só são compagináveis quando os pressupostos que presidiram à criação destes expedientes céleres e simples de cobrança de dívidas se verifiquem efectivamente.
III. O uso indevido e inadequado dos procedimentos previstos no mesmo diploma consubstancia uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição do Réu da instância.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


I. RELATÓRIO

1. Unicre- Instituição Financeira de Crédito S.A. demandou Número Urbano Unipessoal Lda. com recurso a acção declarativa cível especial (AECOP) pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 6 600,10, correspondendo € 4 837,77 a capital e € 1 762,33 de juros de mora a que deverão acrescer os juros vincendos até efectivo pagamento, calculados à taxa legal anual para comerciantes.

Fundou a sua pretensão no instituto da responsabilidade civil contratual, alegando, em síntese, que a ré subscreveu, em 20 de Maio de 2016, um contrato de adesão ao sistema Redunicre de aceitação de pagamentos com cartões no qual solicitou a instalação/matrícula de equipamento de processamento de transacções no seu estabelecimento de Check in Portugal, especificando a modalidade de serviço a que pretendia aderir no caso transacções comerciais TPA, tendo igualmente subscrito a modalidade de serviço de transacções comerciais – dinamyc currency conversion.

A 27 de Maio de 2016 a ré aderiu ainda ao serviço designado por “transacções presenciais” – garantia de reservas – hóteis” no estabelecimento Check in Portugal, permitindo a utilização da funcionalidade key enter, e, em 28 de Setembro de 2016, actualizou o contrato subscrito com a autora e aderiu também à modalidade de serviço “Transacções Presenciais – pagamentos Antecipados de Hotéis” que permite a aceitação de pagamentos antecipados de reservas efetuadas pelos titulares dos cartões Visa e Mastercard.

Em consequência da sua adesão, a ré obrigou-se a aceitar cartões de pagamento especificados, melhor identificados nos autos, no seu estabelecimento como meio de pagamento de transacções de venda de bens ou prestação de serviços e a autora obrigou-se a creditar os valores correspondentes às transacções registadas no aludido TPA em conta bancária da ré.

Nesta senda, as transacções eram pagas pela autora à ré a partir do “fecho contabilístico” do terminal TPA (no próprio dia) deduzida a percentagem referente à comissão da autora pelos serviços prestados à ré, por depósito em conta bancária da ré.

Por outro lado, o valor correspondente às mencionadas transacções (creditadas pela autora à ré) seriam reembolsadas à autora pelo banco emissor dos cartões de crédito utilizados nessas mesmas transacções, após validação do seu titular

Ficou a Ré, por via da adesão ao citado contrato, obrigada a restituir imediatamente à Autora, por débito da sua conta bancária, as importâncias que esta lhe tivesse feito creditar e relativamente às quais se viesse a verificar o incumprimento pela Ré das Condições Particulares e/ou das Condições Gerais e Especificas do Contrato (cfr. Doc nº 1 cláusula n.º 5.4 alínea g),), e/ou qualquer uma das situações previstas nas alíneas do referido n.º 5.4.

No âmbito destes procedimentos, o titular do cartão de crédito utilizado tem o direito de contestar a transação que o banco emissor do seu cartão lhe apresente a pagamento (após comunicação para pagamento do adquirente, neste caso da autora), reclamação essa que será objecto de um procedimento próprio, (não sendo suficiente a mera alegação pelo titular de alguma das situações acima descritas para se concluir pela validade da reclamação apresentada).

Sendo que, nesse caso – em que o titular do cartão contesta a transacção e recusa o pagamento – é criado um “chargeback” que se rege pelas regras da VISA (marca do cartão utilizado).
Deste modo, emerge uma situação em que o banco emissor devolve a transacção ao acquirer, neste caso à autora (o que ocorre electronicamente, através da VisaNet), e o acquirer pede ao comerciante informações e documentos que possam justificar e comprovar a legalidade/validade da transacção.

Caso se venha a concluir, de acordo com as regras aplicáveis da VISA para resolução de disputas (gozando os titulares destes cartões das defesas que a marca lhes concede por serem titulares de um cartão VISA, cabendo aos comerciantes que aceitam pagamentos com cartão de crédito VISA conhecer tais regras), que o titular do cartão tem razão na sua contestação, o valor da transacção não é cobrado ao titular do cartão e o acquirer procede ao estorno do valor que já havia creditado ao comerciante, referente a tal transacção, por débito na sua conta bancária, tudo conforme contratado com o comerciante.

Desta forma, caso o titular do cartão não tenha autorizado a transacção, esta tenha sido realizada fraudulentamente ou, ainda, que não tenha sido entregue o bem ou prestado o serviço adquirido, o titular poderá desse facto reclamar à entidade emissora do cartão, instituição que lhe exige o pagamento dessa transacção

No caso dos autos, a Autora veio a ser confrontada com quatro chargebacks que tiveram origem em transações não presenciais, em que não foram os titulares dos cartões a efectuar as transações, mas sim o comerciante através da funcionalidade Key Enter, chargebacks esses que se mostram reproduzidos na petição inicial.

Após a autora receber a mencionada contestação/repúdio, solicitou de imediato esclarecimentos e documentação ao comerciante, aqui ré em diversas datas, não tendo a mesma ré feito prova que as mencionadas transações tivessem sido efectuadas pelos titulares dos cartões, e que foram alvo de reclamação por parte dos mesmos com a justificação que não fizeram, não reconhecem e não autorizaram as respectivas transações.

Em pontual cumprimento das suas obrigações, as transações mencionadas já haviam sido pagas pela autora à ré por meio de compensação bancária, o que ocorreu com o “Fecho Contabilístico” do Terminal TPA, de acordo com o convencionado pelas partes.

A autora recebeu os chargebacks, deu conhecimento à ré das aludidas reclamações e interpelou-a no sentido de esclarecer a questão objecto da mesma, com expressa referência ao facto da Unicre ter de cumprir prazos no âmbito das respostas a dar no processo, sob pena das reclamações serem deferidas e as transações serem recusadas, não sendo a autora reembolsada do respectivo valor, com o consequente débito na conta da ré (tudo de acordo com as condições contratadas).

A conclusão dos processos de reclamação, (em que cada interveniente - titular do cartão e comerciante/Ré - expõe os seus argumentos), analisado segundo as regras das instâncias próprias do sistema sob o qual o cartão utilizado foi emitido, foi de que assistia razão aos titulares do cartão, tendo as suas reclamações procedido e assim anulado os débitos dos valores das aludidas transações.
Em consequência deste desfecho, o Banco emissor do cartão de crédito utilizado nas transações em apreço não debitou as mesmas aos titulares do cartão e por conseguinte não efectuou o pagamento das mesmas à Autora.

Todavia, a autora já tinha, oportunamente, creditado a conta bancária da ré pelo valor das transações supra descritas, tendo ficado desembolsada do respectivo montante, gerando-se assim, um crédito de reembolso contra a ré, a favor da autora.

Nos termos convencionados, a ré obrigou-se a restituir à autora as quantias que esta lhe tivesse creditado e que correspondessem a violação das Condições contratuais estabelecidas, nomeadamente cláusula 10.2 e).

Neste caso em concreto, a ré utilizou ilicitamente e de forma fraudulenta a funcionalidade Key Enter.

Daí que, por efeito, e de acordo com o contratado, a autora tenha procedido à ordem de débito na conta da ré, do valor das transações em causa, tendo para o efeito notificado a ré de que iria proceder a tal débito no dia 31/05/2017 e 14/08/2017. Débito esse que veio a ser recusado/devolvido pelo Banco com a informação de conta sem saldo ou saldo insuficiente, cfr doc nº10 que ora se junta.
Por tal motivo, a autora em 27/01/2021, 03/02/2021 e 21/04/2021 interpelou a ré para o pagamento dos valores em divida - €4.837,77, mas sem sucesso.

Assim e conforme supra descrito, a autora pagou à ré o valor de €4.837,77, não tendo sido, até à presente data, reembolsada de tal valor e a ré, apresar de a tanto obrigada, não procedeu ao pagamento da mencionada quantia de €6.600, 10, a que acrescem juros de mora às taxas legais fixadas.


Por decisão proferida em 1.6.2022 foi decidido julgar verificada a excepção dilatória inominada de uso indevido da forma de processo empregue pela requerente, não sendo possível o aproveitamento dos actos já praticados nestes autos, sendo que tal importaria uma diminuição das garantias das partes, sobretudo da ré, nem viável a sua remessa à distribuição de acordo com a forma de processo que se julgasse adequada na medida em que a própria petição inicial não poderia sequer ser aproveitada por não obedecer aos requisitos previstos nos artigos 147.º, ns.º 1 e 2 e 552.º, ns.º 1 e 6, 1.ª parte, do CPC, e por esse motivo se decidiu também absolver da instância a requerida (arts. 576.º, 577.º e 578.º do CPC).

2. É desta decisão que recorre a UNICRE - Instituição Financeira de Crédito, S.A. (Reduniq), formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
1. O presente recurso incide sobre a sentença de fls. que julgou verificada a exceção dilatória inominada de uso indevido da forma de processo empregue pela Autora, absolvendo a Ré da instância.
2. Com o devido respeito, não pode a Autora/Apelante concordar com a decisão do douto Tribunal a quo.
3. O Tribunal a quo entende que, face à causa de pedir, a forma de processo escolhida não se adequa ao caso concreto, porque não há simplicidade na apreciação das questões em conflito.
4. Cumpre analisar o regime previsto no Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, por forma a aferir em que circunstâncias se mostra possível a um credor “lançar mão” de tais ações especiais de cobrança para fazer valer o seu direito.
5. O artigo 1.º do Diploma Preambular refere: “É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 (…)” (sublinhado nosso).
6. No caso em apreço, encontram-se preenchidos os pressupostos objetivos exigidos para a utilização da presente forma de processo – cumprimento de obrigação pecuniária emergente de um contrato, aqui denominado como um contrato de adesão ao sistema redunicre de aceitação de pagamentos com cartões; e obrigação pecuniária de valor inferior a € 15.000,00, aqui € 6.600,10.
7. A Autora não apresentou um mero requerimento de injunção, mas sim uma petição inicial devidamente articulada, com a exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e a formulação do pedido, em estrito cumprimento do artigo 552.º do CPC, contrariamente ao invocado pelo Tribunal a quo, estando acompanhada dos respetivos documentos.
8. No que respeita à alegada “complexidade das questões a apreciar”, sempre se dirá que “por muito complexas que sejam as matérias suscitadas no âmbito daquele contrato, as mesmas são irrelevantes para a determinação da forma de processo a aplicar, visto que os únicos requisitos que a lei prevê para a utilização do procedimento de injunção são, no caso, apenas o «cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000»” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12-07-2017, Processo n.º 89602/16.9YIPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt).
9. A lei não faz qualquer limitação do seu campo de aplicação, posto que não especifica nem restringe a sua aplicabilidade a um específico tipo de contratos, nem faz quaisquer exigências quanto à menor ou maior complexidade das questões que hajam de ser discutidas no processo.
10. Sendo abundante a jurisprudência que decide no mesmo sentido, como se pode ler também no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09-11-2021, Processo n.º 37724/19.0YIPRT.C1, disponível em www.dgsi.pt: “não nos parece que a aferição de uma situação de erro na forma de processo se possa fazer por via do preenchimento de um conceito indeterminado de complexidade da causa”.
11. E ainda, contrariamente ao determinado pelo Tribunal a quo, não se descortina que haja uma diminuição das garantias das partes, sobretudo da Ré.
12. Por fim, dever-se-á aplicar o processo especial – AECOP – sempre que estiverem preenchidas as condições que determinam a sua aplicação em função da matéria e do valor; por outro lado, aplica-se o processo comum a ações que não cabem no âmbito de aplicação da AECOP.
13. Por todo o exposto, estando verificados os pressupostos legalmente exigidos para a utilização dos procedimentos especiais previstos no Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, não se verifica o uso indevido da forma de processo, impondo- se a revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, uma vez mais se fará a já costumada e esperada JUSTIÇA!

3. Não houve contra-alegações.

4. Ponderando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil – a única questão cuja apreciação as mesmas convocam é se deve ser determinado o prosseguimento dos autos por não haver inadequação da forma do processo escolhido.


II. FUNDAMENTAÇÃO

5. A factualidade a ter em conta é a que emerge do anterior relato.

6. Do mérito do recurso

Entendeu-se na decisão recorrida “para a pertinente determinação da forma de processo a aplicar, não basta olhar e ponderar, apenas, se estamos ou não perante o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a €15.000,00, antes urgindo, igualmente, para além da verificação e preenchimento de tais pressupostos, indagar se o pedido formulado está em consonância com o fim para qual foi estabelecida ou criada a forma processual a que o autor recorreu, bem como ter em atenção e ponderação se o litígio subjacente e natureza do contrato/relação obrigacional em causa implica o conhecimento de questões complexas e carecidas de um desenvolvimento e trato mais exigente, de forma a acautelar os direitos das partes em litigio (cfr. nesse sentido, vide os mais recentes Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.04.2019, proc. n.º 7367418/18.4YIPRT.L1.2, e o do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido de 30.05.2019, proc. n.º 72782/18.6YIPRT.l1-8 disponíveis em www.dgsi.pt) .
Tal significa que, apesar do preenchimento dos pressupostos objectivos exigidos para a utilização do procedimento de injunção – cumprimento de obrigação pecuniária emergente de um contrato, aqui denominado como um contrato de adesão ao sistema redunicre de aceitação de pagamentos com cartões; obrigação pecuniária de valor inferior a €15.000,00, aqui de €6.600,10 -, a complexidades das questões a apreciar podem ilegitimar o uso por parte do requerente deste procedimento de injunção
E, na verdade, da súmula das questões controvertidas em equação – que se extraem da causa de pedir supra-exposta -, resulta claro que a sua discussão, que se reporta à discussão de um denominado “contrato de adesão ao sistema Redunicre de aceitação de pagamentos com cartões”, obriga a ponderar e a apreciar a relação contratual existente, donde, por sua vez, emana um complexo feixe de direitos e deveres para ambas as partes, divergindo estas quanto à existência e/ou amplitude do imputado mútuo (in)cumprimento.
Diremos, em suma, face à causa de pedir, que a forma de processo escolhida não se adequa ao caso concreto, porque, nos parece evidente que não há simplicidade nenhuma na apreciação das questões em conflito”.

Por seu turno o recorrente entende que se deve aplicar o processo especial – AECOP – sempre que estiverem preenchidas as condições que determinam a sua aplicação em função da matéria e do valor; por outro lado, aplica-se o processo comum a acções que não cabem no âmbito de aplicação da AECOP.

E uma vez que no caso estão verificados os pressupostos legalmente exigidos para a utilização dos procedimentos especiais previstos no Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, defende que não se verifica o uso indevido da forma de processo,

Vejamos se assim é.

A ora recorrente para efectivar a cobrança de um crédito que alegadamente detinha sobre a recorrente lançou mão de um dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância previstos no referido D.L. 269/98.

Como se colhe do respectivo artigo 1º do diploma preambular tais procedimentos destinam-se a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma.

No regime desses “procedimentos” estão contemplados quer a acção declarativa (art.º1. do Cap.I. do anexo ao citado diploma), quer a injunção ( cap.II. art.º7º).

No caso, o requerente lançou mão do primeiro dos procedimentos – a acção – que em todo o caso se destina, como vimos, a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000.

Será que o crédito que o recorrente aqui se propõe efectivar emerge do contrato celebrado entre as partes, melhor: a obrigação reclamada tem como fonte imediata o contrato entre ambos celebrado?

Cremos que não.

Efectivamente o conceito de obrigação pecuniária aludido no diploma citado conexiona-se com o pedido de cumprimento da prestação convencionada contratualmente e já não quando tal pedido se funde, ou tenha como fonte o instituto da responsabilidade civil contratual , i.e. quando se pretenda , por exemplo, a reintegração do património em consequência do incumprimento de uma obrigação contratualmente ajustada.

De igual sorte é de excluir da sua aplicação o cumprimento de obrigações pecuniárias que não emerjam diretamente do contrato, que não estão no mesmo expressamente fixadas e definidas, mas resultem antes do seu incumprimento culposo, da sua denúncia não atempada, ou de qualquer outra causa que, embora fundada no contrato, não se cinja à exigência do cumprimento deste, mas outrossim à verificação do seu incumprimento, da legitimidade da sua resolução, da intempestividade da sua denúncia etc.

Tais procedimentos com a linearidade de tramitação prevista no diploma só são compagináveis quando os pressupostos que presidiram à criação destes expedientes céleres e simples de cobrança de dívidas se verifiquem efectivamente.

No caso o recorrente alega para justificar o seu pedido que a ré utilizou ilicitamente e de forma fraudulenta a funcionalidade Key Enter e pretende por isso que ela o ressarça de tal indevido uso.

Como está bem de ver não se pretende efectivar através desta acção o puro e simples cumprimento de obrigações pecuniária emergente do contrato mas sim o pagamento de uma indemnização pelo uso indevido e ilícito de uma determinada funcionalidade nele prevista.

Reatando o tema enunciado, não podemos deixar de sufragar o entendimento jurisprudencial de que o uso indevido e inadequado do processo de injunção consubstancia uma excepção dilatória inominada.

Não desconhecemos a jurisprudência que em sentido oposto pugna, ao abrigo da economia processual, pelo aproveitamento do processo quando ocorre a sua transmutação pela via da oposição.

Porém, com todo o respeito por esta posição, essa transmutação não tem a virtualidade de sanar as diferenças incontornáveis entre um requerimento deste procedimento e uma petição inicial ; entre uma notificação para pagamento/oposição e uma citação , nem entre uma oposição e uma contestação.

Tais diferenças que são, portanto, tão acentuadas nas fases vitais do processo, reforçam a conclusão de que o recurso a estes procedimentos só pode ocorrer quando se verifiquem na íntegra os pressupostos da sua admissibilidade.

Não podemos deixar de acompanhar o entendimento do Tribunal “ a quo” no sentido de ocorrer uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da Ré da instância, nos termos do n.º 2 do art.º 576º (e art.º 577º), do CPC.

III. DECISÃO

Por todo o exposto, se julga improcedente a apelação e se mantém a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Évora, 12 de Janeiro de 2023
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente