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PRESSUPOSTOS DO PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO
CONVOCATÓRIA PARA ASSEMBLEIA GERAL
NOVO MEIO DE PROVA
Sumário
I - São três os pressupostos para a procedência do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais: - a qualidade de associado ou sócio do requerente; - a tomada de deliberação por associação ou sociedade contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato; - a existência de dano apreciável na execução da deliberação. II - À convocatória para uma assembleia geral de uma sociedade comercial aplica-se o disposto nos n.ºs 1 e 2 art.º 224º do CC, como decorre do disposto no art.º 295º do CC. III - Sendo enviada uma carta registada, e sendo a mesma devolvida com as menções de que aquando da distribuição “Não atendeu”, “Avisado” e “Objecto não reclamado”, a declaração que dela consta será, em principio, eficaz, á luz do disposto no art.º 224º n.º 2 do CC, ou seja, produzirá o efeito a que tendia porque o declarante fez tudo o que estava ao seu alcance fazer para que a carta chegasse ao seu destinatário, não tendo: 1) qualquer intervenção ou interferência nos serviços postais; 2) e não tendo o mesmo que saber o que se passa no circulo de actividade do destinatário, pelo que há-de presumir-se, face àqueles elementos e de acordo com as regras da experiência e normalidade, que a carta não foi recebida por culpa do destinatário. IV – No entanto, o destinatário é admitido a alegar e provar que não recebeu a carta porque, nomeadamente os Correios ... não deixaram aviso para levantar a carta na estação dos correios porque que se trata de um facto impeditivo da eficácia da declaração, nos termos do n.º 2 do art.º 224º, que ocorre na sua esfera de influência, no seu circulo de actividade, não sendo, por isso, razoável impor-se ao declarante tal prova. V - A demonstração de que a execução da deliberação pode causar dano apreciável, impõe a alegação de factos concretos que permitam aferir a existência de prejuízos e da correspondente gravidade, não sendo suficiente, para o efeito, a mera alegação de juízos de valor, conjecturas, receios não fundamentados ou conclusões. VI - Há que distinguir o documento electrónico original das suas reproduções (o que se vê no ecrã do computador) e das suas cópias, ou, mais rigorosamente, da impressão do que é visualizado no ecrã e a que se refere o n.º 11 do art.º 3º do DL 12/2021. VII - No âmbito de um procedimento cautelar que tem vários pressupostos, não faz sentido ordenar a produção de um novo meio de prova ( art.º 662º n.º 2, alínea b) do CPC) tendente a apurar um dos pressupostos, se concluir pela inverificação de outro, que dita a improcedência daquele.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
1. Relatório AA intentou contra a Sociedade Agrícola do ..., Ld.ª,procedimento cautelar de suspensão de deliberação social pedindo seja declarada a suspensão da execução da deliberação de nomeação de gerente tomada na assembleia geral de 20.12.2021, registada pela Insc. 9, AP. ...30.
Alegou para tanto e em síntese que a requerida tem o capital social de € 80.000,00, representado por 5 quotas, sendo uma de € 75.000,00, pertencente a BB, CC, DD e AA, em comum e sem determinação de parte ou direito, outra de € 3.500,00, pertencente a BB, CC, DD e AA, em comum e sem determinação de parte ou direito, outra de € 500,00, pertencente a CC, outra de € 500,00, pertencente a DD e outra de € 500,00, pertencente a AA.
As quotas de € 75.000,00 e de € 3.500,00, representativas de, respectivamente, 93,75% e 4,375%, do capital social da sociedade, foram transmitidas para as cotitulares da mesma por morte do seu titular original, EE, pai de CC, DD e AA e marido de BB.
No dia .../.../2021, em virtude do falecimento de BB, mãe das sócias CC e DD, estas procederam ao registo da transmissão de posição de herdeiro daquela, tendo as quotas de € 75.000,00 e € 3.500,00, passado a pertencer a CC, DD e AA, em comum e sem determinação de parte ou direito.
Ambas as quotas/partes são representadas por AA, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa de EE.
No dia 10 de dezembro 2021, a Requerente enviou às demais sócias da sociedade convocatória para assembleia-geral.
A 5 de janeiro de 2022, a Requerente recebeu um e-mail em que as demais sócias informavam que não lhe reconheciam representatividade, enquanto cabeça de casal, da quota representativa de 93,75% da sociedade, nem para emitir convocatórias para realização de assembleias gerais da sociedade.
Por consulta casual da certidão permanente da empresa, a 31.01.2022 a Requerente teve conhecimento que no dia 20.12.2021. reuniram em assembleia geral as sócias CC e DD, que deliberaram a nomeação de CC para o cargo de gerente.
A Requerente não recebeu qualquer convocatória e/ou aviso de receção na sua caixa postal, sendo falso que qualquer comunicação nesse sentido lhe tenha sido dirigida.
Nos termos do disposto no artigo 56.º n.º 1 al. a) do CSC, a deliberação em causa é nula por ter sido tomada em assembleia geral não convocada.
Não tendo estado presente a sócia que representa as quotas de € 75.000,00, e de € 3.500,00, não havia o quórum necessário, quer para a assembleia se constituir, quer para deliberar.
A actuação das sócias CC e DD visa o assalto ao poder da sociedade, sempre no intuito de prosseguir interesses pessoais; agem movidas pela vontade única de obter proveitos indevidos e, em último caso, devastar a sociedade, já que, obrigando-se a mesma com duas assinaturas, tudo ficará ao alcance das mesmas.
O objecto social da sociedade é a gestão de bens mobiliários e imobiliários, sendo proprietária de bens imóveis e obras de arte, que não demorará muito a ser dissipado caso a sociedade se continue a vincular apenas com as assinaturas de um lado da família, quando é outro que, por força legal, assume as funções de representante das quotas por via do cabecalato.
É muito fácil às gerentes destruírem a sociedade, celebrando negócios de dissipação do património, o que poderá acontecer de diversas formas, e negócios totalmente ruinosos para a sociedade, como aconteceu com o contrato de cessão de exploração do Convento ..., celebrado no âmbito da gerência de DD e BB, tendo ficado demonstrado que o mesmo foi manifestamente danoso para a requerida; o interesse que aquelas prosseguem não é o da sociedade, mas sim o seu interesse pessoal, que é sempre contrário ao interesse da Requerente; a requerida tem património imobiliário que ascenderá a alguns milhões de euros.
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Citada, a requerida deduziu oposição invocando:
- a falta de pressupostos para o decretamento da providência, alegando, em síntese, que para além da nomeação da nova gerência e respectivo registo obrigatório, nenhuns outros actos foram praticados, nenhum prejuízo se verificou ou verifica e a deliberação foi executada; a requerente especula, conjectura e invoca factos sem qualquer fundamento, sem densidade factual que possam determinar a suspensão da deliberação;
- a prejudicialidade para a causa do inventário que corre termos sob o nº 16/22.... no Juízo de Competência Genérica ..., com vista à partilha dos bens de EE, pai da requerente e das interessadas e sócias CC e DD;
- a caducidade do direito que a Requerente pretende exercer, alegando que a mesma teve conhecimento da Acta no dia 19 de janeiro de 2022, através de correio electrónico enviado para o seu endereço; a requerente foi regularmente convocada para a Assembleia através de carta registada, com aviso de recepção, no dia 25/11/2021, não tendo sido recebida na sua distribuição, nem posteriormente reclamada no prazo de oito dias, apesar de avisada para o efeito; no dia 19/01/2022, através de carta registada, enviada para a morada da requerente, a Acta da Deliberação, não tendo sido recebida na sua distribuição, nem posteriormente reclamada no prazo de oito dias, apesar de avisada para o efeito;
- impugna os factos alegados.
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O tribunal notificou a requerente para responder ás excepções, o que a mesma fez, dizendo:
- quanto á falta de pressupostos, o art.º 380º do CPC encontra-se cumprido;
- quanto á prejudicialidade, a mesma é incompatível com a natureza urgente do procedimento cautelar;
- quanto á caducidade, alega que teve conhecimento do e-mail com a notificação da oposição, o referido e-mail é falso, não foi recebido pela requerente; quanto á convocatória para a assembleia, não foi recebida e nunca apareceu o aviso para levantamento da carta na caixa do correio da morada para onde foi enviada a carta; quanto á carta de 19/01/2022, a requerente encontrava-se de férias e quando regressou e verificou a caixa do correio, já não conseguia levantar a carta.
Terminou requerendo a improcedência da oposição e a notificação dos Correios ... para que indiquem o carteiro que alegadamente terá colocado o aviso na caixa do correio da requerente, para esclarecer o que sucedeu com a referida comunicação.
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O tribunal designou data para a audiência final, pronunciou-se quanto ao depoimento de parte e declarações de parte, nada tendo dito quanto á notificação dos Correios ... requerida pela requerente.
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Após vicissitudes que não relevam, realizou-se a audiência final, tendo sido proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar.
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A requerente interpôs recurso da referida decisão, pedindo seja a mesma substituída por acórdão que determine o decretamento da suspensão da deliberação social, e em consequência determine a total improcedência da oposição apresentada pela Requerida, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. As presentes alegações são apresentadas em virtude do indeferimento do procedimento cautelar de deliberações sociais, por se ter considerado que “não foram suficientemente alegados nem provados factos que demonstrassem a pretendida danosidade da execução da deliberação em sujeito”.
