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REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RELEVÂNCIA DA VONTADE DO MENOR
Sumário
1. Apesar da vontade manifestada pelo menor dever ser sopesada na regulação das responsabilidades parentais, a mesma não deve ser determinante nessa decisão se se revelar ser apenas justificada pela ânsia de ter mais liberdade junto de um dos progenitores e se sobretudo não se mostrar firme e consistente. 2. Nem sempre o que se revela melhor para a defesa dos interesses do menor é coincidente com a sua vontade. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
I.RELATÓRIO
1. AA instaurou acção de alteração das responsabilidades parentais contra BB, ambos nos autos melhor identificados, para tanto alegando, muito em suma, que a filha de ambos, CC, nascida a .../.../2010, recusa residir com a progenitora, manifestando vontade de residir consigo, pelo que, considerando que tem condições económicas e habitacionais para a receber, requer ao tribunal uma solução que “não entre em choque com o sentimento da filha”.
Citada, a requerida apresentou alegações, pugnando pelo indeferimento da pretensão, não só por ser injustificada, mas também por inexistência de alterações supervenientes.
Realizou-se a conferência de pais e, não tendo sido possível chegar a acordo, foram as partes remetidas para audição técnica especializada (ATE).
Finda a ATE, não se logrou qualquer consenso entre os progenitores.
Notificados para alegar e arrolar prova, ambos alegaram e arrolaram prova.
Realizou-se a audiência de julgamento e, subsequentemente, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto, ao abrigo do preceituado no artigo 42º Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 1905.º, 1906.º, 1912º, estes do Código Civil decido indeferir o pedido formulado pelo requerente, mantendo a residência da CC junto da mãe, alterando-se, todavia, o regime de visitas (cláusulas 1 e 2) nos seguintes termos: 1. A CC passa com o pai os fins-de-semana, alternados, de 15 em 15 dias, desde sexta-feira, final das actividades escolares até terça-feira, final das actividades escolares. 2. Às quartas-feiras (ou terças-feiras) nas semanas que não coincida com o fim-de-semana que está com o pai, este vai buscar a CC à escola, no final das actividades escolares, ou à casa da mãe, e janta com a filha, entregando-a em casa da mãe às 21h00 – o pai deve avisar com antecedência razoável qual dia vai buscar a filha (terça ou quarta)”.
2. Discordando do assim decidido na sentença, dela interpôs recurso o requerente, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
1. Pese embora ter sido fixado um regime mais alargado, certo é que a menor continua a residir com a progenitora, mantendo o foco da vida centrado na figura materna e com uma maior distância face à figura paterna;
2. Facto que a menor CC referiu não querer;
3. Conforme expressamente manifestou nas duas vezes em que foi ouvida, dizendo que era sua vontade em residir em igualdade de tempo com cada um dos progenitores;
4. Constituindo essa vontade uma alteração superveniente ao exercício das responsabilidades parentais;
5. O progenitor reúne as necessárias condições económicas e de habitabilidade para ter a menor CC, consigo;
6. Tudo tem feito para ser um pai presente e afetuoso com a menor;
7. A sua residência fica muito perto da escola que a menor frequenta, tendo até mesmo a possibilidade de assegurar o almoço da menor em tempo de escola;
8. A menor CC mantém uma relação saudável com o progenitor, existindo entre ambos uma cumplicidade e laços afetivos, que tenderão a fortalecer com um maior convívio através daquele que seria o regime de justo, de residência alternada;
9. Tendo sido isso mesmo que a menor manifestou, quando foi ouvida em tribunal – “é justo que passe o mesmo tempo com o pai e a mãe”;
10. Não existe, pois, nenhum fundamento para privar a CC de uma relação de proximidade com o pai em igual medida daquela que estabelece com a mãe;
11. E não se diga que é porque o pai trabalha os fins de semana;
12. Pois que o tribunal ao ter decidido fixar o regime que fixou, não teve em conta esse facto;
a) Dado que fixou o regime – “os fins-de-semana, alternados, de 15 em 15 dias, desde sexta-feira, final das actividades escolares até terça-feira, final das actividades escolares”;
13. Quando o progenitor tem as suas folgas à segunda e terças-feiras;
14. Com o regime aplicado são poucas as hipóteses que tem para passar um fim de semana inteiro de dedicação à filha;
15. E tal não acontecia caso o progenitor ficasse com a menor de sexta a sexta, alternadamente;
16. Pois que termina o seu horário de trabalho às 18:00/19:00;
17. O relatório da técnica ATE revelou-se pouco criterioso, baseando-se na rápida acusação de factos sem ter em conta as soluções praticadas;
18. O Recorrente pretende a residência alternada e provou ter todas as condições para o fazer;
19. O n.º 6 do artigo 1906.º prevê que “quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos”;
20. E ponderadas todas as circunstâncias relevantes, só admitindo a residência alternada ficam de facto assegurados esses interesses;
21. Razão pela qual é nosso entendimento que a sentença proferida encontra-se desprovida de razoabilidade, pelo que, o Tribunal “a quo” ao decidir diferentemente, quebrando um dos princípios fundamentais previsto no artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa;
22. A decisão da qual se recorre não vai ao encontro com aquilo que vem estabelecido no artigo 1906/7 do C.C., ferindo o superior interesse da menor e indo contra a sua vontade manifestada expressamente no tribunal;
23. A guarda partilhada coloca ambos os pais em posição de igualdade, permitindo que ambos partilhem a responsabilidade na educação e crescimento da menor;
24. Permitindo à CC, no seu superior interesse, conceber a existência de duas figuras essenciais ao seu desenvolvimento e fazê-la sentir que a sua vontade foi atendida e que a justiça que foi buscar ao Tribunal foi feita.
Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por douto acórdão que considere a ação procedente, determinando em consequência a residência da menor de sexta a sexta, de forma alternada.
Só assim se fazendo JUSTIÇA!”.
3. Contra-alegou o Ministério Público defendendo a manutenção do decidido.
4. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões do apelante (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se à questão de saber se se revela a necessidade de proceder à alteração do regime das responsabilidades parentais da menor CC de modo a que esta passe a residir alternadamente com o pai e com a mãe.
II. FUNDAMENTAÇÃO
5. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença e que não mereceu dissensão do apelante:
“ Discutida a causa, e com interesse para sua decisão, resultou provado que:
1. Requerente e requerida foram casados entre si, vindo a divorciar-se na data de .../.../2015, tendo o processo de divórcio corrido termos na Conservatória do Registo Civil ....
2. No decurso do casamento nasceu, no dia .../.../2010, a criança CC, filha do requerente e requerida.
3. Na sequência de acordo, homologado por decisão da CRC ..., foi regulado o exercício das responsabilidades parentais, no âmbito do aludido processo de divórcio, nos termos do qual a CC ficou a menor a residir com a mãe, cabendo a esta o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos correntes da sua vida, sendo as questões de particular importância exercidas por ambos os progenitores.
4. Mais ficou estipulado que o pai podia passar os seus dias de folga com a menor, devendo para o efeito, avisar a progenitora das datas de gozo destas com 8 dias de antecedência.
5. Ficou ainda fixado que, caso as folgas e períodos de descanso coincidissem com os dias úteis da semana o pai iria buscar a menor ao infantário ou estabelecimento de ensino e, se coincidissem com o fim de semana, o pai iria buscar a menor a casa da mãe, combinando com esta a sua forma de efetivação.
6. Ficando ainda previsto que durante as férias escolares de verão a CC passava 15 dias com o pai e no Natal e Páscoa passava com o pai um período a combinar entre os progenitores, embora se alternasse o natal e a passagem de ano.
7. Ficou, ainda, prevista possibilidade de a menor tomar uma refeição no seu aniversário com cada progenitor e, nos aniversários destes, passava o dia com o aniversariante.
8. A título de alimentos ficou prevista a prestação de 160,00 € mensais, bem assim, metade das despesas escolares, extra-curriculares, desportivas médicas e medicamentosas.
9. Entretanto, o progenitor na data de 10.04.2016 instaurou acção de alteração das responsabilidades parentais – autos principais - pedindo mais tempo para estar com a filha, tendo sido acordado, e homologado por sentença, na conferência de pais que teve lugar na data de 15.06.2016, o seguinte regime: a. A menor passa com o pai os fins-de-semana alternados, de 15 em 15 dias, indo aquele buscá-la à escola na sexta-feira, no final das actividades e entrega a menor à mãe no Domingo pelas 20h00 horas; b. Às quartas-feiras o pai vai buscar a menor à escola, no final das actividades escolares, ou à casa da mãe, avisando esta com antecedência, e janta com a menor e entrega-a à mãe pelas 21:00 horas; c. A menor passará as férias escolares do Natal/Ano Novo e Páscoa, em semanas alternadas, com cada um dos progenitores, alternando entre ambos os dias 24 e 25 de Dezembro e 31 deDezembro e 1 de Janeiro e o Domingo de Páscoa, de forma a que seja passado alternadamente ora com o pai, ora com a mãe as épocas festivas; d. A menor passará metade das férias escolares do verão com o progenitor, em período a combinar com antecedência razoável com a progenitora; e. Mantendo no restante o regime fixado e dando por sanadas todas as questões suscitadas até à data.
10. Nos presentes autos de alteração das responsabilidades parentais, teve lugar a conferência de pais na data de 16.12.2020, na qual a CC prestou declarações e disse ao tribunal que:
- gosta de estar com a irmã mais nova, brincam as duas; nos tempos livres faz os trabalhos de casa e brinca com a irmã no telemóvel; tem natação; vai à praia com a mãe, quando está com o pai brinca no telemóvel, vai ao campo, ou a casa da tia e brinca com a DD; costuma estar com o pai aos fins-de-semana e às quartas-feiras, pedindo ao pai para ficar mais tempo com ele, gosta de estar com o pai, ele é divertido; o pai diz para ir para a cama, mas ela quer ficar mais tempo acordada
11. Pelo pai foi dito que “Tem disponibilidade horária e que pretende a residência alternada. É motorista. A companheira trabalha no ..., mas os dois não moram juntos. Ela tem uma filha, a DD, que costuma estar com a sua filha”.
12. Pela progenitora da criança foi dito que “não aceita a residência alternada, a filha está bem assim. É empregada bancária, tal como o seu companheiro. Têm uma filha desta relação, a EE.”
13. Não tendo os progenitores chegado a acordo foram remetidos para audição técnica especializada.
14. No decurso da ATE, os progenitores assumiram uma atitude de respeito e capacidade de descentralização do conflito parental, o que possibilitou trabalhar num ambiente de pouca tensão.
15. Os progenitores demonstraram disponibilidade para um regime de convívios mais alargado da CC com o pai, pelo facto de a criança ter demonstrado vontade em estar mais tempo com o pai, tendo dito à técnica que “tenho uma amiga da escola que vive o mesmo tempo com cada um dos pais e eu acho que isso é muito bom, a minha amiga gosta muito” (sic).
16. Os convívios foram definidos, mantendo a alternância quinzenal, possibilitando ao pai não só passar com a CC os finais de semana, mas ficando também com esta na segunda e terça-feira, sendo a entrega na terça depois do jantar (cerca das 21h) e mantendo um dia a meio da semana para jantar com a CC.
17. Este foi o regime praticado até ao final do ano letivo, uma vez que aquando do início das ferias escolares a residência passou a ser alternada de forma semanal, à exceção de um período de férias de 15 dias com cada um dos pais na altura das férias destes.
18. Após estes meses o pai não conseguiu conciliar o seu horário de trabalho com as rotinas da CC, ficando esta maioritariamente a cargo da avó paterna, pois o pai além do percurso da sua carreira, acumulou ainda o transporte de uma equipa de futebol, a jogar no campeonato nacional (“...”, então na 1ª divisão), o que implicou deslocações aos finais de semana, com algumas dormidas fora de casa e ainda a realização de excursões.
19. Em entrevista à CC, esta referiu várias vezes que em casa da mãe tinha apoio para fazer os trabalhos da escola, mas que em casa do pai tinha muitas vezes de recorrer à mãe, via telemóvel.
20. A CC, em casa do pai, ficava nas redes sociais até mais tarde, mesmo após a hora de se deitar.
21. No final das férias escolares a CC referiu à técnica que pretendia manter a residência junto da mãe e o sistema anterior de convívios, uma vez que o pai raramente estava presente, ausentando-se mesmo nos dias em que supostamente seriam as suas folgas e que era com a avó paterna que passava a maior parte dos dias em que estava a cargo do pai.
22. Enquanto fica aos cuidados do pai, as rotinas e gestão da vida da CC ficam a cargo do pai e da avó paterna.
23. Em casa do pai é este que trata da lide doméstica, nomeadamente, lava a roupa, limpa a casa, aspira e cozinha.
24. O pai vive sozinho, embora a maior parte do tempo a sua mãe esteja em sua casa, onde toma as refeições, vê televisão e ajuda na confecção de algumas refeições.
25. O pai em se de ATE manteve-se inflexível na sua pretensão de que a CC resida alternadamente consigo e com a mãe, tendo esta proposto o seguinte regime de visitas / convívios:
- O pai poderá estar com a CC, nos seus 2 dias de folga numa regularidade semanal, devendo para o efeito ir buscar a CC a casa da mãe no dia anterior ao da sua folga (atualmente terça e quarta-feira) pelas 19h e entregá-la no mesmo local pelas 21h; caso o pai altere as folgas deverá comunicar à mãe com pelo menos 24h de antecedência;
- Para efeito de marcação dos dias de férias dos pais com a CC e por forma a que não exista sobreposição de períodos, deverão os pais apresentar até ao dia 31 de março o período em que pretendem usufruir os 15 dias seguidos com a CC.
26. Os pais revelam capacidade de reconhecer a importância e papel parental que cada um deles tem na vida da CC e a criança tem uma adequada ligação de afetividade a ambos.
27. O requerente é motorista de profissão (transportes EVA), fazendo o trajecto ... e vice-versa, com horário das 07h00 às 19h00/19h30.
28. Tem interrupção entre as 07h50 e as 10h30 retomando às 10h30 até às 14h00, com pausa para almoço das 14h00 até às 16h30.
29. Faz serviços ocasionais (excursões) que podem coincidir com os fins-de-semana ou folgas.
30. Enquanto o clube de futebol “...” permaneceu na 1ª divisão da liga de clubes, efetuou o transporte da equipa futebol aos fins-de-semana.
31. Tem folgas, dois dias seguidos por semana.
32. Aufere o salário mensal de 1.500,00 €.
33. Vive sozinho, em ..., embora a sua namorada permaneça consigo aos fins-de-semana, acompanhada da filha, DD, de 14 anos de idade.
34. Quando a CC permanece junto de si vão passear, vão à praia ou ao campo, ou vai para um parque perto de sua casa.
35. A sua residência dista a cerca de 600 metros da escola que a CC frequenta.
36. O requerente caso necessite tem o apoio de sua mãe na gestão das rotinas da CC, como sucede nos dias em que não a vai buscar à escola, indo a avó paterna que fica a tomar conta da CC até aquele chegara a casa.
37. O requerente ofereceu um telemóvel à CC e esta, à revelia da mãe, descarregou a aplicação “Tik-Tok” disponível na rede social.
38. A CC frequentou a pré-primária no ... e ingressou no 1º ciclo no Agrupamento de Escolas ..., também no ....
39. Tem sido uma aluna com média de “Muito bom” e “bom”, fazendo parte desde o ano lectivo de 2016/2017 do “quadro de Excelência” da Escola.
40. Desde que os progenitores se separaram, a CC viveu sempre aos cuidados da mãe, e com esta residente.
41. Do agregado familiar faz ainda parte o companheiro da requerida, FF, cujo relacionamento dura há seis anos, e uma filha do casal, EE, com 4 anos de idade.
42. A requerida é bancária, tal como o seu companheiro, com horário das 0h30 às 16h00.
43. É a requerida que faz o acompanhamento escolar da CC, supervisionando e corrigindo os trabalhos de casa.
44. Quando a CC chega de casa do pai os trabalhos de casa nem sempre vêm feitos.
45. Em casa da requerida existem limitações para o uso do telemóvel, sendo a sua utilização controlada pela requerida, acedendo aos registos de actividade, tendo sido detectado uso na rede social WhatsApp até à 01h00 e 03h00 da manhã quando está aos cuidados do pai;
46. Em casa da mãe a CC tem actividades em família, com visitas a parques, andam de bicicleta.
47. A CC frequenta a Escola EB 2/3 ..., em ..., no 6º ano na turma E, não tendo qualquer retenção no seu percurso Escolar.
48. É uma aluna assídua e pontual, sendo que as faltas que apresenta encontram-se todas justificadas (motivo foi o isolamento profiláctico).
49. Desloca-se para a escola em transporte próprio trazida pela Encarregada de Educação, a mãe e, à hora de sair por regra é a avó materna que a vai buscar, ficando em casa desta até à hora em que a requerida a vai recolher.
50. A mãe é uma pessoa bastante presente e preocupada, tendo comparecido sempre em reuniões de pais e/ou de conselho de turma, na sua qualidade de representante de Encarregados de Educação, e sempre que convocada no horário de atendimento para tratar de todos os assuntos relativos à aluna.
51. O pai da CC nunca compareceu na escola nem nunca contactou o director de turma.
52. A CC apresenta um comportamento adequado à sua faixa etária, tanto dentro e fora da sala de aula, quer com docentes, quer com funcionários, quer com os pares.
53. É uma menina educada e respeitadora das indicações dos adultos.
54. De igual modo, interage com facilidade com os colegas e está muito bem integrada no seio da turma, tendo sido eleita subdelegada de turma.
55. Até ao momento não se denotaram quaisquer sinais de perturbação emocional.
56. É bastante interventiva em sala de aula e brinca alegremente com os seus colegas durante os intervalos e horas de almoço.
57. No espaço escolar, não se evidenciam sinais de problemas familiares com nenhum dos progenitores e fala de um e de outro sem qualquer hesitação e/ou receio.
58. A CC apresenta-se sempre bem cuidada, independentemente da altura da semana, tanto na sua higiene, como no seu vestuário, o qual está adequado à sua faixa etária, sexo e estação do ano.
59. É bastante interessada e empenhada na realização das tarefas, quer em sala de aula, quer no seu trabalho autónomo, nomeadamente o estudo e a realização dos trabalhos que lhe são pedidos, de casa ou outros, demonstrando acompanhamento escolar em casa. Este interesse e empenho traduz-se em bons resultados escolares, tendo uma média de 4 numa escala de 1 a 5.
60. A CC nutre sentimentos de carinho e amor pelos progenitores, o que é recíproco, sendo ambos os progenitores preocupados com o bem-estar da filha.
61. A CC é uma criança feliz, bem-disposta, relacionando-se com facilidade com outras crianças e está bem integrada em meio escolar.
62. A CC manifestou vontade de ficar uma semana com o pai e outra com a mãe, por ser “mais justo”, dando conta que “é mais livre” com o pai, pois deixa-a sair com amigos, vai para o parque e priva com a DD, filha da madrasta, com quem se dá muito bem.
63. Não são conhecidos antecedentes criminais aos progenitores. B) Factos Não Provados: Com interesse para a decisão da causa, apenas não se provou das alegações do requerente que:
- a CC é uma criança inquieta e agitada, cheia de medos, insegura de si e do amor dos outros, triste e deprimida,
- a mãe por si só não tem disponibilidade e condições de vida necessárias para proporcionar à CC uma saudável ocupação dos seus tempos livres,
- a CC tem medo do companheiro da requerida;
- o companheiro da requerida tem dificultado as visitas da CC ao pai;
- a CC não se sente confortável dentro da própria casa, fechando-se na casa de banho sempre que que o companheiro da mãe ameaça fazer mal ao requerente;
- a CC passa mais tempo em casa dos avós maternos do que com a mãe, que ainda assim, é o que a CC prefere;
- a CC está a passar por momentos de grande instabilidade psíquica;
O Tribunal não se pronuncia sobre a demais factualidade alegada pelo requerente e requerida por a mesma ser conclusiva, de direito ou irrelevante para a decisão da causa.
6. Do mérito do recurso
Entende o recorrente que a vontade da menor CC em residir alternadamente com os pais deve ser atendida, pugnando pela alteração do regime das responsabilidades parentais no sentido de ser fixada a guarda partilhada.
Vejamos.
Desde já se diga que lendo a petição inicial, esse é precisamente o único fundamento para alterar o que entre os pais da CC havia sido acordado na conferência que teve lugar no dia 15.6.2016.
Dispõe o nº1 do art.º 42.º do RGPTC, sob a epígrafe “Alteração de regime” que: “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”.
Sendo as responsabilidades parentais, após o divórcio, das questões que mais impacto têm no bem-estar das famílias e das crianças, compreende-se que a modificação do regime instituído só deva ter lugar em situações muito pontuais que são, como refere, a lei, o incumprimento do vigente e a alteração das circunstâncias.
Ainda assim não será todo e qualquer incumprimento que justificará a alteração, como não serão quaisquer circunstâncias supervenientes que a exigirão.
Quer uma, quer outra destas situações terão de ser suficientemente ponderosas para fundamentarem uma alteração, sobretudo no que concerne a matérias com grande reflexo na vida da criança, como é o caso da sua residência.
É que não nos podemos olvidar que a alteração do regime visa, em qualquer circunstância, proteger a criança e não favorecer ou penalizar um dos seus progenitores.
Por conseguinte, a questão que se coloca é se a vontade manifestada pela CC deve ser determinante no quadro fáctico apurado para a ambicionada alteração do apelante.
Não se desconhece a importância que a opinião manifestada pela criança deve merecer na decisão a tomar.
Com efeito, o artigo 4° do RGPTC prevê como um dos critérios orientadores dos processos tutelares cíveis a audição da criança, dispondo a alínea c) do n° 1 que “a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse. ” Para além disso, dispõe o artigo 5°, no n° 1, que “A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse” e, no n° 6, que “Sempre que o interesse da criança o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento. ”
Porém, percorrendo a matéria de facto, detectamos, à semelhança do Tribunal “ a quo”, que a vontade manifestada pela CC se prende com o facto de junto do pai ter mais liberdade (conquanto seja manifesto que nutre por ele um sentimento de carinho e amor, como salientado na sentença).
Senão vejamos:
- Na conferência de pais que teve lugar no dia 16.12.2020 a CC prestou declarações e disse ao tribunal que: “gosta de estar com a irmã mais nova, brincam as duas; nos tempos livres faz os trabalhos de casa e brinca com a irmã no telemóvel; tem natação; vai à praia com a mãe, quando está com o pai brinca no telemóvel, vai ao campo, ou a casa da tia e brinca com a DD; costuma estar com o pai aos fins-de-semana e às quartas-feiras, pedindo ao pai para ficar mais tempo com ele, gosta de estar com o pai, ele é divertido; o pai diz para ir para a cama, mas ela quer ficar mais tempo acordada” ( ponto 10);
- A CC à técnica que “tenho uma amiga da escola que vive o mesmo tempo com cada um dos pais e eu acho que isso é muito bom, a minha amiga gosta muito” ( cfr. ponto 15)
- A CC manifestou vontade de ficar uma semana com o pai e outra com a mãe, por ser “mais justo”, dando conta que “é mais livre” com o pai, pois deixa-a sair com amigos, vai para o parque e priva com a DD, filha da madrasta, com quem se dá muito bem (cfr. ponto 62).
Porém, como bem se salienta também na sentença, “uma coisa é a vontade da CC e do pai, outra, bem diferente, é aquilo que é o melhor para a CC (e que pode não ser, necessariamente, aquilo que a CC quer)”.
Mas para além disso parece que a vontade da CC nem sempre é a mesma : após ter experienciado o regime de “semanas alternadas” junto do pai e junto da mãe, e acabou por expressar, logo após tal regime, que antes pretendia manter o regime vigente e, a tal não terá sido alheio o facto de que, na semana que cabia ao pai, ficou maioritariamente aos cuidados da avó paterna, que não a ajudou nos trabalhos de casa, o que levou a que tivesse que ligar para a mãe a pedir ajuda ( cfr. pontos 21 e 19).
Ademais o acompanhamento que cada um dos pais pode propiciar à CC durante a semana é muito díspar: o pai é motorista de profissão (transportes EVA), fazendo o trajecto ... e vice-versa, com horário das 07h00 às 19h00/19h30 (cfr. ponto 27) e a mãe é bancária, com horário das 8h30[1] às 16h00.
E ter-se-á de ponderar igualmente que a CC vai entrar numa idade crítica – adolescência - em que, como bem se salienta na sentença, se busca “identidade” e independência, num caminho que, muitas das vezes, se faz através de comportamentos exploratórios e de experimentação, o que denuncia a necessidade de, nesse período, ainda ser alvo de supervisão parental, sem embargo de se poder dar uma responsabilidade crescente a partir dos catorze anos.
Acompanhamos, pois, o sensatamente aí afirmado de “que será menos provável que os adolescentes que se sentem apoiados por seus pais, orientados e com regras e limites definidos se envolvam menos em comportamentos de risco, bem como aqueles cujos pais transmitem expectativas claras sobre o que esperam do comportamento deles e determinam limites consistentes e vigilância activa”.
Revelador dos frutos que uma vertente desse acompanhamento por parte da mãe tem proporcionado (ponto 43) é o facto de a CC fazer parte desde o ano lectivo de 2016/2017 do quadro de “Excelência” da Escola (cfr. ponto 39).
Em suma: Cremos que não há fundamento suficientemente consistente para alterar o regime das responsabilidades parentais vigente no que concerne à residência da menor CC.
De igual sorte cremos que não merece a menor censura a decisão atinente ao incremento do regime de visitas ao pai que assisadamente a sentença também determinou.
Recuperando a fundamentação aí expressa que acolhemos, dir-se-á que para além dos fins de semana fixados, os pais “podem acordar noutros dias para que a CC esteja com o pai, basta, para tanto, dialogarem um com o outro e combinar quais podem ser esses períodos de convívio” (…). Nas semanas que não coincidam com o fim de semana que passa com o pai, a CC pode estar com ele numa das suas folgas. Desta forma, irá permitir-se o estreitamento dos laços afectivos, bem assim, permitir uma avaliação e acompanhamento do regime, desde logo, apreciar a consolidação e consistência no acompanhamento que o pai faz à CC, a gestão e organização das suas rotinas em função da permanência de filha junto de si, a evolução do seu crescimento e cuidados prestados, acompanhamento escolar e capacidade de supervisionar as rotinas e actividades da CC.”.
III. DECISÃO
Por todo o exposto, se acorda em julgar a apelação totalmente improcedente mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Évora, 15 de Dezembro de 2022
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente