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PROCESSO DE INVENTÁRIO
EXCESSO DE LICITAÇÕES
OPOSIÇÃO
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
NOTIFICAÇÃO DOS INTERESSADOS
TORNAS
Sumário
I - No novo regime de inventário estatuiu-se um modelo procedimental de fases processuais relativamente estanques, envolvendo apelo decisivo a um princípio de concentração, propiciador de que, determinado tipo de questões deva ser necessariamente suscitado em certa fase procedimental (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte. II - Tais fases processuais compreendem uma fase de articulados (cfr. artigos 1097.º a 1108.º do CPCivil), uma fase de saneamento, com a possibilidade de realizar uma audiência/conferência prévia (cfr. artigo 1109.º a 1117.º do CPCivil), um procedimento específico para a verificação e redução de eventuais inoficiosidades (cfr. artigos 1118.º e 1119.º do CPCivil) e a fase da partilha (cfr. artigos 1120.º a 1125.º do CPCivil). III - A oposição ao excesso de licitações está sistematicamente integrada nas diligências compreendidas no âmbito da conferência de interessados, pelo que terá de ser deduzida, nessa conferência, na sequência de uma licitação excessiva por parte de algum interessado (e não subsequentemente à elaboração do mapa da partilha, nos termos do art. 1377.º, n.ºs 2 e 4 do anterior CPC). IV - Não tendo o interessado recorrente, introduzido nos autos requerimento para se opor ao excesso de licitação, nem se verificando a factie species do nº 2 do artigo 573.º, nº 2 do CPCivil, ficou precludida a possibilidade de tal acto ser praticado, fora dessa fase processual, isto é, da conferência de interessados e, concretamemte, no âmbito da notificação a que alude o artigo 1121.º do CPCivil. V - A não notificação dos interessados, a que cabiam tornas, para requerer a composição dos seus quinhões por bens que não se mostrem adjudicados ou reclamar o seu pagamento, logo em seguida à elaboração do mapa da partilha, só o tendo sido já depois de proferida a sentença homologatória de partilhas, configura mera irregularidade que não influi no exame e decisão do processo.
Texto Integral
Processo nº 372/20.0T8PVZ.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim-J2 Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra Sumário:
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I-RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo especial de inventário, cumulado por óbito de AA e BB, em 19/0/05/2022 foi proferida a seguinte decisão: “Nos presentes autos de processo especial de inventário, cumulado por óbito de AA e BB, em que desempenhou as funções de cabeça de casal CC, homologo por sentença a partilha constante do mapa de folhas 201 a 203, datado de 31.03.2022, com a referência Citius 434025881, adjudicando aos interessados os respectivos quinhões, nos termos do disposto no artigo 1122º, nº 1, do Código de Processo Civil. As custas ficam a cargo dos interessados na proporção do que receberam, ao abrigo do disposto no artigo 1130º, nº 1, do Código de Processo Civil. Registe e notifique, sendo os credores de tornas, ainda, para, querendo, requerer o seu pagamento, nos termos do artigo 1121º, nº 1, do Código de Processo Civil”.
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Não se conformando com o assim decidido veio o interessado DD interpor recurso, rematando com as seguintes conclusões: A)- O princípio do preenchimento dos quinhões dos Interessados em bens da mesma natureza e espécie é um princípio fundamental às partilhas das Heranças e da igualdade entre os Herdeiros; B)- Tal princípio enquadra-se no princípio da igualdade das pessoas perante a lei para cumprimento dos princípios constitucionais; C)- O disposto nos arts.º 1117º, 1121º e 1122º do C.P.C. são normas relativas ao cumprimento daqueles princípios e a forma de os exercer; D)- Ao não ter ocorrido a notificação para deduzir oposição ao excesso de licitação de bens imóveis licitados, uma vez que decorria do mapa da partilha que nos bens licitados se encontrava um bem imóvel que pelo seu valor podia caber, ou no quinhão dos dois licitantes com direito a tornas ou só no de qualquer um deles foi praticada uma nulidade insanável nos termos do art.º 195º do C.P.C.; E)- A não notificação ainda do direito relativo ao preenchimento do quinhão em bens da mesma espécie e natureza influi directamente na partilha quanto à composição dos quinhões; F)- A não notificação da reclamação do pagamento das tornas ofendeu o direito dos Interessados no preenchimento do quinhão em bens da mesma natureza e espécie na exacta medida em que não lhes permitiu que reclamassem o pagamento através da oposição ao excesso de licitação; G)- A prolacção de sentença sem que aquelas notificações tivessem sido cumpridas integra nulidade por omissão de pronuncia dos termos dos arts.º 195º e 615º do C.P.C.; H)- A sentença violou o disposto nos arts.º 195.º nº 1, 1117.º, 1121.º nº 1 e 1122.º do C.P.C.
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Devidamente notificada contra-alegou a cabeça-de-casal concluindo pelo não provimento do recurso.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir: a)- saber se ocorre, ou não, nulidade insanável por não terem sido os interessados notificados para os efeitos do artigo 1121.º do CPCivil.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A dinâmica factual a ter em conta para apreciar a questão supra enunciada é que a resulta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que vem colocada no recurso: a)- saber se ocorre, ou não, nulidade insanável por não terem sido os interessados notificados para os efeitos do artigo 1121.º do CPCivil.
Como se evidencia quer do corpo alegatório quer das respectivas conclusões, o apelante entende que a não notificação para reclamar o pagamento das tornas ofendeu o direito dos interessados no preenchimento do quinhão em bens da mesma natureza e espécie, na exacta medida em que não lhes permitiu que reclamassem o pagamento através da oposição ao excesso de licitação.
Salvo o devido respeito, por diferente opinião, o recorrente parece confundir duas coisas distintas.
Na verdade, uma coisa é falta de notificação a que alude o artigo 1121.º do CPCivil, outra coisa, completamente distinta, é a alegada falta de notificação para efeitos de oposição ao excesso de licitação.
Analisando.
1- A oposição ao excesso de licitações
Como refere o conselheiro Lopes do Rego[1] “(…) 5. A restauração da competência/regra dos tribunais judiciais para tramitarem os processos de inventário implicou que–com o objetivo de assegurar uma maior eficácia e celeridade processuais–se tivesse procurado instituir um novo paradigma do processo de inventário, evitando o carácter arrastado, sinuoso e labiríntico da anterior tramitação que–note-se–sempre produziu resultados insatisfatórios, quer na excessivamente morosa tramitação perante o tribunal judicial, até 2013, quer posteriormente (agravando-se ainda o problema) perante os cartórios notariais. Este novo modelo procedimental parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, envolvendo apelo decisivo a um princípio de concentração, propiciador de que determinado tipo de questões deva ser necessariamente suscitado em certa fase procedimental (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte; e assim, o modelo procedimental instituído para o inventário na Lei n.º 117/19 comporta: I) Uma fase de articulados (em que as partes, para além de requererem a instauração do processo, têm obrigatoriamente de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respetivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, ativo e passivo, que constitui objeto da sucessão)–abrangendo a fase inicial e a fase das oposições e verificação do passivo. Na verdade, nos arts. 1097.º/1108.º CPC procura construir-se uma verdadeira fase de articulados: o processo inicia-se tendencialmente (ao menos, quando requerido por quem deva exercer as funções de cabeça de casal) com uma verdadeira petição inicial (e não como o mero requerimento tabelar de instauração de inventário) de que devem constar todos os elementos relevantes para a partilha. Procurou, deste modo, evitar-se que seja sistemática e desnecessariamente relegada para momento ulterior ao início do processo a apresentação de uma série de elementos e documentos essenciais à boa prossecução da causa, como ocorria no regime prescrito no anterior CPC. Após despacho liminar (em que o juiz verifica se o processo está em condições de passar à fase subsequente), inicia-se a fase seguinte, da oposição ou do contraditório, exercendo os interessados citados o direito ao contraditório, cabendo-lhes impugnar concentradamente no próprio articulado de oposição tudo o que respeite à definição do universo dos interessados diretos e respetivas quotas hereditárias, à competência do cabeça de casal e à delimitação do património hereditário, incluindo o passivo (cuja verificação é, deste modo, antecipada–do momento da conferência de interessados – para o da dedução de oposição e impugnações); II) Uma fase de saneamento, em que o juiz, após realização das diligências necessárias, e com a possibilidade de realizar uma audiência/conferência prévia, deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar, proferindo também, nesse momento processual–e após contraditório das partes–despacho contendo a forma à partilha (também ele agora antecipado para esta fase de saneamento, anterior à conferência de interessados), em que define as quotas ideais dos vários interessados na herança, antes de convocar a conferência de interessados; III) Um procedimento específico para a verificação e redução de eventuais inoficiosidades, através de um incidente com a estrutura de uma ação enxertada no inventário, compreendendo a formulação pelo herdeiro legitimário de um pedido, explícito e fundamentado, de redução de liberalidades e o exercício subsequente do contraditório pelos requeridos/beneficiários das liberalidades alegadamente inoficiosas, culminando, após produção de prova, numa decisão que decreta ou rejeita a pretendida redução por inoficiosidade–incidente este que deve iniciar-se até ao momento do início das licitações; IV) A fase da partilha, consubstanciada, desde logo, nas diligências e atos que integram a conferência de interessados, em que devem realizar-se todas as diligências que culminam na consumação ou realização concreta da partilha: frustrando-se o acordo (por unanimidade dos interessados, nos termos da lei civil e por exigência do princípio da intangibilidade da legítima), a partilha do acervo hereditário resultará das licitações (que pressupõem a necessária estabilização do valor dos bens, já que funciona como momento terminal para o pedido de avaliação precisamente o início das licitações), que estão compreendidas no âmbito dos atos que integram a própria conferência de interessados, devendo ser também nela deduzidas as oposições a um eventual excesso de licitação por algum dos herdeiros; e, subsidiariamente, terão cabimento as diligências da formação de lotes igualitários, do sorteio ou–como ultima ratio–da adjudicação de bens em contitularidade. Só depois de encerradas estas diligências se passa à elaboração do mapa da partilha, concretizando, na sequência do resultado dessas várias diligências anteriores, os bens que integram o quinhão hereditário de cada interessado–e encerrando-se naturalmente o processo com a prolação de sentença homologatória da partilha. 6. Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, anteriormente inexistentes, levando naturalmente– em reforço de um princípio de auto responsabilidade das partes na gestão do processo–a que (como aliás constitui princípio geral em todo o processo civil) as objecções, impugnações ou reclamações tenham de ser deduzidas, salvo superveniência, na fase procedimental em que está previsto o exercício do direito de contestação ou oposição. Assim, do regime estabelecido no art. 1104.º CPC decorre obviamente um princípio de concentração no momento da oposição de todas as impugnações, reclamações e meios de defesa que os citados entendam dever deduzir perante a abertura da sucessão e os elementos adquiridos na fase inicial do processo, em consequência do conteúdo da petição de inventário, eventualmente complementada pelas declarações de cabeça de casal; e isto quer tais impugnações respeitem à tradicional oposição ao inventário e à impugnação da legitimidade dos citados ou da competência do cabeça de casal, quer quanto às reclamações contra a relação de bens e à impugnação dos créditos e dívidas da herança (instituindo-se aqui explicitamente um efeito cominatório, conduzindo a revelia ao reconhecimento das dívidas não impugnadas, salvo se se verificarem as circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 574.º CPC) . Ou seja, adota-se, na fase de oposição, um princípio de concentração na invocação de todos os meios de defesa idêntico ao que vigora no art. 573.º do CPC: toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, ativo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as exceções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo atuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respetiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal”.
Daqui decorre, diz o mesmo autor que: “(…) A oposição ao excesso de licitações está sistematicamente integrada nas diligências compreendidas no âmbito da conferência de interessados, pelo que terá de ser deduzida, nessa conferência, na sequência de uma licitação excessiva por parte de algum interessado (e não subsequentemente à elaboração do mapa da partilha, nos termos do art. 1377.º, n.ºs 2/4 do anterior CPC)” (negrito e itálico nossos).
É verdade que o interessado prejudicado pode opor-se a esse excesso, requerendo que as verbas em excesso ou algumas delas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão.
Porém, com a introdução da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, relativa ao (novo) Código de Processo Civil, e mais recentemente com as alterações introduzidas pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, tal oposição ao excesso de licitação tem, desde logo, que ser efetuada na própria Conferência de Interessados, aquando das licitações, tal como resulta do teor da lei, que refere expressamente que se algum dos interessados licitar numa pluralidade de verbas ou lotes cujo valor, no seu conjunto, ultrapasse o necessário para o preenchimento da sua quota, pode qualquer dos outros interessados opor-se ao excesso, requerendo que as verbas em excesso ou algumas delas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão.
E, se tal requerimento for feito por mais de um interessado e se não houver acordo entre eles sobre a adjudicação, o juiz decide, por forma a conseguir o maior equilíbrio dos lotes, podendo abrir licitações entre esses interessados ou mandar proceder a sorteio (cfr. artigo 1116.º n.º 3 do Cód. De Processo Civil).
Daqui, resulta inequivocamente que esta oposição ao excesso de licitação, de acerto tem de ocorrer, efetivamente, durante a Conferência de Interessados, por requerimento do respectivo interessado.
Aliás, que assim é, basta atentarmos que a norma supra referida, vem enquadrada na Lei na Secção IV, referente ao “Saneamento do processo e conferência de interessados.” -
Não era assim no regime pretérito do CPCivil.
Com efeito, ao abrigo da antiga lei (cfr. artigo 1377.º do CPCivil), a orgânica e os diversos momentos da Partilha eram diferentes, e os interessados a quem coubessem tornas eram notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas. E, se algum interessado tivesse licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, a qualquer dos notificados era permitido requerer que as verbas em excesso ou algumas lhe fossem adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão. E, nesse caso, o licitante podia escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota, e era notificado para exercer esse direito.
Mas estas eram regras e formalidades que não têm assento na actual lei adjectiva.
Na verdade, presentemente já não existe a necessidade de, posteriormente à Conferência de Interessados, se efetuarem tais notificações, como o é a da oposição ao excesso de licitação, operando a mesma, agora, através de requerimento do interessado.
Ora, a circunstância de o exercício de determinadas faculdades estar inserido no perímetro de certa fase ou momento processual implica igualmente que, salvo superveniência (nos apertados limites em que esta é considerada relevante, na parte geral do CPC e na regulamentação do processo comum de declaração), qualquer requerimento, pretensão ou oposição tem obrigatoriamente de ser deduzido no momento processual tido por adequado pela lei de processo, sob pena de preclusão.
Como assim, não tendo o recorrente ou qualquer outro interessado, introduzido nos autos requerimento para se opor ao excesso de licitação, nem se verificando a factie species do nº 2 do artigo 573.º, nº 2 do CPCivil, torna-se evidente que ficou precludida a possibilidade de tal acto ser praticado, fora dessa fase processual, isto é, da conferência de interessados.
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2- As prerrogativas dos interessados constantes do artigo 1121.º do CPCivil
É certo que nos termos do artigo 1121.º, nº 1 do CPCivil “Os interessados aos quais caibam tornas são notificados para requerer a composição dos seus quinhões por bens que não se mostrem adjudicados ou reclamar o pagamento das tornas”, sendo que, tal notificação deve ter lugar logo em seguida à elaboração do mapa de partilha.
Também é verdade, que a referida notificação apenas foi ordenada no âmbito da parte final da sentença homologatória de partilhas.
Mas, ainda que tivesse ocorrido no momento processual correcto, ou seja, logo em seguida à elaboração do mapa de partilha, essa notificação não permitia ao recorrente ou a qualquer outro interessado, vir opor-se ao excesso de licitação nos moldes preceituados no já citado artigo 1116.º do CPCivil.
Com efeito, a referida notificação apenas tem como desiderato possibilitar aos interessados, a que caibam tornas, vir aos autos requerer a composição dos seus quinhões por bens que não se mostrem adjudicados, então ou reclamar o pagamento das tornas, nada mais que isso.
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Ora, não obstante, a referida notificação não tenha sido feita no momento processual correcto, isto é, logo em seguida à elaboração do mapa de partilha, nada impede que tenha sido ordenada nos termos em que o foi, ou seja, na parte final da prolação da sentença homologatória de partilhas.
É que a referida sentença em nada contende com os direitos dos interessados plasmados no referido artigo 1121.º.
Na verdade, a sentença em causa limita-se a homologar a partilha constante do mapa (cfr. artigo 1122.º, nº 1 do CPCivil), ou seja, mesmo depois de proferida tal decisão, sempre o recorrente ou qualquer outro interessado a quem caibam tornas, pode pedir quer a composição do seu quinhão por bens que não se mostrem adjudicados, ou então ou reclamar o pagamento das tornas.
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Diante do exposto, torna-se evidente, não ter o tribunal recorrido cometido qualquer nulidade, pois que, a irregularidade cometida (falta de notificação a que alude o artigo 1121.º, nº 1 do CPCivil), não influi no exame e decisão da causa (cfr. artigo 195.º, nº 1 do CPCivil).
Como se sabe há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades”, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos.[2]
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPCivil e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do artigo 195.ºdo mesmo diploma e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no artigo 199.º CPCivil.
A omissão de notificação prevista no artigo 1121.º, nº 1 do CPCivil, não consta como uma das nulidades previstas nos citados artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do artigo 195.º e, por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa.
A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”.
No sentido de interpretar o conceito o Professor Alberto dos Reis[3] tecia as seguintes considerações: “Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.”
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.
Ora, nada disso ocorre no caso em apreço, pois que, como já supra se referiu, mesmo depois de proferida a sentença homologatória de partilhas, sempre o recorrente ou os demais interessados poderão exercer as prerrogativas a que se refere o artigo 1121.º, nº 1 do CPCivil, isto é, requerer a composição dos seus quinhões por bens que não se mostrem adjudicados ou reclamar o pagamento das tornas, tanto mais que, já depois do trânsito em julgado da sentença homologatória, se houver direito a tornas os requerentes podem pedir que se proceda, no processo, à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o seu pagamento (cfr. artigo 1122.º, nº 2 do CPCivil).
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Improcedem, desta forma, as conclusões A) a H) formuladas pelo recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo interessado apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 28 de novembro de 2022
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais (dispensei o visto)
Jorge Seabra (dispensei o visto)
________________ [1] In “A recapitulação do inventário”, in Revista JULGAR, Online, Dezembro de 2019, a págs. 9-12. [2] Cfr. Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 357. [3] In Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pag. 486.