B. O Tribunal entendeu que a Requerida provou que efetuou a convocatória para a Assembleia Geral, e que, por sua vez, a Requerente não provou nunca ter recebido a mesma e que a Requerente não provou quando tomou conhecimento da deliberação tomada em 20.12.2021, bem como não provou os proveitos pessoais que as gerentes retiram da gestão que fazem, nem a dissipação do património da Requerida.
C. Tendo em consideração a prova que foi feita, quer documental, quer testemunhal e por declarações de parte, a Recorrente não se conforma com a valoração da prova que foi feita, pelo que considera que quanto à matéria dada como não provada deverão os 3 factos que a compõem ser considerados factos provados, a que corresponderá uma necessária adaptação da motivação da sentença, bem como da decisão final.
D. Assim, resulta que a decisão do Tribunal a quo é absolutamente contrária à prova que foi produzida, o que levou a um manifesto lapso na elaboração da decisão final.
E. Concretamente, no que respeita ao facto a) foi produzida prova pelas testemunhas indicadas pela Recorrente, tendo resultado claro que nunca apareceu o aviso para levantamento da carta na caixa do correio da morada para a qual foi enviada a convocatória, como, aliás se retira da prova testemunhal feita em audiência de julgamento, pela testemunha FF, que referiu que está a maioria do tempo em casa e que verifica a caixa do correio diariamente. Confirmou também que já aconteceu algumas vezes as cartas serem colocadas em caixas do correio erradas, mas os vizinhos levam sempre uns aos outros.
F. Inclusivamente, confirmou que verifica a caixa do correio diariamente e que o aviso de receção correspondente à convocatória para a assembleia de 20.12.2021 nunca chegou, facto que nunca poderá ser imputável à Requerente, muito menos para efeitos de impugnação das deliberações tomadas.
G. Aliás, se assim fosse significaria que o sócio que não teve conhecimento, sequer, da existência de uma assembleia de sócios tenha o ónus de a impugnar no prazo de 10 dias, o que é absolutamente disparatado, pois nenhum sócio consulta as certidões permanentes das sociedades das quais é sócio de 10 em 10 dias, por muito diligente que seja.
H. Logo, imputar esta responsabilidade à Requerente significa coartar o direito que esta tem de apresentar a providência cautelar que suspenda, até decisão do processo principal, as deliberações tomadas, ou seja permite que as deliberações tomadas sejam executadas durante largos meses, quem sabe anos (pois a ação principal não configura um processo urgente), o que equivale por dizer que se assim fosse sairia completamente frustrada a ratio dos procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais.
I. Quanto a este facto também prestou depoimento a testemunha GG, marido da Requerente, que corroborou tudo o que foi transmitido pela testemunha FF.
J. Ademais, as testemunhas não entraram em contradição, pelo que não se compreende qual o motivo que levou o Tribunal a considerar o facto a) como facto indiciariamente não provado, designadamente quando ignorou o pedido que foi feito no ponto 28 da pronúncia à contestação - onde se requereu que fosse ordenado aos Correios ... que procedessem à indicação do carteiro que, alegadamente, terá colocado o aviso na caixa do correio da Requerente para esclarecer o que ocorreu com esta carta, pedido que nunca foi despachado até ao momento.
K. Acresce que foi confirmado pelas testemunhas que a Requerente nunca faltou às assembleias gerais da sociedade e que, inclusive, chegou a ser enviada uma convocatória com a data errada e que, com um simples telefonema à Requerente, a situação ficou sanada e a Assembleia ocorreu em dia diverso do dia indicado na convocatória com a presença de todos – como sempre acontecia -, pelo que o Tribunal a quo não só tem prova da não receção da convocatória, como tomou conhecimento de outros factos – como este – que deveriam ter servido para auxiliar na criação da convicção quanto a este tema.
L. Por último, não só foi afirmado pela Requerente, como pelas testemunhas, que se havia assembleia a que a Requerente não tinha qualquer interesse em faltar era esta, pois a designação da gerência é um tema sensível, em virtude do histórico de má-gestão após a morte do pai – devidamente explanada supra, concretamente no facto c).
M. Logo, é evidente que prova não faltou ao Tribunal quanto ao não recebimento da convocatória, portanto o Tribunal a quo sempre teria que, pelo menos, considerar indiciariamente provado que a Requerente não recebeu a carta que foi enviada, devendo o facto indicado transitar para a matéria de facto dada como provada.
N. No que tange ao facto b), também foi feita prova inequívoca quanto à tomada de conhecimento e ao dia que a Requerente efetuou a consulta à certidão permanente, momento a partir do qual iniciou a contagem para apresentação do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais.
O. Resultou evidente do depoimento da Testemunha GG a partir de que momento é que a Requerente tomou conhecimento da existência da assembleia, bem como da deliberação tomada na mesma, pelo que a inserção do facto b) no rol de factos indiciariamente não provados apenas poderá dever-se a um lapso do Tribunal na valoração da prova.
P. Aliás, em declarações de parte a Requerente também explicou como e em que momento tomou conhecimento da assembleia geral e da deliberação tomada, pelo que não se concebe como pode o Tribunal a quo considerar que não tem produção de prova que permita considerar provado que a Requerente apenas teve conhecimento da assembleia geral em 31.01.2022, através da consulta de certidão permanente.
Q. Ainda no que respeita ao momento do conhecimento da assembleia geral e da deliberação tomada, é de notar que nem a representante legal da Requerida que, supostamente, terá enviado o e-mailde9.01.2022 a dar conhecimento à Requerente –Doc. ... da oposição –consegue explicar o motivo pelo qual a referida comunicação é completamente diferente do e-mail datado de 5.01.2022.
R. Não obstante explicou que, alegadamente, não comunicou à Requerente a existência de assembleia geral de 20.12.2021, no e-mail de 05.01.2022, propositadamente, porque o registo ainda não estava concluído, portanto não sabe a Requerente quais são os factos que o Tribunal necessita que cheguem ao seu conhecimento para considerar que a Requerente não sabia, nem tinha como saber que a assembleia existiu e quais as deliberações tomadas.
S. Portanto, é evidente que, não só a Requerente tomou conhecimento da existência e da deliberação de 20.12.2021 em 31.01.2022, como a irmã admite que não lhe quis dar conhecimento antes, porque o registo não estava concluído.
T. Portanto, é evidente que a Requerente não podia ter reagido judicialmente antes.
U. Por último, no que tange ao facto c), também não se pode concordar com a valoração que o Tribunal fez, pois resultou não só do depoimento da testemunha GG, como de declarações de parte da Requerente quais são os seus receios, bem como a má-gestão que tem sido feita pelas irmãs da Requerente.
V. No entanto, ainda que o Tribunal não tivesse valorado os mencionados depoimentos no que respeita ao receio que a Requerente tem da gestão que as suas irmãs fazem na sociedade, sempre teria que valorar o que foi mencionado nas declarações da legal representante da Requerida, onde foram apresentados dados inequívocos de que a gestão da sociedade é manifestamente danosa.
W. Portanto, a racionalidade do que a legal representante da Requerida alegou é inexistente, como se pode verificar através do cálculo de aritmética.
X. A legal representante afirma que conhecia a existência de uma proposta de € 6.000,00 para uma semana de estadia – aliás, afirmou que a proposta foi feita à própria –, não obstante continua a afirmar que lhe compensava mais e que foi um ato de gestão acertadíssimo celebrar o contrato de exploração onde pelo período de 4 meses pagaram apenas € 9.000,00.
Y. Ora, se não tivesse feito o contrato de cedência de exploração e aceitasse a proposta dos € 3.000,00 para uma semana de estadia teria arrecadado 2/3 do montante que, alegadamente, ganhou em quatro meses, numa única semana, ou seja, ainda que não conseguissem esgotar a lotação do convento no resto dos 4 meses de verão, e o convento ficasse a 50% da lotação, teriam obtido uma receita substancialmente superior e tinha havido um desgaste/utilização muito menor, com um custo aproximado de € 3.500,00.
Z. Note-se que, uma semana de estadia correspondia, aproximadamente, ao dobro dos custos médios mensais do convento, mas a gerente, que prestou declarações, considera que ganhar € 9.000,00 em 4 meses é um bom negócio…
AA. Acresce que, durante a medíocre cessão de exploração, ainda foi furtada uma obra de arte pertencente à herança do pai das sócias da Requerida, que para além do seu valor sentimental tem um valor económico elevado.
BB. Naturalmente, e à semelhança dos factos anteriores, não se consegue perceber qual o motivo para o Tribuna la quo não ter considerado provado o receio invocado pela Requerente, portanto as evidências do prejuízo que, sistematicamente, causam à sociedade são inquestionáveis, pelo que deverá o facto c) considerar-se provado e transitar para a matéria indiciariamente dada como provada.
CC. Em conclusão, não poderia ser considerado que os factos a), b) e c) se consideram indiciariamente não provados, mas ao contrário deveriam ter sido inseridos nos factos considerados provados e, consequentemente ser deferido o procedimento cautelar apresentado pela Requerente, pois só assim se considerará cumprido o princípio da legalidade previsto no art. 20º da CRP.
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2. Questões a apreciar
O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Tendo em consideração as conclusões do recorrente são duas as questões que cumpre apreciar:
- os factos considerados não provados devem, ao invés, ser considerados provados;
- a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que decrete a suspensão da deliberação tomada na assembleia geral da requerida realizada a 20/12/2021, de nomeação da sócia CC como gerente.
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3. Fundamentação de facto
O tribunal recorrido considerou:
A) Indiciariamente provada a seguinte factualidade [tendo-se mantido a numeração da 1ª instância, que não contêm o ponto 3.4.]
3.1. A sociedade requerida tem um capital social no valor de € 80.000,00, representado por 5 quotas: uma quota com o valor nominal de € 75.000,00, pertencente a BB, CC, DD e AA (aqui Requerente), em comum e sem determinação de parte ou direito; uma quota com o valor nominal de € 3.500,00, pertencente a BB, CC, DD e AA (aqui Requerente), em comum e sem determinação de parte ou direito; uma quota com o valor nominal de € 500,00 pertencente a CC; uma quota com o valor nominal de € 500,00 pertencente a DD; e uma quota com o valor nominal de € 500,00 pertencente a AA (aqui Requerente).
3.2. A quota com o valor nominal de € 75.000,00, representativa de 93,75% do capital social da sociedade foi transmitida para as cotitulares da mesma por morte do seu titular original, EE, pai de CC, DD e AA e marido de BB.
3.3. A quota com o valor nominal de € 3.500,00, representativa de 4,375% do capital social da sociedade, foi transmitida para as cotitulares da mesma por morte do seu titular original, EE.
3.5. No transato dia .../.../2021, em face do falecimento de BB, mãe das sócias CC e DD, estas procederam ao registo da transmissão de posição de herdeiro de BB para a sua esfera jurídica.
3.6. Consequentemente, a quota com o valor nominal de € 75.000,00, passou a pertencer a CC, DD e AA (aqui Requerente), em comum e sem determinação de parte ou direito e a quota com o valor nominal de € 3.500,00, passou a pertencente a CC, DD e AA (aqui Requerente), em comum e sem determinação de parte ou direito.
3.7. Corre termos Acção Especial de Inventário, sob o nº 16/22...., no Juízo de Competência Genérica ..., desta Comarca, com vista à partilha dos bens de EE, pai da Requerente e das sócias CC e DD.
3.8. O objeto social da sociedade é a gestão de bens mobiliários e imobiliários, sendo proprietária de um valioso espólio quer de imóveis, quer de obras de arte.
3.9. No transato dia 10 de dezembro 2021, a Requerente enviou às demais sócias da sociedade a convocatória para assembleia-geral.
3.10. Em resposta, a 5 de janeiro de 2022, a aqui Requerente recebeu comunicação via correio eletrónico nos termos dos quais as demais sócias informavam que não lhe reconheciam representatividade, enquanto cabeça de casal, da quota representativa de 93,75% da sociedade nem para emitir convocatórias para realização de assembleias gerais da sociedade.
3.11. No dia 20.12.2021, reuniram em assembleia geral as sócias CC e DD, no seio da qual deliberaram a nomeação de CC para o cargo de gerente.
3.12. Por carta registada, com aviso de recepção, datada de 25.11.2021, e remetida para a morada indicada pela Requerente à Requerida para o efeito, foi a mesma convocada para Assembleia Geral Extraordinária, na sequência do falecimento da sócia e gerente BB, a ter lugar na respectiva sede no dia 20.12.2021, pelas 17h00, tendo como único ponto na ordem de trabalhos a nomeação de novo gerente.
3.13. O expediente postal em causa foi devolvido com a menção de “não reclamado”.
3.14. No dia e hora assim designados, teve lugar a Assembleia Geral em sujeito, no seio da qual, estando presentes as sócias CC e DD, as quais deliberaram por unanimidade a nomeação da primeira para o cargo de gerente.
3.15. A deliberação de nomeação de gerente naqueles termos tomada foi registada pela Insc. 9, AP. ...30 na certidão permanente da Requerida.
3.16. Por carta registada, com aviso de recepção, datada de 19.01.2022, e remetida para a morada indicada pela Requerente à Requerida para o efeito, foi a àquela remetida cópia da acta da Assembleia Geral Extraordinária ocorrida no dia 20.12.2021.
3.17. O expediente postal em causa foi devolvido com a menção de “não reclamado”.
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B) Indiciariamente não provada a seguinte factualidade: a) A Requerente nunca recebeu qualquer convocatória e/ou aviso de receção referente à AG em causa na sua caixa postal. b) Por consulta da certidão permanente da empresa com acesso a documentos, no dia 31.01.2022, a Requerente teve conhecimento que, no dia 20.12.2021, reuniram em assembleia geral as sócias CC e DD, no seio da qual deliberaram a nomeação de CC para o cargo de gerente. c) As ora gerentes têm agido movidas pela vontade de obter proveitos pessoais indevidos e, em último caso, devastar a sociedade, tendo celebrado negócios dos quais resulta a dissipação do património daquela.
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4. Impugnação da decisão de facto
4.1. Dos requisitos do art.º 640º do CPC 4.1.1. Enquadramento jurídico
Dispõe o art.º 640º do CPC, cuja epigrafe é “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. (…)”
Não releva dar aqui conta do percurso legislativo percorrido até se chegar à norma em referência – para tal cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, 6ª edição, pág. 194-195.
Apenas importa considerar que em tal percurso “…foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” – aut. e ob. cit. pág. 194
O mesmo autor, in ob. cit. pág. 196-197, procede a uma síntese da jurisprudência quanto ás exigências legais quando o recurso de apelação envolva a impugnação da matéria de facto, nomeadamente quanto ao “lugar” (alegações ou conclusões) em que as mesmas devem ser observadas e que são:
a) o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, dizendo em nota (307) que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, conforme dispõe o art.º 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões;
b) deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo (documentos ou confissões reduzidas a escrito) ou de registo (depoimentos que não foi possível gravar, mas que foram reduzidos a escrito, como sucede com cartas rogatórias) ou gravação nele realizada (depoimentos orais prestados em audiência que ficaram gravados em áudio ou vídeo), que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos objecto de impugnação;
c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação tenha por base, no todo ou em parte, a prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere pertinentes;
d) o recorrente deixará, expresso, na motivação, a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidas.
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4.1.2. Em concreto
A Recorrente cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art. 640.º, n.º 1 do CPC (conclusão distinta de saber se, tendo-o feito, existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados e como não provados, e para o aditamento ao elenco de ambos de novos factos).
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4.2. Da modificabilidade da decisão de facto 4.2.1. Enquadramento jurídico
O art.º 662º do CPC, com a epigrafe “Modificabilidade da decisão de facto” dispõe: “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (…)”
Está em causa saber como deve a Relação mover-se no domínio da modificabilidade da decisão de facto.
A apreciação, pela Relação, da decisão de facto impugnada, não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quocom vista a corrigir eventuais erros da decisão (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj)
O sentido deste normativo é o de impor à Relação o dever de modificar a decisão de facto, sempre que:
- havendo impugnação da matéria de facto e no respeito do principio do dispositivo quanto ao objecto do recurso, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, entendendo-se que:
i) incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do citado art.º 662º], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1 e em sentido semelhante os Ac.s do STJ de 14/09/2021, proc. 60/19.0T8ETZ.E1.S1, de 13/04/2021, proc. 2395/11.1TBFAF.G2.S1 todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj) assumindo-se o mesmo como tribunal de instância (Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, 6ª edição, pág. 331 e 332);
ii) no processo de formação de uma convicção autónoma, a Relação não está adstrita “aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido (o Ac. do STJ, de 20.12.2017, proc. 3018/14.2TBVFX.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj), tendo plena aplicação o disposto no art.º 413º do CPC;
*
4.2.2. Em concreto 4.3.1. Alínea a) dos factos não indiciariamente provados
O tribunal recorrido considerou não indiciariamente provado, na alínea a) o seguinte:
a) A Requerente nunca recebeu qualquer convocatória e/ou aviso de receção referente à AG em causa na sua caixa postal.
Impõe-se precisar a factualidade relevante.
A requerida alegou (art.º 35º da oposição) que: “contrariamente ao falsamente alegado pela requerente, esta foi regular e legalmente convocada para a Assembleia, através de carta registada ..., com aviso de recepção, no dia 25/11/2021, não tendo sido recebida na sua distribuição nem, posteriormente, reclamada no prazo de oito dias no posto dos Correios ..., incidente 08-832987, apesar de avisada para o efeito - cfr. docs. nº s. 8 e 9, ora juntos e carta que se protesta juntar em suporte fisico no prazo de cinco dias aos autos. (…)”
E na sequência da apresentação da oposição, a 28 de fevereiro de 2022 a requerida juntou aos autos o envelope em que consta como remetente a requerida e destinatário a requerente, um registo postal efectuado a 25/11/2021, em cuja frente está aposto pelos Correios ..., além do mais, “Objeto não reclamado”.
E no verso do mesmo consta “AVISADO”, “Não atendeu”, “26-11-2021”.
A requerente foi notificada da oposição e dos referidos documentos a 07/03/2022 e quanto á primeira alegou que não recebeu o aviso para levantamento da carta (cfr. art.º 26º da resposta), não tendo impugnado os documentos juntos.
A decisão recorrida considerou indiciariamente provado:
3.12. Por carta registada, com aviso de recepção, datada de 25.11.2021, e remetida para a morada indicada pela Requerente à Requerida para o efeito, foi a mesma convocada para Assembleia Geral Extraordinária, na sequência do falecimento da sócia e gerente BB, a ter lugar na respectiva sede no dia 20.12.2021, pelas 17h00, tendo como único ponto na ordem de trabalhos a nomeação de novo gerente.
3.13. O expediente postal em causa foi devolvido com a menção de “não reclamado”.
A relevância dos factos afere-se em função do direito aplicável.
Dispõe o art.º 248º n.º 3 do CSC que a convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de 15 dias, a não ser que a lei ou o contrato exijam outras formalidades ou estabeleçam prazo mais longo.
À convocatória para uma assembleia geral de uma sociedade comercial aplica-se o disposto no art.º 224º do CC, como decorre do disposto no art.º 295º do CC.
O art.º 224º n.º 1 distingue as declarações recipiendas ou recpticias – “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida;… – e as não recipiendas – “as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.”
Como resulta da norma, o critério de distinção entre as declarações recipiendas ou recepticias e as não recipiendas é o facto de as primeiras terem um destinatário determinado e as segundas não.
Assim, a carta registada dirigida a um sócio de uma sociedade a convocá-lo para uma assembleia geral, constitui uma declaração recipienda ou receptícia, ou seja, para produzir os seus efeitos, terá de chegar ao poder do sócio ao qual foi remetida ou ser dele conhecida.
Mas importa precisar: “Chegada ao poder do declaratário, a declaração é legalmente tida por conhecida. É irrelevante que o declaratário, que tem em seu poder a declaração, a não leia ou dela não tome conhecimento. Se o não fizer, sibi imputet, a declaração torna-se perfeita e plenamente eficaz. Não seria justo nem razoável impor a terceiros o ónus da prova do efectivo conhecimento, pelo declaratário, da declaração que chegou ao seu poder.” (Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, pág. 403).
O n.º 2 do art.º 224º dispõe que é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
Este normativo reforça “a orientação de fazer equivaler ao conhecimento efectivo da declaração a sua colocação á disposição e ao alcance do declaratário. Torna-se também perfeita e eficaz, segundo aquele preceito legal, a declaração recipienda que só por culpa do declaratário não foi por ele oportunamente recebida. Este regime contraria as práticas relativamente vulgares, por parte dos destinatários de declarações negociais e não negociais, de se furtarem à recepção das comunicações que lhes são dirigidas. (…) ….a lei, ao conter a expressão “ que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida” limita, por um lado, os casos em que o regime se aplica e, por outro, aponta o critério de fixação do tempo e do lugar em que a declaração se torna, nesse caso, eficaz. Da letra da lei resulta que, no caso a que se refere, a declaração só se torna eficaz se a sua não recepção foi devida apenas a culpa do declaratário. Se houver também culpa do declarante ou de terceiro, ou ainda caso fortuito ou de força maior, já assim não sucede. No caso concreto, será necessário demonstrar que, sem ação ou abstenção culposas do declaratário, a declaração teria sido recebida. A concretização deste regime não dispensa um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não recepção da declaração”. (cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, in ob. cit., págs. 403-404).
Refere Vaz Serra, in Perfeição da declaração de vontade: Eficácia da emissão da declaração: Requisitos especiais da conclusão do contrato, Boletim do Ministério da Justiça, 103 pág. 11: “Bastará, pois, que [o declarante] adopte os meios necessários para que a declaração chegue ao poder do destinatário, á sua esfera pessoal. Fazendo assim, faz tudo o que se lhe pode exigir, além de que, em regra, o destinatário, toma logo conhecimento das declarações chegadas a essa sua esfera, não sendo já da alçada do declarante investigar o que se passa no circulo de actividade do destinatário e que possa obstar a que ele tome efectivamente conhecimento da declaração.”
Sendo enviada uma carta registada, e sendo a mesma devolvida com as menções de que aquando da distribuição “Não atendeu”, “Avisado” e “Objecto não reclamado”, a declaração que dela consta será, em principio, eficaz, á luz do disposto no art.º 224º n.º 2 do CC, ou seja, produzirá o efeito a que tendia porque o declarante fez tudo o que estava ao seu alcance fazer para que a carta chegasse ao seu destinatário, não tendo: 1) qualquer intervenção ou interferência nos serviços postais; 2) e não tendo o mesmo que saber o que se passa no circulo de actividade do destinatário, pelo que há-de presumir-se, face àqueles elementos e de acordo com as regras da experiência e normalidade, que a carta não foi recebida por culpa do destinatário.
Mas disse-se em principio porque o destinatário é admitido a alegar que não recebeu a carta porque, nomeadamente os Correios ... não deixaram aviso para levantar a carta na estação dos correios.
E neste caso caber-lhe-á a prova do alegado porque que se trata de um facto impeditivo da eficácia da declaração, nos termos do n.º 2 do art.º 224º e, essencialmente, porque se trata de um facto que ocorre na sua esfera de influência, no seu circulo de actividade, não sendo, por isso, razoável impor-se ao declarante tal prova.
Além disso e no caso dos autos estamos perante um procedimento cautelar em que um dos pressupostos é o facto de ter sido adoptada uma deliberação contrária á lei, cujo ónus da prova cabe ao requerente.
Em face de tudo o exposto, não está em causa saber se a requerente não recebeu a carta datada de 25/11/2021, porque esse facto deduz-se dos factos indiciariamente provados nos pontos 3.12 e 3.13. e que não foram objecto de impugnação por parte da requerente.
O que está em causa, ou seja, o que é juridicamente relevante é saber se, ao contrário do que alega a requerida e consta do verso do envelope junto pela mesma com o requerimento de 28/03/2022, em que consta “AVISADO”,“Não atendeu”,“26-11-2021”, a requerente não recebeu o aviso para levantamento da carta (o tribunal recorrido, certamente por lapso, refere-se a “aviso de recepção”).
Impõe-se ainda analisar uma última questão antes de avançar na análise da prova produzida.
A requerente/recorrente invoca no seu recurso (conclusão J) que o tribunal recorrido ignorou o pedido por si feito, no requerimento de pronúncia quanto á oposição, de notificação dos Correios ... para indicar o carteiro que alegadamente deixou o aviso na caixa do correio da requerente.
Efectivamente o tribunal recorrido não se pronunciou quanto ao referido pedido.
E deveria tê-lo feito, pois, como resulta do disposto no art.º 608º do CPC - “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…” - o tribunal deve pronunciar-se quanto a todos os pedidos.
O art.º 615º n.º 1 alínea d) do CPC dispõe que é nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).
Assim, não tendo o tribunal recorrido se pronunciado quanto à requerida prova, há uma omissão de pronúncia.
No entanto, a recorrente não invocou a referida nulidade e a mesma não é de conhecimento oficioso (neste sentido o Ac. desta RG de 17/05/2018, processo 2056/14.0TBGMR-A.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg e Ac. do STJ de 30/11/2021, processo 1854/13.6TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).
Isto sem prejuízo dos poderes que oficiosamente cabe à Relação nos termos do disposto no art.º 662º n.º 2, alínea b) do CPC, como se verá adiante.
Vejamos então e agora a prova produzida.
A testemunha GG, marido da requerente, declarou que não foi recebido qualquer aviso para proceder ao levantamento da carta em referência, tendo, no entanto, referido que a morada para a qual foi enviada a carta não é já a residência da testemunha e da requerente, mas da mãe da mesma.
A testemunha FF, mãe da requerente, declarou que não foi deixado qualquer aviso para levantar a carta em referência e que não foi apresentada qualquer reclamação junto dos Correios ....
A requerente, em declarações de parte, declarou que nunca teve qualquer problema com a recepção de cartas na casa da mãe.
Não foi produzida qualquer outra prova
A questão suscitada pela requerente – os Correios ... não deixaram aviso para levantamento da carta registada - é um assunto muito sério e grave, pois, não só não é comum, como coloca em causa um serviço ainda essencial da vida em sociedade, como é o do envio de comunicações postais relativas a assuntos com relevo muito elevado (basta pensar em muitas da comunicações efectuadas pelos tribunais ou em cartas de resolução de contratos), não simples, mas mediante registo, tendo em vista obter a certificação de que a comunicação foi recepcionada ou, pelo menos, foi permitida a sua recepção e, assim, concluir, com segurança e certeza, pela eficácia de tais comunicações.
E, por isso, estamos perante uma matéria relativamente à qual é de exigir um elevado grau de confirmação, ou seja, para que se possa afirmar positivamente que os Correios ... não deixaram aviso para levantamento de uma carta registada, a prova deve basear-se em diversos elementos probatórios e ser consistente.
A prova produzida não esclarece cabalmente a questão em referência porque o marido da requerente não reside na morada em referência e o depoimento da mãe da requerente, muito embora resida na morada, raramente se ausente e abra regularmente a caixa de correio, não está corroborado por quaisquer elementos externos.
Era essencial confrontar o carteiro que fez constar no envelope da carta que foi deixado aviso, com a questão suscitada pela requerente.
Aliás, a corroborar isso, está o facto de a requerente, no requerimento de pronúncia quanto á oposição, ter pedido ao tribunal a notificação dos Correios ... para indicar o carteiro que alegadamente deixou o aviso na caixa do correio da requerente, pedido que, como já ficou referido, não foi objecto de pronúncia por parte da Sra. Juiz a quo.
Será, assim, caso de, ao abrigo do disposto no art.º 662º n.º 2, alínea b) do CPC, ordenar a produção de um novo meio de prova, ou seja, determinar que os Correios ... identifiquem o carteiro que procedeu à distribuição e ouvir o mesmo quanto á questão em apreço.
Mas importa considerar que estamos perante um procedimento cautelar, que tem vários pressupostos e em que a inverificação de um deles é suficiente para ditar a sua improcedência.
A questão ora em apreço apenas respeita a um pressuposto: a tomada de deliberação por associação ou sociedade contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato;
O tribunal recorrido considerou não se verificar o terceiro pressuposto - que a execução da deliberação cause dano apreciável.
O recurso tem, também, por objecto, a impugnação da matéria de facto quanto a tal questão.
Caso se conclua que tal pressuposto não se verifica, a decisão recorrida, de improcedência do procedimento cautelar, deverá ser mantida e o recurso julgado improcedente, tornando aquela produção de um novo meio de prova inútil, pois a mesma não iria modificar o desfecho do recurso.
Assim, só no final da apreciação da totalidade do recurso é que se poderá obter uma conclusão definitiva quanto à produção de um novo meio de prova.
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4.3.2. Alínea b) dos factos indiciariamente não provados
Esta alínea tem o seguinte teor: b) Por consulta da certidão permanente da empresa com acesso a documentos, no dia 31.01.2022, a Requerente teve conhecimento que, no dia 20.12.2021, reuniram em assembleia geral as sócias CC e DD, no seio da qual deliberaram a nomeação de CC para o cargo de gerente.
Vejamos
A jurisprudência tem vindo a entender que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, disponível in wwww.dgsi.pt/jtrc).
Vejamos
A requerente alegou a matéria em referência no requerimento inicial, para justificar a interposição do procedimento cautelar a 09/02/2022, ou seja, mais de 10 dias depois da realização da assembleia geral, a qual se realizou a 20/12/2021.
Porém, a referida matéria é irrelevante.
Como decorre dos n.º 1 e 3 do art.º 380º do CPC, o prazo para requerer a suspensão é de 10 dias, a contar da data da assembleia em que foi tomada a deliberação objecto de impugnação ou, se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a assembleia, da data em que ele teve conhecimento da deliberação.
O referido prazo de 10 dias é um prazo de caducidade, cujo decurso determina a extinção do direito de requerer a suspensão da deliberação (Abrantes Geraldes, Temas…, IV Volume, 79-80).
A alegação e prova dos factos consubstanciadores da caducidade, enquanto facto extintivo do direito, quer a convocação seja regular (situação em que o prazo se conta da data da assembleia em que foi tomada a deliberação objecto de impugnação), quer a convocação seja irregular (situação em que o prazo se conta da data em que o requerente teve conhecimento das deliberações) cabe, nos termos gerais do n.º 2 do art.º 342º do CC, à requerida, sendo que, na última situação, caber-lhe-á alegar e provar a data em que o requerente teve (efectivo) conhecimento da deliberação e que o procedimento cautelar foi intentado mais de 10 dias depois dessa data.
Com relevância, a requerida alegou que a requerente teve conhecimento da acta no dia 19 de Janeiro de 2022, através de correio electrónico, enviado para o seu endereço, nos termos do documento n.º ... junto com a oposição.
A requerente, na sua resposta impugnou o referido facto.
A requerida alegou ainda que a 19/01/2022 foi enviada carta registada enviando a acta, carta essa que foi devolvida por não reclamada.
Tendo a carta sido devolvida por não reclamada, este facto é inócuo para efeitos de conhecimento efectivo da deliberação, tal como exige a parte final do n.º 3 do art.º 380º, não se podendo ser aplicado o disposto no n.º 2 do art.º 224º do CC.
Em face do exposto, a matéria constante da alínea b) dos factos indiciariamente não provados é irrelevante pois da mesma nada se pode concluir quanto à verificação da caducidade.
Torna-se, assim, inútil a reponderação da matéria de facto nesta parte.
Em consequência, não se toma, nesta parte, conhecimento do objecto do recurso de impugnação da matéria de facto e, além disso, considerando ser irrelevante a matéria em referência, impõe-se a sua eliminação dos factos não indiciariamente provados.
Mas importa extrair todas as consequências do exposto.
Nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória, a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta.
Relativamente ao processo declarativo em geral, Alberto dos Reis in CPC Anotado, IV, pág. 553, tendo por pano de fundo a existência de questionário, referia: “…as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente. São obscuras quando o seu significado não pode ser apreendido com clareza e segurança. São deficientes quando aquilo que se respondeu não responde a tudo quanto foi quesitado.“
Tendo por pano de fundo de fundo a base instrutória, o art.º 712º n.º 4 do CPC revogado, dispunha que se não constassem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, a Relação podia, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando considerasse indispensável a ampliação da matéria de facto, significando-se, então, matéria de facto que, muito embora alegada pelas partes, não havia integrado a base instrutória.
Destarte e no âmbito da base instrutória, a distinção entre deficiência e ampliação da matéria de facto traduzia-se no seguinte: havia deficiência quando, muito embora determinado facto integrasse a base instrutória, o tribunal não se tinha pronunciado quanto ao mesmo, nem positiva, nem negativamente; era indispensável a ampliação quando o facto alegado pela parte tinha sido completamente omitido na base instrutória.
Actualmente poderá afirmar-se que haverá deficiência quando o tribunal não se pronuncie sobre algum facto integrante dos temas da prova ou como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em processo civil, pág. 352, a decisão de facto será deficiente se houver “falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.” e será indispensável a ampliação da matéria de facto, quando tiver sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litigio ( cfr. Abrantes Geraldes, ob cit., pág. 353).
Nos procedimentos cautelares não existe despacho saneador e, assim, não existe enunciação dos temas da prova, pois dos articulados passa-se, se for caso disso, á produção de prova (cfr. art.ºs 293º a 295º aplicáveis aos procedimentos cautelares ex vi art.º 365º n.º 3, todos do CPC).
Vem isto a significar que no âmbito dos procedimentos cautelares, até pela sua natureza urgente, apenas faz sentido a deficiência e não já a ampliação da matéria de facto.
Retomando a sequência, verifica-se que matéria de facto apurada se mostra deficiente, pois o tribunal não se pronunciou quanto ao alegado pela requerida: a requerente teve conhecimento da acta no dia 19 de Janeiro de 2022, através de correio electrónico, enviado para o seu endereço, nos termos do documento n.º ... junto com a oposição, questão que, como já referido supra, é de conhecimento oficioso (art.º 662º n.º 2, alínea c) do CPC)
E sendo deficiente e estando acessíveis todos os elementos probatórios, não há lugar à anulação da decisão, mas à pronúncia do tribunal quanto ao referido facto, tendo presente que a requerente, na resposta á oposição, veio alegar que o referido email é falsoe não foi por si recebido.
Vejamos então e agora a prova produzida e que se centra no documento n.º ... junto com a oposição e que representa a cópia ou impressão de uma mensagem de correio eletrónico (vulgo “e-mail”) que a requerida alega ter enviado à requerente, acompanhada de dois anexos, mas que se resume a um, a Acta de 20/12/2021.
A alínea b) do n.º 1 do art.º 2º da Lei n.º 41/2004, de 18/08, na redacção da Lei n.º 46/2012, de 29 de Agosto, define “Correio eletrónico” como “qualquer mensagem textual, vocal, sonora ou gráfica enviada através de uma rede pública de comunicações que possa ser armazenada na rede ou no equipamento terminal do destinatário até que este a recolha”.
E importa ainda considerar o DL 12/2021, de 09/02 que, nos termos do seu art.º 1º:
a) Assegura a execução na ordem jurídica interna do Regulamento (UE) 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado (Regulamento);
b) Regula a validade, eficácia e valor probatório dos documentos eletrónicos, o reconhecimento e aceitação, na ordem jurídica portuguesa, dos meios de identificação eletrónica de pessoas singulares e coletivas e prevê as normas aplicáveis ao Sistema de Certificação Eletrónica do Estado - ... (...).
O diploma em referência não contém qualquer definição do que seja o documento electrónico. O n.º 35 do Regulamento (UE) 910/2014 define o “documento electrónico” como sendo qualquer conteúdo armazenado em formato electróncio, nomeadamente texto ou gravação sonora, visual ou audiovisual.”
Luís Sousa, in Direito probatório Material 2ª edição, pág. 414, refere que na definição de documento electrónico há que ter em consideração a fase de criação, de armazenamento e de leitura, afirmando depois que as características definidoras do mesmo são:
(i) o documento deve estar redigido em linguagem binária;
(ii) deve estar armazenado em suporte informático, ótico ou magnético ou outro;
(iii) com recurso a programa informático apropriado, o documento deve ser convertível numa linguagem compreensível para o homem.
Relativamente ao documento electrónico, importa ainda ter em consideração o disposto no art.º 5º do DL 12/2021: 1 - O documento eletrónico comunicado por um meio de comunicação eletrónica considera-se enviado e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrónico definido por acordo das partes e neste for recebido. 2 - São oponíveis entre as partes e a terceiros a data e a hora da criação, da expedição ou da receção de um documento eletrónico que contenha uma validação cronológica emitida por um prestador qualificado de serviços de confiança. 3 - A comunicação do documento eletrónico ao qual seja aposta assinatura eletrónica qualificada ou selo eletrónico qualificado, por meios de comunicação eletrónica que assegure a efetiva receção, equivale à remessa por via postal registada e, se a receção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente pelo destinatário que revista idêntica forma, equivale à remessa por via postal registada com aviso de receção. 4 - A comunicação de dados e documentos com recurso a serviços qualificados de envio registado eletrónico, nos termos definidos nos artigos 43.º e 44.º do Regulamento, equivale à remessa por via postal registada com aviso de receção
Mas, como alerta o mesmo aut., ob cit. pág.419, há que distinguir o documento electrónico original das suas reproduções (o que se vê no ecrã do computador) e das suas cópias, ou, mais rigorosamente, da impressão do que é visualizado no ecrã e a que se refere o n.º 11 do art.º 3º do DL 12/2021, que tem o seguinte teor: 11 - As cópias de documentos eletrónicos, sobre idêntico ou diferente tipo de suporte que não permita a verificação e validação das assinaturas eletrónicas ou dos selos eletrónicos, são válidas e eficazes nos termos gerais de direito e têm a força probatória atribuída às cópias fotográficas pelo n.º 2 do artigo 387.º do Código Civil e pelo artigo 168.º do Código de Processo Penal, caso sejam observados os requisitos aí previstos.
Como já acima se deixou referido o documento n.º ... junto com a oposição não é o documento electrónico, mas sim uma cópia ou impressão de uma mensagem de correio eletrónico (vulgo “e-mail”) que a requerida alega ter enviado à requerente, acompanhada de dois anexos, mas que se resume a um, a Acta de 20/12/2021.
O n.º 2 do art.º 387º do CC dispõe: 2. As cópias fotográficas de documentos estranhos aos arquivos mencionados no número anterior têm o valor da pública-forma, se a sua conformidade com o original for atestada por notário; é aplicável, neste caso, o disposto no artigo 386.º
No caso não se mostra que a conformidade da cópia junta com o original tenha sido atestada por notário, pelo que o mesmo não tem o valor de pública forma.
Estamos assim, perante uma cópia simples, cujo valor probatório há-de ser apreciados nos termos do art.º 366º, ou seja, a sua força probatória é apreciada livremente pelo tribunal.
Neste conspecto, avançamos directamente para questão da recepção e leitura pela aqui requerente.
E quanto a esta questão, é manifesto que o documento n.º ... junto com a oposição – que, repete-se, não constitui um documento electrónico, mas cópia ou impressão de um documento electrónico -, independentemente de outras questões, não contém qualquer evidência da recepção e leitura da mensagem de correio electrónico em referência.
Por outro lado, ouvida a prova gravada, não foi produzida qualquer prova que permita concluir que a requerente recebeu o citado e-mail, facto que foi negado pela mesma nas suas declarações de parte, ainda que a mesma tenha confirmado que o endereço electrónico nele indicado é efectivamente o seu.
A legal representante da requerida declarou, quanto a esta matéria , que o email foi enviado.
Mas nada declarou quanto á recepção.
Destarte não está indiciariamente provado que a requerente teve conhecimento da acta da assembleia geral realizada no dia 20/12/2021, no dia 19 de Janeiro de 2022, através de correio electrónico, enviado para o seu endereço electrónico, matéria que integrará a alínea b) dos factos não indiciariamente provados.
4.3.3. A alínea c) dos factos não indiciariamente provados.
Esta alínea tem o seguinte teor:
c) As ora gerentes têm agido movidas pela vontade de obter proveitos pessoais indevidos e, em último caso, devastar a sociedade, tendo celebrado negócios dos quais resulta a dissipação do património daquela.
Na parte relativa aos “requisitos da providência cautelar” e concretamente no que respeita ao dano apreciável - artigos 40º a 49º do requerimento inicial - a requerente alegou, em síntese:
- a actuação das sócias CC e DD visa o assalto ao poder da sociedade, sempre no intuito de prosseguir interesses pessoais; agem movidas pela vontade única de obter proveitos indevidos e, em último caso, devastar a sociedade, já que, obrigando-se a mesma com duas assinaturas, tudo ficará ao alcance das mesmas ( art.º 40º);
- o objecto social da sociedade é a gestão de bens mobiliários e imobiliários, sendo proprietária de bens imóveis e obras de arte, que não demorará muito a ser dissipado caso a sociedade se continue a vincular apenas com as assinaturas de um lado da família, quando é outro que, por força legal, assume as funções de representante das quotas por via do cabeçalato ( art.º 41º);
- é muito fácil às gerentes destruírem a sociedade, celebrando negócios de dissipação do património, o que poderá acontecer de diversas formas, e negócios totalmente ruinosos para a sociedade, como aconteceu com o contrato de cessão de exploração do Convento ..., celebrado no âmbito da gerência de DD e BB, tendo ficado demonstrado que o mesmo foi manifestamente danoso para a requerida; o interesse que aquelas prosseguem não é o da sociedade, mas sim o seu interesse pessoal, que é sempre contrário ao interesse da Requerente; a requerida tem património imobiliário que ascenderá a alguns milhões de euros ( art.ºs 42º a 49º).
Desta matéria apenas ficou provado e não foi impugnado:
3.8. O objeto social da sociedade é a gestão de bens mobiliários e imobiliários, sendo proprietária de um valioso espólio quer de imóveis, quer de obras de arte.
Analisando a alínea c), ora objecto de impugnação, verifica-se que as expressões “obter proveitos pessoais indevidos” e “ devastar a sociedade”, são manifestamente conclusivas.
A demonstração de que a execução da deliberação pode causar dano apreciável, reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir a existência de prejuízos e da correspondente gravidade, não sendo suficiente, para o efeito, a mera alegação de juízos de valor, conjecturas, receios não fundamentados ou conclusões acerca do dano apreciável [por exemplo, o risco de, de forma directa ou indirecta, se criarem situações de benefício ou proveito próprio dalguns administradores ou accionistas, em prejuízo e sem consideração dos interesses comuns dos accionistas enquanto tais e dos credores sociais, é comum a todas as sociedades] (Ac. desta RG de 13/09/2018, processo 803/18.0T8BCL.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg).
Hoje não existe nenhum normativo correspondente ao antigo artigo 646º, n.º 4 do CPC revogado que determinava terem-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito, que se aplicava, por analogia, à matéria conclusiva.
No entanto, o princípio que estava subjacente ao preceito não desapareceu.
O art.º 607º, nº 4 do CPC dispõe: "Na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência".
Resulta claro deste normativo que na fundamentação de facto apenas cabem asserções de facto e não asserções conclusivas, genéricas, matéria irrelevante ou de direito.
Assim e no sentido exposto decidiu-se no Ac. do STJ de 28/09/2017, proc. 809/10.7TBLMG.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj: “Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art.º 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos”.
E no Acordão desta Relação de 11.10.2018, consultável in www.dgsi.pt/jtrg pelo processo 616/16.3T8VNF-D.G1: “De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do art.º 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), (…) que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o “thema decidendum”.
E no Ac. desta Relação de 11/11/2021 proc. nº 671/20.1T8BGC.G1, disponível em www.dgsi.pt/jtrg.: “Não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir «factos provados» para esse efeito as afirmações que «numa pura petição de princípio assimile a causa de pedir e o pedido»… De facto, se a opção legislativa tem subjacente a possibilidade de com maior maleabilidade se fazer o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que agora ambos (decisão da matéria de facto e da matéria de direito) se agregam no mesmo momento, a elaboração da sentença, tal não pode significar que seja admissível a «assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto»…”
Em face do exposto, na parte que refere que as ora gerentes “ têm agido movidas pela vontade de obter proveitos pessoais indevidos e, em último caso, devastar a sociedade”, a alínea em referência não se pode manter, por violação do disposto no art.º 607º n.º 4 do CPC, eliminando-se tal parte dos factos não indiciariamente provados.
Relativamente à parte em que se afirma “tendo celebrado negócios dos quais resulta a dissipação do património daquela”,impõe-se precisar, pois o que a requerente alegou, devidamente compaginado, foi que:
a) o objeto social da sociedade é a gestão de bens mobiliários e imobiliários, sendo proprietária de um valioso espólio quer de imóveis, quer de obras de arte,
b) a sociedade obriga-se com a assinatura de dois gerentes;
c) a sócia CC é irmã da sócia DD e constituem um lado da família;
d) a nomeação da sócia CC como gerente, pela deliberação de 20/12/2021, permitirá às duas gerentes - DD e CC – reunir as duas assinaturas necessárias para obrigar a sociedade e, assim, celebrar negócios de dissipação do património da sociedade ou negócios ruinosos para a mesma.
Ou seja: o que se extrai do esparsamente alegado pela requerente é que, dada a demora da acção principal, a execução da deliberação de nomeação da gerente CC, conjugada com o facto de a sócia DD ser também gerente, levará à celebração de negócios de dissipação do património da sociedade ou de negócios ruinosos para a mesma.
Estamos perante uma formulação que se situa no limite do conclusivo.
Mas, como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 351 que “é de defender uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderamente perturbada por juízos lógicos-formais em torno do que seja “matéria de direito” ou “matéria conclusiva” que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e jutsiça material do caso.” e, mais adiante, que se justifica “o alargamento de uma “zona cinzenta” onde podem coexistir ambas as valorações”, terminando por referir que “a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como “matéria de facto provada” pura e inequívoca matéria de direito” e que “ importa que se admita que a descrição da realidade que subjaz ao litigio seja feita a partir de outros pressupostos que valorizem os aspectos de ordem substancial.”
Vejamos
Está indiciariamente provado – ponto 3.8. - que o objeto social da sociedade é a gestão de bens mobiliários e imobiliários, sendo proprietária de um valioso espólio quer de imóveis, quer de obras de arte,
Resulta da certidão da CRComercial, junta ao PE a 18/04/2022 e concretamente da apresentação AP. ...28, pela qual foi inscrita a transformação da sociedade em sociedade por quotas, que a sociedade requerida se obriga com a intervenção: a) - conjunta dos dois gerentes; b) - de um gerente-delegado, no âmbito das competências que lhe foram delegadas e se a delegação de poderes atribuir o poder de representação da sociedade; c) - de procurador, no âmbito dos poderes conferidos pela respetiva procuração.
Mais resulta da referida certidão que a gerência é composta por dois gerentes.
E resulta ainda da referida certidão que pela ap. ...04 foi inscrita a designação da sócia DD como sócia.
Não foi junta qualquer prova documental de que a sócia CC é irmã da sócia DD e constituem “um lado da família”, por oposição à requerente, ou seja, são todas filhas do mesmo pai, mas não da mesma mãe.
Mas nada disto constitui o cerne do procedimento cautelar e não foi impugnado.
A testemunha GG referiu que no Convento ... existem bens que pertencem à “herança” (sic) (nos autos alega-se que os bens ali existentes pertencem à sociedade requerida), que o valor dos bens é na ordem dos 500 mil euros, que o referido Convento, onde funciona uma unidade hoteleira, foi dado á exploração, que ocorreu o “roubo” de uma peça – um jardim em bronze - no âmbito da gerência da falecida BB e da DD, que não existe qualquer controlo no espaço, não existe segurança nem câmaras de vigilância, receia que desapareçam bens “pertencentes à herança”, o contrato de exploração é ruinoso porque a contrapartida por 4 meses de exploração é de € 9.000,00, quando por uma só semana em Agosto auferiria € 3.000,00, tem receio que os actos se repitam, o interesse pessoal das actuais gerentes é impedir de “irem para o Convento”, que era a “casa da família”.
A requerente prestou declarações de parte e perguntada se tinha receio que permanecesse a nomeação da irmã CC como gerente, depois de referir alguns aspectos da dinâmica familiar, declarou que as irmãs tomam decisões “ sem lhe dar cavaco”, por isso não pode confiar nelas, que não tem confiança nenhuma delas, não tem confiança na gestão que têm feito da sociedade, tendo referido o facto de ter sido entrega total dos espaços e bens da herança a terceiros, o “roubo” de uma peça e o facto de terem recebido € 10.000,00, o que não cobriu o valor da peça, que as irmãs fizeram participação do “roubo”, tal aconteceu quando a gestão já estava entregue, que foi desagradável ver estranhos a entrar na “nossa propriedade”, o contrato de cessão de gestão de exploração foi efectuado no ano anterior, a decisão foi tomada pelas ora gerentes e pela mãe das mesmas, BB, considera que o valor do contrato de exploração era ridículo porque as mesmas disseram que iam ceder tudo por € 9.500,00 quando já tinha uma reserva de 6 dias por € 3.000,00, tendo referido depois que naquela situação já não tinham funcionários, perguntada se a CC e a DD (por lapso, o Ilustre mandatário da requerida referiu AA) praticaram algum acto que tenha prejudicado a sociedade, referiu a entrada dos jardineiros sem controlo, que causa preocupação;
A depoente DD (legal representante da requerida) declarou que na sequência da pandemia tiveram de despedir o pessoal, o espaço tem oito hectares, confirmou que houve um roubo, não é a gestão que traz risco ao imóvel, o imóvel, pela sua dimensão é que constitui um risco, não conseguiram identificar a data em que ocorreu o “roubo” da peça, os jardineiros são pessoas de confiança, não é possível ter alguém a acompanhar os jardineiros, a sociedade tem um histórico de 10 anos de resultados negativos, não é o facto de serem elas a gerir que gera um resultado melhor, quem explora tem uma sinergia da dimensão que elas não conseguem ter, têm uma economia de escala que elas não conseguem ter, pode dar a sensação que a proposta vista isoladamente pode ser pequena, mas abatendo todos os custos que se deixa de ter com a exploração, os custos com a manutenção e o risco associado à operação, pois assumem se há reservas ou não, que até á data não praticaram qualquer acto concreto para além de ter chamado jardineiros, porque querem a clarificação da situação.
Mais referiu que sofrem com a sazonalidade pelo que as receitas se concentram, mas os custos mantêm-se, referindo-se depois às contas de 2019 e 2018, o espaço é muito grande.
Em primeiro lugar, não se encontram na prova produzida quaisquer elementos que demonstrem que a nomeação da sócia CC como gerente, pela deliberação de 20/12/2021, permitirá às duas gerentes - DD e CC - celebrar negócios de dissipação do património da sociedade.
Em segundo lugar, nenhum elemento concreto permite estabelecer um nexo causal potencial entre o facto de a exploração pertencer à DD e á CC e a ocorrência de furtos de peças existentes no património da requerida, sendo certo que é absolutamente irrelevante o que ocorreu no âmbito da anterior gerência, sem prejuízo de não se vislumbrar, em abstracto, que o furto de uma peça seja uma consequência normal ou típica, uma consequência natural ou um efeito provável do facto de ter sido dada exploração do espaço a terceiros.
Em terceiro lugar, não é pelo facto de ser possível auferir € 3.000,00 com uma reserva em Agosto que permite concluir que o valor de € 9.000,00 por 4 meses de exploração é “ruinoso”, pois, como explicou a depoente DD, a exploração directa implica os concomitantes custos com pessoal e manutenção e o risco de exploração.
Independentemente disto, nada permite afirmar que o contrato de exploração se mantém ou que venha a ser repetido.
Em suma: a prova produzida traduz-se em meros receios, meras suposições ou conjecturas, ou seja, juízos formados sem qualquer base factual concreta.
Destarte impõe-se considerar não indiciariamente provado sob a alínea c) dos factos não indiciariamente provados que dada a demora da acção principal, a execução da deliberação de nomeação da gerente CC, conjugada com o facto de a sócia DD ser também gerente, levará à celebração de negócios de dissipação do património da sociedade ou de negócios ruinosos para a mesma.
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5. Direito 5.1. Enquadramento jurídico
Dispõe o art.º 380.º n.º 1 do Código de Processo Civil que, se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.
A suspensão de deliberações sociais constitui uma providência especifica que permite antecipar certos efeitos jurídicos derivados da sentença declarativa da nulidade ou da anulabilidade da deliberação social, obstando à execução de uma deliberação formal ou substancialmente inválida e a consequente produção de efeitos negativos na esfera jurídica do sócio ou da pessoa coletiva (associação ou sociedade em causa) (Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, Almedina, 2001, p. 69).
A finalidade deste procedimento cautelar é obter a suspensão, a paralisação da execução de uma dada deliberação, pelo que, pela natureza das coisas, o mesmo só pode ter por objecto deliberações não executadas ou ainda não totalmente executadas, abarcando tanto as deliberações cuja execução exige a prática de vários actos, como as que são de execução continuada ou de efeitos persistentes.
Integra a última categoria (deliberação cujos efeitos persistem) a deliberação de nomeação de gerente já registada.
Como se referiu no Ac. da RP de 12/02/1996, consultável in CJ, 96, I, 219 e in www.dgsi/jtrp, processo 9551089, a eleição dos membros dos órgãos sociais é uma deliberação que muito embora tenha sido imediatamente executada, perdura no tempo.
No mesmo sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem in CPC Anotado, 2º Volume, pág. 108: “Visando-se suspender a execução da deliberação, esta não pode, por definição, ter sido já inteiramente executada, pois nada há, então, que possa ser suspenso (…) Podem, porém ser suspensas deliberações cuja execução tenha tido inicio, mas deva ainda prosseguir por ser continuada: a providência evitará, neste caso, a continuação da execução em curso.
Também Marco Gonçalves, in Providências Cautelares, 3ª edição, pág. 269 considera que “é admissível a suspensão de deliberações sociais já executadas, quando a execução revestir um carácter continuo e permanente ou quando, aquelas, apesar de já terem sido executadas, continuem a produzir efeitos danosos”.
São três os pressupostos para a procedência do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais:
- a qualidade de associado ou sócio do requerente;
- a tomada de deliberação por associação ou sociedade contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato;
- a existência de dano apreciável na execução da deliberação.
O primeiro pressuposto não suscita quaisquer dificuldades.
Relativamente ao segundo pressuposto distingue-se as causas de nulidade das deliberações sociais por vício procedimental ou de forma (as previstas nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 56º do CSC, que configuram nulidades atípicas ou mistas) das que resultam de vício de fundo ou de conteúdo (as previstas nas als. c) e d) desse mesmo preceito).
Face ao invocado, relevam as deliberações dos sócios tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados e que nos termos do disposto no art.º 56º n.º 1 alínea a) do CSC são nulas.
Como refere Coutinho de Abreu, in CSC em Comentário, I, 2ª edição, pág. 691 – que acompanhamos -, o normativo em referência integra não só a assembleia geral não convocada, ou seja, assembleia geral que não foi precedida de qualquer convocatória – ninguém foi convocado, mas ainda assim, alguns sócios reuniram-se e adotaram deliberações – como a assembleia realizada sem que para a mesma tenha sido convocado algum dos sócios.
No mesmo sentido o Ac. do STJ de 04-07-2019, processo 34352/15.3T8LSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj em cujo sumário consta: II. Se a “assembleia geral não convocada” a que se refere a norma artigo 56.º, n.º 1, al. a), do CSC é, antes de mais, a assembleia geral não precedida de qualquer convocatória, deve ainda ser considerada não convocada a assembleia realizada sem a presença de um ou mais sócios que não foram convocados, sendo, consequentemente, nulas, por força da mesma norma, as deliberações aí tomadas.
A imposição da nulidade para a situação em referência resulta do facto de o vicio em causar atentar contra um dos mais elementares direitos dos sócios: o de participar nas deliberações de sócios – art.º 21º, n.º 1 alínea b) do CSC.
Finalmente e quanto ao terceiro pressuposto – “… mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.” – exige-se um nexo de causalidade entre o dano e a execução da deliberação.
Mas, como referiu Lobo Xavier, in Revista de Legislação e Jurisprudência ano 123º, página 382 (anotação a um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Julho de 1987), “como todas as providências cautelares, a suspensão das deliberações sociais visa premunir contra o periculum in mora (o perigo da demora do processo) o autor da acção de que o procedimento cautelar é dependência”.
E ainda de acordo com o mesmo autor, in “Conteúdo de providência de suspensão de deliberações sociais, RDES, Ano XXII, página 215, “não é toda e qualquer possibilidade de prejuízos que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela acção proferida”.
E mais adiante (pág. 248) refere:
“O dano cuja eventualidade pode servir de fundamento à medida cautelar e ao qual se quis referir o artigo 396º, n.º 1 [actual art.º 380º, n.º 1 ], é todo aquele que derive do facto de a eficácia da deliberação ser tomada em conta até á sentença de anulação, ainda que para fins diversos da execução do acto”
No mesmo sentido Pinto Furtado, in Deliberações dos Sócios, Almedina, pág.467: “O dano apreciável é o dano significativo que pode resultar da execução da deliberação social ilegal, que a própria providência visa conjurar reconhecendo o periculum in mora na obtenção de uma decisão através da acção judicial de oposição a uma determinada deliberação”.
Na jurisprudência o Ac. da RP de 23/05/1989, CJ, Ano XIV, 1989, Tomo 3º, páginas 206 a 208, o Ac.do STJ de 04/05/2000, processo 00B337, consultável in www.dgsi.pt/jstj, o Ac. da RC de 27/04/2004, processo n.º 4176/03, consultável in www.dgsi.pt/jtrc e o Ac. da RE de 09/02/2006, in CJ, Ano XXXI, Tomo I/2006, páginas 250 e 251.
O dano apreciável é aquele que, não sendo insignificante, nem irrisório, também não integra a categoria dos danos graves e dificilmente reparáveis (cfr. neste sentido Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 2ª edição, volume IV, página 92 e na jurisprudência, entre outros, o o Ac. da RC de 19/12/1989, in CJ, Ano XIV, 1989, Tomo V, pág. 64 a 66, Ac. da RG de 13/05/2005, CJ, Ano XXXX, Tomo II/2005, pág. 292 e 293, Ac. da RE de 09/07/2009, CJ Ano XXXIV, Tomo III/2009, pág. 274 e 275, e Ac da RP de 02/06/2003, CJ, Ano XXVIII, Tomo III/2003, pág. 186 a 188).
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2ª edição, pág. 471: “ O requisito que se reporta a “ dano apreciável” configura um conceito indeterminado, decorrendo de factos dos quais possa extrair-se a conclusão de que a execução da deliberação acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe, por um lado, dos danos irrisórios ou insignificantes, mas sem atingir, por outro lado, o ponto da irrecuperabilidade ou da grave danosidade. Tal conceito abarca os danos patrimoniais e / ou não patrimoniais que se repercutem na sociedade ou no sócio”.
Destarte, para justificar a suspensão da deliberação, o dano apreciável, tem que ser significativo mas não tem que ser dificilmente reparável, como sucede no âmbito da providência cautelar comum - cfr. 362.º/1 do CPC.
Neste sentido, saber se a execução pode causar dano apreciável, significa, com base nos factos apurados, formular um juízo objectivo de prognose quanto à danosidade apreciável da deliberação, ou seja, não se pede ao tribunal que diga se o dano ocorreu, mas que diga se há probabilidade do dano significativo ocorrer, o que significa que o juiz é colocado numa perspectiva ex ante relativamente ao acontecer, traçando uma previsão sobre o que pode acontecer.
Assim, não se exige a verificação de um dano concreto, já que o tribunal move-se no “domínio das conjecturas e probabilidades, em cujo campo o julgamento tem de atender às especiais circunstâncias do caso e de ser feito com base em indícios circunstanciais que levem a concluir pelo maior ou menor grau de probabilidade da ocorrência dos factos apontados como danosos, bem como da importância ou relevância do eventual dano para o poder qualificar de apreciável (Ac. da RL de 30/09/1993, processo 0069372, consultável in www.dgsi.pt/jtrl).
O risco de dano apreciável é o risco de prejuízos significativos, para cuja demonstração não bastam meras hipóteses, possibilidades, previsões ou suposições, e são necessários factos que, analisados com objectividade, revelem ou indiciem o perigo das consequências que se querem evitar.
Por outro lado, a demonstração de que a execução da deliberação pode causar dano apreciável, reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir a existência de prejuízos e da correspondente gravidade, não sendo suficiente, para o efeito, a mera alegação de juízos de valor, conjecturas, receios não fundamentados ou conclusões acerca do dano apreciável [por exemplo, o risco de, de forma directa ou indirecta, se criarem situações de benefício ou proveito próprio dalguns administradores ou accionistas, em prejuízo e sem consideração dos interesses comuns dos accionistas enquanto tais e dos credores sociais, é comum a todas as sociedades] (Ac. desta RG de 13/09/2018, processo 803/18.0T8BCL.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg).
O dano não tem que ser necessariamente de natureza patrimonial, podendo ser apenas ou também de natureza não patrimonial, designadamente do produzido pela violação do direito à imagem da empresa ou ao seu bom nome comercial (Abrantes Geraldes, Temas…, volume IV, página 93-94 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, 2º Volume, 3ª edição, pág. 111).
Relativamente ao pressuposto da invalidade da deliberação impugnada e decorrente do facto de estarmos perante um procedimento cautelar, não se exige mais do que um juízo de verosimilhança ou de mera probabilidade.
Mas já relativamente ao pressuposto do dano apreciável, tendo em consideração a letra da lei – “… mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.” - deve exigir-se “uma probabilidade muito forte de que a execução da deliberação poderá causar dano apreciável (cfr. Marco Filipe Carvalho Gonçalves, Providências cautelares, 3ª edição, pág. 272).
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5.2. Em concreto
Relativamente ao primeiro pressuposto, não há qualquer dúvida quanto á qualidade de sócia da requerente, como resulta dos pontos 3.1. a 3.6.
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Relativamente ao segundo pressuposto, não é possível decidir da sua verificação, tendo em consideração que, face ao exposto no ponto 4.3.1., se mostrava essencial a produção de um novo meio de prova.
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Finalmente e quanto ao terceiro pressuposto, impõe-se concluir não terem ficado indiciariamente provados quaisquer factos que permitam considerar que dada a demora da acção principal, a execução da deliberação de nomeação da gerente CC, conjugada com o facto de a sócia DD ser também gerente, levará à celebração de negócios de dissipação do património da sociedade ou de negócios ruinosos para a mesma.
A inverificação deste pressuposto tem uma consequência imediata: dita a improcedência do procedimento cautelar e, assim, a decisão recorrida deve manter-se, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente.
Mas dita também uma segunda consequência: como já se tinha vislumbrado, torna inútil seja ordenada a produção de um novo meio de prova para aferir da verificação do facto referido em 4.3.1. - a requerente não recebeu o aviso para levantamento da carta enviada pela requerida a 25/11/2021.
A terceira consequência é que, não se verificando os pressupostos para o decretamento da suspensão da deliberação tomada a 20/12/2021, fica prejudicada a questão da caducidade.
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6. Decisão
Termos em que acordam os juízes que compõem a 1ª secção da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto.
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Custas pela recorrente – art.º 527º n.º 1 do CPC
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Notifique-se
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Guimarães, 19/01/2023
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
Juiz Desembargador Relator: José Carlos Pereira Duarte
Juízes Desembargadores Adjuntos: Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais
José Fernando Cardoso Amaral