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COMPENSAÇÃO
CRÉDITO DE ALIMENTOS
RECONVENÇÃO
Sumário
I - Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio da figura da compensação com a obrigação do seu credor. II - O crédito de alimentos, cujo titular é o menor, está excluído expressamente por lei da compensação, que constitui uma das formas de extinção de créditos para além do cumprimento, e ainda por ser impenhorável. III - O progenitor guardião que suportou integralmente as despesas de educação do menor, sem ter sido fixada, por acordo ou judicialmente, a prestação de alimentos que competia ao progenitor não convivente, não pode invocar esse contra crédito (não quantificado) com fundamento na sub-rogação, por forma a lograr extinguir o crédito principal mediante compensação, já que carece manifestamente de exigibilidade, um dos requisitos exigidos para se operar a compensação dos créditos.
Texto Integral
Processo n.º 4498/20.2T8VNG.P1
Relatora: Anabela Andrade Miranda
Adjunta: Lina Castro Baptista
Adjunto: Pedro Damião e Cunha
I - RELATÓRIO AA, solteiro, residente em ..., Suíça, intentou a presente ação de condenação, com processo comum, por apenso à ação de divisão de coisa comum, com o n.º 186/19.0T8VNG, que corria os seus termos no J1 do Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, contra BB, solteira, residente na Rua ..., rés-do-chão, ... ..., Vila Nova de Gaia, pedindo:
a) A condenação da Ré no pagamento da quantia de €11.901,79, referente a metade das quantias pagas pelo Autor e superiores (ao dobro) à sua quota-parte relativa aos dois empréstimos contraídos pelo Autor e Ré para aquisição do imóvel identificado na petição inicial e destinado a habitação e para obras desde janeiro de 2013 até dezembro de 2019;
b) A condenação da Ré no pagamento do valor correspondente a metade de todas as prestações que o Autor venha a pagar ao credor hipotecário referente aos dois empréstimos, desde janeiro de 2020 até à venda judicial da fração e ao recebimento do crédito pelo credor hipotecário e que o Autor comprove nos autos;
c) Que o valor do direito de crédito do Autor seja pago imediatamente a seguir ao pagamento do direito crédito do credor hipotecário - Banco 1..., SA, com as legais consequências;
Subsidiariamente, peticiona:
d) A condenação da Ré no pagamento da quantia de €11.901,79, referente a metade das prestações que o Autor pagou ao credor hipotecário no âmbito dos contratos de mútuo identificados e que eram responsabilidade da Ré,
e) A condenação da Ré no pagamento do valor correspondente a metade de todas as prestações que o Autor venha a pagar ao credor hipotecário referente aos dois empréstimos, desde janeiro de 2020 até à venda judicial da fração e ao recebimento do crédito pelo credor hipotecário e que o Autor comprove nos autos;
Para tanto, em resumo, alega que em 25.09.2003, Autor e Ré adquiriram uma fração autónoma, e que para procederem ao pagamento do preço decidiram contrair junto do então Banco 2..., hoje, Banco 1... dois empréstimos, nos montantes que indica, os quais foram garantidos por duas hipotecas constituídas sobre o imóvel adquirido.
Mais alega que no início de 2013 o Autor foi obrigado a ir trabalhar para o estrangeiro, tendo deixado de habitar o imóvel, passando a partir dessa data a Ré a dele usufruir exclusivamente.
Apesar disso, foi o Autor, desde janeiro de 2013 a dezembro de 2019, que suportou na totalidade as duas prestações mensais dos referidos empréstimos bancários, no valor total de €23.803,59, pelo que, estando em curso ação de divisão de coisa comum, entende que lhe assiste o direito a haver da Ré metade do valor por si exclusivamente pago e, ainda, dos que pagará até que no âmbito daquela ação o credor hipotecário venha a obter pagamento.
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Por despacho proferido em 4.06.2020 foi determinada a desapensação da ação e a sua remessa à distribuição.
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A Ré, na contestação, deduziu reconvenção pedindo a condenação do Autor no pagamento da quantia de €39.728,36, compensando-se esta quantia com a que resultar da alegada responsabilidade da Ré no pagamento das prestações bancárias, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que entre 1.06.2012 e 31.11.2012 não residiu no imóvel, tendo arrendado um apartamento em Vila Nova de Gaia, tendo sido o Autor que lhe solicitou que voltasse para o imóvel, durante o período em que residia no estrangeiro, para que o mesmo não ficasse abandonado e fosse recebida e tratada a correspondência que que àquele respeita, pretensão a que acedeu a partir de 1.12.2012, altura em que aí passou a residir, com o filho de ambos. Que procedeu ao pagamento das prestações bancárias no período que decorreu entre o ano de 2011 e até 31.05.2012 e do valor correspondente a metade entre fevereiro e outubro de 2019. Alegou ainda que foi acordado que seria o Autor a suportar a totalidade dos empréstimos bancários contraídos na medida em que a metade que caberia à Ré seria suportada com as prestações mensais devidas ao filho menor de ambos a título de alimentos, que Autor e Ré fixaram como correspondendo a €200,00 o valor a contribuir mensalmente pelo Autor. Assim, o Autor suportaria os encargos bancários e a Ré a parte que àquele caberia nos alimentos devidos ao filho de ambos, o que motivou que não houvesse lugar à regulação das responsabilidades parentais.
Para além disso, alega que assumiu o pagamento de várias dívidas do Autor e que a partir de janeiro de 2013, o Autor passou a receber na Suíça, dos Serviços Sociais, um abono para o filho de ambos, que junca destinou ao sustento deste, sendo que a esse título auferiu a quantia de €19.459,00. Que o Autor, invocando dificuldades financeiras, solicitou à Ré que procedesse ao pagamento das prestações mensais, o que esta fez no período que decorreu entre 8.01.2014 a 21.03.2017. Invoca que o Autor, ao negar o acordo que consigo celebrou, em resultado do qual durante sete anos assumiu sozinha a totalidade das despesas do seu filho, assume um comportamento que constitui abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium. Alegando que procedeu a pagamentos de dívidas do Autor, de prestações bancárias, quer na totalidade, quer na proporção de metade, que aquele auferiu o abono destinado ao filho, e que o não entregou e que arcou com a totalidade das despesas necessárias ao sustento, alimentação, vestuário do filho de ambos.
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Replicou o Autor para, no essencial, excecionar a inadmissibilidade do pedido reconvencional deduzido e impugnar a factualidade deduzida pela Ré, alegar que a pensão de alimentos do filho, no montante mensal de €150,00, foi acordada no âmbito do Processo nº 734/19.6T8VNG, do Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, no dia 06.03.2019, com efeitos a partir de 23.01.2019.
Mais alegou que o seu filho ou a Ré, por intermédio, deste, recebe, desde data que desconhece, cerca de €260,00 mensais, pagos pelas entidades suíças.
Alegou ainda que a Ré, em 5.01.2014, elaborou e assinou um documento, intitulado de “Declaração por mútuo acordo” nos termos do qual declarou que abdicava dos direitos sobre o imóvel propriedade de ambos e que a responsabilidade do crédito ficaria a cargo do Autor, tendo ainda acordado que o Autor transferia a propriedade da viatura de marca Renault ... com matricula ..-..-OU para a Ré, tudo com efeitos a partir de junho de 2012.
Mais foi declarado que por mútuo acordo a Ré ficaria a residir na habitação até que o Autor dela necessitasse, período durante o qual não haveria qualquer pagamento a título de pensão de alimentos devidos ao filho.
Alega ainda na ação de divisão de cosia comum que correu termos neste tribunal, no Juízo Local Cível de VNG – Juiz 1, proc. nº 186/19.0T8VNG, a Ré recebeu a quantia de €15.898,21, a título de metade do remanescente do valor da venda.
Invoca o abuso de direito e pede a condenação da Ré como litigante de má fé.
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No exercício do seu direito ao contraditório, pronunciou-se a Ré, para além do mais, quanto ao documento junto pelo Autor na réplica, invocando que a assinou sob a ameaça do Autor de que levaria o seu filho para a Suíça.
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Proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, reconheceu ao Autor um direito de crédito sobre a Ré no montante de €10.834,32 e julgou a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, declarou extinto por compensação o crédito a que se alude na alínea anterior; absolveu do pedido, no mais, a Ré da ação e o Autor do pedido reconvencional.
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Inconformado com a sentença, o Autor interpôs recurso finalizando com as seguintes Conclusões
A) O Recorrente não se pode conformar com a sentença recorrida na parte em que : julgou parcialmente procedente a reconvenção deduzida pela Ré; reconheceu à Ré um crédito de alimentos devidos ao filho de ambos (embora não determinasse o valor do crédito) e em consequência declarou extinto por compensação o crédito do Autor sobre a Ré no montante de 10.834,32€ corresponde a metade do valor das prestações de amortizações dos contratos de mútuo da responsabilidade da Ré e pagos pelo Autor;
B) O Recorrente considera o que a decisão recorrida violou vários preceitos legais mormente as regras da competência dos tribunais em razão da matéria, bem como as regras relativas à admissibilidade da reconvenção previstas no artigo 266.º n.º 2 do Código Civil bem como o artigo 2008.º do Código Civil;
C) A Recorrida com o aval do Tribunal a quo pretendeu servir-se da presente ação para discutir a existência de um crédito a título de pensão de alimentos que alegou deter sobre o Recorrente e que em nada dizem respeito com o facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa e que não logrou provar;
D) Os requisitos substantivos da reconvenção são requisitos de conexão do pedido reconvencional com o pedido do autor, vindo enumerados, alternativamente, no nº 2, do art.º 266º do CPC;
E) Ora, não se vê onde o pagamento de pensões de alimentos ao filho menor do Recorrente e Recorrida possa ter qualquer conexão com o pedido do Recorrente na presente ação, o qual seja, o pagamento de metade das prestações bancárias contraídas no âmbito de 2 empréstimos bancários destinados à aquisição de habitação e obras;
F) Se a Recorrida pretendia exigir pensões de alimentos, teria que recorrer ao Tribunal de Família e Menores, através de ação própria, o que fez e que está a ser pontualmente pago desde 23/01/2019, tendo a pensão de alimentos sido fixada com efeitos a partir daquela data, pelo que, nada ou quantia alguma pode ou poderá ser exigível ao Recorrente;
G) É no mínimo caricato o Tribunal a quo permitir que numa ação civil com o objeto da ação bem definido, em que se pede a condenação da Ré a pagar ao Autor uma quantia devida pela responsabilidade solidária em empréstimos bancários/créditos a habitação/obras possa passar-se a discutir eventuais créditos de pensões de alimentos ao menor que nem se encontram judicialmente reconhecidos e que extravasam a competência material deste Tribunal dado que são da competência do Tribunal de Família e Menores;
H) É ainda mais caricato o Tribunal a quo numa ação civil com o objeto da ação bem definido, em que se pede a condenação da Ré a pagar ao Autor uma quantia devida pela responsabilidade solidária em empréstimos bancários/créditos a habitação/obras aceitar que se discuta nesta ação direitos a pensões de alimentos que nem sequer constituem um crédito da própria Ré - pelo que inexiste desde logo o requisito da reciprocidade de créditos - mas eventualmente do filho CC que na presente data já é maior de idade;
I) O pedido reconvencional deduzido pela Recorrida na parte em que extravasa o pagamento das eventuais prestações que aquela alega ter pago é ilegal e inadmissível, o que se invoca e pretende ver declarado;
J) E diga-se que em momento algum o Recorrente aceitou compensar qualquer crédito da R., nem praticou qualquer ato contrário às obrigações que assumiu;
K) O Reconhecimento de créditos a título de pensões de alimentos é da competência material e exclusiva do Tribunal de Família e Menores e não dos Tribunais Cíveis e a pensão de alimentos apenas foi fixada com efeitos a partir de 23/01/2019, pelo que, nada ou quantia alguma pode ou poderá ser exigível ao Autor;
L) A R. não é titular de qualquer crédito de pensão de alimentos e a existir qualquer crédito de pensão de alimentos o mesmo sempre seria do menor, pensão a qual foi fixada com efeitos a partir de 23/07/2019, a qual não tem efeitos retroativos;
M) Acresce que a Recorrida também não tem legitimidade para estar a exigir um crédito que não é seu e pugnar pela compensação de um crédito que não lhe pertence e cuja compensação nem sequer é legalmente admitida por lei!
N) A prestação de alimentos não é um direito do outro progenitor (não obrigado) e o art.º 2008º prevê uma impossibilidade absoluta de compensação de prestações alimentícias;
O) Pelo que, o referido crédito referente a alegadas pensões de alimentos do filho de ambos além de não serem exigíveis judicialmente, porque não fixados, não são um crédito da Ré e não podem sequer ser compensados e por via disso, o pedido reconvencional, não podia ser admitido nem julgado procedente, o que aqui se invoca e pretende ver declarado;
Sem prescindir, acresce ainda que:
P) A sentença proferida padece de nulidades, mormente as nulidades especificadas e previstas nos artigos 615.º n.º 1 alínea b) e c) do CPC;
Q) O Tribunal a quo quanto aos fundamentos para julgar o pedido reconvencional procedente utilizou um documento que o Autor veio trazer à lide, ou seja, um acordo firmado entre as partes em 05 de Janeiro de 2014 - declaração elaborada e assinada pela Ré no dia 05/01/2014, resulta que:
- A Ré abdicou dos direitos sobre a casa sita na Rua;
- A Responsabilidade pelo pagamento das prestações do crédito à habitação ficaria a cargo do Autor;
- A Ré, por sua iniciativa, terminou a relação conjugal com o Autor em maio de 2012;
- A Ré saiu daquela habitação tendo declarado que a propriedade da mesma ficaria para o AA;
- A Ré desde maio de 2012 que abdicou da casa e da responsabilidade pagar as prestações ao banco;
A cargo da Ré ficaria as despesas da água e luz;
- A Ré passaria a habitar a casa de que o AA e que logo que este precisasse da mesma, a Ré entregava-lhe aquela habitação, bastando que a avisasse com 2 meses de antecedência;
- Durante a vigência da cedência daquela habitação, o AA não cobraria qualquer renda à Ré pelo uso da referida habitação e o AA não seria responsável pelo pagamento de qualquer pensão de alimentos ao filho menor de ambos;
- Ficou acordado que o AA transferia a propriedade da viatura de marca Renault ... com matrícula ..-..-OU para BB;
- Declarou ainda que a data da separação entre eles ocorreu em junho de 2012;
R) E, não obstante, o Tribunal a quo declarar por diversas vezes na sentença recorrida que esse acordo era um mero acordo informal ferido de nulidade quanto a qualquer tipo de transferência de propriedade do imóvel e igualmente quanto a um acordo quanto à prestação de alimentos ao filho menor de ambos,
S) Considerando-o inválido, mas decidiu tê-lo em consideração para julgar o pedido reconvencional da Recorrente procedente e reconheceu um crédito de alimentos devidos ao filho de ambos - embora não determine nenhum valor do crédito - e em consequência declarou extinto por compensação o crédito do Autor sobre a Ré no montante de 10.834,32€ corresponde a metade do valor das prestações de amortizações dos contratos de mútuo da responsabilidade da Ré e pagos pelo Autor;
T) O crédito alegado pela Recorrida a título de pensão de alimentos, não existe mas mesmo que existisse era legalmente inexigível, seja extra seja judicialmente;
U) Entre Recorrente e Recorrida nunca existiu qualquer acordo relativo ao pagamento de pensão de alimentos bem como nunca foi acordado que o mesmo seria substituído pelo pagamento do valor das prestações dos créditos bancários nem nenhum outro qualquer acordo;
V) Note-se que o Tribunal a quo reconheceu à Ré um crédito de alimentos devidos ao filho de ambos, mas não determinou o montante do crédito e não fixou qual o valor mensal da referida pensão de alimentos a fim de poder calcular o valor do crédito de alimentos da Ré a compensar.
W) Em audiência de discussão e julgamento não foi feita qualquer prova nem sequer se discutiu com credibilidade quanto a um eventual valor mensal da referida pensão de alimentos a fim de poder calcular qualquer valor do crédito de alimentos;
X) Note-se que, o Tribunal a quo nem sequer com base ao Princípio da Equidade fixou qualquer valor de crédito de alimentos nem sequer qualquer valor mensal;
Y) Tendo o Tribunal a quo julgado como não provado na alínea b) dos factos não provados que: “Autor e Ré acordaram entre si que o valor dos alimentos a que se alude no facto 14º ascenderia a €200,00 mensais;”
Z) E não é de perguntar: Não tendo o Tribunal a quo fixado qualquer valor da pensão de alimentos, ter julgado como não provado a existência de qualquer acordado quanto ao valor dos alimentos, como pode reconhecer um suposto crédito de alimentos da Ré e o compensar com o crédito do Autor? Qual o valor do crédito da Ré? Que fundamentos de facto e direito se baseou o Tribunal a quo para fixar um alegado crédito cujo tribunal não fixou qualquer valor nem sequer foi fixado por qualquer outro Tribunal judicialmente?
AA) Para se compensar um crédito com outro crédito, tem de ser fixado e determinado o valor de cada crédito,
BB) A sentença proferida quanto à procedência do pedido reconvencional é ambígua e ininteligível por o Tribunal a quo reconhecer um crédito à R. sem explicar os factos concretos em que se baseou para reconhecer tal crédito e acima de tudo sem especificar qual o valor do crédito da Recorrida e sem que se tenha feito qualquer prova em audiência de discussão e julgamento quanto a qualquer valor de pensão de alimentos acordado ou a determinar seja a que titulo for;
CC) Acresce que a Ré recorrida não é titular de qualquer crédito de pensão de alimentos, mas a existir qualquer crédito de pensão de alimentos o mesmo sempre seria do menor, pensão a qual foi fixada com efeitos a partir de 23/07/2019, a qual não tem efeitos retroativos;
DD) O pedido reconvencional deduzido na parte em que extravasa o pagamento das eventuais prestações que aquela alega ter pago é ilegal e inadmissível;
EE) O reconhecimento de créditos a título de pensões de alimentos é da competência material do Tribunal de Família e Menores e não dos Tribunais Cíveis e a pensão de alimentos apenas foi fixada judicialmente e com efeitos a partir de 23/01/2019, pelo que, nada ou quantia alguma pode ou poderá ser exigível ao Autor;
FF) A Recorrida não tem legitimidade para estar a exigir um crédito que não é seu e o Tribunal a quo não podia reconhecer um crédito à R. que não é seu e determinar a compensação de um crédito a favor da R. que não lhe pertence e cuja compensação nem sequer é legalmente admitida por lei!
GG) A prestação de alimentos não é um direito do outro progenitor (não obrigado) e o art.º 2008º prevê uma impossibilidade absoluta de compensação de prestações alimentícias;
HH) Mas mesmo que fosse exigível, parte dos alegados créditos já se encontrariam prescritos, porquanto prescrevem no prazo de cinco anos as pensões alimentícias vencidas, de acordo com a al. f) do art.º 310º do C. Civil, o que se invoca e pretende ver declarado;
II) Mesmo que hipoteticamente se considerasse que tais pensões de alimentos configurariam um crédito da Ré ou do filho para com o Autor, as pensões de alimentos reclamadas até ao ano 2015 já se encontram prescritas, o que se invoca e pretende ver declarado;
JJ) A procedência do pedido reconvencional é profundamente injusta pois que é falso que a Recorrida tenha durante os anos 2012 a 2019 suportado todo o sustento do filho menor de ambos;
KK) A Ré e o filho de ambos CC, atualmente maior de idade, permaneceram no imóvel durante os anos 2012 a 2019, sem o pagamento de qualquer despesa relativa ao imóvel ou qualquer renda mensal ou outro valor;
LL) O Autor durante anos forneceu gratuitamente uma habitação condigna para o filho menor viver com a Recorrida, tal como acordado no documento subscrito por ambos no dia 05/01/2014, enquanto que, todas as prestações do crédito eram pagas na totalidade pelo Recorrente, embora metade dessas prestações eram da responsabilidade da Recorrida;
MM) Por outro lado, importa dizer que apesar de a R. ter assumido o pagamento das despesas com a habitação e de viver gratuitamente no imóvel, tais como, consumos de água, eletricidade, seguros de vida e dos carros e outros encargos, nada pagou, tendo sido o Autor que ao longo de anos a fio pagou tais despesas, tal como resulta claro e cristalino dos extratos bancários juntos aos autos pelo Autor de que era o Autor quem efetuava tais pagamentos, bem assim como da matéria dada como assente no ponto 24 dos factos dados como provados;
NN) Nunca e em momento algum sempre que era solicitado ao Recorrente o pagamento de qualquer despesa de saúde ou outra necessária para o filho de ambos e comunicada pela Ré o Autor se negou a pagar qualquer despesa apesar de trabalhar e viver na Suíça e durante vários anos o Autor suportou todas estas despesas sem nunca exigir o que quer que fosse à R.;
OO) O Recorrente desde julho 2012 que não habita no imóvel em apreço, nem realiza qualquer consumo de água, luz, gás, telecomunicações, etc., pelo que, é justo e imperioso que fosse a Ré a pagar tais despesas;
PP) Relembrando que a Ré assumiu no documento datado de 05/01/2014 que:
- Se responsabilizaria pelo pagamento das despesas de água e luz - o que não fez;
- Abdicou dos direitos sobre a casa sita na Rua - o que não fez;
- A propriedade daquela habitação ficaria para o Autor - o que não fez;
- Durante a vigência da cedência daquela habitação, o Autor não cobraria qualquer renda à Ré pelo uso da referida habitação e em contrapartida o Autor não seria responsável pelo pagamento de qualquer pensão de alimentos ao filho menor de ambos - o que não fez;
QQ) E relembrando ainda que, não obstante nunca ter pago as prestações bancárias, as despesas do imóvel onde habitou, é de referir que na ação de divisão de coisa comum que correu termos no Juízo Local Cível de VNG – Juiz 1, proc. nº 186/19.0T8VNG, o imóvel foi vendido e a Ré recebeu a quantia de 15.898,21 € pela venda do imóvel – vide ponto 6 dos factos dados como provados;
RR) A decisão proferida pelo Tribunal a quo viola vários preceitos legais entre outros mormente as regras da competência dos tribunais em razão da matéria, bem como as regras relativas à admissibilidade da reconvenção previstas no artigo 266º nº 2 do Código Civil bem como o artigo 2008.º do Código Civil;
SS) A decisão proferida pelo Tribunal a quo padece ainda de nulidade mormente as nulidades especificadas e previstas nos artigos 615.º n.º 1 aliena b) e c) por várias razões nas quais se baseiam no essencial no seguinte:
- O Tribunal a quo reconheceu à Ré um crédito de alimentos devidos ao filho de ambos e não determinou o montante do crédito;
- Não fixou qual o valor mensal da referida pensão de alimentos a fim de poder calcular o valor do crédito de alimentos a compensar;
- Em audiência de discussão e julgamento não foi feita qualquer prova quanto a um eventual valor mensal da referida pensão de alimentos acordado a fim de poder calcular o valor do crédito de alimentos da Ré a compensar;
- Não foi discutido qual o valor necessário do crédito de alimentos que o menor necessitaria;
- Note-se que, o Tribunal a quo nem sequer com base ao Princípio da Equidade fixou qualquer valor de crédito de alimentos nem se quer qualquer valor mensal. - É o próprio Tribunal a quo a julgar como não provado na alínea b) dos factos não provados que:
“Autor e Ré acordaram entre si que o valor dos alimentos a que se alude no facto 14º ascenderia a €200,00 mensais;”
-A sentença proferida quanto à procedência do pedido reconvencional é ambígua e ininteligível por o Tribunal a quo reconhecer um crédito à Ré sem explicar os factos concretos em que se baseou para reconhecer tal crédito e acima de tudo sem especificar qual o valor do crédito da Ré e sem que se tenha feito qualquer prova em audiência de discussão e julgamento quanto a qualquer valor de pensão de alimentos acordado ou a determinar seja a que titulo for.
Acresce que a Ré não é titular de qualquer crédito de pensão de alimentos, mas a existir qualquer crédito de pensão de alimentos o mesmo sempre seria do menor, pensão a qual foi fixada com efeitos a partir de 23/07/2019, a qual não tem efeitos retroativos.
O pedido reconvencional deduzido pela Ré na parte em que extravasa o pagamento das eventuais prestações que a Ré alega ter pago é ilegal e inadmissível.
E o reconhecimento de créditos a título de pensões de alimentos é da competência material do Tribunal de Família e Menores e não dos Tribunais Cíveis e a pensão de alimentos apenas foi fixada judicialmente e com efeitos a partir de 23/01/2019, pelo que, nada ou quantia alguma pode ou poderá ser exigível ao Autor.
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A Ré apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
I. Limita-se a Recorrida a pugnar pela manutenção do julgado, de facto e de direito, “qua tale”, e consequentemente deverão ser julgadas improcedentes as conclusões de recurso sob apreço;
II. Foi irrepreensivelmente julgado parcialmente procedente, por legal e admissível, o pedido reconvencional deduzido nos autos e, em consequência, foi acertadamente declarado extinto por compensação o crédito do Recorrente sobre a Ré no montante de €10.834,21;
III. O Tribunal consignou na motivação da decisão da questão de facto assim dirimida e julgada e expressou o processo lógico e o itinerário cognoscitivo que presidiu a essa prolação vinculada aos pressupostos de facto dirimidos e devida subsunção à lei aplicada, tudo de jeito exemplarmente incontornável, quão rigoroso e inatacável.
IV. A motivação da decisão de facto e de direito apresenta-se bem estruturada e densamente fundamentada, louvando-se a Recorrida no acerto dessa prolação.
V. Resultaram provado os factos constantes dos itens 13 a 21 do probatório, não tendo o Recorrente impugnado tal matéria,
VI. Pelo que, não pode vir agora, nas conclusões que apresenta - alíneas J), U) JJ), LL) e NN) continuar a defender, sem qualquer fundamento, que nunca existiu qualquer acordo relativo ao pagamento de pensão de alimentos e valor das prestações bancárias, quando foi julgada provada tal matéria em sentido contrário nos pontos 13) e 14) dos factos provados.
VII. Bem andou o Tribunal “a quo”, na sua acertada fundamentação, ao considerar que o período temporal em causa (2012 a 2019) e o universo das necessidades de um jovem, tais dádivas e contributos referidos pelo filho das partes (três pares de chuteiras, algumas, poucas, peças de roupa (camisolas, um casaco e meias), um relógio, o valor da carta de condução e entre 5 a 20 euros quando ia embora e duas viagens pagas pelo Recorrente ao filho que este fez à Suíça) se revelam insignificantes, motivo pelo qual deu como provado o facto 17.º, que como já referimos que não foi impugnado pelo Recorrente.
VIII. Neste sentido, o que decorre da matéria dada como provada e que fundamentou a convicção do Tribunal “a quo” e o sentido da decisão recorrida, é que, durante vários anos de 2012 até 2019, foi vontade das partes fazer equivaler as obrigações da Ré (pagamento da metade das prestações dos empréstimos) ao valor dos alimentos que seriam devidos ao filho de ambos.
IX. Os alimentos do menor foram totalmente prestados pela Ré, que contribuiu para a satisfação das necessidades do seu filho para além daquilo a que estava obrigada, o que significa que cumpriu também, a obrigação que incumbia ao outro, e que, nessa medida, fica sub-rogada nos direitos do filho para exigir o cumprimento daquela obrigação, sendo o meio processual adequado a ação declarativa comum.
X. Arrima o Recorrente em pretender o melhor dos dois mundos: não ter contribuído entre dezembro de 2012 a dezembro de 2019 com as despesas de alimentação, vestuário, médicas e medicamentosas, escolares e outras relativas ao filho de ambos, pagar sozinho as prestações bancárias, criando a legítima expetativa na R. que por esse motivo não suportaria o A. o sustento do filho e, posteriormente, peticionar à R. a metade das prestações dos empréstimos contraídos, impedindo-a de compensar os montantes que suportou sozinha durante 7 anos,
XI. Confundindo, até, o crédito de alimentos com o suportado pela Ré para além da medida que lhe cabia.
XII. A vontade das partes no cumprimento do acordo para fazer equivaler as obrigações de ambos, que o Autor cumpriu, porque não pagou o valor dos alimentos que seriam devidos ao filho de ambos, motivou que a R. não os exigisse judicialmente, por ter criado a convicção de que o Autor não lhe exigiria, nem peticionaria os montantes respeitantes às prestações bancárias, o que acabou por suceder, encontrando-se tal matéria provada e não impugnada.
Ora,
XIII. Se o Autor acabou por exigir judicialmente da Ré a metade de tais prestações bancárias a título de direito de regresso, por as ter suportado na sua totalidade, então à Ré deve ser-lhe concedida a possibilidade de compensar tal pedido com o que contribuiu, sozinha para a satisfação das necessidades do seu filho durante 7 anos, para além daquilo a que estava obrigada, fazendo operar a compensação, podendo a Ré ver extinto o crédito peticionado pelo Autor com o crédito em que ficou sub-rogada.
XIV. Neste sentido bem andou o Tribunal “a quo”, ao ter entendido que o crédito a que se arroga a Ré não é um crédito de alimentos vencidos em sentido próprio, porque os não peticiona para o seu filho e o que esta pretende é ser ressarcida por os ter suportado para além da medida que lhe cabia, sendo assim compensável.
Aliás,
XV. Bem explicou o Tribunal “a quo” que, caso não operasse a compensação nos termos sobreditos, o pedido do Autor teria de improceder na medida em que as partes firmaram um acordo quanto à prestação de alimentos ao filho menor de ambos que cumpriram durante sete anos.
XVI. Esta factualidade foi essencial para que a Ré, convencida da firmeza do acordo, não tivesse instaurado a regulação das responsabilidades parentais, tendo-o feito mais tarde e posteriormente ao processo para divisão de coisa comum instaurado pelo A., sendo facto provado e não impugnado.
XVII. Tendo nessa ação requerido que o pagamento do produto da venda do imóvel, após ser pago o credor hipotecário, lhe devia ser entregue para reembolso das prestações por si pagas na totalidade ao credor bancário e cuja metade era obrigação da Recorrida, retomando esse pedido nos presentes autos.
XVIII. Neste contexto, tal pedido é abusivo, ilegítimo e contrário aos ditames da boa-fé, porque integrador da figura do abuso de direito, que consiste no exercício de uma posição jurídica que contradiz a conduta assumida ou defendida anteriormente.
XIX. Pelo exposto, não pode o Autor pretender que a Ré cumpridora, convicta que o autor continuaria também a cumprir a sua parte, seja confrontada com a alteração das regras a meio do jogo e seja chamada pelo Autor a pagar metade das prestações que aquele havia assumido pagar integralmente e, por seu lado, não se possa defender/compensar e ser ressarcida dos alimentos que prestou sozinha ao seu filho, acima do que era a sua obrigação e do que lhe cabia.
XX. Pretende o Recorrente prevalecer-se de formalismo, nas conclusões apresentadas, da incompetência material do Tribunal para o conhecimento da questão de “alimentos”, sua eventual compensação, ou até da falta de legitimidade da Recorrida para a pedir, porém, bem sabe que não lhe assiste qualquer razão,
XXI. O Tribunal “a quo” distinguiu o incumprimento do acordo celebrado entre A. e R., (que se funda no pagamento de valor a que terão decidido entre partes chamar alimentos, porque se refere ao pagamento e compensação de despesas com o filho de ambos, suportadas em exclusivo pela Recorrida), de prestações de alimentos a menor, tuteladas.
XXII. Certo que existindo causa de pedir válida, todos os motivos invocados nas conclusões do recurso apresentado deverão improceder.
XXIII. Deverão talqualmente improceder as nulidades invocadas, aliás, inexistentes,
XXIV. Porquanto, considerando a sentença partes do acordo junto aos autos nulas, não o dispensou porém, como meio de prova, (saliente-se que o Recorrente apenas o juntou na Réplica, após a Recorrida ter deduzido legitimamente o pedido reconvencional, sendo notório que o Recorrente já sabia que atuava em abuso de direito),
XXV. Tendo bem concluído a sentença, em súmula, que o referido acordo consubstancia uma troca de obrigações entre progenitores, do qual resulta que o menor não ficou privado de alimentos, e ainda, que estes foram prestados em exclusivo pela mãe, que ficou sub-rogada no direito de exigir a parte que cabia ao outro progenitor, sendo, até, o meio processual adequado a ação declarativa comum.
XXVI. Nada havendo a apontar, a sentença Recorrida decidiu corretamente, de facto e de direito, vinculada à lei aplicada, não enfermando dos apetecidos vícios, ou erro de julgamento, devendo manter-se inalterada “qua tale”.
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II - Delimitação do Objecto do Recurso
A questão principal decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se assiste à Ré o direito de crédito por si invocado (correspondente ao valor que caberia ao Autor pagar de alimentos ao filho menor) para efeito de compensação, deduzido em reconvenção.
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Das nulidades
O Recorrente apontou à sentença as nulidades previstas no art.º artigo 615.º n.º 1 alíneas b) e c) do CPC a saber, a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e a contradição entre os fundamentos e a decisão.
Para tanto, alertou para o facto o tribunal ter utilizado um documento junto pelo Recorrente, no qual consta um acordo firmado entre as partes em 05 de Janeiro de 2014 e, apesar de o ter considerado inválido, justificou a compensação do crédito de alimentos com base nesse documento.
Tem sido entendido, de forma reiterada e unânime pela doutrina e jurisprudência, que este vício (falta de fundamentação) só existe no caso de se verificar uma absoluta e total falta de fundamentação, quer ao nível do quadro factual apurado quer no que respeita ao respectivo enquadramento legal.
Assim, a sentença que contenha uma deficiente, incompleta ou não convincente fundamentação[1] não enferma deste vício.
Trata-se, portanto, de um vício de natureza meramente formal (omissão total da discriminação dos factos e/ou das normas jurídicas aplicáveis) e não substancial.
Relativamente à invocada contradição entre os fundamentos e a decisão de nulidade da sentença, A. dos Reis[2] conclui que estamos perante um vício lógico que compromete a sentença pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a sentença não enferma de qualquer vício nomeadamente aqueles que o Recorrente invoca uma vez que, para além de conter os fundamentos de facto e de direito relevantes para a decisão, a argumentação com base no dito documento não é contraditória com o dispositivo da sentença.
Da argumentação consignada na sentença, parece-nos que o reconhecimento do contra crédito da Ré, correspondente ao valor que caberia ao Autor pagar de alimentos ao filho menor fundamentou-se na figura da sub-rogação e na quantificação desse crédito é que foi utilizado o referido documento, pelo que não se verifica contradição.
Assim sendo, não se verifica qualquer nulidade.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS (elencados na sentença)
1) No dia 25.09.2003, Autor e Ré, no estado de solteiros, declararam comprar a DD, EE e FF, que declararam vender, pelo preço de €59.855,75, a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma habitação no rés-do-chão, com garagem privativa e terreno a logradouro, com entrada pelo nº ..., sita na Rua ..., na freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na matriz predial urbana sob o artigo nº ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº ..., da dita freguesia e concelho,
2) Porque não dispunham de rendimentos suficientes para pagar o preço da habitação, decidiram solicitar junto do Banco 2..., SA – hoje Banco 1..., SA, dois empréstimos, um denominado de crédito para habitação (€59.855,75) e o outro denominado crédito pessoal/obras (€19.951,92), no valor global de €79.807,67;
3) Para garantia de pagamento das quantias mutuadas, foram constituídas duas hipotecas sobre a referida fração, as quais se acham registadas através da AP. ... de 2003.08.11 e AP. ... de 2003.08.11;
4) O Autor no dia 08.01.2019 deu entrada de uma Ação Especial de Divisão de Coisa Comum contra a Ré;
5) No dia 29.11.2019 realizou-se, no âmbito de tal processo, a conferência de interessados, onde foi acordado e decidido que a aludida fração seria vendida pelo valor de €100.000,00;
6) A final, depois de pago o credor hipotecário e demais despesas, receberam Autor e Ré, cada um, a quantia de €15.898,21;
7) Em meados de julho de 2012 o Autor foi trabalhar para a Suíça;
8) A partir de dezembro de 2012 a Ré passou a usar e fruir aquela habitação, juntamente com o filho de ambos;
9) Desde janeiro de 2013 a janeiro de 2019 e entre novembro a dezembro de 2019 foi o Autor que pagou na totalidade e mensalmente as duas prestações dos referidos empréstimos bancários;
10) Entre junho de 2012 e 31.11.2012, nem a Ré, nem o filho de ambos residiram no imóvel;
11) Nesse período, a Ré arrendou um apartamento no centro de Vila Nova de Gaia;
12) A Ré assumiu o pagamento de metade das prestações dos empréstimos bancários desde o mês de fevereiro de 2019 a outubro de 2019, nas seguintes datas e montantes:
i) Em 25 de março de 2019, depositando a quantia de €236,56, relativa às prestações de fevereiro e março de 2019;
ii) Em 29 de abril de 2019, depositando a quantia de €118,28, relativa à prestação de abril;
iii) Em 29 de maio de 2019, depositando a quantia de €118,78, relativa à prestação de maio;
iv) Em 1 de julho de 2019, depositando a quantia de €118,77, relativa à prestação de junho;
v) Em 31 de julho de 2019, depositando a quantia de €118,77, relativa à prestação de julho;
vi) Em 31 de agosto de 2019, depositando a quantia de €118,77, relativa à prestação de agosto;
vii) Em 1 de outubro de 2019, depositando a quantia de €118,77, relativa à prestação de setembro;
viii) Em 31 de outubro de 2019, depositando a quantia de €118,77, relativa à prestação de outubro;
13) Em finais de 2012, foi acordado entre Autor e Ré que aquele pagaria na totalidade a prestação dos empréstimos bancários contraídos;
14) Em contrapartida, não entregaria o Autor à Ré qualquer valor relativo ao sustento, alimentação, vestuário, educação e outras despesas respeitantes ao filho menor de ambos, CC;
15) O menor ficou entregue aos cuidados da Ré desde junho de 2012;
16) Face ao acordo firmado, a Ré não diligenciou, em representação do menor, para a que as responsabilidades parentais fossem reguladas;
17) A Ré, entre dezembro de 2012 a dezembro de 2019 arcou sozinha com todas as despesas de alimentação, vestuário, médicas e medicamentosas, escolares e outras relativas ao filho de ambos;
18) Em dezembro de 2018, o Autor numa visita a Portugal informou a Ré que iria instaurar contra esta uma ação em Tribunal para venda judicial da fração;
19) Posteriormente à instauração da referida ação de divisão de coisa, a Ré diligenciou para que fossem reguladas as responsabilidades parentais, tendo o respetivo processo corrido os seus termos no J3 do Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, com o n.º 734/19.6T8VNG;
20) No âmbito de tal processo foi celebrado um acordo, homologado por sentença, nos termos do qual, para além do mais, o Réu se obrigou ao pagamento da quantia mensal de €150,00 a título de pensão de alimentos devida ao seu filho, então menor, a partir de €23.01.2019, data da propositura da ação, vencendo-se a primeira prestação a partir de 23.02.2019;
21) Consta dos autos um documento, datado de 5.01.2014, assinado pelo Autor e pela Ré, intitulado “Declaração por mútuo acordo” com o seguinte teor:
Para os devidos efeito Eu, BB, portadora do cartão de cidadão nº... residente em rua ..., ..., declaro que acordei com AA, portador do cartão de cidadão nº ..., residente em rua ..., ..., abdicar dos direitos sobre a casa sito rua ..., ..., que usamos como habitação comum durante os últimos anos, ficando a responsabilidade do crédito à habitação em curso a cargo de AA.
Foi por minha iniciativa que terminamos a nossa relação conjugal em Maio de 2012, tendo eu saído de casa durante alguns meses e acordando que habitação ficaria propriedade de AA.
Desde esta data abdiquei da casa e a responsabilidade do pagamento das prestações ao banco é da responsabilidade de AA.
Tendo BB a seu cargo a responsabilidade das despesas de Àgua, Luz.
Foi por mútuo acordo decidido que BB ficará a residir nesta habitação até que o seu proprietário AA precise da mesma, sendo que bastará avisar com dois meses de antecedência para que a casa lhe seja entregue.
Durante a vigência desta cedência da habitação ficou acordado que não haverá lugar a qualquer pagamento de renda por parte de BB, assim como não haverá igualmente qualquer pagamento de pensão de alimentos por parte de AA para o filho que ambos têm e comum.
Por seu lado AA acordou em transferir a propriedade da viatura de marca Renault ... com matricula ..-..-OU para BB.
Por ser verdade que à data da n/ separação em Junho de 2012 acordamos o que acima referimos assinamos a presente declaração.
22) A viatura de marca Renault ... com matrícula ..-..-OU, era usada pela Ré no seu dia a dia, até a vender;
23) Enquanto a Ré não vendeu aquela viatura, a mesma sempre esteve registada em nome do Autor, bem como o respetivo seguro,
24) Era através da conta titulada pelo Autor que, durante anos, os pagamentos de consumos de água, eletricidade e seguros de vida eram realizados;
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Não se provaram outros factos que se não compaginem com os anteriormente enunciados, nomeadamente que:
a) Foi o Autor que solicitou à Ré que regressasse ao imóvel de modo a que, durante o período em que permanecesse no estrangeiro, este não ficasse ao abandonado e para que a Ré o auxiliasse no tratamento dos seus assuntos pessoais, lhe recebesse a correspondência e lhe desse o devido seguimento;
b) Autor e Ré acordaram entre si que o valor dos alimentos a que se alude no facto 14º ascenderia a €200,00 mensais;
c) A Ré assumiu o pagamento das prestações de amortização do empréstimo desde o início do ano de 2011 e até 31.05.2012;
d) A Ré assumiu o pagamento de várias dívidas do Autor;
e) Tendo Autor e Ré acordado que o valor desses pagamentos seria compensado com a metade de cada uma das prestações dos empréstimos contraídos;
f) Na data referida no facto 18º o Autor comunicou à Ré que o acordo que tinham alcançado anteriormente quanto à compensação entre as prestações bancárias e a pensão de alimentos ficava sem efeito e de nada valia e que esta lhe devia metade das prestações ao Banco 1..., SA, em resultado dos empréstimos contraídos;
g) A Ré liquidou, em 04.05.2015 junto da Autoridade Tributária de uma multa da responsabilidade do Autor, no valor de €163,30;
h) A Ré liquidou, em 4.05.2015 junto da Autoridade Tributária uma multa da responsabilidade do Autor, no valor de €46,88;
i) A Ré liquidou, em 16.12.2014 junto da Autoridade Tributária uma multa da responsabilidade do Autor, no valor de €146,40;
j) A Ré liquidou, em 7.12.2014 junto da Autoridade Tributária uma multa da responsabilidade do Autor, no valor de €12,66;
k) A Ré liquidou, em 7.12.2014 junto da Autoridade Tributária uma multa da responsabilidade do Autor, no valor de €39,97;
l) A Ré liquidou, em 7.12.2014 junto da Autoridade Tributária uma multa da responsabilidade do Autor, no valor de €133,82;
m) A Ré liquidou, em 17.06.2014 junto da Autoridade Tributária uma multa da responsabilidade do Autor, no valor de €25,00;
n) A Ré liquidou, em 17.06.2014 junto da Autoridade Tributária uma multa da responsabilidade do Autor, no valor de €10,00;
o) A Ré liquidou, em 30.04.2014 a quantia de €107,16, a título de IMI relativo ao imóvel, da responsabilidade do Autor;
p) A Ré liquidou, em 24.01.2014 a quantia de €75,25 a título de portagens, da responsabilidade do Autor;
q) A Ré liquidou, em 24.01.2014 a quantia de €63,25 a título de portagens, da responsabilidade do Autor;
r) A Ré liquidou, em 7.01.2014 a quantia de €7,62 a título de portagens, da responsabilidade do Autor;
s) A Ré liquidou, em 07.01.2014 a quantia de €11,82 a título de portagens, da responsabilidade do Autor;
t) A Ré liquidou à Ascendi, em 1.02.2015, a quantia de €7,72, a título de portagens, da responsabilidade do Autor;
u) A Ré liquidou à Ascendi, em 25.06.2014, a quantia de €7,92, a título de portagens, da responsabilidade do Autor;
v) No dia 28.08.2015 a Ré pagou à Cetelem a quantia de €274,63 para amortização de um crédito, da responsabilidade do Autor;
w) No dia 31.08.2018 a Ré liquidou à WHITESTAR a quantia de €11,49, da responsabilidade do Autor;
x) Em 2014, em resultado de problemas que o Autor estava a vivenciar na Suíça, pediu auxílio financeiro à Ré para pagar, além das despesas mencionadas nas alíneas anteriores, metade da prestação da casa e que posteriormente acertariam contas;
y) Nessa sequência, a Ré procedeu ao pagamento dos seguintes valores, para amortização dos empréstimos:
i) Em 4.02.2015, a quantia de €130,00;
ii) Em 3.01.2015, a quantia de €280,00;
iii) Em 1.07.2015, a quantia de €130,00;
iv) Em 3.09.2015, a quantia de €130,00;
v) Em 2.11.2015, a quantia de €130,00;
vi) Em 30.11.2015, a quantia de €130,00;
vii) Em 15.12.2015, a quantia de €130,00;
viii) Em 7.06.2016, a quantia de €720,00;
ix) Em 19.12.2016, a quantia de €570,00;
x) Em 21.03.2017, a quantia de €520,00;
xi) Em 3.01.2015, a quantia de €280,00;
xii) Em 8/01/2014, a quantia de €287,00;
z) Para ter sustentabilidade financeira, aquando do referido no facto 10º a Ré levantou quase a totalidade do dinheiro que o Autor tinha depositado numa conta do filho CC;
aa) Quando o dinheiro acabou, a Ré passou a ter dificuldades financeiras, pois não tinha dinheiro suficiente para pagar a renda do apartamento, água, luz, gás, condomínio, alimentação, etc;
bb) A determinada altura, abordou o Autor dando-lhe conta que não conseguia sustentar as aludidas despesas mensais e pediu-lhe para regressar àquela casa;
cc) Os pagamentos a que se alude nas alíneas g) a w) foram realizados pela Ré na convicção de que eram da sua responsabilidade;
dd) Quando estava em Portugal, o Réu sempre deixou a correspondente soma em dinheiro à Ré para aquela efetuar o pagamento de tais quantias, visto que apenas estava 2/3 dias em Portugal e regressava à Suíça;
ee) Os valores depositados/transferidos de quando em vez pela Ré para a conta do Banco 3..., destinavam-se a pagar as despesas mensais pagas pelo autor com os consumos de água, gás, eletricidade, telecomunicações, etc., do imóvel, bem como o valor do seguro de vida da Ré e ainda o valor dos prémios de seguro dos automóveis registados em nome do Autor e que a Ré usava em benefício exclusivo;
ff) A Ré sempre mencionou ao Autor que iria tentando realizar alguns depósitos/transferências assim que pudesse para o compensar com as despesas correntes que ele tinha com a
habitação onde esta morava e outras despesas, mormente quando recebesse subsídios de natal, férias, etc;
gg) A Ré que apenas assinou o documento a que se alude no facto 22º porque foi forçada e ameaçada pelo Autor de que levaria o seu filho para a Suíça;
hh) As dívidas referentes a portagens reportam-se a viaturas que a Ré desconhece as matrículas (estão nos autos), mas que estavam registadas em nome do Autor ou pelo menos foram por este utilizadas em regime de aluguer.
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IV-DIREITO
A questão nuclear a dirimir consiste em saber se o crédito do Autor, emergente do pagamento das prestações dos financiamentos bancários para compra do imóvel, na parte que cabia à Ré, pode ser extinto por compensação com a quantia global que esta suportou integralmente, a título de alimentos ao filho menor, com ela convivente.
Concretamente, o Autor exige que a Ré lhe pague, além do mais, a quantia correspondente a metade do que pagou ao banco, superior à sua quota-parte relativa aos dois empréstimos contraídos por ambos para aquisição do imóvel destinado a habitação do casal e para obras desde Janeiro de 2013 até Dezembro de 2019.
Portanto, importa determinar se a Ré pode obter a extinção do crédito do Autor relativo ao pagamento de responsabilidades bancárias, por ambos assumidas, com um alegado crédito de alimentos, sendo que, durante o período em causa, não foi fixada qualquer prestação de alimentos ao Autor.
A compensação de créditos é uma das causas de extinção das obrigações, para além do cumprimento, prevista no art.º 847.º e segs. do C.Civil.
Assim, nos termos do mencionado preceito legal quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio da compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.-n.º 1.
Com explica Antunes Varela[3] o pressuposto que a lei destaca, no corpo do art.º 847.º, desenvolvido pelo art.º 851.º, como justificativo da compensação é o da reciprocidade dos créditos, ou seja, sendo as partes, reciprocamente, credor e devedor, economizam-se com ela dois actos de cumprimento.[4]
O declarante, segundo o n.º 2 do art.º 851.º do C.Civil, só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus e não créditos alheios, ainda que o titular respectivo dê o seu consentimento, só procedendo para o efeito créditos seus contra o seu credor.
Para além do crédito principal (aquele que se pretende extinguir pela compensação) e do contra crédito (invocado como compensatório)[5], é necessário que este crédito seja exigível judicialmente no momento em que se declara a compensação e que não proceda contra ele excepção de direito material.[6]
É exigível judicialmente a obrigação que não for voluntariamente cumprida, tendo o credor direito, para além do cumprimento, de executar o património do devedor-v. 817.º do C.Civil.
O contra crédito invocado pela Ré para obter a compensação da dívida bancária, paga pelo Autor, fundamenta-se em ter suportado sozinha todas as despesas de crescimento e de educação do filho de ambos.
Numa palavra, o seu alegado crédito consubstancia-se no facto de ter assumido integralmente os alimentos devidos ao menor, sendo certo que também eram da responsabilidade do progenitor, aqui Autor.
Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário e compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor (cfr. art. 2003.º, n.º 1 e 2 do C.Civil).
A Constituição da República impõe aos pais iguais direitos e deveres no que concerne, além do mais, à manutenção e educação dos filhos (cfr. art. 36.º, n.º 3).
Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens-cfr. art.º 1878.º, n.º 1 do C.Civil. O que está, assim, em causa, é a satisfação das necessidades do alimentando, não apenas das básicas, cuja realização é indispensável para a sobrevivência deste, mas de tudo o que a criança precisa para usufruir de uma vida conforme as suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional.[7]
No caso de separação dos progenitores, situação que determina a autonomização do dever de assistência, compete àquele com quem o menor não ficou à guarda, o cumprimento da obrigação de alimentos.
Nas palavras de Remédio Marques[8] o julgador deve individualizar “os montantes devidos à pessoa do outro cônjuge e aqueles cujo beneficiário é o menor, certo é que o cônjuge, a quem incumbe a guarda do menor, não aufere, iure próprio, todas as quantias fixadas pelo juiz (…) A pessoa do titular delas coincide com a do beneficiário: o menor.”
Os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais e são devidos desde a propositura da acção ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora-cfr. arts.º 2005.º, n.º 1 e 2006.º do C.Civil.
Ou seja, os alimentos só serão exigíveis após o trânsito em julgado da respectiva sentença, mas no seu montante hão-de ser computadas quantias apuradas desde a data da propositura da acção.[9]
Segundo o art.º 2008.º, n.º 1 e 2 do C.Civil o crédito de alimentos não pode ser renunciado ou cedido, é impenhorável e insusceptível de ser compensado.
Acresce que os créditos impenhoráveis, como é o caso do crédito de alimentos, por força do art.º 853.º, n.º 1, al. b) do C.Civil não podem ser extintos por compensação.
Atendendo ao quadro legal aplicável, a doutrina e jurisprudência reconhece que o crédito de alimentos é titulado pelo menor e não pelo progenitor guardião.[10]
Por conseguinte, o crédito de alimentos pertence à esfera jurídica do filho do casal e não à Ré, sua mãe.
Acontece que a Ré celebrou com o Autor um acordo nos termos do qual assumiu o encargo de suportar todas as despesas com a educação do filho inclusivé a parte que competiria a este último e em contrapartida ficaria dispensada de pagar uma renda pela habitação, por ter abdicado, informalmente, do direito de comproprietária do imóvel a favor do Autor.
Os termos deste acordo constam do documento, datado de 5.01.2014, assinado por ambos, intitulado “Declaração por mútuo acordo” com o seguinte teor: Para os devidos efeito Eu, BB, portadora do cartão de cidadão nº... residente em rua ..., ..., declaro que acordei com AA, portador do cartão de cidadão nº ..., residente em rua ..., ..., abdicar dos direitos sobre a casa sito rua ..., ..., que usamos como habitação comum durante os últimos anos, ficando a responsabilidade do crédito à habitação em curso a cargo de AA. Foi por minha iniciativa que terminamos a nossa relação conjugal em Maio de 2012, tendo eu saído de casa durante alguns meses e acordando que habitação ficaria propriedade de AA. Desde esta data abdiquei da casa e a responsabilidade do pagamento das prestações ao banco é da responsabilidade de AA. Tendo BB a seu cargo a responsabilidade das despesas de Àgua, Luz. Foi por mútuo acordo decidido que BB ficará a residir nesta habitação até que o seu proprietário AA precise da mesma, sendo que bastará avisar com dois meses de antecedência para que a casa lhe seja entregue. Durante a vigência desta cedência da habitação ficou acordado que não haverá lugar a qualquer pagamento de renda por parte de BB, assim como não haverá igualmente qualquer pagamento de pensão de alimentos por parte de AA para o filho que ambos têm em comum. Por seu lado AA acordou em transferir a propriedade da viatura de marca Renault ... com matricula ..-..-OU para BB. Por ser verdade que à data da n/ separação em Junho de 2012 acordamos o que acima referimos assinamos a presente declaração.
Em traços gerais, como acima referimos, a Ré aceitou assumir a responsabilidade parental do Autor no que concerne à prestação de alimentos, e em contrapartida, ficou dispensada de pagar uma renda pela cedência da casa de habitação, relativamente à qual reconheceu pertencer apenas a este último, o qual passou, consequentemente, na qualidade de “proprietário exclusivo” a proceder ao pagamento das prestações dos empréstimos bancários por ambos contraídos.
Não tendo a Ré formalizado a transmissão da sua quota parte na propriedade do imóvel para o Autor, mantendo-se como comproprietária, este último interpôs uma acção de divisão de coisa comum, no âmbito da qual procederam à venda do imóvel e receberam a sua parte do preço, após deduzida a dívida bancária.
O acordo que as partes celebraram sobre o encontro de contas, não quantificadas, entre a prestação de alimentos devida pelo Autor e uma quantia, a título de renda, assumida pela Ré pela cedência da habitação vigorou durante sete anos e foi cumprida pelas partes até que foi proposta a acção de divisão de coisa comum.
Posteriormente à instauração da referida ação de divisão de coisa, a Ré diligenciou para que fossem reguladas as responsabilidades parentais, e nesse processo foi celebrado um acordo, homologado por sentença, nos termos do qual, para além do mais, o Réu se obrigou ao pagamento da quantia mensal de €150,00 a título de pensão de alimentos devida ao seu filho, então menor, a partir de €23.01.2019, data da propositura da ação, vencendo-se a primeira prestação a partir de 23.02.2019.
A primeira nota a salientar é a de que o crédito de alimentos, titulado pelo menor, não pode ser compensado pela Ré, por se tratar de um crédito alheio, ou seja, inexiste reciprocidade dos créditos, e principalmente por ter sido excluído pela lei daquela forma de extinção dos créditos.
Todavia, como refere aquele autor[11] se os progenitores não estiverem unidos pelo matrimónio, como sucede no caso sub judice, não existe a presunção de renúncia estabelecida no art. 1676.º/2 do CC, ficando o progenitor que houver prestado mais do que lhe pertencia, sub-rogado nos direitos do credor relativamente ao que prestou em excesso.
É justamente essa posição que a Ré defende com a dedução do pedido reconvencional.
A Ré pretende compensar um alegado crédito próprio (fundamentado na sub-rogação-art.º 592.º do CC) que não é exigível uma vez que, no período temporal a que respeita, não foi fixado, por acordo ou judicialmente, a quantia devida pelo Autor a título de alimentos.
Aliás, como se sabe, a medida dos alimentos depende das possibilidades do pai, não guardião, e das necessidades do menor-v. art.º 2004.º, n.º 1 do C.Civil.
Nesta conformidade, não seria possível, na presente acção, estabelecer uma equivalência entre a prestação alimentícia, que incumbia ao Autor, e o valor da renda que seria devida pela Ré, que também não foi quantificada pelas partes.
Em resumo, o crédito de alimentos, cujo titular é o filho menor do casal, é impenhorável, sendo proibida, por lei, a compensação em razão da especial satisfação dos interesses da criança.
O progenitor, não obrigado, que assumiu, por acordo, a responsabilidade do progenitor a quem incumbiria prestar alimentos ao filho, cumpre uma obrigação, decorrente do vínculo filial, em substituição do devedor.
Mesmo que se reconhecesse, pela via da sub-rogação legal, a existência do crédito em discussão, é manifesto que não preenche o requisito da exigibilidade (exigido por lei para se operar a compensação) por não ter sido fixada ao Autor qualquer prestação a título de alimentos no período que antecedeu a regulação do poder paternal.
Na verdade, para que pudesse sub-rogar-se nos direitos do credor, era necessário saber o montante pecuniário que a Ré prestou a mais do que lhe competia, isto é, o valor da dívida do Autor.
Ora, o cálculo do excesso da sua prestação pressupõe naturalmente a fixação do quantum de alimentos que o Autor devia prestar ao seu filho em conformidade com as suas possibilidades económicas e as necessidades do menor, o que não sucedeu no período em causa de sete anos.
Nesta linha de raciocínio, resulta, de forma segura, que o alegado crédito está excluído da compensação, não tendo, por isso, a virtualidade de extinguir o crédito principal do Autor, razão pela qual a reconvenção devia ter sido julgada improcedente nesta parte.
Por todas as razões aduzidas, impõe-se a procedência do recurso, e a consequente revogação da decisão.
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V-DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso do Autor, e em consequência, revogam a decisão na parte que declarou extinto por compensação o crédito reconhecido ao Autor.
Custas pela Ré.
Notifique.
Porto 10/01/2023
Anabela Miranda
Lina Baptista
Pedro Damião e Cunha
______________________ [1] cfr. Reis, Alberto dos, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140, Varela, Antunes, e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 687. [2] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141. [3] Das Obrigações em Geral, vol. II, Almedina, 4.ª edição, pág. 190. [4] Lima, Pires de, Varela, Antunes, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 136. [5] Ob. cit., pág. 190, nota 1. [6] Lima, Pires de, Varela, Antunes, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 136. [7] Cfr. Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 228. [8] Algumas Notas sobre Alimentos (Devidos a Menores) “Versus” o Dever de Assistência dos Pais para com os filhos (Em Especial Filhos Menores), Coimbra Editora, 2000, pág. 297. [9] Marques, J.P. Remédio, Algumas Notas sobre Alimentos (Devidos a Menores), Coimbra Editora, 2000, pág. 168. [10] v. entre outros, Acs. TRC de 12/06/2012, TRG de 10/07/2014, TRL de 16/10/2018, 04/04/2019 e 14/07/2022 disponíveis em www.dgsi.pt. [11] Ob. cit., pág. 331 e 332.