SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO
DEVERES DO EMPREGADOR
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RISCO DE EXPOSIÇÃO A POEIRAS
DOENÇA PROFISSIONAL
ÓNUS DA PROVA
Sumário


I – Na tutela infortunística, assente na responsabilidade objectiva alicerçada na teoria do risco da autoridade, a reparação, regra geral, apenas abrange as prestações previstas nas respectivas leis.
II – Exceptua-se o caso da responsabilidade (subjectiva) agravada (art. 18.º da Lei n.º 98/2009 e no art. 18.º da Lei n.º 100/97) a qual permite a reparação de todos os danos sofridos desde que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil nos termos gerais.
III – Quando determinado comportamento possa gerar responsabilidade contratual e extracontratual, em regra, por aplicação do princípio da consunção, o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual.
IV – A responsabilidade contratual tem como pressupostos a verificação de um facto voluntário, da ilicitude, da culpa (que se presume) e de um nexo de causalidade entre facto e dano.
V – Não logrando a autora provar factos que permitam concluir que a Ré omitiu alguma das suas obrigações nomeadamente falta de informação/formação acerca dos riscos a que a Autora estava sujeita no seu local de trabalho e/ou a falta de implementação dos mecanismos que evitassem a exposição da Autora à sílica (livre) cristalina, substância que é susceptível de provocar a doença profissional de que padece a Autora, não há lugar à responsabilização da ré e ao consequente direito da autora ser indemnizada.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Apelação 835/15.0T8LRA.C4

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto

Azevedo Mendes


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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - AA, casada, desempregada, residente na Rua ..., ... – ... intentou, no Juízo Cível da Instância Central do Tribunal da Comarca ..., a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a Ré, R..., S.A., com sede na ..., ... pedindo a condenação desta a pagar a quantia de € 75.101,40 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora, desde a citação.

Alegou, em síntese, tal como consta da sentença recorrida, que:

- trabalhou na fábrica de que a Ré é proprietária, desde 1995, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, mediante retribuição, na categoria de “acabadora de 1ª”;

- em finais de 2006 começou a trabalhar com uma máquina polidora, tendo então sido colocada numa cabine, fechada dos lados, com o extractor para sugar a poeira libertada pela polição;

- o extractor nunca funcionou devidamente, sendo que ninguém conseguia ver a Autora no meio de tanta poeira;

- não era feita a verificação periódica exigida por lei, sendo que, só quando deixava de funcionar é que chamavam o electricista;

- quando havia visitas inspectivas da ACT, o Engenheiro mandava não utilizarem a máquina polidora e fazerem o polimento como antigamente;

- apesar de a Autora usar a máscara que para tal lhe fora fornecida pela Ré, nunca explicaram exactamente o tipo de pó que era libertado ao polir as peças, nem os riscos concretos da inalação para a saúde, não cumprindo o especial dever de informação relativamente aos riscos para a segurança e saúde, acolhido nos n.ºs 6 e 9 do art.º 5.º do RJSST;

- no início de 2007 foi-lhe comunicado pelo médico da empresa a existência de uma mancha nos pulmões;

- entretanto, a Autora e a Ré cessaram o contrato de trabalho por mútuo acordo, em 31 de Dezembro de 2008;

- a longa exposição directa às poeiras custou à Autora uma pneumoconiose por silicatos que, embora se tenha manifestado desde inícios de 2007, só veio a ser identificada como doença profissional a 16 de Março de 2012, agravando-se em 2014, encontrando-se a receber uma pensão no valor mensal de € 16,73;

- a Autora não consegue respirar e se a doença se agravar terá de se sujeitar a um transplante dos pulmões, peticionando uma compensação por tal dano no valor de € 30.000,00;

- teve gastos de saúde, em medicamentos e em exames, no valor de € 1000,00;

- a Autora não consegue trabalho em virtude da sua saúde, pelo que deve a Ré reparar a redução da sua capacidade laborativa sofrida, efectuando o pagamento de uma pensão mensal nunca inferior a 30% até que a Autora complete 65 anos de idade.

Referiu ainda que cabe ao empregador respeitar o que dispõem os artigos 281.º e 282.º do Código do Trabalho e que têm em vista assegurar aos trabalhadores condições laborais idóneas por forma a combater na sua origem o risco de acidentes de trabalho e doenças profissionais que sejam previsíveis face aos locais de trabalho e aos processos de trabalho adoptados e a fim de reduzir ou excluir os seus efeitos negativos. Foi esta violação de regras de higiene e segurança que esteve directamente ligada com a verificação da doença, a qual causou danos na Autora, que pretende agora ver ressarcidos. Os actos praticados pela Ré integram uma omissão ilícita e negligente, causal da doença da Autora, decorrente daquela execução pelo que fundamenta o seu pedido de indemnização por danos patrimoniais e de compensação por danos não patrimoniais na responsabilidade civil extracontratual.


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Devida e regularmente citada, a Ré apresentou contestação invocando, tal como também consta da sentença impugnada, a incompetência material do tribunal com a alegação de que a competência para a apreciação do presente litígio pertence ao Tribunal do Trabalho, ao abrigo do disposto no art.º 85.º, al. c) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro. Invocou ainda a verificação da caducidade do direito de acção em virtude de a alta clínica da Autora já ter ocorrido há mais de um ano e a verificação da excepção de prescrição do direito à indemnização. Impugnou ainda a factualidade vertida na petição inicial negando qualquer responsabilidade pelo ressarcimento dos danos peticionados, concluindo pela sua absolvição.

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Proferida decisão a julgar procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta, que foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação ..., a Autora solicitou a remessa dos autos a Juízo do Trabalho ..., o que foi deferido.

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Por despacho datado de 18/10/2016 foi julgada procedente a excepção da caducidade do direito de acção, tendo a Ré sido absolvida do pedido.

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Inconformada, a Autora recorreu da decisão, que foi revogada por Acórdão desta Relação de Coimbra datado de 10/03/2017.

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Desse Acórdão, a Ré interpôs recurso de revista que, por ter sido julgado extemporâneo, não foi admitido.

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Após a descida dos autos foi designada a realização de audiência prévia, na qual se julgou procedente a excepção de prescrição invocada pela Ré, absolvendo-a do pedido.

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Inconformada a Autora apelou tendo esta Secção Social (Acórdão datado de 15/06/2018 do mesmo relator do presente acórdão) julgado improcedente a excepção de prescrição e ordenou o prosseguimento dos autos.

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Deste Acórdão, a Ré interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que negou a revista e confirmou o Acórdão desta Relação de Coimbra.

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Novamente na 1ª instância, foi proferido despacho saneador, tendo-se relegado para final a apreciação do mérito dos autos e dispensou-se a enunciação dos temas da prova.

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II – Realizado o julgamento, veio, a final, a ser proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:

“Pelos fundamentos expostos, e atentas as normas legais citadas, decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se a R. “R..., S.A.”, dos pedidos contra si deduzidos pela A. AA.”.


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III – Inconformada veio a autora apelar, alegando e concluindo:

1ª- Discorda-se da decisão proferida quanto à matéria de facto pelo Tribunal a quo, entendendo-se relevante ajuizar quanto a matéria quanto à qual foi produzida prova e releva à boa decisão da causa não tendo sido considerada no elenco probatório, que deve integrar.

2ª- Pugna-se pela alteração da decisão de facto proferida quanto à qual foi produzida a prova documental e prova testemunhal (gravada e que se transcreve nos DOCS.... a ... juntos), modificando ou aditando factos provados e não provados, nos termos constantes do Título II.

3ª- Não acompanhando a decisão proferida quanto à matéria de facto julgada provada e não provada, discordando da sua restrição pelo Tribunal a quo entende-se ter recaído prova e ser essencial ampliá-la.

4ª- Atenta a causa da doença da Autora – doença denominada pneumoconiose por silicatos (Facto Provado 17) -, constituindo a sílica cristalina livre uma substância especialmente perigosa para a saúde humana e a que a Autora poderia estar exposta e esteve exposta no âmbito das funções exercidas enquanto trabalhadora da Ré/Recorrida - conforme decorre entre outros Factos Provados do referenciado nos relatórios referidos nos Factos Provados 42 a 47 -, constituindo esse produto (sílica) um “perigo” e sendo utilizado na actividade a que a Ré expôs a Autora, recaía sobre a Ré como empregadora a prova de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, com o fim de prevenir os danos causados.

5ª- Ora, A Ré ora Recorrida tentou fez tal prova, que à mesma incumbia e não logrou realizar, tendo antes sido feita prova dos seu contrário, como entendemos resultar da matéria de facto julgada provada e não provada, e mesmo através de prova que vai além e releva, devendo, por tal razão, ser modificada a decisão proferida.

6ª- Deve ainda ser modificada a decisão de facto porquanto se verificam alguns erros, a corrigir, nessa decisão.

7ª- Devem passar a contar provados, com a seguinte redacção os factos seguintes (com base nos meios de prova e razões indicados no Título II):

21) A doença da Autora foi reconhecida como doença profissional em 16 de Março de 2012, com efeitos reportados a partir de 20-02-2009. (sublinhamos o trecho a modificar e a aditar);

36) O local onde a Autora laborava tratava-se de um espaço aberto e, também em cabine. (sublinhamos o trecho a aditar);

44) Em 2006 e 2007 o Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV) efectuou essa avaliação tendo em vista a determinação de teores de poeiras e concretamente sílica livre em locais de trabalho. (sublinhamos o trecho a aditar);

48) A Ré indicara como Equipamento de Protecção Individual obrigatório para o posto de trabalho da Autora a máscara de protecção com filtros do tipo FFP2, máscara que a Autora usava.;

49) Os postos de trabalho em “carrossel” (instalados nos anos 90) tinham um sistema de captação de poeiras com aspiração localizada (sistema de extracção) e cortinas de água. (sublinhado o trecho a modificar);

8ª- E devem ser aditados os factos seguintes, também no título II constando indicados os meios de prova e razões para tal:

6-A) Existindo acrescidos perigos e riscos para esses trabalhadores em resultado da inalação de pós e concretamente sílica cristalina livre, causadores de doenças como a de que padece a Autora (pneumoconiose por silicatos).

16-A) Após ser detectada à Autora a “mancha nos pulmões” (FACTO PROVADO 14), a Ré não adoptou quaisquer medidas quanto à Autora no seu posto de trabalho, nomeadamente as medidas que habitualmente eram “imediatamente adoptadas” e só foi submetida a exame médico em 2008/10/01, de que resultou “ficha de aptidão” com indicação de “apto condicionalmente” com recomendação de: "Não deve executar tarefas que impliquem esforços físicos intensos, sobrecarga mental e exposição a substâncias inaláveis de natureza física e química. Uso de EPIs ”.

41-A) A utilização da máquina polidora fazia mais “poeira” do que o polimento à mão.

41-B) A Ré não mediu os níveis de poeira e concretamente de sílica livre inalável gerados pela utilização da máquina polidora por comparação com os gerados pelo polimento manual (desconhecendo-se se resultam aumentados ante o aumento de “poeira”).

49-A) Face às recomendações constantes desses Relatórios (factos provados 46) e 47) a Ré não adoptou então nenhum procedimento e nem tomou medidas acrescidas de modo a diminuir ou evitar os riscos para os trabalhadores que ocupavam tais postos de trabalho (incluindo a Autora), em especial para “melhorar o sistema de captação de poeiras nomeadamente nos carroceis (zona de raspagem e vidragem de peças)” e “evitar operações de sopragem de peças, se possível recorrendo à aspiração”, em especial não colocou diferentes ou optimizou os sistemas de captação de poeiras.

9ª- Por fim, ainda quanto à matéria de facto a aditar, por relevar para a decisão da causa a proferir nestes autos - conforme resulta do já antes exposto e face ao objecto e thema decidendum - defendemos que, caso não seja julgado inteiramente procedente a pretensão de que sejam aditados à matéria de facto os indicados FACTOS 16-A), 41-A), 41-B) e 49-A) (o que somente em tese e por dever de patrocínio nesta sede admitimos em abstracto), deverão (sob formulação positiva ao invés da formulação negativa que na redacção que concebemos consta), transitar para os FACTOS NÃO PROVADOS - com aposição de correspondente alínea, em continuidade da ordem alfabética que consta na decisão proferida na sentença – os seguintes factos:

m) Após ser detectada à Autora a “mancha nos pulmões” (FACTO PROVADO 14), a Ré adoptou medidas quanto à Autora no seu posto de trabalho, que habitualmente eram “imediatamente adoptadas”, nomeadamente submetendo-a a exame médico, de modo a do mesmo resultar “ficha de aptidão” com indicação de “apto” ou “apto condicionalmente”, neste caso com recomendações. (correspondente ao FACTO PROVADO A ADITAR 16-A) que indicámos);

n) A utilização da máquina polidora não fazia mais “poeira” do que o polimento à mão. (correspondente ao FACTO PROVADO A ADITAR 41-A) que indicámos);

o) A Ré mediu os níveis de poeira e concretamente de sílica livre inalável gerados pela utilização da máquina polidora por comparação com os gerados pelo polimento manual (resultando não aumentados ante o aumento de “poeira”). (correspondente ao FACTO PROVADO A ADITAR 41-B) que indicámos);

p) Face às recomendações constantes desses Relatórios (factos provados 46) e 47) a Ré adoptou procedimentos e tomou medidas acrescidas de modo a diminuir ou evitar os riscos para os trabalhadores que ocupavam tais postos de trabalho (incluindo a Autora), em especial para “melhorar o sistema de captação de poeiras nomeadamente nos carroceis (zona de raspagem e vidragem de peças)” e “evitar operações de sopragem de peças, se possível recorrendo à aspiração”, em especial colocou diferentes ou optimizou os sistemas de captação de poeiras. (correspondente ao FACTO PROVADO A ADITAR 49-A que indicámos).

10ª- In casu, não recaía (e nem recai) sobre a ora Recorrente, enquanto trabalhadora, o ónus da prova (de que a entidade empregadora haja sido omissa ou tenha directamente violado os deveres que sobre a mesma recaem quanto às normas de protecção da saúde dos seus trabalhadores e em especial da Autora), ao invés recaindo esse ónus sobre a Recorrida, enquanto entidade empregadora, atenta a previsão do art.º 493º, n.º 2, do Código Civil, que estabelece que Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.

11ª- Resulta nestes autos indubitavelmente reconhecido que a Autora / trabalhadora esteve sujeita pela Ré, enquanto sua entidade empregadora, à exposição e risco de inalação de pós/poeiras e concretamente sílica cristalina livre.

12ª- Daí decorre que a actividade a que esteve assim sujeita - por determinação e no interesse da ora Recorrida e da qual resultaram para a Autora danos, resultantes de ter por tal motivo e nessas circunstâncias contraído (graves em si e por si, e em constante agravamento) doença profissional denominada pneumoconiose por silicatos - FACTOS PROVADOS 17 e 21, entre outros) - deva julgar-se, nesta sede, em especial para efeitos de aplicação dessa norma, perigosa.

13ª- Notemos que, na própria sentença recorrida tal é, afinal, declarado ao julgar provados inúmeros factos nos quais enuncia como perigo da actividade da Ré a inalações de pós e sílica cristalina livre (FACTO PROVADO 8) e indica de vasto enquadramento legislativo que exactamente visa quer a protecção em geral quer a protecção especial dos trabalhadores sujeitos à exposição de perigos e riscos acrescidos, nomeadamente, como no caso destes autos, a substâncias químicas e agentes com propriedades perigosas - neste sentido, lê-se na sentença Recorrida, que subsequentemente transcreve especialmente, entre outros os artºs. 4º a 7º, 11º, 13º do Decreto Lei n.º 290/2001, de 16/11: Importa ainda chamar à colação o DL n.º 290/2071], de 16/11, diploma que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva n.º 98/24/CE, do Conselho, de 7 de Abril, relativa à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes químicos no local de trabalho, e as Directivas nºs 91/322/CEE, da Comissão, de 29 de Maio, e 2000/39/CE da Comissão, de 8 de Junho, sobre os valores limite de exposição profissional a algumas substâncias químicas.

14ª- Daí que entendamos que só por manifesto erro na determinação da norma aplicável, apreciou e decidiu nestes autos a Meritíssima Juíza a quo sem ter chamado à decisão o normativo do art.º 493º, n.º 2, do Código Civil que se impõe aplicar.

15ª- E, resultam reconhecidos pela Ré ora Recorrida (além de resultar provado):A) A utilização, enquanto empregadora, no posto de trabalho e funções exercidas pela Autora ora Recorrente (entre outros trabalhadores) de produtos químicos soltos em pó/poeiras, contendo nomeadamente “sílica cristalina livre” causadora da doença a esta infligida; B) Que o grau de exposição e risco de inalação de tais produtos por tais trabalhadores (situação em que a Autora se incluía), impunha a adopção de medidas para minimizar tais riscos; e que, C) Sempre e especialmente após indicação no Relatório de “Determinação de Teores de Poeiras em Locais de Trabalho”, datado de 2007, emitido pelo Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV) (junto como Doc. ... apresentado com a Contestação), incumbia à R. providenciar a adopção de medidas colectivas e individuais que baixassem o nível de exposição, de forma a estar dentro desse limite legal.

16ª- Independentemente desse reconhecimento sobre a obrigação do cumprimento desses deveres, que sobre a Ré impendiam - dadas as circunstâncias do caso e a perigosidade inerente à natureza dos meios utilizados na sua actividade (sílica livre cristalina inalável e passível de causar doença grave e incapacitante e antecipadora da morte – caso da Autora) – tal resulta das normas correctamente citadas na sentença recorrida, que nos escusamos repetir, tendo-as já citado supra, no trecho que da decisão judicial proferida transcrevemos.

17ª- A natureza perigosa da actividade da Ré/Recorrente (no caso por força dos meios utilizados nessa actividade), enquanto empregadora e que determinou que nesse âmbito a Autora/Recorrente ficasse exposta a tais meios perigosos usados nessa actividade e sujeita à inalação dessas substâncias perigosa, impõe que devam necessariamente considerar-se cumpridas as condições de aplicação dessa disposição legal do artigo 493º, n.º 2, do Código Civil, por corresponder justamente ao seu escopo, que quem exerce actividade perigosa (por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados) e cause danos, esteja obrigado a repará-los, o que é o caso dos autos. E que, o causador dos danos somente dos mesmos se exima se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir, operando-se uma inversão do ónus da prova que se faz recair sobre o causador dos danos e não por quem sofre o danos — que tem tão só de fazer prova do dano e de que o mesmo resultou dessa mesma actividade perigosa (por sua natureza ou pela natureza dos meios nela utilizados).

18ª- De tudo o que amplamente ficou provado e resulta dos termos em que a questão decidenda se mostra colocada à apreciação, resulta manifesto dever proceder integralmente a presente acção, tendo em conta que todos os demais pressupostos da condenação em sede de responsabilidade civil da Ré estão reunidos — facto, dano e nexo causal (provada a exposição da Autora pela Ré ao perigo/risco causador da doença e que foi efectivamente contraída doença profissional associada a tal risco, enquanto decorrente de inalação de pós e sílica cristalina livre) — e que à ora Recorrida, para alijar a sua responsabilidade, é atribuído o encargo de provar o cumprimento dos deveres de diligência ajustados ao exercício de actividades que comportam um maior risco de ocorrência de sinistros (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-03-2002, CJ, 2002, 2º-80) (neste caso, o risco de contrair doença profissional – grave, incapacitante, de efeitos continuados e agravados – como decorre em especial dos FACTOS PROVADOS 17 a 19, 23 a 25, 27 a 35).

19ª- Reconhecida pela Ré/Recorrida e amplamente provada a utilização de meios perigosos no exercício da actividade da mesma e a que nas suas funções e posto de trabalho foi exposta a Autora ora recorrente, sendo tal conhecido pela Ré como causador de doenças profissionais como a contraída pela trabalhadora ora Recorrente, não pode senão concluir-se ademais que a actuou também com culpa ao manter a Autora sujeita a condições após  Relatórios Técnicos- os Relatórios dos anos 2006 e 2007 desse Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV) (juntos como Docs. ... e ... apresentados com a contestação) nos quais tal se indica em especial – com recomendações que não fez por cumprir (e nem tomou quaisquer outras medidas ou providências face aos resultados apresentados) e nem afastou a Autora do posto de trabalho sujeito a tais riscos e nas condições nesses Relatórios reportadas (em que eram excedidos os “valores limite de exposição” legalmente permitidos), nem mesmo após detecção de “mancha nos pulmões” e suspeita de doença por inalação de poeiras e mesmo por sílica livre.

20ª- Incorre em erro na determinação da norma aplicável a Meritíssima Juíza a quo ao decidir recair sobre a Autora/Recorrente o ónus da prova (negativo) de que não tivessem sido cumpridos pelo empregador (ora Recorrido) os deveres que sobre o mesmo recaíam em sede de protecção da saúde da trabalhadora em causa, sem que tivesse aplicado do artigo 493ª, n. 2, do Código Civil sendo que se tratava de actividade perigosa (por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados) – consequentemente, nos termos desta norma recaindo afinal sobre o Réu/Recorrido o ónus de prova, tendo que mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir).

21ª- O enunciado erro na determinação da norma aplicável releva e deve ser apreciado por este Tribunal ad quem, para mais face ao julgamento de improcedência dos pedidos deduzidos em 1ª Instância por se ter entendido que a ora Recorrente não cumprira a prova a seu cargo, que se entendeu consistir na prova de incumprimentos dos deveres que recaíam sobre a entidade empregadora Ré em sede de protecção da sua saúde enquanto trabalhadora.

22ª- Para além disso, além de sustentarmos não recair sobre a Autora tal prova, ainda que sobre si recaísse, afiguramos amplamente cumprido, se efectivamente à mesma coubesse, tal ónus da prova — quer procedendo a alteração da decisão quanto à matéria de facto provada e não provada que no antecedente título II sustentámos, mas ainda que tal não viesse a decidir-se, sempre face à decisão probatória fixada em 1ª Instância.

23ª- Analisados estes FACTOS PROVADOS, mesmo que não viesse a proceder a impugnação da matéria de facto como sustentámos no Título II destas Alegações, sempre se impunha concluir que: - eram indubitavelmente conhecidos da Ré os riscos e perigos da actividade e posto de trabalho da Autora e os deveres que sobre si legalmente recaíam quanto à sua protecção desta enquanto sua trabalhadora (como não poderia deixar de conhecer e decorrem das inúmeras normas chamadas aplicar - deveres a cumprir pelo empregador previstos no artº. 53º, al. c) da Constituição da República Portuguesa; nos artºs. 19º, al. c) e e) do Decreto-Lei 49408, de 24.11.1969 (LCT) vigente ao início da relação laboral [artºs 40º, n.º 1, 41º e 103º, al. e)]; no Código do Trabalho de 2003 [artºs 120º, als. g) e h), art.º 149º, art.º 272º, art.º 273º, art.º 295º, art.º 441º]; no DL n.º 290/2001, de 16/11, diploma que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva n.º 98/24/CE, do Conselho, de 7 de Abri, relativa à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes químicos no local de trabalho, e as Directivas nºs 91/322/CEE, da Comissão, de 29 de Maio, e 2000/39/CE, da Comissão, de 8 de Junho, sobre os valores limite de exposição profissional a algumas substâncias químicas, aqui citando concretamente os artºs. 4º a 7º, 11º, 13º; no art.º 487º, n.º 2 (aplicável à responsabilidade contratual ex vi n.º 2 do art.º 799º), art.º 798º e 762.º do Código Civil, quanto à responsabilidade civil do empregador. - as medidas que tivesse tomado conforme FACTO PROVADO 48 e 49 não eram suficientes para ter por cumpridas as recomendações indicadas no FACTO PROVADO 46; e, - perante o FACTO PROVADO 14 (No início de 2007 ao efectuar uma raio-x, numa das consultas, o médico do trabalho da Ré comunicou-lhe a existência de uma mancha nos pulmões) a Ré incumpriu os seus deveres ao ter omitido qualquer actuação até Fevereiro de 2009 e Junho de 2009 (FACTO PROVADO 17 - somente em Fevereiro de 2009 sendo confirmada doença denominada pneumoconiose por silicatos; e FACTO PROVADO 20 – preencheu o requerimento de protecção na doença profissional e a remeteu ao Centro Nacional de Doenças Profissionais, em Junho de 2009).

24ª- Daí que pugnemos seja por este tribunal ad quem sempre necessariamente julgado procedente o presente recurso – mesmo caso não seja deferida a pretensão de modificação e aditamento de factos à matéria de facto como sustentamos (ou não na sua íntegra); e mesmo que não se entenda, quanto à apreciação da questão de direito, chamar à aplicação o  artigo 493º, n.º 2, do Código Civil, julgando consequentemente invertido o ónus da prova e, como resultado, se impondo revogar a sentença recorrida, não acolhendo a conclusão da Meritíssima Juíza pela improcedência da acção por concluir ser à Autora que cabia demonstrar os factos (omissivos) por parte da Ré e que não fez essa demonstração.

25ª- Tal resulta, em nosso entender, de a matéria de facto fixada na sentença ser bastante para dever ser julgada omissa a conduta da Ré face às normas a que estava vinculada e aos deveres que lhe incumbiam quanto à Autora sua trabalhadora, em especial: - Face ao Decreto-Lei nº 49408, de 24.11.1969 (LCT) (em vigor à data do início da relação laboral): prevendo o artº 40º, nº 1, que “ o trabalho deve ser organizado e executado em condições de disciplina, higiene e moralidade” e, no art.º 41.º, n.º 1, que “a entidade patronal deve observar rigorosamente os preceitos legais e regulamentares, assim como as directivas das entidades competentes no que se refere à higiene e segurança no trabalho”, constituindo, nos termos do art.º 103.º, al. e) “a falta de condições de higiene, segurança, moralidade e disciplina do trabalho”, justa causa de rescisão do contrato por iniciativa do trabalhador. - O Código do Trabalho de 2003, no seu art.º 120.º, als. g) e h) prescrevia também que “sem prejuízo de outras obrigações, o empregador deve: “g) Prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a protecção da segurança e saúde do trabalhador, (…) h) Adoptar, no que se refere à higiene, segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram, para a empresa, estabelecimento ou actividade, da aplicação das prescrições legais e convencionais vigentes”. O QUE INEQUIVOCAMENTE NÃO FOI CUMPRIDO AO SEREM EXCEDIDOS OS VALORES LIMITE DE EXPOSIÇÃO (VLE) CONFORME Relatórios dos anos 2006 e 2007 do Centro tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV) (juntos como Docs. ... e ... apresentados com a contestação) FACTO PROVADO 47), no seu Art.º 149.º “(…) assegurar o respeito das normas aplicáveis em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.”; o art.º 272.º que estabelece que “1 – O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e saúde asseguradas pelo empregador. 2 – O empregador é obrigado a organizar as actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho que visem a prevenção de riscos profissionais e a promoção da saúde do trabalhador; e o art.º 273º, que prescrevia “1 – O empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho. 2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o empregador deve aplicar as medidas necessárias, tendo em conta os seguintes princípios de prevenção: a) Proceder, na concepção das instalações, dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de protecção; c) Assegurar que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos nos locais de trabalho não constituam risco para a saúde dos trabalhadores; O QUE INEQUIVOCAMENTE NÃO FOI CUMPRIDO AO SEREM EXCEDIDOS OS VALORES LIMITE DE EXPOSIÇÃO (VLE) CONFORME Relatórios dos anos 2006 e 2007 do Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV) juntos como Docs. ... e ... apresentados com a Contestação)  FACTO PROVADO 47)-, E, nos termos do DL nº 290/2001, de 16/11, quanto aos valores limite de exposição profissional a algumas substâncias químicas, No que toca à avaliação de riscos, o art.º 4º: “1 – O empregador deve, nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei 441/91, de 14 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei 133/99, de 21 de Abril, e do artigo 21.º do Decreto-Lei 70/2000, de 4 de Maio, avaliar os riscos e verificar a existência de agentes químicos perigosos nos locais de trabalho. 2 – Se a verificação referida no número anterior revelar a existência de agentes químicos perigosos, o empregador deve avaliar os riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores resultantes da presença desses agentes, tendo em conta, nomeadamente: a) As suas propriedades perigosas; b) As informações relativas à segurança e a saúde constantes das fichas de dados de segurança de acordo com a legislação aplicável sobre a classificação, embalagem e rotulagem das substâncias e preparações perigosas e outras informações suplementares necessárias à avaliação de risco fornecidas pelo fabricante, designadamente a avaliação especifica dos riscos para os utilizadores; c) A natureza, o grau e a duração da exposição; d) As condições de trabalho que impliquem a presença desses agentes, incluindo a sua quantidade; e) Os valores limite obrigatórios e os valores limite biológicos estabelecidos pelos Decretos-Leis n.os 273/89 e 274/89, ambos de 21 de Agosto, 389/93, de 20 de Novembro, e 301/2000, de 18 de Novembro; f) Os valores limite de exposição profissional com carácter indicativo constantes do anexo; g) Os resultados disponíveis sobre qualquer vigilância da saúde já efectuada. 3 - A avaliação dos riscos deve: a) Constar de documento escrito que, nas situações em que a natureza e a dimensão dos riscos não justificar uma avaliação pormenorizada contenha as justificações do empregador; b) Ser revista sempre que corram alterações significativas que a  tornem desactualizada, nas situações em que tenha sido ultrapassado um valor limite de exposição profissional obrigatório ou um valor limite biológico e nas situações em que os resultados da vigilância da saúde o justifiquem; c) Incluir as actividades específicas realizadas nas empresas ou estabelecimentos, nomeadamente a manutenção, para as quais seja previsível a possibilidade de uma exposição significativa ou as que possam provocar efeitos deletérios para a segurança e a saúde, mesmo nas situações em que tenham sido tomadas todas as medidas técnicas adequadas; d) Nas actividades que impliquem a exposição a vários agentes químicos perigosos, ter em conta os riscos resultantes da presença simultânea de todos esses agentes. E SALIENTEMOS ESPECIALMENTE, 4 - O exercício de actividades que envolva agentes químicos perigosos só pode ser iniciado após a avaliação dos riscos e a execução das medidas preventivas seleccionadas.” Relativamente às medidas gerais de prevenção refere o artº 5.º o seguinte: “1 - O empregador deve assegurar que os riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores resultantes da presença no local de trabalho de um agente químico perigoso sejam eliminados ou reduzidos ao mínimo mediante: a) A concepção e organização dos métodos de trabalho no local de trabalho; b) A utilização de equipamento adequado para trabalhar com agentes químicos; c) A utilização de processos de manutenção que garantam a saúde e a segurança dos trabalhadores; d) A redução ao mínimo do número de trabalhadores expostos ou susceptíveis de estar expostos; e) A redução ao mínimo da duração e do grau da exposição; f) A adopção de medidas de higiene adequadas; g) A redução da quantidade de agentes químicos presentes ao mínimo necessário à execução do trabalho em questão; h) A utilização de processos de trabalho adequados, nomeadamente disposições que assegurem a segurança durante o manuseamento, a armazenagem e o transporte de agentes químicos perigosos e dos resíduos que os contenham. 2 - Se os resultados da avaliação dos riscos revelarem risco para a segurança e da saúde dos trabalhadores, devem ser aplicadas as medidas específicas de protecção, prevenção e acompanhamento previstas nos artigos 6.º a 11.º e 13.º 3 - Se o resultado da avaliação dos riscos demonstrar que a quantidade do agente químico perigoso existente no local de trabalho constitui um baixo risco para a segurança e a saúde dos trabalhadores e que as medidas adoptadas nos termos do n.º 1 são suficientes para reduzir esse risco, as medidas previstas nos artigos 6.º a 11.º e 13.º não são aplicáveis. E SALIENTEMOS TAMBÉM O art.º 7.º do mesmo diploma quando refere que: 3 – O empregador deve tomar o mais rapidamente possível as medidas de prevenção e protecção adequadas se o resultado das medições demonstrar que foi excedido um valor limite de exposição profissional. “E, SALIENTEMOS, relativamente à informação e formação dos trabalhadores refere o art.º 11.º o seguinte: “1 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 9.º e 12.º do Decreto-Lei 441/91, de 14 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei 133/99, de 21 de Abril, e no artigo 21.º do Decreto-Lei 70/2000, de 4 de Maio, o empregador deve assegurar a informação dos trabalhadores e dos seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho: a) Os dados obtidos pela avaliação de risco e outras informações sempre que se verifique uma modificação importante no local de trabalho susceptível de alterar os resultados da avaliação; b)As informações disponíveis sobre os agentes químicos perigosos presentes no local de trabalho, nomeadamente a sua identificação, os riscos para a segurança e a saúde, os valores limite de exposição profissional e outras disposições legislativas aplicáveis; O art.º 13.º epigrafado de «Vigilância da saúde» prescreve ainda que: "1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 19.º do Decreto-Lei 26/94, de 1 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei 7/95, de 29 de Março, e pelo Decreto-Lei 109/2000, de 30 de Junho, o empregador deve assegurar a vigilância da saúde dos trabalhadores em relação aos quais o resultado da avaliação revele a existência de riscos. 2- A vigilância da saúde nos termos do número anterior, deve permitir detectar precocemente a relação entre a doença ou efeito nocivo para a saúde e a exposição do trabalhador a um agente químico perigoso e as condições de trabalho particulares do trabalhador que possam ser a eventual causa da doença ou do efeito nocivo, e as técnicas de investigação utilizadas não devem eventualmente provocar mais de um risco diminuto para os trabalhadores. — SALIENTAMOS entender aqui patentemente incumprido ao constar provado terem mediados cerca de 2 anos e 2 anos e meses, entre a perante a detecção à Autora de “uma mancha nos pulmões” e não terem sido adoptadas medidas mais céleres e eficazes ante os riscos, as condições da trabalhadora e as condições do posto de trabalho em que estava colocada (FACTO PROVADO 14 e FACTO PROVADO 17 e 20)

26ª- Face a tudo o antes sustentado quanto à matéria de direito (e considerando a matéria de facto que virá a ser fixada — ou mesmo que a manter-se a decisão constante da sentença recorrida quanto à mesma), resulta em nosso entender que os elementos constitutivos da responsabilidade civil estão neste caso inequivocamente verificados, como os

afirma a Meritíssima Juíza a quo: o facto (controlável pela vontade do homem); a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

27ª- Atendendo à apreciação da culpa pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso, conforme preceitua o n.º 2 do art.º 487.º, aplicável à responsabilidade contratual ex vi n.º 2 do art.º 799.º.

28ª- E mesmo aderindo a que a imputação da responsabilidade civil contratual ao empregador, se funde no disposto no art.º 798.º do Código Civil que dispõe que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”. Por outro lado, o art.º 762.º do mesmo diploma legal impõe que “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”, não esquecendo o necessário cumprimento pontual e integral do acordado.

29ª- Nessa medida, que o empregador que celebrou um contrato com o seu trabalhador, não pode ignorar que desse contrato emergem obrigações e direitos para ambas as partes, obrigações essas cujo incumprimento acarreta, inequivocamente, responsabilidades. Assim, e como se salientou, não obstante as obrigações gerais a que se encontra vinculado, decorrem para o empregador outros deveres mais específicos, designadamente em matéria de saúde, higiene e segurança no local de trabalho e no desempenho deste.

30ª- Não chamaríamos à aplicação o regime da responsabilidade contratual aplicando as normas previstas no Código Civil (artºs 798.º e ss.) mas antes como defendemos o da responsabilidade por facto ilícito (artºs. 483º e seguintes do Código Civil e fazendo aplicar em especial o art.º 493º, n.º 2 como vimos).

31ª- Mas, a improceder tal enquadramento de direito, sempre diremos que se mostram in casu cumpridos os requisitos elencados pelo Tribunal de 1ª Instância como a cumprir: facto voluntário (por regra, trata-se de uma omissão e, no caso vertente, trata-se da omissão por parte da Ré das medidas necessárias para evitar que a exposição da Autora às poeiras originasse a doença profissional de que padece); a ilicitude (que se traduz na violação de normas legais, ou seja, numa desconformidade entre aquilo que deveria ter sido feito e não foi, a culpa (que pode assumir-se como dolo ou negligência), o nexo de causalidade entre o facto sucedido e o dano provocado e o dano,

32ª- A Autora alegou a factualidade integrante da acção ou omissão e funcionando o princípio da inversão do ónus da prova da culpa consagrado, entre nós, no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não provem de culpa sua». O ónus da prova recairá, neste caso, sobre o empregador, caso o lesado faça prova da existência do vínculo contratual e dos factos demonstrativos do seu incumprimento ou cumprimento defeituoso.

33ª- Ora, é aqui que, a decidir assim de direito, entendemos e emergindo a responsabilidade contratual em sentido restrito da falta de cumprimento culposo da obrigação por parte do devedor, incumbe ao devedor a prova da falta de culpa pela verificação de danos resultantes do incumprimento.

34ª- Entendendo-se, contrariamente ao decidido pela Meritíssima Juíza a quo que, de tudo o que expusemos, não pode senão concluir-se que a Ré infringiu disposições legais que lhe impunham a tomada de medidas que não tomou e adoptou comportamentos e graus de diligência inferiores ao padrão do bom pai de família.

35ª- Ora, se (como afirmamos) mesmo face à matéria de facto fixada na sentença recorrida se mostram incumpridos deveres que sobre a Ré Empregadora recaía nos termos que vimos, salientamos que muitos mais deveres resultam incumpridos se for julgado (como esperamos) a impugnação da matéria de facto deduzida no título II destas Alegações e/ou mais intensamente incumpridos.

36ª- Do antes exposto resulta que sempre deverá julgar-se ter incorrido a decisão do Tribunal a quo em erro de julgamento — ao não julgar provada a conduta culposa e omissiva da Ré (de acordo com os deveres que sobre a mesma recaem face à legislação vigente), ademais face à Autora ora Recorrente e perante as condições de saúde/doença que se foram revelando.

37ª- E tal erro de julgamento resultará mais evidente, salvo o devido respeito (que muito é e não se duvide) no caso de, como justificadamente expectamos, ser julgado procedente (integral ou mesmo parcialmente) o recurso que nesta se deduzimos quanto à matéria de facto (título II destas Alegações).

38ª- Razões pelas quais, sempre deverá proceder a pretensão que em sede apelatória deduzimos a este Tribunal da Relação, de revogação da sentença recorrida e julgamento da causa decidindo a integral procedência da presente acção.


+

Contra alegou a ré, concluindo:

(…).

______

4 Vide o depoimento da testemunha BB, em 18-05-2021, entre as 09:54:41 e as 10:52:56, gravado no ficheiro 20210518095441_3692192_2870950.wma, de [20:13] a [23:43]: « O posto de trabalho dela [i.e. da Autora] são três carroceis de vidragem seguidos, paralelos numa nave fabril grande em área aberta, claramente em área aberta. (…) A zona específica de que a trabalhadora fala é área aberta. Sempre foi área aberta. (…) É uma nave, sim. Uma nave que pode ter… são várias secções, de carrosséis de vidragem, fornos, escolha de final… (…) O carrossel de vidragem é um sistema que tem um conjunto de vidros de protecção colectiva antes das individuais, tem um conjunto de vidros de protecção colectiva: cortinas de água, aspirações… Tem essas medidas de protecção colectiva. E, só depois a protecção individual. [Perguntado sobre se existiam limitações físicas, painéis, cabines, paredes nos postos de trabalho] Não. (…) Existe entre o carrossel de vidragem e a escolha final, existe ali um painel, mas não é isso que vai fazer, não é um compartimento estanque, nada disso

5 Vide o depoimento da testemunha CC, em 18-05-2021, entre as 11:29:44 e as 12:38:24, gravado no ficheiro 20210518112943_3692192_2870950.wma, de [12:37] a [14:15]: « Vamos lá ver: não há cabines de polimento específicas. O polimento é feito em diversas fases do processo. (…) A cabine – chamámos-lhe “cabine”, “zona”… O carrocel é sectorizado em várias partes, mas fisicamente não há divisórias. Ou seja, é uma área aberta! Aqui, imagine que ali é um posto, a peça vem a circular aqui pelo corrimão, como se fosse um carrossel, ali, de 3m para ali é um posto, 4m para aqui é outro posto. É uma área de trabalho e 4 ou 5m para a frente, é outra área de trabalho. Portanto, não existe uma cabine de polimento, existe uma zona de polimento! Fala-se numa “cabine”, porquê? Porque aquilo tem exaustão, tem extracção. Normalmente, tem uma cortina de água, tem ventiladores que absorve o pó que está a ser retirado, raspado da peça. Por isso é que se fala em cabine, mas, efectivamente, é um abuso de linguagem, porque não é uma cabine física que eu pudesse chegar ali e retirar dali e meter noutro lado qualquer, porque aquilo faz parte do equipamento. Não é um equipamento que eu retire do equipamento principal.». e de [26:27] a [27:12]: « É preciso eu tentar-vos explicar o que é que é, então, a cabine! A cabine é… são 3 chapas laterais, simples – uma lateral, uma lateral, uma lateral e uma parte de trás, onde estão os filtros. A parte da frente da cabine é toda livre. Pronto. E, portanto, a pessoa não está dentro da cabine! Imagine que existe uma reentrância assim como está, que é a zona da aspiração, aqui existe o tornilho onde a peça está a ser tratada, e a pessoa, ao fazer pó, ao [00:27:00] polir a peça, a ventilação faz a sucção do pó todo para dentro dos filtros da cabine. Portanto, a pessoa não está confinada no espaço que está…»

6 Vide o depoimento da testemunha DD, em 18-05-2021, entre as 14:32:56 e as 15:09:58, gravado no ficheiro 20210518143256_3692192_2870950.wma, de [09:48] a [11:04]: « [Perguntada sobre se a “cabine do polimento” é fechada como uma cabine telefónica] Não. (…) Ela não é fechada totalmente. É fechada do lado da raspa e dos dois lados; é aberta depois do outro lado. Nós conseguimos ver a pessoa, portanto, virado o carrossel assim, nós virados para ali conseguimos ver a pessoa. Ela não fica fechada lá dentro. (…) Está tudo situado no carrossel.».

7 Vide o depoimento da testemunha EE, em 18-05-2021, entre as 15:10:39 e as 15:45:48, gravado no ficheiro 20210518151039_3692192_2870950.wma, de [16:22] a [18:52]: « Aquilo que eu conheço é… (…) Por de trás é tudo aberto. (…) A cabine, acho que é só no sopro que há cabine – no sopro, onde as peças são sopradas. De resto não é fechada para ninguém, acho eu. [Perguntada se o polimento tem as mesmas condições que as da zona onde a testemunha exerce as suas funções de vidradora] Sim, mais ou menos. Não sei se isso já foi mudado há pouco tempo, mas acho que é mais ou menos isso. [Na altura em que a Autora lá trabalhava] Aquilo era tudo aberto por trás, não era nada tapado. [Perguntada se não havia uns separadores laterais no posto de trabalho da Autora] Penso que não.».

8 Vide o depoimento da testemunha FF, em 09-03-2022, entre as 10:35:27 e as 11:07:44, gravado no ficheiro 20220309103527_3692192_2870950.wma, de [14:08] a [15:20]: « [ Perguntado se o carrossel era fechado] Não. [Perguntado se o carrossel estava no meio da nave fabril] Exactamente. (…) Tem um ponto de trabalho, que não é de polimento, onde se faz um sopro para garantir que não fica pó nenhum – mas depois de ter feito aspirações e o trabalho anterior – antes da inspecção, para garantir que não fique pó nenhum que passe para a fase seguinte. (…) Tudo isso é aberto.».

9 Vide o depoimento da testemunha CC, em 18-05-2021, entre as 11:29:44 e as 12:38:24, gravado no ficheiro 20210518112943_3692192_2870950.wma, de [01:05:36] a [01:07:04]: « Na zona do sopro, que era completamente aberto, portanto, era o carrossel aberto, foi cabinado com sistemas de sucção muito mais potentes para evitar que o pó se alastrasse para os trabalhadores que estavam contíguos à zona do sopro. (…) Fazer extracção num espaço aberto é impossível, porque vamos extrair a todo o lado. A extracção para ser eficiente tem de ser localizada, por isso é que temos o aspirador (…). Tem de ser local, para ser eficiente. Então foi cabinada a zona de sopro. A outra zona – antes dessa zona em que as senhoras fazem o polimento das peças – foi criada uma zona também de sopro com extração… Para quê? Para que quando chegasse à zona das pessoas, onde elas fazem o acabamento das peças, a peça já fosse com menos pó possível. Portanto, efectivamente, ao longo dos anos, foram feitas alterações.».

10 Vide o depoimento da testemunha DD, em 18-05-2021, entre as 14:32:56 e as 15:09:58, gravado no ficheiro 20210518143256_3692192_2870950.wma, de [11:58] a [12:42]: « Depois também há uma outra cabine – que essa é toda fechada – que é a cabine do sopro, onde as peças são sopradas para tirar o pó, que foi feito [ininteligível]. [Perguntada se já era assim em 2007 e 2008] Era.».

11 Vide o depoimento da testemunha EE, em 18-05-2021, entre as 15:10:39 e as 15:45:48, gravado no ficheiro 20210518151039_3692192_2870950.wma, de [17:40] a [18:59]: « A cabine, acho que é só no sopro que há cabine – no sopro, onde as peças são sopradas. De resto não é fechada para ninguém, acho eu. (…) [Perguntada se o que existe como “cabine” é apenas a “cabine do sopro”] Sim, sim.».

12 Vide o depoimento da testemunha FF, em 09-03-2022, entre as 10:35:27 e as 11:07:44, gravado no ficheiro 20220309103527_3692192_2870950.wma, de [14:20] a [14:52]: « Tem um ponto de trabalho, que não é de polimento, onde se faz um sopro para garantir que não fica pó nenhum – mas depois de ter feito aspirações e o trabalho anterior – antes da inspecção, para garantir que não fique pó nenhum que passe para a fase seguinte. [Perguntado se essa parte do sopro é que é na tal cabine] Exactamente, sim.».

13 Vide o depoimento da testemunha GG, em 09-03-2022, entre as 11:08:30 e as 11:51:33, gravado no ficheiro 20220309110830_3692192_2870950.wma, de [20:10] a [20:20]: « [Perguntado se a tarefa do sopro é já feita na “cabine” fechada] É isso, exactamente.»

14 Vide o depoimento da testemunha GG, em 09-03-2022, entre as 11:08:30 e as 11:51:33, gravado no ficheiro 20220309110830_3692192_2870950.wma, de [02:39] a [09:48]: « (…) a própria empresa vai adoptando o melhor que o mercado que lhe consegue ceder de soluções para ajudar as pessoas no seu posto de trabalho. Portanto, nestes 26 anos o que tenho assistido da responsabilidade da empresa e verificado é sempre uma preocupação de dar aos trabalhadores as melhores condições quer em equipamento quer em equipamento de protecção. Portanto, as duas coisas. (…) Nessa altura [de 2005 e 2006], lá está, é uma situação que era o melhor que tínhamos no mercado, era a máscara P2 – salvo erro – que era aquela que garante um nível de filtragem às poeiras que evita, digamos, o prejuízo da saúde da pessoa.».

15 Vide o depoimento da testemunha CC, em 18-05-2021, entre as 11:29:44 e as 12:38:24, gravado no ficheiro 20210518112943_3692192_2870950.wma, de [01:05:36] a [01:08:27]: « (…) Eu vou-lhe dizer o que foi feito. Na zona do sopro, que era completamente aberto, portanto, era o carrossel aberto, foi cabinado com sistemas de sucção muito mais potentes para evitar que o pó se alastrasse para os trabalhadores que estavam contíguos à zona do sopro. (…) Fazer extracção num espaço aberto é impossível, porque vamos extrair a todo o lado. A extração para ser eficiente tem de ser localizada, por isso é que temos o aspirador (…). Tem de ser local, para ser eficiente. Então foi cabinada a zona de sopro. A outra zona – antes dessa zona em que as senhoras fazem o polimento das peças – foi criada uma zona também de sopro com extracção… Para quê? Para que quando chegasse à zona das pessoas, onde elas fazem o acabamento das peças, a peça já fosse com menos pó possível. Portanto, efectivamente, ao longo dos anos, foram feitas alterações. Agora, se me disser assim: “Então, mas essas alterações e essas melhorias, conseguiu medi-las?” ou “No relatório seguinte, isso se viu?” Não! Nos relatórios seguintes… hoje, se for ver os relatórios, se calhar continua lá estar escrito: “Tem que se melhorar”, “Tem que se melhorar”, porque tem que se melhorar sempre. Vai-se ter que melhorar sempre. (…) [Perguntado sobre quando é que os sistemas cabinados foram instalados] Não me lembro, em termo temporal, se… essas cabines, fui eu que fiz. Portanto, se fui eu que fiz, foi posterior a 2004. Agora, se foi na altura em que a senhora estava ou não estava, não lhe consigo dizer.».

16 Vide o depoimento da testemunha GG, em 09-03-2022, entre as 11:08:30 e as 11:51:33, gravado no ficheiro 20220309110830_3692192_2870950.wma, de [29:58] a [32:35]: « [Perguntado sobre se nos anos de 2006, 2007 e 2008 foi feito algum investimento nos sistemas de aspiração e exaustão] Essa cabine em concreto nós colocámos logo lá mais um ventilador, ou seja, nós nessa cabine temos um ventilador mais um outro ventilador adicional. (…) Estamos a falar da cabine de sopro automático e aspiração, ou seja, há uma cabine na curva que faz o sopro automático e é antes dessa cabine que o posto de trabalho – vamos dizer, em causa, que estamos a falar – existia. E é nessa cabine que nós tivemos lá mais, pusemos lá mais um segundo ventilador logo de reforço para diminuir… (…) [Perguntado se houve necessidade de introduzir algum aspirador ou ventilador no local onde estava Autora] Não, esta solução foi a solução melhor que encontrámos. [Esta solução que era a chaminé, que era a cortina] E o segundo ventilador na cabine. (…) Abrange a área onde se fazia o polimento – se faz ainda, o polimento automático.».

17 Vide o depoimento da testemunha HH, em 18-05-2021, entre as 13:42:47 e as 13:53:27, gravado no ficheiro 20210518134247_3692192_2870950.wma, de [06:07] a [07:54]: « (…) Os dados que existem é dos exames de aptidão, de vigilância médica. Portanto, e há a referência de que foi feita a comunicação às doenças profissionais. E o nosso papel, como médico de trabalho… (…) Quem faz a comunicação nesse âmbito, porque aqui é chamado um pouco a… é quem está na área, a quem é distribuído é ao colega da medicina do trabalho. Se não houvesse ninguém, seria da minha parte – se não tivesse alguém na área da especialidade a desempenhar tal serviço – qualquer médico, no exercício da sua profissão, tem o dever de fazer a comunicação às doenças profissionais. (…) Mesmo em caso de suspeição não documentada! Naquele caso, era baseado num rastreio que a R..., S.A. mandava efectuar, e continuamos a fazer, com periodicidade adequada relativamente à pesquisa destas circunstâncias. Uma vez que é… [Perguntado sobre a periodicidade com que faziam o rastreio] 2 anos. 2 anos, nós fazemos isso. (…) 2 em 2 anos. E depois ficamos sempre dependentes da resposta dos serviços públicos na recepção do rastreio radiográfico.».

18 Vide o depoimento da testemunha II, em 18-05-2021, entre as 10:54:13 e as 11:27:47, gravado no ficheiro 20210518105413_3692192_2870950.wma, de [29:58] a [31:05]: « [Perguntado acerca da medida imediata adoptada pela empresa para trabalhadores a quem era detectado um problema de saúde como o dos autos] (…) era colocar a pessoa num outro posto de trabalho indicado pelo médico. Isto é sempre um processo liderado pelo médico, ok? Eu sou informado e mediante essa informação, procuro articular também com o técnico de segurança, de alguma forma, o melhor sítio onde a gente pode colocar a pessoa. (…) Logo que há suspeita! Logo que alguma dessas situações possa acontecer – e pode acontecer a qualquer um. Ás vezes pode ter algum tipo de mancha, qualquer duvida, nós agimos logo preventivamente nesse caso concreto.».


***

IV – A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:

1) A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à fabricação e comercialização de todos os tipos de máquinas para instalações de aquecimentos, refrigeração, frio e processos industriais, bem como aos seus acessórios e componentes bem como à fabricação e comercialização de artigos sanitários, pavimentos e revestimentos.

2) A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 12.06.1995, para exercer, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização desta as funções correspondentes a diversas categorias profissionais nomeadamente a de “carrocel”.

3) Tendo celebrado, por escrito, o respectivo contrato de trabalho a termo certo, por um período de 12 meses, o qual se renovou automaticamente até à sua cessação, em 31.12.2008.

4) Concretamente, a Autora desempenhava as funções inerentes à categoria profissional de “acabadora de 1ª”, competindo-lhe acabar peças cerâmicas à máquina ou à mão, em cru ou cozidas, podendo compô-las e, no que respeita às loiças sanitárias, competia-lhe acabar as peças de sanitário provenientes de fabrico semiautomático, preparando-as para serem vidradas, tudo nos termos do anexo II-A do CCT aplicável ao sector, publicado no BTE 1.ª série, n.º 32, de 29/08/2007.

5) A Autora polia as loiças sanitárias, esfregando o barro em cru, desempenhando a sua actividade, desde a data da celebração do contrato de trabalho e até à sua cessação, na vidragem das loiças sanitárias, denominada “secção de carrocel”.

6) Nessa secção desempenhavam funções cerca de 15 trabalhadores, na qual, depois de as peças de olaria serem trazidas e carregadas para o carrocel, havia quatro tarefas distintas: a raspagem, o polimento à mão e o polimento à máquina, o sopro das peças pelo pote, após o qual a peça era inspeccionada por duas trabalhadoras para ser vidrada, antes de ser descarregada para ir cozer no forno.

7) Quando começou a desempenhar a sua actividade a Autora polia as peças à mão, tendo passado a trabalhar, em finais de 2006, com uma máquina polidora.

8) A Ré comunicou à Autora, quando esta começou a desempenhar a sua actividade, que devia usar sempre máscara, em face dos perigos com a inalação dos pós.

9) Tendo dado formação para o seu uso, designadamente em 2004, denominada “1ª Acção do 1º Curso de Formação no âmbito POEFDS, EIXO 2, MEDIDA 2.1, TIPOLOGIA PROJECTO 2.1.2, ACÇÃO TIPO 2.1.2.1 – Produzir com qualidade em segurança”, com a duração e 36 horas e que decorreu de 19 de Junho de 2004 a 13 de Julho de 2004.

10) Nessa acção de formação foram abordados os seguintes conteúdos: Igualdade de oportunidades, desenvolvimento e cidadania; sensibilização ambiental, higiene e segurança no local de trabalho, métodos e tempos de trabalho, qualidade no trabalho e tecnologia cerâmica.

11) A Autora terminou o curso de formação com “Bom Aproveitamento”.

12) A Ré adoptou serviços internos de segurança e saúde no trabalho.

13) A Autora fazia regularmente os exames de saúde nos serviços de segurança e saúde da Ré.

14) No início de 2007 ao efectuar uma raio-x, numa das consultas, o médico do trabalho da Ré comunicou-lhe a existência de uma mancha nos pulmões.

15) Até essa data a Autora apenas sentia cansaço e falta de ar quando fazia grandes esforços.

16) A Autora e a Ré cessaram o contrato de trabalho por mútuo acordo em 31/12/2008.

17) Em Fevereiro de 2009 a Autora efectuou uma biópsia pulmonar cirúrgica, para cuja realização esteve internada durante cinco dias, e da qual resultou que a mesma padece da doença denominada pneumoconiose por silicatos.

18) Os principais sintomas desta doença são: tosse persistente; dispneia persistente que se agrava com o esforço; alterações do estado geral e cansaço fácil; dificuldades respiratórias.

19) Depois da cirurgia a Autora ficou com muitas dores e, actualmente, ainda sofre uma dor estranha, denominada dor fantasma.

20) Com o resultado da biopsia dirigiu-se à Ré, a qual preencheu o requerimento de protecção na doença profissional e a remeteu ao Centro Nacional de Doenças Profissionais, em Junho de 2009.

21) A doença da Autora foi identificada como doença profissional em 16 de Março de 2012.

22) Tendo-lhe sido reconhecida uma incapacidade permanente parcial de 5%, à qual correspondia uma pensão no valor mensal de € 16,73.

23) Como resultado da doença a Autora apresenta sequelas “macro” derivadas dos antecedentes de pneumotórax e da intervenção cirúrgica com fins diagnósticos que efectuou, bem como sequelas “micro” por atingimento do interstício pulmonar e que têm um efeito directo sobre as trocas gasosas, levando à hipoxemia (baixa do oxigénio do sangue) progressiva e à dessaturação arterial para mínimos esforços e que conduzirá progressivamente à perda de autonomia para as actividades da vida diária.

24) A patologia que a Autora apresenta aumenta o risco de tuberculose e outras infecções, doenças auto-imunes (como a artrite reumatoide), DPOC ou cancro do pulmão, podendo contrair facilmente gripes, apresentando-se como provável a sua morte precoce.

25) A doença da Autora tenderá a agravar-se, sendo altamente provável a sua perda de autonomia.

26) A Autora desempenhou actividade no Centro Social e Paroquial de ... entre 2010 e 2012, tendo cessado esta actividade por não aguentar com o esforço.

27) A Autora está impedida de desempenhar qualquer actividade profissional que implique esforço, podendo, durante algum tempo, executar uma actividade de secretária, que não implique atendimento ao público.

28) Se andar mais depressa ou com algum peso, a Autora sente dificuldade em respirar.

29) A Autora contrai facilmente gripes e tosse com frequência.

30) A Autora cansa-se facilmente quando executa alguma tarefa doméstica, tendo de fazer devagar e com intervalos.

31) Assusta-se com a dispneia e sofre com a preocupação que o marido e as filhas sentem.

32) Por força da doença tem de usar, com frequência, um inalador.

33) Teve de abandonar a capoeira onde tinha galinhas.

34) Tem que comparecer em consultas de acompanhamento, quer pelo seu médico de família, quer ainda pelo Centro Hospitalar ....

35) Já teve de efectuar várias TAC’s, broncofibroscopias, análises bioquímicas, radiologias, ECG’s, provas de função respiratória, ecocardiografias, tomografias e ressonâncias magnéticas.

36) O local onde a Autora laborava tratava-se de um espaço aberto.

37) Nas instalações da Ré encontram-se permanentemente dois técnicos electricistas, que asseguram diariamente o funcionamento dos equipamentos, nomeadamente do sistema de aspiração e extracção de poeiras.

38) No posto de trabalho da Autora existia e existe um chefe de equipa para cada carrossel e um encarregado, os quais supervisionam os equipamentos e os funcionários.

39) A aquisição da máquina polidora teve em vista minimizar o esforço inerente aos movimentos repetitivos que os trabalhadores tinham de fazer com o polimento à mão.

40) A máquina polidora permitia efectuar menos movimentos repetitivos em esforço.

41) Com a sua introdução a Ré procurou minimizar a ocorrência de outras doenças profissionais, como as tendinites.

42) A Ré procede regularmente a uma avaliação da exposição dos trabalhadores a poeiras, sejam totais, respiráveis ou sílica cristalina livre.

43) A Ré requer, anualmente, a uma entidade externa a avaliação das poeiras, nomeadamente no posto de trabalho da Autora.

44) Em 2006 e 2007 o Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV) efectuou essa avaliação tendo em vista a determinação de teores de poeiras em locais de trabalho.

45) Concluindo-se, no relatório datado de 13/06/2006, com base nas amostragens de 15 e 16 de Setembro de 2015, de 23 de Janeiro e 29 de Março de 2006, que não foi detectado teor de sílica livre cristalina, nomeadamente nos carroceis.

46) Por forma a reduzir o teor de poeiras na empresa o CTCV recomendou à Ré, nomeadamente as seguintes medidas: “- nas operações de limpeza, os trabalhadores devem evitar varrer pois desta forma origina-se um elevado teor de partículas no ambiente de trabalho; - melhorar o sistema de captação de poeiras nomeadamente nos carroceis (zona de raspagem e vidragem de peças); - evitar operações de sopragem de peças, se possível recorrendo à aspiração; - distribuir aos trabalhadores dos postos de trabalho com elevados níveis de poeiras, nomeadamente aquando operações como sopragem de moldes, equipamentos de protecção individual (EPI’s) (máscaras de protecção para as vias respiratórias com filtros do tipo P2 – de acordo com a EN 149:2001) enquanto os sistemas de captação de poeiras não forem colocados ou optimizados.”

47) Concluindo-se, no relatório datado de 10/05/2007, com base nas amostragens de 19, 20, 23, 30 e 31 de Outubro e 7 de Dezembro de 2006, que foram apresentados teores de sílica livre cristalina nalguns postos de trabalho, tendo sido recomendada nova medição no posto de trabalho Carrocel 2 L2 porquanto os teores medidos de partículas insolúveis – fracção respirável e de sílica livre cristalina eram elevados.

48) Em 2007, a Ré indicou como Equipamento de Protecção Individual obrigatório para o posto de trabalho da Autora a máscara de protecção com filtros do tipo FFP2, máscara que a Autora usava.

49) Em 2006, 2007 e 2008 a Ré adoptou um sistema de captação de poeiras com aspiração localizada (sistema de extracção) e cortinas de água.

50) À medida que era avaliado o grau de exposição e de risco a Ré avaliava e adoptava sistemas de protecção dos trabalhadores, quer de forma colectiva, quer de forma individual.

51) A Ré tem vindo a acompanhar a actualização dos limites de exposição, adoptando medidas mais eficazes no controlo e risco de exposição a poeiras, nomeadamente uma máscara motorizada filtrante, com capuz, mais recente, e que reduz o risco de exposição às poeiras.

52) Além de manter o seu serviço de medicina no trabalho, providenciando a realização de consultas de medicina no trabalho, providencia pela realização de exames auxiliares de diagnóstico, nomeadamente espirometrias em todos os exames de medicina no trabalho.

53) E efectua raio-x torácico, de dois em dois anos, como sucedia com a Autora, enquanto trabalhou na Ré.

54) Os encarregados e chefes de equipa faziam e continuam a fazer um acompanhamento diário da utilização dos EPI’s pelos trabalhadores, assegurando a obrigatoriedade da sua utilização

Factos Não Provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para decisão final deste processo, para além ou em contradição com os factos dados como provados, nomeadamente que:

a) A Ré nunca explicou os riscos para a saúde da inalação das poeiras.

b) Quando a Autora passou a trabalhar com a máquina polidora, em 2006, foi colocada numa cabine, fechada dos lados.

c) O extractor existente não puxava o ar e havia alturas em que nem sequer funcionava.

d) A Autora mal conseguia ver o que fazia, apalpando com a mão para ver se a peça tinha defeitos.

e) A Autora chegou a comunicar à Ré o referido em c) e d).

f) A verificação periódica do extractor não era efectuada e só quando deixava de funcionar é que chamavam os electricistas.

g) Ninguém conseguia ver a Autora no meio da poeira.

h) Quando havia visitas inspectivas da ACT, o Engenheiro mandava não utilizar a máquina polidora e fazerem o polimento à mão, como antigamente.

i) A Ré nunca explicou exactamente o tipo de pó que era libertado com a polição das peças, nem os riscos e perigos da sua inalação para a saúde.

j) O médico do trabalho referiu à Autora que a mancha detectada nos pulmões da Autora se devia à exposição às poeiras libertadas com a polição das peças.

k) E comunicou-lhe que não era caso para baixa médica e que devia continuar a trabalhar até ser chamada pelo médico do seguro da empresa.

l) Na acção de formação referida em 10) a Ré informou a Autora especificamente da possibilidade das poeiras conterem “sílica cristalina livre”.


***

V - Conforme decorre das conclusões da alegação do recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso as questões a decidir podem equacionar-se do seguinte modo:

1. Se a matéria de facto deve ser alterada.

2. Se autora tem direito à reclamada indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Da alteração da matéria de facto:

(…).

Da indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais:

A autora recorrente assentou o seu pedido numa pretensa falta de condições de trabalho com origem no incumprimento de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho a que a Ré, na qualidade de entidade empregadora estava sujeita, arrogando-se titular do direito a ser ressarcida pelos danos sofridos decorrentes da doença profissional ao abrigo da responsabilidade civil por factos ilícitos, nos termos do disposto no art.º 483.º do Código Civil.

Contudo, foi no âmbito da execução do contrato trabalho que se verificou o alegado incumprimento por parte da ré das regaras sobre segurança e higiene no trabalho.

Encontramo-nos no domínio da responsabilidade contratual/obrigacional, e já não da responsabilidade extracontratual ou aquiliana.

Isso mesmo foi decidido no acórdão desta Relação que tratou da questão da prescrição e que, posteriormente, foi confirmado pelo STJ, do qual decorre que quendo concomitantemente determinado comportamento possa gerar responsabilidade contratual e extracontratual “ em regra, a jurisprudência aplica o princípio da consunção, de acordo com o qual o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual

Assente que, no caso, é aplicável o regime da responsabilidade civil contratual[1] não tem aplicação, ao contrário do pretendido pela autora, o disposto no artº 493º nº 2 do CC no que respeita ao exercício de actividades perigosas pela sua natureza.

Este tipo de responsabilidade (art.ºs 798.º e ss do cc.), conforme se dá nota na sentença assenta na verificação dos seguintes pressupostos: facto voluntário (por regra, trata-se de uma omissão e, no caso vertente, trata-se da omissão por parte da Ré das medidas necessárias para evitar que a exposição da Autora às poeiras originasse a doença profissional de que padece); a ilicitude (que se traduz na violação de normas legais, ou seja, numa desconformidade entre aquilo que deveria ter sido feito e não foi), a culpa (que pode assumir-se como dolo ou negligência), o nexo de causalidade entre o facto sucedido e o dano provocado e o dano. Em matéria de responsabilidade civil contratual não está o Autor dispensado de alegar a factualidade integrante da acção ou omissão, mas já terá facilitada a matéria relativa à culpa, posto que, como se sabe, neste domínio existe o princípio da inversão do ónus da prova da culpa consagrado, entre nós, no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil”,

Assim competia à Autora alegar, e provar, factos que permitam concluir que a Ré omitiu alguma das suas obrigações nomeadamente falta de informação/formação acerca dos riscos a que a Autora estava sujeita no seu local de trabalho e/ou a falta de implementação dos mecanismos que evitassem a exposição da Autora à sílica (livre) cristalina, substância que é susceptível de provocar a doença profissional de que padece a Autora

Ora conforme se escreveu na sentença: “de acordo com a factualidade provada, temos que a Ré comunicou à Autora, quando esta começou a desempenhar a sua actividade, que devia usar sempre máscara, em face dos perigos com a inalação dos pós, tendo dado formação para o seu uso, designadamente em 2004, denominada “1ª Acção do 1º Curso de Formação no âmbito POEFDS, EIXO 2, MEDIDA 2.1, TIPOLOGIA PROJECTO 2.1.2, ACÇÃO TIPO 2.1.2.1 – Produzir com qualidade em segurança”. Nessa acção de formação foram abordados conteúdos que incluíam, entre outros, a higiene e segurança no local de trabalho e métodos e tempos de trabalho. Quanto a este equipamento de protecção individual, provou-se também que em 2007, a Ré indicou como Equipamento de Protecção Individual obrigatório para o posto de trabalho da Autora a máscara de protecção com filtros do tipo FFP2, máscara que a Autora usava. Contrariamente ao alegado pela Autora – de que foi colocada a trabalhar numa cabine, em 2006, fechada dos lados – provou-se que o local onde laborava tratava-se de um espaço aberto, sendo que em 2006, 2007 e 2008 a Ré adoptou um sistema de captação de poeiras com aspiração localizada (sistema de extracção) e cortinas de água. Provou-se também que nas instalações da Ré encontram-se permanentemente dois técnicos electricistas, que asseguram diariamente o funcionamento dos equipamentos, nomeadamente do sistema de aspiração e extracção de poeiras, sendo que no posto de trabalho da Autora existia e existe um chefe de equipa para cada carrossel e um encarregado, os quais supervisionam os equipamentos e os funcionários. A factualidade provada revela ainda que à medida que era avaliado o grau de exposição e de risco a Ré avaliava e adoptava sistemas de protecção dos trabalhadores, quer de forma colectiva, quer de forma individual. Por outro lado, a Ré tem vindo a acompanhar a actualização dos limites de exposição, adoptando medidas mais eficazes no controlo e risco de exposição a poeiras, nomeadamente uma máscara motorizada filtrante, com capuz, mais recente, e que reduz o risco de exposição às poeiras. Provou-se ainda que a Ré procede regularmente a uma avaliação da exposição dos trabalhadores a poeiras, sejam totais, respiráveis ou sílica cristalina livre e requer, anualmente, a uma entidade externa a avaliação das poeiras, nomeadamente no posto de trabalho da Autora, sendo que em 2006 e 2007 o Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV) efectuou essa avaliação tendo em vista a determinação de teores de poeiras em locais de trabalho. Ficou ainda demonstrado que a Ré, além de manter o seu serviço de medicina no trabalho, providenciando a realização de consultas de medicina no trabalho, providencia pela realização de exames auxiliares de diagnóstico, nomeadamente espirometrias em todos os exames de medicina no trabalho e efectua raio-x torácico, de dois em dois anos, como sucedia com a Autora, enquanto trabalhou na Ré. Resulta dos autos que no início de 2007, ao efectuar uma raio-x, numa das consultas, o médico do trabalho da Ré comunicou-lhe a existência de uma mancha nos pulmões e em Fevereiro de 2009 a Autora efectuou uma biopsia pulmonar cirúrgica da qual resultou que a mesma padece da doença denominada pneumoconiose por silicatos, que foi identificada como doença profissional em 16/03/2012.

 À luz da experiência comum tendemos a considerar que a doença de que padece foi ocasionada pela exposição, no local de trabalho, a poeiras contendo sílica cristalina livre. Todavia, a mera verificação desta doença e dos danos decorrentes da mesma, no âmbito da relação laboral, não faz presumir a violação dos deveres pela Ré, precisamente porque a actividade em causa comporta evidentes riscos, sendo as pretensões indemnizatórias reclamáveis perante o Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais. Cremos que a alegação da Autora no sentido de nunca lhe ter sido explicado que as poeiras poderiam causar doenças, concretamente a doença de que é portadora, não faz sentido uma vez que sempre lhe foi recomendada a utilização de máscara, o que evidencia os perigos da inalação do pó (como referiu a Autora foi-lhe recomendada a sua utilização em face dos perigos da inalação das poeiras, conforme a mesma refere).

Tudo para significar que para que a Autora pudesse ter direito a indemnização teria de demonstrar que a Ré infringiu disposições legais que lhe impunham a tomada de medidas, que não tomou. Do alegado pela Autora não ficou demonstrado que o extractor não puxava o ar e que por vezes nem sequer funcionava; que mal conseguia ver o que fazia, apalpando com a mão para ver se a peça tinha defeitos; que chegou a comunicar à Ré eventuais avarias ou o mau funcionamento do extractor; que a verificação periódica do extractor não era efectuada e só quando deixava de funcionar é que chamavam os electricistas; que ninguém conseguia ver a Autora no meio da poeira ou que quando havia visitas inspectivas da ACT, o Engenheiro mandava não utilizar a máquina polidora e fazerem o polimento à mão, como antigamente. Dos autos não resulta que a Ré tenha tido um comportamento ou um grau de diligência inferior ao padrão do bom pai de família. A conclusão a que se chega não é infirmada pelo teor dos relatórios do CCTV. No primeiro concluiu-se que não foi detectado teor de sílica livre cristalina, nomeadamente nos carroceis, tendo aquele CTCV recomendado à Ré algumas medidas, nomeadamente aquando operações como sopragem de moldes (que não era tarefa da Autora), equipamentos de protecção individual (EPI’s) (máscaras de protecção para as vias respiratórias com filtros do tipo P2 – de acordo com a EN 149:2001) enquanto os sistemas de captação de poeiras não forem colocados ou optimizados. No segundo relatório foram apresentados teores de sílica livre cristalina nalguns postos de trabalho e foi recomendada nova medição no posto de trabalho Carrocel 2 L2 porquanto os teores medidos de partículas insolúveis – fracção respirável e de sílica livre cristalina eram elevados. Parece-nos insustentável que a Ré pudesse eliminar qualquer vestígio deste componente nas suas instalações. Aquilo que pode questionar-se é se, de entre as várias medidas que tinha ao seu dispor para minimizar os riscos para a saúde dos seus trabalhadores, a Ré as adoptou (ou não) e, no caso vertente, afigura-se que sim”. 

Subscrevemos integralmente e sem reservas este enquadramento.

Com efeito, tal como refere a ré, da factualidade provada [cfr. factos provados 8), 9), 10), 12), 13), 37) a 49), e 50) a 54)] comprova-se que esta avaliava os riscos profissionais e verificava a existência de agentes perigosos nos locais de trabalho, nomeadamente através da medição frequente da exposição dos trabalhadores; aplicava e adaptava continuamente medidas de protecção, prevenção e acompanhamento, com vista a reduzir aqueles riscos ou, quando possível, eliminá-los completamente; prestava informações e formação profissional a todos os trabalhadores acerca destes riscos e perigos profissionais, bem como acerca das respectivas medidas protectivas e preventivas, vigiava continuamente a saúde dos trabalhadores expostos através de um serviço interno de segurança e saúde no trabalho devidamente organizado.

Não se vê, assim, com que base a Autora acusa a Ré de inobservância de deveres gerais e específicos no domínio da segurança e saúde no trabalho.

Como se sabe e é natural não é possível eliminar-se completamente os riscos de exposição a poeiras.

Todo o trabalho importa riscos, os quais são totalmente impossíveis de eliminar por mais que se utilizem os meios mais modernos de protecção individual e colectiva.

Tendemos também a considerar que a doença de que autora padece foi ocasionada pela exposição, no local de trabalho, a poeiras contendo sílica cristalina livre, mas daí não decorre que a ré possa nos termos expostos ser responsabilizada por isso.


***

VI – Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada.

*

Custas a cargo da apelante.

*

Sumário:

(…).


*

Coimbra, 27 de Janeiro de 2023

*

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)

(Luís Miguel Ferreira de Azevedo Mendes)




[1] No âmbito da tutela infortunística, assente na responsabilidade objectiva alicerçada na teoria do risco da autoridade, a responsabilidade subjectiva agravada encontra-se prevista no art. 18.º da Lei n.º 98/2009 e no art. 18.º da Lei n.º 100/97 a qual permite a reparação de todos os danos sofridos desde que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil nos termos gerais.