ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANO FUTURO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Sumário


I – Sem prejuízo das especificidades que se imponham no caso concreto, os princípios da igualdade e da unidade do direito impõem que na fixação dos danos não patrimoniais com recurso a juízo de equidade devam os tribunais evitar disparidades significativas entre os lesados em casos semelhantes.
II – A quantia de € 150.000 apresenta-se como adequada para a ressarcir o dano futuro (perda da capacidade de ganho) relativamente a lesada que à data do acidente estava prestes a completar 36 anos, apresenta um grau de incapacidade de 53 pontos, desempenhava as profissões de assistente operacional/segurança privada, nas quais auferia por ano cerca de € 7.871,03, circunstâncias acompanhadas da falta de demonstração em como a lesão tenha implicado uma efetiva redução dos rendimentos do trabalho.
III – Mostra-se ajustado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 150.000 relativamente a lesada prestes a completar 36 anos de idade aquando do acidente; permaneceu acamada durante 3 meses; utilizou cadeira de rodas durante 1 mês e meio, passando depois a apoiar-se em canadianas; realizou fisioterapia durante 1 ano; sofreu stress pós-traumático; teve um défice funcional temporário total de 210 dias (a que acresce um período de 7 dias), um défice funcional temporário parcial de 822 dias (a que acresce um período de 30 dias) e uma repercussão temporária na atividade profissional total de 1032 dias (a que acresce um período de 30 dias); apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 53 pontos, que é impeditivo do exercício da sua atividade profissional habitual, mas é compatível com outras atividades profissionais da sua área de preparação técnico-profissional, com esforços acrescidos; teve um quantum doloris de 7/7, ficou com cicatrizes que lhe conferem um dano estético de 5/7; uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de 5/7; uma repercussão na atividade sexual de 6/7 e que passou a necessitar de assistência vitalícia em termos de medicamentos e tratamentos médicos regulares.
(Sumario elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Apelação n.º 2833/17.0T8CBR.C1

Juízo Central Cível de Coimbra – Juiz 1

_________________________________

Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I-Relatório

AA

intentou contra

C..., SA

a presente ação declarativa, de condenação, pedindo:

“a) Ser declarado que foi a condutora da viatura ..-JJ-.. quem causou única e exclusivamente o acidente sofrido pela Autora;

b) Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de €174.596,04, a título de indemnização pelo Défice Funcional Permanente sofrido pela Autora;

c) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €50.000,00, a título de dano de afirmação pessoal;

d) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €35.000,00, a título de prejuízo sexual;

e)Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €50.000,00, a título de dano biológico;

f)Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €5.250,00, a título de prejuízos sofridos pela privação do uso do motociclo,

g)Numa quantia global de €349.846,04, a que deverão acrescer os competentes juros de mora devidos, desde a citação até efectivo e integral pagamento”.

Alegou para o efeito, em síntese, a ocorrência de um acidente de viação em que intervieram o motociclo com a matrícula ..-NJ-.. (tripulado pela A.) e o ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-JJ-.., seguro na Ré, que se produziu em virtude de a condutora deste não ter respeitado as regras que lhe impunham a paragem do veículo junto ao ponto de intersecção das vias, tendo ido invadir a mão de trânsito do veículo conduzido pela A. quando esta se aproximava do cruzamento, cortando a sua marcha, e bem assim a ocorrência causal dos danos que especificou.

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A Ré contestou apresentando uma diferente dinâmica do acidente e por cuja produção, segundo referiu, foram responsáveis ambas as condutoras. Para além disso, impugnou genericamente os danos alegados, dizendo ainda que, de todo o modo, a haver condenação, deve ser deduzido o montante que já pagou no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória que correu termos sob o n.º 3674/15.... (apenso A).

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Realizado julgamento foi, a 20.06.2022, proferida sentença (ref. 88718459), contendo o seguinte dispositivo (na parte que ao presente recurso interessa)

Pelo exposto, julgo a presente acção, no que toca à Autora e Ré, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente, decido:

i) Condenar a Ré C..., SA a pagar à Autora AA, a quantia liquida de €150,000,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios à taxa legal vigente, actualmente de 4%, vencidos e vincendos, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

ii) Condenar a Ré C..., SA a pagar à Autora AA a quantia actualizada de €200.000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à mesma taxa aludida atrás, vencidos a contar da data da prolação da sentença até integral e efectivo pagamento.

iii) Relegar para liquidação ulterior de sentença, a indemnização a arbitrar à autora, a título de dano patrimonial futuro, relacionável com o previsivel agravamento do défice funcional permanente da integridade fisico-psiquíco de 53 pontos;

iv) Relegar para liquidação ulterior de sentença, a indemnização a arbitrar à autora, a título de dano futuro prevísivel, relacionável com necessidade permanente de ajudas medicamentosas, a saber: analgésicos, psicofármacos e Betmida; e com a necessidade permanente de tratamentos médicos regulares, a saber: tratamentos de fisioterapia e acompanhamento médico-psiquiátrico.

v) (À)s quantias indemnizatórias arbitradas em 1) e 2) deduz-se o valor indemnizatório provisório de €20.000,00 já pago pela Ré C..., SA à Autora AA, no âmbito dos apensos A e B dos procedimentos cautelares de arbitramento de reparação provisória”.

                                                                                   *

Irresignada, a A. interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:

I - A Recorrente insurge-se, fundamentalmente, contra o critério empregue e contra o valor arbitrado pelo Tribunal a quo no que concerne à indemnização fixada para ressarcir os danos de caráter patrimonial (dano patrimonial futuro – dano biológico na vertente patrimonial), por entender que a quantia fixada não tem a virtude de ressarcir integralmente os danos oriundos do sinistro objeto dos presentes autos atenta a sua gravidade e extensão.

II - Para a determinação da indemnização pela perda futura da capacidade de ganho, o tribunal a quo socorreu-se do critério enunciado no art. 48º, nº 3, al. b) da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, que determina que, no cálculo da pensão para sinistrados em acidentes de trabalho afetados por uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a mesma seja fixada entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.

III - A recorrente exercia funções a coberto de contrato de trabalho em funções públicas, logo, o regime adotado pelo tribunal a quo, cremos é inadequado tendo em conta a natureza do vínculo laboral existente entre a recorrente e a sua entidade patronal à data do sinistro e tendo em consideração que o acidente objeto dos autos é, simultaneamente de trabalho e de viação.

IV – Atualmente, fruto das baixas taxas de juro associadas aos depósitos a prazo e à elevada taxa de inflação a que se assiste, o benefício pelo recebimento imediato de capital que deveria ser recebido de forma repartida ao longo do remanescente de esperança de vida da recorrente é residual, inexistindo qualquer benefício significativo daí decorrente; na verdade para atingir taxas de rentabilidade mais ou menos competitivas o capital a depositar tem que ser muito mais elevado do que em tempos passados.

V - A decisão recorrida, salvo o devido respeito, não teve em consideração o aumento do SMN, e ainda refere que, sem prejuízo de elevada taxa de inflação a que assistimos, e as atualmente muito baixas – quase nulas – baixas de rentabilidade (seguras) do capital investido, particularmente no que concerne aos depósitos a prazo, existiria um benefício indesmentível pelo recebimento imediato de uma quantia que deveria ser recebia ao longo dos próximos 43 anos de vida, o que colide com a orientação mais recente do Supremo Tribunal de Justiça.

VI -Os critérios ater em conta para alcançar, com recurso àequidade, o valor apto a ressarcir os danos patrimoniais da recorrente – dano biológico na vertente de dano patrimonial – deverão ser, assim, os seguintes: (i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente); (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências).

VII - Na fixação da indemnização pelo dano biológico na sua vertente patrimonial concorrendo outros fatores, a operação meramente aritmética pode revelar-se excessivamente onerosa, merecendo destaque a decisão com base na equidade, em articulação com os critérios anteriormente referidos.

VIII - O quadro sequelar da recorrente é de tal forma grave que a aventada possibilidade da recorrente exercer outras atividades da sua área de preparação técnico-profissional, com esforços acrescidos é, segundo as regras da experiência comum, e a própria concorrência do mercado de trabalho, uma possibilidade particularmente reduzida.

IX - Conferindo particular ênfase à equidade, critério que entendemos adequadíssimo – sem prejuízo da incerteza e insegurança com que pode ser criticado – mas procurando reduzir ao máximo o subjetivismo e arbítrio nesta matéria, tendo em conta que o sinistro que vitimizou a recorrente ocorreu em 14 de abril de 2014, sendo que nessa data, assim como no ano de 2013, o salário mínimo ascendia a € 485,00 ilíquidos, e atualmente, o salário mínimo ascende à quantia de € 705,00 (setecentos e cinco euros ilíquidos), considerando a retribuição anual liquida da autora e o aumento do SMN, cremos que a indemnização pelo dano biológico, atenta a gravidade das lesões da recorrente, deveria ter sido fixada em valor jamais inferior a € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros)”.

Rematou pedindo a revogação da decisão na parte impugnada, condenando-se a Ré no pagamento da quantia de € 250.000 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

                     *                                         

Respondeu a Ré defendendo que o quantum indemnizatório encontrado pelo tribunal de primeira instância, se apresenta como adequado, equilibrado, justo e razoável, revelando-se, o valor defendido pela recorrente, absolutamente desproporcional e inadequado ao caso em concreto.

                                                                  *

A Ré interpôs recurso subordinado, formulando em tal peça processual as seguintes conclusões:

“a) Manifesta-se, pelo presente recurso, a posição convicta de que a douta sentença em crise se afastou daquilo que tem vindo a ser a prática jurisprudencial quanto à fixação da indemnização pelo dano não patrimonial.

b) Aliás, o tribunal a quo não cita um único acórdão para sustentar a prolação do seu juízo de equidade ou fundamentar o valor ressarcitório que alcançou.

c) A jurisprudência superior tem, em casos semelhantes ao dos presentes autos, fixado indemnizações inferiores – cfr. ponto V das alegações.

d) Há um caso – citado no ponto VI das alegações – em que efetivamente foi fixada, pelo STJ, uma indemnização de 200.000,00 € pelo dano não patrimonial, mas que se traduz num caso bem mais grave que o dos autos.

e) Há jurisprudência que nos dá conta de indemnizações inferiores em casos mais graves – cfr. ponto VII das alegações.

f) O tribunal a quo ainda foi dizendo que atendeu, na fixação do dano não patrimonial, “aos valores normalmente usados pelos tribunais superiores em casos idênticos”, mas não apontou um único exemplo. Porém, face ao exposto, não se afigura que assim seja.

g) A condenação no pagamento da quantia de 200.000,00 € a título de danos não patrimoniais encontra-se, indubitavelmente, exagerada em face dos factos provados e do resultado da perícia médico-legal, afigurando-se que a indemnização que melhor se coaduna à justiça do caso concreto, não deve ultrapassar o montante de 115.000,00 €.

h) Conformando-se, a recorrente, com o quadro factual julgado provado e tendo em conta as lesões, as dores, as angústias, as ansiedades, os desgostos sofridos, ponderando ainda as sequelas permanentes e graves de que ficou a padecer a autora (com caráter permanente, visível e limitativo), o quantum doloris máximo, o dano estético de grau 5, a repercussão nas atividade desportivas e de lazer (graduadas no plano 5), a idade da autora e as demais afeções sofridas, à luz do que decorre dos factos provados, afigura-se que o valor fixado na decisão recorrida não será o mais adequado e equitativo à reparação dos danos não patrimoniais sofridos.

i) A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade proporcionar um certo desafogo económico quede algum modo mitigue asdores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar, proporcionando uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir um certo otimismo que permita encarar a vida de uma forma mais positiva. Isto é, esta indemnização destina-se a proporcionar, na medida do possível, à autora, uma compensação económica que lhe permita satisfazer com mais facilidade as suas necessidades primárias que possam constituir um alívio e um consolo para o mal sofrido.

j) Propugna-se, por conseguinte, que a indemnização por danos não patrimoniais da autora não seja superior, tomando em consideração os valores praticados na atualidade, ao montante de 115.000,00 €.

k) A sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, os arts. 494.º, 496.º, n.º 4 (1.ª parte), 562.º e 564.º, todos do C. Civil”.

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A A. respondeu ao recurso subordinado aí tendo concluído

“I – O quantum indemnizatório arbitrado pela 1.ª instância para ressarcir os danos de caráter não patrimonial de que a A. ficou a padecer na sequência do acidente objeto dos autos, que se ficou a dever, exclusivamente, à culpa da segurada da Recorrente, é correto, equilibrado, proporcional e respeita a equidade.

II – A indemnização por danos de caráter não patrimonial não pode ser simbólica ou miserabilista nem afigurar-se irrisória, sendo que a fixação, no caso concreto, de valor inferior a € 200.000,00 para ressarcir tais danos assumiria tais caraterísticas.

III – A sentença recorrida não viola, como sustenta a Recorrente, os arts. 494.º, 496.º, n.º 4 (1.ª parte), 562.º e 564.º, todos do C. Civil”.

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Foram colhidos os vistos, realizada conferência, e obtidos os votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.

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II-Objeto dos recursos

Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).

No caso, perante as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

Saber se
a) a indemnização pelos danos patrimoniais[2] (alínea i) do dispositivo) deve ser fixada em € 250.000, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento (recurso independente)
e se
b) a indemnização pelos danos não patrimoniais (alínea ii) do dispositivo) não deve ser fixada em montante superior a € 115.000 (recurso subordinado).

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III-Fundamentação

Com vista à incursão nas questões objeto de recurso, importa, antes de mais, transpor a factualidade que na decisão recorrida foi dada como provada.

Assim, na decisão recorrida consta a este propósito o seguinte:

FACTOS PROVADOS

1 - No dia 15 de Abril de 2014, cerca das 15h30min. o motociclo de matrícula .. - NJ - .. conduzido pela autora, circulava na Estrada Nacional ...11 – ... – ... – ..., no sentido ... – ... (art. 1º da petição inicial).

2 - A Estrada Nacional ...11 é atravessada perpendicularmente por uma outra, a saber: Estrada ..., a qual faz a ligação a ..., que é um itinerário secundário, e apresentada uma reduzida afluência de trânsito, em comparação com a EN...11 (arts. 2º e 3º da petição inicial).

3 - Ao km. Nº21.800 da EN ...11 dá a interceção das duas vias, a saber: Estrada ... com a EN...11 (art. 4º da petição inicial).

4 - Existindo na Estrada ..., na interceção com a EN...11, no sentido que a conduz a ..., sinalização luminosa, vulgo, semáforos, e um sinal vertical STOP (B2 – Paragem obrigatória em cruzamentos ou entroncamentos) (art. 5º da petição inicial).

5 - Na circunstâncias de tempo e lugar aludidos em 1), 2), 3) e 4), a Autora circulava na faixa mais à direita, quando ao aproximar-se do km 21,800, no ponto da intersecção da EN...11 e da Estrada ..., surgiu-lhe à sua direita na EN...11, vinda da Estrada ..., em direcção a ..., o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-JJ-.. conduzido por BB, que no ponto de interceção da Estrada ... e da EN...11, não parou o “..-JJ-..” e não olhou para a sua direita e para a sua esquerda da EN...11, a fim de se certificar que podia entrar na EN...11 para seguir a sua marcha para ..., após o que o motociclo chocou, de imediato, de frente com a lateral esquerda do veículo seguro ..-JJ-.. (arts. 6º, 7º, 8º, parte do 9º e 22º da petição inicial).

6 - À data da ocorrência do acidente de viação dos autos, a condutora do veículo ..-JJ-.., BB, era trabalhadora da sociedade comercial V..., Lda. a sociedade proprietária do veículo, e conduzia-o, por conta, em nome e no interesse da referida entidade patronal (resposta explicativa a parte do art. 9º da petição inicial).

7 - Na data e hora do sinistro dos autos, os semáforos encontravam-se intermitentes (ou seja, apresentavam luzes amarelas, ascendendo alternadamente) (art. 12º da petição inicial).

8 - Por força do acidente de viação dos autos, a autora fracturou de forma longitudinal o sacro e ramos ílio e ísquiopúblicos à esquerda; a bacia, o rádio esquerdo; o nariz; os maxilares e os dentes e o punho esquerdo e sofreu lesão do corpo perineal que afectou vários músculos do assoalho pélvico e que necessitou de anosplatia/reconstrução do esfíncter anal (arts. 33º a 39º da petição inicial).

9 - Em virtude das lesões aludidas em 8), a autora foi de imediato transportada para os HUC, onde esteve internada, sob cuidado e vigilância clínica, até 03 de Julho de 2014 (art. 39º da petição inicial).

10 - Face ás lesões e às lacerações que apresentava, após dar entrada nos HUC, a autora foi, de imediato, com urgência, levada para o bloco operatório, onde foi submetida a uma cirurgia geral, a uma cirurgia máxilo-facial e a uma cirurgia para redução da bacia com recurso a fixador externo (art. 40º da petição inicial).

11 - Após a realização das cirurgias aludidas em 10) e durante o período de internamento nos HUC, a autora foi submetida a cirurgia à fractura do pulso esquerdo, com a fixação interna de uma placa volar anatómica LCP (art. 41º da petição inicial).

12 - Durante o período de internamento nos HUC, e devido à lesão do períneo, os médicos tiveram que exteriorizar o intestino grosso da autora, através da sua parede abdominal, por forma a eliminar os gases e fezes através de saco de ostomia (art. 42º da petição inicial).

13 – Por força do acidente de viação, a autor passou a sofrer de stress pós – traumático, o que levou a que viesse a ser-lhe diagnosticada uma perturbação anglo -depressiva major, caracterizado por humor deprimido, anedonia, isolamento social e labilidade emocional e pensamento ruminativo centrado nas perdas, e necessitasse e necessite de acompanhamento psiquiátrico (art. 48º e 49º da petição inicial).

14 - Fruto de todas as dificuldades sentidas, nomeadamente, não consegue cuidar da sua filha menor sozinha, em consequência das lesões/sequelas resultantes do acidente de viação, a autora deixou de ter vontade de viver (arts. 50º e 51º da petição inicial).

15 – À data do acidente de viação, a autora vivia com a sua filha menor, e agora, precisa da mãe, que é uma pessoa de idade avançada, para a ajudar (resposta restritiva ao art. 52º da petição inicial).

16 - Por força das lesões/sequelas que apresenta a nível ginecológico, decorrentes do acidente de viação, a autora não consegue relacionar-se sexualmente com ninguém, desde a data do acidente de viação (resposta explicativa ao art. 53º da petição inicial).

17 - À data do acidente de viação, a autora era uma mulher saudável e vigorosa, com dois empregos, a saber: assistente operacional do I..., EPE, onde auferiu no ano de 2013, a retribuição líquida anual de €6.425,59, acrescida do subsídio anual de alimentação de €1.033, 34, e vigilante, na sociedade 3..., Lda., onde auferiu no ano de 2013, a retribuição liquida anual de €412,10 (arts. 54º e 75º da petição inicial e arts. 6º e 7º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 265 e ss. apresentado pela Autora).

18 - Fruto das lesões/sequelas resultantes do acidente de viação, a Autora não pode permanecer de pé mais do que duas horas, nem sentada por igual período de tempo (art. 55º da petição inicial).

19 - Não pode efectuar caminhas longas (art. 56º da petição inicial).

20 - Não pode levantar pesos superiores a 4 kilos (art. 57º da petição inicial).

21- Não pode, devendo evitar, por orientação clinica prestada à autora, flectir os joelhos e subir e/ou descer escadas (art. 60º da petição inicial).

22 - No período de internamento nos HUC a autora foi submetida a outras cirurgias e terá que ser submetida a outra cirurgia destinada à extracção do material de osteossíntese (art. 61º da petição inicial).

23 - Após a alta do CHUC, a autora regressou a casa, onde esteve três meses acamada, necessitando da ajuda e auxilio de terceira pessoa, a saber, a sua mãe, para se deitar e levantar do leito (art. 63º da petição inicial).

24 - Posteriormente, a este período de convalescença no leito, a autora passou a levantar-se e a locomover-se em cadeira de rodas, durante um mês e meio (art. 64º da petição inicial).

25 - Após o período aludido em 24), a autora começou a deslocar-se com a ajuda de canadianas e a fazer fisioterapia durante o período de um ano (art. 65º da petição inicial).

26 - A partir da consolidação médico-legal das lesões sofridas fixável em 09/02/2017, em resultado do acidente de viação, a autora possui uma marcha claudicante (resposta explicativa ao art. 66º da petição inicial).

27 - As lesões decorrentes do acidente até à data da sua consolidação médico-legal fixável em 09/02/2017, demandaram à autora um défice funcional temporário total fixável em 210 dias, a que acresce um período de 07 dias e um défice funcional temporário parcial fixável em 822 dias, a que acresce um período de 30 dias, com repercussão temporária na actividade profissional total fixável em 1032 dias, a que acresce um período de 30 dias, e após a data da consolidação médico-legal das lesões, as sequelas graves e irreversíveis que lhe advieram, em resultado do acidente de viação, afectaram-na de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 53 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro, e em termos de repercussão permanente na actividade profissional é impeditiva do exercício da sua actividade profissional habitual, mas é compatível com outras actividades profissionais da sua área de preparação técnico-profissional, com esforços acrescidos (resposta explicativa aos arts. 67º e 69º da petição inicial e arts. 4º, 5º e 8º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 265 e ss. apresentado pela Autora).

28 - Durante o período de danos temporários entre a data do acidente de viação e a data da consolidação médico – legal das lesões fixável em 09/02/2017, a autora sofreu dores físicas e sofrimento psíquico intensos, tendo em conta tratar-se de um politraumatizado grave, com longo período de internamento, incluindo nos cuidados intensivos, as múltiplas intervenções cirúrgicas a que foi submetida, as complicações surgidas, nomeadamente, a coaguplatia de consumo com choque hipovolémico que levou à necessidade de transfusão e colocação em ventilação mecânica assistida, a necessidade de permanecer com uma colostomia provisória, seguida de longos tratamentos de recuperação funcional que obrigaram a dependência de terceiros, aliada ao sofrimento vivenciado não só pelo quadro lesional e seus tratamentos, mas agravado pela impossibilidade de cuidar da filha, o que corresponde a um quantum doloris sofrido pela autora fixável no grau 7 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7 (resposta explicativa aos arts. 76º a 79º da petição inicial e parte do art. 25º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 265 e ss. apresentado pela Autora).

29 – À data do acidente de viação, a autora dedicava os seus tempos livres a praticar a arte marcial ..., no Centro Cultural e Recreativo de ... que contribuía para aliviar o stress do dia e dia, e representava para ela um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal, sendo que, por força sequelas permanentes e graves que lhe advieram, está impossibilitada de praticar essa arte marcial, e cuja repercussão permanente das sequelas nas actividades desportivas e de lazer a que se dedicava à autora é fixável no grau 5 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7 (resposta explicativa aos arts. 80º a 85º da petição inicial e parte do art. 25º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 265 e ss. apresentado pela Autora).

30 - As sequelas que a autora apresenta a nível ginecológico, a saber: sequela anatómicas pélvicas impedindo o parto por via baixa, não só dificultam a penetração como são causa de dor, não permitindo à mesma experienciar uma sexualidade satisfatória, e cuja repercussão permanente na actividade sexual da autora é fixável no grau seis numa escala de gravidade crescente de 0 a 7 (resposta explicativa aos arts. 87º a 93º da petição inicial).

31 - Em consequência do acidente de viação, a autora apresenta ainda, a seguinte sequela permanente e grave:

Face: cicatriz da cor da pele, estendendo-se da região supraciliar esquerda à face dorsal do nariz, em forma de V, de vértice inferior medindo o ramo maior 3cm de comprimento e o menor 2 cm de comprimento, pouco perceptível; vestígio cicatricial junto da linha média do lábio superior, curvilínea de concavidade superior, pouco aparente, discretamente nacarada, medindo 1,5cm de comprimento depos de retificada:

Abdómen: cicatriz nacarada de características cirúgicas, mediana paraunbilical esquerda, medindo 14 cm de comprimento por um centímetro de largura; cicatriz acastanhada de características cirúrgicas, discretamente irregular, obliqua infero-medialmente, na fossa ilíaca esquerda, medindo 5cm x1,2 cm (em provável correspondência com o saco de colostomia); duas cicatrizes nacaradas de características cirúrgicas de cada lado das regiões correspondentes às cristas ilíacas ântero-superiores à esquerda, medindo 3 cm de comprimento cada e à direita, medindo 1,5 cm cada (em provável relação com aplicação dos fixadores externos da bacia.

Períneo: cicatriz de características cirúrgicas na rauz da coxa esquerda, ligeiramente deprimida, medindo 1cm de comprimento; cicatriz no freio dos pequenos lábios, medindo 1,5 cm de diâmetro, ligeiramente aderente aos planos profundos, condicionado a sensação de picada ao toque.

Membro superior esquerdo: cicatriz nacarada de características cirúrgicas, em ziguezague, no terço distal da face anterior do antebraço, medindo 10 cm em toda a sua extenção, cujas sequelas/cicatrizes levam a que a autora tenha complexos com o seu corpo e cuja beleza estética ficou desde o acidente inevitavelmente comprometida, o que corresponde a um dano estético permanente sofrido pela autora fixável no grau 5 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7 (resposta explicativa aos arts. 95º a 104º da petição inicial e parte do art. 25º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 265 e ss. apresentado pela Autora).

32 – Por força dos danos materiais sofridos pelo motociclo, decorrentes do acidente de viação, o motociclo esteve impossibilitado de circular até à data da sua reparação durante um período temporal que não se logrou apurar, e cujo aluguer diário de um veículo da mesma marca e modelo do veículo da autora não se logrou apurar (resposta explicativa a parte do art. 130º e a parte do art. 132º da petição inicial).

33 - A autora, em 28/04/2015, instaurou contra a ré a providência cautelar de arbitramento de reparação provisória n.º 3647/15.... que correu, por apenso, aos presentes autos principais (art. 3º da contestação).

34 - Por acordo junto aos autos aludidos em 33), em 13/05/2015, a ré aceitou pagar à autora, por conta da indemnização devida a final, a quantia de € 10 000,00, conforme decorre do doc. nº... junto com a contestação, e cujo acordo, foi homologado, por sentença judicial proferida em 14/05/2015, conforme decorre do teor de fls. 28 a 34 dos autos apensos do procedimento cautelar aludido em 33) (arts. 4º e 5º da contestação).

35 - Por carta datada de 25 de Maio de 2015, a autora enviou à ré o cheque n.º ...32, sacado s/ Banco 1..., no valor de € 10 000,00, para liquidação do acordo efectuado, conforme decorre do doc. nº... junto com a contestação (art. 6º da petição inicial).

36 - A autora recebeu o cheque e assinou o competente recibo de quitação, que enviou à ré por carta datada de 29 de maio de 2015, conforme decorre do doc. nº ... junto com a contestação (art.7º da contestação).

37 – À data do sinistro, encontrava-se transferida válida e eficazmente para a ré a responsabilidade civil, por danos provocados a terceiros, emergente da circulação rodoviária do referido ..-JJ-.. através do contrato de seguro automóvel obrigatório titulado pela apólice nº ...57, conforme doc. nº ... junto com a contestação (art. 10º da contestação).

38 -No local do acidente, é permitida a circulação de trânsito em ambos os sentidos de marcha, divididos por separador central constituído por lancil (art. 11º da contestação).

39 - A EN ...11 (Rua ...) forma um cruzamento em que, atento o sentido ... - ..., é entroncada, à direita, pela Rua ..., e, à esquerda, pela Rua ... (art. 12º da contestação).

40 - Na zona do cruzamento, a EN ...11, que até essa zona é composta apenas por duas hemi-faixas de rodagem, passa a ter uma via central para que, quem provenha de qualquer um dos sentidos, possa efetuar, com segurança, a manobra de mudança de direção à esquerda (art. 13º da contestação).

41- A estrada em que ocorreu o acidente descreve uma recta com mais de 500 metros para ambos os lados do cruzamento (art. 14º da contestação).

42 - O sinistro deu-se dentro da localidade de ... e entre as placas indicativas de início de localidade, existentes em cada um dos sentidos - sinais N1a do Regulamento de Sinalização de Trânsito (RST) (art. 15º da contestação).

43 – Trata-se de uma estrada marginada, de ambos os lados, por edifícios de diversa índole, nomeadamente, comerciais e de habitação (art. 16º da contestação).

44 -Atento o sentido ... - ..., encontram-se colocados, cerca de 700 metros antes do cruzamento, em ambas as bermas, duas placas de trânsito indicativas da proibição de exceder a velocidade máxima de 50 km/h – sinais C13 do RST (art. 17º da contestação).

45 - Encontra-se colocado, entre as referidas placas e o cruzamento, o sinal A22, indicativo de aproximação de sinalização luminosa, acompanhado da inscrição "velocidade controlada", e de dois semáforos a funcionar com a luz amarela intermitente (art. 18º da contestação).

46 -O conjunto da sinalização referida no artigo anterior está colocada quer no lado direito da via quer por cima da faixa de rodagem (art. 19º da contestação).

47 -A sinalização semafórica do cruzamento, cuja existência é previamente avisada pela sinalização abordada em 45) e 46), encontrava-se a funcionar, no momento do sinistro, apenas com os amarelos intermitentes (art. 20º da contestação).

48 - Na Rua ..., junto à intersecção com a EN ...11, encontrava-se colocado, à data do sinistro, o sinal vertical B2 do RST, indicativo de paragem obrigatória em cruzamentos ou entroncamentos, vulgarmente conhecido como sinal de "STOP" (art. 21º da contestação).

49 -A Rua ..., junto ao sinal STOP aludido em 48) colocado a menos de um metro da intersecção com a EN ...11, é ladeado por casas de ambos os lados, que retiram completamente a visibilidade da EN...11. (art. 22º da contestação).

50 - A faixa de rodagem da EN ...11 tem a largura total de 12,60 mts, estimando-se que a via da direita, destinada ao sentido ... - ..., tenha cerca de 4 metros de largura (art. 23º da contestação).

51 - O piso, em alcatrão, encontrava-se em bom estado de conservação (art. 24º da contestação). 52 - Fazia bom tempo (seco) (art. 25º da contestação).

53 - No circunstancialismo de tempo e lugar aludidos atrás, o ..-JJ-.. circulava pela Rua ..., em direção ao centro de ..., para o que necessitava de atravessar a EN ...11 e ao chegar ao chegar ao cruzamento, parou no sinal de STOP aí colocado a menos de um metro da interceção com a EN...11, ladeado por edifícios diversos de ambos os lados, que lhe retiravam completamente a visibilidade da EN...11, e olhou para a frente, onde visualizou um veículo provindo da Rua ..., que também pretendia penetrar no cruzamento (arts. 26º a 30º da contestação).

54 - Aquando da eclosão do sinistro, a autora dirigia-se para o local de trabalho sito no I..., EPE, em ..., (art. 45º da contestação).

55 - Por contrato de seguro titulado pela Apólice nº ...02 o “I... EPE transferiu para a Interveniente a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho ocorridos com os seus trabalhadores, conforme folhas de férias, na qual estava incluída a Autora, conforme decorre do teor dos docs. nºs ... e ... juntos com o articulado autónomo (art. 3º do articulado autónomo de fls. 80 e ss. apresentando pela Interveniente Principal “Z...”).

56 - Em consequência do referido acidente, simultaneamente de viação e de trabalho para a Autora, a Interveniente assumiu as suas obrigações decorrentes do referido contrato de seguro e tem vindo a pagar as indemnizações que lhe compete, por força desse contrato de seguro de acidente de trabalho, nomeadamente, está a pagar despesas médicas e medicamentosas e os transportes para os tratamentos da Autora, consequentes do acidente (arts. 4º e 5º do articulado autónomo de fls. 80 e ss. apresentando pela Interveniente Principal “Z...”).

57 - No decurso do processo de acidente de trabalho os serviços clínicos da Ré deram alta à Autora no dia 9/2/2017, conforme decorre do teor do doc. nº... junto com o articulado autónomo (art. 6º do articulado autónomo de fls. 80 e ss. apresentando pela Interveniente Principal “Z...”).

58 - Foram pagos à Autora de ITA de 100% entre o dia 16/04/2014 e o dia 22/12/2016, a quantia de €16.112,39 correspondente a 982 dias; de ITP de 50% entre 23/12/2016 e 18/1/2017, a quantia de €221,50 (27 dias) e de ITP de 40% entre o dia 19/1/2017 e 9/2/2017 144, a quantia de €39 (22 dias) (art. 7º do articulado autónomo de fls. 80 e ss. apresentando pela Interveniente Principal “Z...”).

59 - Os serviços clínicos da Interveniente consideraram que a Autora ficou, após a consolidação das lesões e das sequelas delas resultantes, com uma IPP de €24,760 (art. 8º do articulado autónomo de fls. 80 e ss. apresentando pela Interveniente Principal “Z...”).

60 - A Autora necessitará de assistência futura e provavelmente vitalícia, conforme as necessidades e tratamentos que vieram a ser prescritos (art. 9º do articulado autónomo de fls. 80 e ss. apresentando pela Interveniente Principal “Z...”).

61 - A Interveniente fez uma estimativa dos custos totais com este acidente de €172.532,59, conforme decorre do teor do doc. nº ... junto com o articulado autónomo (artº 10º do articulado autónomo de fls. 80 e ss. apresentando pela Interveniente Principal “Z...”).

62 - Até ao dia 4/10/2017 a Interveniente já pagou de indemnizações por incapacidade temporárias, com despesas médicas e medicamentosas, e com transportes a quantia de €80.870,00, conforme decorre do teor do doc. nº ... junto com o articulado autónomo (artº 11º do articulado autónomo de fls. 80 e ss. apresentando pela Interveniente Principal “Z...”).

63 - A Interveniente Principal “Z...”, entre 29/10/2017 e 15/03/2021 custeou despesas médicas com a Autora, no montante de €9.433, 23; em transportes da Autora para tratamentos pagou a quantia de €229,83, e em despesas judiciais suportou a quantia de €1.060,80 (arts. 2º a 5º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 239 e ss, oferecido pela Interveniente Principal “Z...”).

64 - A Interveniente Principal “Z...”, entre 15/03/2021 e 15/09/2021, custeou despesas médicas com a Autora, no montante de €2.223, 78; em transportes da Autora para tratamentos pagou a quantia de €41.61 (arts. 2º a 4º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 253 e ss. oferecido pela Interveniente Principal “Z...”).

65 - Autora nasceu em .../.../1978 (art. 13º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 265 e ss. apresentado pela Autora).

66 - Por força das sequelas resultantes do acidente de viação, terá necessidade permanente de ajudas medicamentosas, a saber: analgésicos, psicofármacos e Betmida; e terá necessidade permanente de tratamentos médicos regulares, a saber: tratamentos de fisioterapia e acompanhamento médico-psiquiátrico(parte art. 25º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 265 e ss. apresentado pela Autora).

67- A Interveniente Principal “Z...”, entre 15/09/2021 e 31/05/2022, custeou despesas médicas com a Autora, no montante de €2.465,12, e em transportes da Autora para tratamentos pagou a quantia de €69.35 (arts. 2º a 5º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 239 e ss, oferecido pela Interveniente Principal “Z...”).

68 - Na pendência da causa principal, a autora instaurou, igualmente, o procedimento cautelar de arbitramento provisório de indemnização aludido em 33) o procedimentos cautelar de arbitramento provisório de indemnização nºs 2833/17.0 - B contra a Ré “C..., SA”, e onde, por acordo junto a fls. 39 vº, a 28/06/2019, dos ditos autos apensos B, a ré aceitou pagar à autora, por conta da indemnização devida a final, a quantia de € 10 000,00, e cujo acordo, foi homologado, por sentença judicial proferida a fls. 42, dos ditos autos apensos – B, já transitada em julgado”.

                                                                                 *

Aqui chegados, importa apreciar e decidir as questões suscitadas nos recursos.

Assim:

A – Do recurso da A.

O tribunal recorrido, considerando

-  que à data do acidente a A. auferia o rendimento profissional liquido anual de € 7.870,00;

- que à data da consolidação médico-legal fixada em 09/02/2017, a A. tinha 37 anos de idade;

-que a esperança média de vida se situa nos 77 anos;

- que as sequelas advindas à A. lhe determinam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 53 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro;

- que tais sequelas são impeditivas do exercício pela A. da sua atividade profissional habitual de assistente operacional, mas compatíveis com exercício de outras atividades profissionais da sua área de preparação técnico-profissional

e

- a crescente e reconhecida competitividade do cada vez mais escasso e rarefeito mercado de trabalho (nomeadamente, na sua área, face à preocupante baixa de natalidade), privilegiando por isso a contratação dos candidatos mais novos, e sem qualquer tipo de , e sem qualquer tipo de deficiência físico-psíquica,

mediante a aplicação do critério vertido no art. 48.º, n.º 3, al. b) da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, entendeu ser adequado reportar o cálculo da perda da capacidade de ganho da Autora a 70% da sua remuneração média mensal líquida, assim obtendo o valor da indemnização pela perda da capacidade de ganho da Autora de € 168.596, 60.

Após, com os pressupostos de

- estarmos situados no domínio da indemnização do dano civil (e não laboral);

e

- existir um indesmentível benefício para a Autora no recebimento imediato do que, ao longo dos seus próximos 43 anos de previsível vida receberia de forma repartida,

com intervenção do juízo de equidade, fixou em € 150.000 o montante adequado a ressarcir o dano em causa.

A A., no âmbito do recurso interposto,

- insurge-se contra a aplicação do critério enunciado no art. 48.º, n.º 3, al. b) da Lei n.º98/2009, de 4de Setembro, já que a recorrente exercia funções a coberto de contrato de trabalho em funções públicas,

- sustenta que atualmente, fruto das baixas taxas de juro associadas aos depósitos a prazo e à elevada taxa de inflação a que se assiste, o benefício pelo recebimento imediato de capital que deveria ser recebido de forma repartida ao longo do remanescente de esperança de vida da recorrente é residual, inexistindo qualquer benefício significativo daí decorrente

e

- critica a circunstância de a decisão recorrida não ter tido em consideração o aumento do valor do salário mínimo nacional.

Assim, manifestando o entendimento que os critérios ater em conta para alcançar o valor indemnizatório, com recurso à equidade, deverão ser:
(i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente);
(ii) o seu grau de incapacidade geral permanente;
(iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividades económicas alternativas aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências;
(iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências),

ante o grave quadro sequelar da recorrente (apresentando-se a possibilidade de exercer outras atividades da sua área de preparação técnico-profissional, com esforços acrescidos uma possibilidade particularmente reduzida),

e tendo em conta que

- o sinistro que vitimizou a recorrente ocorreu em 14 de abril de 2014, sendo que nessa data, assim como no ano de 2013, o salário mínimo ascendia a € 485,00 ilíquidos, e atualmente, o salário mínimo ascende à quantia de € 705,00 (setecentos e cinco euros ilíquidos),

- a retribuição anual liquida da autora

, pugna no sentido de a indemnização pelo dano biológico não poder ser fixada em valor inferior a € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).
                                                                                         *

Como é bem sabido, de entre as situações mais frequentes em que os nossos tribunais têm de atender aos danos futuros são aqueles em que o lesado perde ou vê diminuída, em consequência do facto lesivo, a sua capacidade de ganho.

Com efeito, de acordo com o preceituado no art. 564.º, n.º 2 do Cód. Civil, “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.

É o que ocorre no caso sub judice, em que os danos futuros sofridos pela A. são previsíveis com segurança bastante e têm um grau mínimo de incerteza que os deve equiparar ao dano certo, sendo, por isso indemnizáveis.

Ao longo dos anos, com vista a objetivar e uniformizar, dentro do possível, o ressarcimento desta “permanência do dano”, a jurisprudência tem vindo a trilhar diferentes procedimentos, iluminados por critérios diversos.

Uma das primeiras metodologias seguidas foi a da capitalização do valor mensal; atribui-se um capital cujo rendimento, calculado com base na taxa média e líquida de juros dos depósitos a prazo, seja equivalente ao rendimento perdido (cfr. Ac. do S.T.J. de 28/6/89, B.M.J. 3880, pag. 372).

Esta forma de cálculo, mau grado a sua simplicidade, teve reduzida aplicação, por se lhe ter reconhecido o inconveniente de produzir um enriquecimento indevido correspondente ao capital, que se mantém no fim do período considerado.

Para obviar a esse inconveniente, foram propostos cálculos baseados nas tabelas financeiras usadas para a determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda de ganho, de modo a que no fim do prazo considerado aquele capital se esgote (v.g. Oliveira Matos, C.E. Anotado, 1979, pag. 462 e Acórdãos do S.T.J. de 9/5/91 e de 4/2/93, respectivamente na C.J. 91, III, pag. 7 e na C.J. -S.T.J. 93, I, pág. 128).

   Este método, acabou por ser reconduzido à fórmula matemática:

   C=P x [ 1/i - (1+i)/((l+i) N x i)] + P x (1+i) –N )

  em que

   C = ao capital (total) a depositar no ano 1;

   P = à prestação (valor a pagar, anualmente);

   i = à taxa de juro (0,09);

  N = ao número de anos em que as prestações se manterão.

Baseia-se nos dois fatores já apurados, sendo condicionados por uma determinada taxa de juro, líquida e inalterável, que inicialmente se fixou em 9% (cfr. o citado Ac. de 4/2/93 e o Ac. da R.P. de 6/11/90, C.J. 90, V, pag. 183).

Progressivamente, para responder à estabilização económica e progressiva diminuição dos proventos das aplicações financeiras, esta taxa foi sendo também correspondentemente reduzida[3].

Igualmente se pode defender a aplicação das técnicas do direito laboral, nomeadamente com recurso a fórmulas usadas no cálculo das pensões por incapacidade em acidente de trabalho que, todavia, podem apresentar o óbice de não cobrirem a totalidade do dano ou excederem-no (quando não se verifica qualquer perda de rendimento), pelo que através das mesmas pode não ser  dado cumprimento aos artºs. 483.º, n.º 1, 562.º e 564.º do Cód. Civil.

Entretanto, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, posteriormente alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinada a fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal, muito embora as suas normas não se apresentem como vinculativas para a fixação, pelos tribunais, de indemnizações por danos decorrentes de responsabilidade civil em acidentes de viação, apresenta-se como mais um contributo auxiliar do julgador, devendo “os valores propostos (...) ser entendidos como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios. Os valores indicados, sendo necessariamente objecto de discussão acerca da sua razoabilidade entre o lesado e a entidade que deverá pagar, servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo” (cfr. Ac. do STJ, de 25.02.2009, Processo n.º 3459/08, in www.dgsi.pt.)[4].

Quanto a nós, aderindo no essencial aos pressupostos em que assenta o critério da indemnização com referência ao tempo de provável de vida ativa e da representação de um capital de rendimento, entende-se que a aplicação das metodologias propostas (e que a pouco e pouco se têm vindo a complexificar, com a ponderação da inflação anual; ganhos de produtividade e as evoluções salariais por progressão na carreira), por não serem infalíveis e de realização de justiça assegurada, se apresentam como meros instrumentos de trabalho, com vista a alcançar o grande critério que a lei consagrou – o da equidade.

<< Na fixação da indemnização por lucros cessantes, com recurso à equidade, não está o tribunal confinado ao uso de fórmulas, as quais apenas poderão servir como elemento de trabalho >> Ac. da R.P. de 16/03/95; C.J.; II; pág. 201, ou <<os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas >> Ac S.T.J. de 18/03/97; C.J., S.; Ano V, Tomo II, pág. 24 e ss. na esteira, de resto, daquele que havia sido proferido pelo mesmo tribunal superior em 11/10/94 ( C.J., S, II, 3, pág. 92 e seg.). 

Importa, sem dúvida, reconhecer a “artificialidade” do entendimento de que as fórmulas encontradas podem responder sozinhas a todos os critérios legais para a fixação do montante indemnizatório, tanto mais que as regras gerais do processo indemnizatório, designadamente a “teoria da diferença”, se ajustam melhor à diminuição da capacidade de ganho do que para as hipóteses, como a da situação presente, em que não se demonstrou que a lesão tenha tido repercussões imediatas no rendimento da lesada; ou seja, qualquer concreta e explícita ressonância nos proveitos pecuniários por ela auferidos.

Dito isto para antecipadamente se assumir que, ainda que o tribunal, com o objetivo de encontrar o valor adequado para a reparação do dano em causa, possa ter chegado a “bom porto”, fê-lo através de um percurso tortuoso e mesmo assim não isento de enganos e de desvios dispensáveis.

Vejamos:

Na decisão recorrida teve-se como instrumento base de trabalho o critério vertido no art. 48.º, n.º 3, al. b) da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que determina que, no cálculo da pensão para sinistrados em acidentes de trabalho afetados por uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a mesma seja fixada entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, temperado a final no sentido de remover o benefício para a Autora consistente no recebimento imediato do que, ao longo dos seus próximos 43 anos de previsível vida receberia de forma repartida.

Trata-se de um critério aceitável, um instrumento útil a ponderar, mas que logo adiante se apresenta incoerente e com cálculos que não se adequam ao legalmente previsto.

Na verdade, depois de informar qual o critério que iria seguir (a base de cálculo nos termos do aludido art. 48.º, n.º 3, al. b) da Lei n.º 98/2009), afirma-se na sentença recorrida

Pondera-se, para este efeito: a idade da autora à data da consolidação médico-legal das lesões – (37 anos de idade); o défice funcional da integridade físico-psíquica de 53 pontos que regista; e a crescente e reconhecida competitividade do cada vez mais escasso e rarefeito mercado de trabalho (nomeadamente, na sua área, face à preocupante baixa de natalidade), privilegiando por isso a contratação dos candidatos mais novos, e sem qualquer tipo de deficiência físico-psíquica.

Crê-se, assim, adequado reportar o cálculo da perda da capacidade de ganho da Autora a 70% da sua remuneração média mensal líquida”.

 Respeitosamente se assume não conseguirmos alcançar a motivação para, ab initio, se introduzir no cálculo esta redução substancial (30%) no rendimento a considerar, tanto mais que os fatores justificadores antes impeliriam à sua majoração.

Depois, considerou-se que o rendimento anual da A. é de € 7870,99, quando na realidade é de € 7871,03 (6425,59+1033,34 +412,10)[5].

Finalmente, e não há que dizê-lo de outra forma, os cálculos exibidos[6] não respeitam o critério legal, que são antes os seguintes[7]:
a) ponderação da efetiva capacidade funcional residual no intervalo de 20% constante da lei (50-70)
53x20:100=10,6[8]
b) valor percentual a considerar
60,6%[9]
c) pensão anual
7871,03x60,60%=4769,84
d) valor global a auferir durante 40 anos

 4769,84x40=190793,60

Temos assim que a A., a ser-lhe aplicada, sem mais, a regra constante do art. 48.º, n.º 3, al. b) da Lei n.º 98/2009), teria direito a receber, durante 40 anos, o valor global de € 190.793,60.

Uma pausa para se responder ao sustentado pela recorrente no sentido de excluir tal critério por a A. exercer funções a coberto de trabalho em funções públicas.

É que, perante os factos provados, inexistem elementos para considerar que a A. “exercia funções a coberto de trabalho em funções públicas”, sendo que o que se demonstrou foi que tinha dois empregos:

- o de assistente operacional do I..., EPE

- e o de vigilante na sociedade 3..., Lda.

Ora, se quanto a este último tal emprego assume inequivocamente natureza privada, quanto ao primeiro, ante a circunstância de “Por contrato de seguro titulado pela Apólice nº ...02 o “I... EPE transferiu para a Interveniente a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho ocorridos com os seus trabalhadores”, é de concluir não estar a A. abrangida pelo art. 2.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, pelo que nada de prejudicial para a mesma decorre do apoio – para efeitos de cálculo indiciário – na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.

Depois, também não se vê em que medida deveria, no caso, ser considerada a evolução do salário mínimo nacional, tendo o tribunal considerado – e bem – os rendimentos efetivamente auferidos pela A. à data do ato lesivo e não o do SMN.

Retomando o momento em que se havia fixado o valor a atribuir nos termos do art. 48.º, n.º 3, al. b) da Lei n.º 98/2009), também agora, contrariamente ao defendido pela recorrente, obviamente que o benefício pelo recebimento imediato do capital continua a ser manifesto[10], podendo, a título de exemplo, o capital ou parte dele ser hodiernamente rentabilizado v.g. através de certificados de dívida pública, remunerados com taxa de juro bruta fixada em 3,088% em janeiro de 2023.

E, na verdade, tomando-se em consideração:

- a idade da A. à data do acidente: prestes a completar os 36 anos,

- o grau de incapacidade: 53 pontos,

- a profissão desempenhada: assistente operacional/segurança privada,

- os rendimentos auferidos: cerca de € 7871,03 por ano;

- o aludido benefício decorrente da antecipação da totalidade do capital

e

- a inexistência de demonstração em como a lesão tenha implicado uma efetiva redução dos rendimentos do trabalho (fator com elevado peso)

a quantia arbitrada de € 150.000 apresenta-se, de acordo com um correto juízo de equidade, como adequada para a ressarcir o dano sob apreciação, (sem olvidar que foi relegado para liquidação de sentença a indemnização pelo dano patrimonial futuro, relacionável com o previsível agravamento do défice funcional permanente).

Improcede, como tal, o recurso interposto pela A.

B – Do ressarcimento dos danos não patrimoniais (recurso subordinado)

A decisão recorrida, ponderando os factos dados como provados com relevo “e atendendo, ainda, aos valores normalmente usados pelos tribunais superiores em casos idênticos” atribuiu uma compensação monetária, pelos danos não patrimoniais sofridos pela A. no valor atualizado (à data da sentença) de € 200.000,00.

A Ré, por seu lado, relembrando alguma jurisprudência a propósito de casos similares e criticando a circunstância de o tribunal recorrido, mau grado afirmar a correspondência do valor fixado com os valores normalmente atribuídos nas decisões dos tribunais superiores, não as ter referenciado, sustenta que a indemnização a arbitrar não deve ser superior a € 115.000.

O art. 496.º do Código Civil assegura a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais (n.º 1) e a sua fixação segundo um juízo de equidade, que tenha em conta a gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, e demais circunstâncias do caso (n.º 4).

Juízo de equidade que, de modo algum, não se pode confundir com discricionariedade, devendo os tribunais evitar disparidades significativas entre os lesados para casos semelhantes, como é exigido pelos princípios da igualdade e da unidade do direito.

No caso dos autos, perante a factualidade que emerge provada, importa ter em consideração que

- a A. estava prestes a completar 36 anos de idade aquando do acidente;

- permaneceu acamada durante 3 meses;

- utilizou cadeira de rodas durante 1 mês e meio, passando depois a apoiar-se em canadianas;

- realizou fisioterapia durante 1 ano;

- Sofreu stress pós-traumático;

- Teve um défice funcional temporário total de 210 dias (a que acresce um período de 7 dias), um défice funcional temporário parcial de 822 dias (a que acresce um período de 30 dias) e uma repercussão temporária na atividade profissional total de 1032 dias (a que acresce um período de 30 dias);

- Apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 53 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro, que é impeditiva do exercício da sua atividade profissional habitual, mas é compatível com outras atividades profissionais da sua área de preparação técnico-profissional, com esforços acrescidos;

- Teve um quantum doloris de 7/7.

- Ficou com as cicatrizes referidas no ponto 31 dos factos provados;

- Apresenta um dano estético de 5/7;

- A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é de 5/7;

- A repercussão na atividade sexual é de 6/7;

- Necessita de assistência vitalícia em termos de medicamentos e tratamentos médicos regulares.

Não se revestindo fácil a tarefa de reproduzir casos similares e temporalmente próximos, podemos, ainda assim, como auxiliares da decisão, com vista à formulação do dito juízo equitativo e proteger a unidade do direito, encontrar os seguintes apoios na jurisprudência do STJ[11]

Ac. de 19.01.2016 (processo 3265/08.6TJVNF.G1.S1)

É justa e adequada à reparação do dano não patrimonial a indemnização de € 100 000 ao sinistrado por acidente de viação que sofreu lesões que implicaram mais de 17 intervenções cirúrgicas, internamentos sucessivos (o primeiro por 7 meses e vários por 1 ou 2 meses), que sofreu dano estético relevante, que ficou com necessidade da ajuda de canadianas para as deslocações, que ficou com um encurtamento de uma perna, que ficou psicológica e psiquiatricamente afetado de forma grave face às dores sentidas, alteração da sua vida nas vertentes profissional, social, pessoal e familiar, receio de amputação da perna, perda da esperança de voltar a andar normalmente (malefícios estes que lhe determinaram ao nível das sequelas psiquiátricas uma incapacidade permanente parcial de 12 pontos), que sofreu por quase três anos de ITT, que ficou afetado de uma IPP de 49 pontos, sendo as sequelas, em termos de rebate profissional impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional e sem capacidade futura de reconversão, que ficou necessitado do auxílio de 3.ª pessoa para algumas atividades do seu dia-a-dia, para o resto da sua vida, que ficou afetado de anquilose a nível do joelho esquerdo, anquilose no tornozelo em flexão plantar, ausência de extensão e eversão ativas no pé esquerdo”.

Ac. de 07.03.2017 (Processo 431/10.8TBOHP.C1.S1)
Tendo o lesado sido submetido a várias intervenções cirúrgicas e a inúmeros tratamentos, tendo sofrido vários internamentos hospitalares e dores deveras significativas, tendo estado completamente imobilizado no leito e por tempo apreciável, tendo ficado afetado na sua funcionalidade somática a vários níveis, tendo ficado afetado esteticamente, tendo ficado afetado na sua sexualidade, e tendo sofrido ainda outros danos não patrimoniais, é adequada a valoração do dano não patrimonial em € 80 000”.

Ac. de 11.02.2016 (Processo 1104/12.2T2AVr.P1.S1)
IV - Resultando dos factos provados que o lesado: (i) tinha 26 anos de idade à data do acidente (13-05-2010); (ii) prestava serviço militar na Força Aérea Portuguesa; (iii) em consequência do acidente sofreu um traumatismo crânio-encefálico, com múltiplos focos hemorrágicos, tendo ficado em coma e sido sujeito a internamento hospitalar, com medicação, ventilação, alimentação nasogástrica e traqueostomização, tendo ficando retido no leito, sempre na mesma posição, sem falar, nem comunicar com ninguém; iv) após o internamento, foi encaminhado para consulta externa de neurologia, tendo regressado à casa dos pais, onde ficou acamado por dois meses, com assistência permanente de terceira pessoa, tendo passado a receber tratamentos de fisioterapia (funcional e cognitiva); (v) ficou absoluta e definitivamente impossibilitado de prosseguir a sua carreira militar na Força Aérea ou em qualquer outro ramo das Forças Armadas, o que lhe causou profundo desgosto; (vi) sofreu dores ao longo de um período de dois anos, fixáveis no grau 5 numa escala de 7; (vii) obteve a consolidação médico-legal em 13-05-2012; (viii) ficou a padecer de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 32 pontos; (ix) sofreu um dano estético permanente, uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer e uma repercussão permanente na actividade sexual, tudo fixado em 3 numa escala de 7; e (x) passou a sentir complexo de inferioridade, isolando-se e evitando o convívio com outras pessoas, quando antes era esbelto, saudável, forte, ágil, dinâmico, robusto e não apresentava qualquer deformidade física, tem-se como equitativa a fixação da indemnização devida, a título de danos não patrimoniais, em € 100 000 (em não em € 80 000 como foi fixado pela Relação)”.

Ac. de 07.04.2016 (processo 55/12.1TBOFR.C1.S1)
No caso vertente, estando em causa indemnização por danos morais, tem-se por ajustado o montante de €60 000, considerando que o lesado, com 22 anos de idade, apresenta como sequelas permanentes do acidente, pé pendente, com os dedos do pé em garra, por paralisia do ciático poplíteo externo; marcha claudicante e alteração da sensibilidade, com dores permanentes na perna e no pé; uma cicatriz que se estende da anca esquerda até à cintura; concavidade acentuada junto ao joelho esquerdo e várias cicatrizes na testa e cabeça, o que traduz um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 20 pontos, padecendo de dano estético permanente de 5 pontos (num total de 7) e impossibilidade de práticas desportivas físicas (futebol e motocrosse) e de profissões que exijam esforço de permanência em pé”.

Ac. de 14.07.2016 (Processo 8/13.6TBSEI.C1.S1)
V - Resultando da factualidade provada que o lesado, em consequência do acidente de viação de que foi vítima: (i) sofreu traumatismos vários, em particular, incidentes sobre o esfacelo do pé e tornozelo esquerdos e fractura do colo do 5.º MTT esquerdo, com perda de substância óssea, tendinosa e cutânea; (ii) ficou com os movimentos do pé esquerdo clinicamente irrecuperáveis; (iii) foi-lhe aplicada uma bota ortopédica que vai necessitar de usar para o resto da vida; (iv) apenas consegue caminhar com o uso de canadianas, não prescindindo do uso permanente de uma; (v) foi-lhe fixado um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos; (vi) as sequelas sofridas são impeditivas do exercício da sua actividade profissional, bem como de outras actividades que exigem esforços físicos, sendo necessária a sua reconversão profissional; (vii) antes do acidente, havia adquirido um negócio de venda de bens alimentares que tinha um volume de vendas mensal na ordem do € 5 000 no qual investira todas as suas economias e para o qual contraiu empréstimos bancários; (viii) auferia cerca de € 3 000 mensais nos meses que antecederam o acidente; (ix) tinha, à data, 41 anos de idade, mostra-se adequado o montante de € 300 0000 fixado a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, conforme arbitrado pela Relação.
VI - Tendo ainda ficado provado que o lesado, em consequência do acidente e para além do referido em V: (i) sofreu uma degeneração psíquico-depressiva que o obriga a manter medicação com anti-depressivos e ansiolíticos; (ii), caiu em profunda depressão por se sentir incapaz de cuidar da sua família, composta por si, sua esposa e dois filhos, e solver os seus compromissos; (iii) padeceu e continua ainda hoje a padecer de enormes e intensas dores, continuando em sofrimento; (iv) sente-se diminuído como homem porque praticamente perdeu um pé; (v) vive traumatizado e estigmatizado por ser socialmente desvalorizado como “coxo” ou “perneta”, sentindo-se como um deficiente físico socialmente excluído; (vi) o quantum doloris e o dano estético associado às lesões foram fixados no grau 5 (em 7), mostra-se adequado o montante de € 100 000 fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais, conforme arbitrado pela Relação”.

Ac. de 14.07.2016 (Processo 6707/08.7TBLRA C1.S1)
Mostra-se equitativamente adequado o valor de € 100 000 para indemnizar o dano biológico da lesada em acidente de viação na consideração do seguinte quadro provado: (i) a lesada ficou com um défice funcional permanente de 31 pontos; (ii) à data do acidente, tinha 38 anos de idade; (iii) exercia a actividade de empregada de escritório; (iv) e é previsível o agravamento futuro das sequelas de que ficou a padecer”.

Ac. de 19.10.2021 (Processo 7098/16.8T8PRT.P1.S1)
IV - Respeita igualmente os imperativos de equidade uma indemnização por danos morais no montante de € 125 000,00, de acordo com a jurisprudência e seu sentido evolutivo, que atende à circunstância de o autor, pessoa saudável, ter passado a necessitar durante toda a sua vida do auxílio de terceira pessoa para determinadas tarefas (membro superior esquerdo completamente paralisado); sentir vergonha de si mesmo nas suas relações com outros, nomeadamente por força da afectação da sua actividade sexual fixável no grau 3/7; alterações do sono, instabilidade emocional, diminuição das capacidades de memória e raciocínio, síndroma pós-traumático, perda da libido. E num quadro de dores permanentes que exigem consulta da dor quantificáveis no grau 6/7; com dano estético permanente do grau 5/7 e perda de capacidade e interesse por actividades que anteriormente lhe davam prazer fixável no grau 4/7”.

Ac. de 29.01.2019   (processo 1382/16.8T8VRL.G1.S1)
Provando-se que a lesada (com 55 anos à data do acidente), em consequência do acidente, (i) sofreu múltiplas fraturas, (ii) permaneceu internada por três vezes, (iii) tem défice permanente da integridade físico-psíquica de 44 pontos, impeditivas do exercício da sua profissão de empregada de limpeza, (iv) dano estético de grau 3 em 7, (v) sofreu quantum doloris de grau 5 em 7, (vi) caminhou durante algum tempo com andarilho e canadianas, (vii) não consegue fazer, como fazia, caminhadas, alguns trabalhos domésticos, subida e descida de escadas sem dificuldade, (viii) está triste, perturbada, desgostosa e com enorme tristeza por não poder trabalhar, mostra-se equilibrado o valor de € 40 000 euros para indemnizar os danos não patrimoniais sofridos”.

Ac. de 07.09.2020 (Processo 5466/15.1T8GMR.G1.S1)
Não se mostra excessivamente valorado em € 60 000,00 o dano não patrimonial que atingiu o lesado em acidente de viação, perante o seguinte quadro nuclear: - tinha 34 anos; - sofreu esmagamento dos membros inferiores, com amputação traumática do membro inferior esquerdo e com amputação do membro inferior direito abaixo do joelho; - sofreu várias fraturas; - sofreu várias intervenções cirúrgicas e internamentos hospitalares; - sofreu um período de défice funcional temporário total de 180 dias; um período de défice funcional temporário parcial de 503 dias; um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 682 dias; - ficou afetado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 67 pontos, impeditivo do exercício da atividade profissional habitual (embora compatível com o exercício de outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional); - padeceu de dores de grau 6 numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus; - sofreu dano estético permanente de grau 5, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 pontos; - está afetado de uma limitação permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 4, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 pontos; - está afetado sexualmente num grau de 4, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 pontos; - está relativamente limitado na sua independência e nas suas atividades da vida diária e doméstica; - foi sujeito a dolorosos tratamentos e ainda padece de dores; - ficou triste, nervoso e melancólico, com dificuldade em dormir e descansar, sendo agora uma pessoa amargurada, angustiada e abatida, sentindo profundamente as sequelas do acidente; - está obrigado a fazer uso de próteses nos membros inferiores”.

Ac. de 19.10.2021 (Proc. 7098/16.8T8PRT.P1.S1)
Respeita igualmente os imperativos de equidade uma indemnização por danos morais no montante de € 125 000,00, de acordo com a jurisprudência e seu sentido evolutivo, que atende à circunstância de o autor, pessoa saudável, ter passado a necessitar durante toda a sua vida do auxílio de terceira pessoa para determinadas tarefas; sentir vergonha de si mesmo nas suas relações com outros, nomeadamente por força da afectação da sua actividade sexual fixável no grau 3/7; alterações do sono, instabilidade emocional, diminuição das capacidades de memória e raciocínio, síndroma pós-traumático, perda da libido. E num quadro de dores permanentes que exigem consulta da dor quantificáveis no grau 6/7; com dano estético permanente do grau 5/7 e perda de capacidade e interesse por actividades que anteriormente lhe davam prazer fixável no grau 4/7”

Do exposto decorre que, sem prejuízo da especificidade irrepetível de cada caso concreto, em face dos elementos demonstrados nos autos
- A A. estava prestes a completar 36 anos, à data do acidente;

- Por força do embate, fraturou de forma longitudinal o sacro e ramos ílio e ísquiopúblicos à esquerda; a bacia, o rádio esquerdo; o nariz; os maxilares e os dentes e o punho esquerdo e sofreu lesão do corpo perineal que afectou vários músculos do assoalho pélvico e que necessitou de anosplatia/reconstrução do esfíncter anal, tendo sido, de imediato transportada para os HUC, onde esteve internada, sob cuidado e vigilância clínica, até 03 de Julho de 2014;

- Fruto das lesões e às lacerações que apresentava, foi aí, de imediato, com urgência, levada para o bloco operatório, onde foi submetida a uma cirurgia geral, a uma cirurgia máxilo-facial e a uma cirurgia para redução da bacia com recurso a fixador externo;

- Posteriormente, durante o período de internamento nos HUC, veio a ser submetida a cirurgia à fratura do pulso esquerdo, com a fixação interna de uma placa volar anatómica LCP;

- Durante o período de internamento nos HUC, e devido à lesão do períneo, os médicos tiveram que exteriorizar o intestino grosso da autora, através da sua parede abdominal, por forma a eliminar os gases e fezes através de saco de ostomia;

- Por força do acidente de viação, passou a sofrer de stress pós – traumático, o que levou a que lhe viesse a ser diagnosticada uma perturbação anglo-depressiva major, caracterizado por humor deprimido, anedonia, isolamento social e labilidade emocional e pensamento ruminativo centrado nas perdas, e necessitasse e necessite de acompanhamento psiquiátrico;

- Fruto de todas as dificuldades sentidas, nomeadamente, não conseguir cuidar da sua filha menor sozinha, em consequência das lesões/sequelas resultantes do acidente de viação, a A. deixou de ter vontade de viver;

- Antes do acidente de viação, vivia com a sua filha menor, e agora, precisa da mãe, que é uma pessoa de idade avançada, para a ajudar;

- Por força das lesões/sequelas que apresenta a nível ginecológico, decorrentes do acidente de viação, a autora não consegue relacionar-se sexualmente com ninguém, desde a data do acidente de viação;

- À data do acidente de viação, a autora era uma mulher saudável e vigorosa, com dois empregos, a saber: assistente operacional do I..., EPE, e vigilante, na sociedade 3..., Lda.;

- Fruto das lesões/sequelas resultantes do acidente de viação, a Autora não pode permanecer de pé mais do que duas horas, nem sentada por igual período de tempo, não pode efetuar caminhadas longas, não pode levantar pesos superiores a 4 kilos, e não pode, devendo evitar, por orientação clinica prestada à autora, fletir os joelhos e subir e/ou descer escadas;

- No período de internamento nos HUC a autora foi submetida a outras cirurgias;

- Após a alta do CHUC, a autora regressou a casa, onde esteve três meses acamada, necessitando da ajuda e auxilio da sua mãe para se deitar e levantar do leito;

- Posteriormente, a este período de convalescença no leito, a autora passou a levantar-se e a locomover-se em cadeira de rodas, durante um mês e meio;

- Após este período de mês e meio, a autora começou a deslocar-se com a ajuda de canadianas e a fazer fisioterapia durante o período de um ano;

- A partir da consolidação médico-legal das lesões, em resultado do acidente de viação, a autora possui uma marcha claudicante;

- As lesões decorrentes do acidente até à data da sua consolidação médico-legal fixável em 09/02/2017, demandaram à autora um défice funcional temporário total fixável em 210 dias, a que acresce um período de 07 dias e um défice funcional temporário parcial fixável em 822 dias, a que acresce um período de 30 dias, com repercussão temporária na actividade profissional total fixável em 1032 dias, a que acresce um período de 30 dias, e após a data da consolidação médico-legal das lesões;

- as sequelas graves e irreversíveis que lhe advieram, em resultado do acidente de viação, afectaram-na de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 53 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro;

- Durante o período de danos temporários entre a data do acidente de viação e a data da consolidação médico – legal das lesões fixável em 09/02/2017, a autora sofreu dores físicas e sofrimento psíquico intensos, tendo em conta tratar-se de um politraumatizado grave, com longo período de internamento, incluindo nos cuidados intensivos, as múltiplas intervenções cirúrgicas a que foi submetida, as complicações surgidas, nomeadamente, a coaguplatia de consumo com choque hipovolémico que levou à necessidade de transfusão e colocação em ventilação mecânica assistida, a necessidade de permanecer com uma colostomia provisória, seguida de longos tratamentos de recuperação funcional que obrigaram a dependência de terceiros, aliada ao sofrimento vivenciado não só pelo quadro lesional e seus tratamentos, mas agravado pela impossibilidade de cuidar da filha, o que corresponde a um quantum doloris sofrido pela autora fixável no grau 7 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7;

- À data do acidente de viação, a autora dedicava os seus tempos livres a praticar a arte marcial ..., no Centro Cultural e Recreativo de ... que contribuía para aliviar o stress do dia e dia, e representava para ela um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal, sendo que, por força sequelas permanentes e graves que lhe advieram, está impossibilitada de praticar essa arte marcial, e cuja repercussão permanente das sequelas nas actividades desportivas e de lazer a que se dedicava à autora é fixável no grau 5 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7;

- As sequelas que a autora apresenta a nível ginecológico, a saber: sequela anatómicas pélvicas impedindo o parto por via baixa, não só dificultam a penetração como são causa de dor, não permitindo à mesma experienciar uma sexualidade satisfatória, e cuja repercussão permanente na actividade sexual da autora é fixável no grau seis numa escala de gravidade crescente de 0 a 7;

- Em consequência do acidente de viação, a autora apresenta, ainda, as seguintes sequelas: Face: cicatriz da cor da pele, estendendo-se da região supraciliar esquerda à face dorsal do nariz, em forma de V, de vértice inferior medindo o ramo maior 3cm de comprimento e o menor 2 cm de comprimento, pouco perceptível; vestígio cicatricial junto da linha média do lábio superior, curvilínea de concavidade superior, pouco aparente, discretamente nacarada, medindo 1,5cm de comprimento depois de retificada: Abdomen: cicatriz nacarada de características cirúrgicas, mediana paraunbilical esquerda, medindo 14 cm de comprimento por um centímetro de largura; cicatriz acastanhada de características cirúrgicas, discretamente irregular, obliqua infero-medialmente, na fossa ilíaca esquerda, medindo 5cm x1,2 cm (em provável correspondência com o saco de colostomia); duas cicatrizes nacaradas de características cirúrgicas de cada lado das regiões correspondentes às cristas ilíacas ântero-superiores à esquerda, medindo 3 cm de comprimento cada e à direita, medindo 1,5 cm cada (em provável relação com aplicação dos fixadores externos da bacia. Períneo: cicatriz de características cirúrgicas na rauz da coxa esquerda, ligeiramente deprimida, medindo 1cm de comprimento; cicatriz no freio dos pequenos lábios, medindo 1,5 cm de diâmetro, ligeiramente aderente aos planos profundos, condicionado a sensação de picada ao toque. Membro superior esquerdo: cicatriz nacarada de características cirúrgicas, em ziguezague, no terço distal da face anterior do antebraço, medindo 10 cm em toda a sua extenção, cujas sequelas/cicatrizes levam a que a autora tenha complexos com o seu corpo e cuja beleza estética ficou desde o acidente inevitavelmente comprometida, a que corresponde a um dano estético permanente sofrido pela autora fixável no grau 5 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7.

entende-se que o valor fixado pela primeira instância, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais, mormente quando em confronto com decisões proferidas em casos similares, se apresenta como excessiva, desrespeitando, nessa exata medida, o juízo de equidade legalmente imposto, apresentando-se antes como justo e adequado fixar a esse título o montante de € 150.000 (com referência à data da decisão da primeira instância).

                                                                                   *                                                                 

Sumário[12]:

(…).

IV - DECISÃO.

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em
a) julgar improcedente o recurso interposto pela A.
b) julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré C..., SA e, consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte constante de ii) do dispositivo, indo a mesma condenada a pagar à Autora AA a quantia de € 150.000 (cento e cinquenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde 20.06.2022, até efetivo e integral pagamento.

                                                                                    *

Custas do recurso independente a cargo da A., sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

                                                                                   *

Custas do recurso subordinado a cargo da A. (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido) e da Ré recorrente, na proporção de 59% e 41%, respetivamente (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC).

                                                                                      *

Coimbra, 24 de janeiro de 2023


(Paulo Correia)

(Helena Melo)

(José Avelino)




[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Helena Melo e José Avelino
[2] - Assume-se aqui a caracterização como “dano patrimonial” por mera adesão à terminologia da sentença recorrida, sem preocupações de rigor, nem se pretender, por inútil, abrir a este propósito a discussão doutrinária e jurisprudencial em torno da qualificação do “dano biológico”, quando o mesmo não apresente rebate profissional/diminuição de rendimentos.
[3][3] - Servindo-se da referência de 7%, o Ac. do S.T.J. de 5/5/94, C.J.-S.T.J, 94,11, pag. 88, de 2% o Ac. do TRC de 6 de Setembro de 2011 (proferido no processo 1561/08.1TBCTB) e de 1% o Ac. do TRL de 26.09.2017 (proferido no processo 10421/14.6T2SNT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt).

[4]- No mesmo sentido, entre outros: Ac. do STJ. de 07.07.2009. Processo n.º 205/07.3GTLRA.Cl; Ac. do STJ, de 18.03.2010, Processo n° 1786/02.3SILSB.L1.S1; Ac. do STJ, de 14.09.2010, Processo n.º 797/05.ITBSTS.PI; Ac. do STJ, de 17.05.2012, Processo n.º 48/2002.I.2.S2; Ac. do STJ, de 07.02.2013, Processo n.º 3557/07.ITVLSB.L1.S1; Ac. da RP, de 20.03.2012, Processo n.º 571/l0.3TBLSD.Pl; Ac. da RP, de 15.01.2013, Processo n.º 1949/06.2TVPRT.Pl; e Ac. da RG, de 12.01.2012, Processo n.º 282/09.2TCGMR-A.Gl, todos disponíveis in www.dgsi.pt.

[5] - Cfr. facto provado 17

[6] “[€ 7.870,99] x 70% x 50% x 40 anos = € 110.193,86.

[€7.870,99] x 70% x 20% x 53 pontos = € 58,402,74”.
[7] - Nos Tribunais do Trabalho é comumente seguida metodologia que chega ao mesmo resultado que aqui se explicita mas por uma via tortuosa que consiste em: a) aferição prévia de 70% e de 50% do rendimento, b) subtração entre um e outro, c) multiplicação deste último produto pelo valor da incapacidade e, por fim, d) soma ao do rendimento de 50%), (v.g. acórdãos do TRL de 24.10.2018, processo 549/12.2TTFUN; do TRP de 30.05.2018processo 639/13.4TTVFR.P1 e TRP de 16.01.2017, processo 1681/12.8TTTPRT.1.P1).
[8] - Na ausência de indicação de outra capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, importa aceitar o valor atribuído a título de IPP (53%).
Em termos do cálculo, 20 pontos de intervalo corresponde a 100% do valor da capacidade residual, havendo que refletir a existente no caso concreto.
[9] - 50+10,6
[10] - Como se afirma no Ac. do STJ de 17.11.2021 (Processo 563/18.4T8AVR.P1.S1) “Apesar de a remuneração do capital se encontrar hoje em níveis rasos, é prudente e justo fazer incidir uma redução de 10% no valor total da indemnização que a lesada vai receber de uma só vez para indemnizar o dano patrimonial futuro”.

[11] - Todos disponíveis em WWW.dgsi.pt
[12] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC).