I - O recurso de revisão da al. d) n.º 1 do art. 449.º do CPP pressupõe que a decisão esteja inquinada por um erro de facto; a formulação da lei é clara, reportando-se exclusivamente à factualidade do crime. Para corrigir o enquadramento jurídico-penal levado a cabo na sentença a rever e consequente aplicação de tantas penas parcelares quantos os crimes cometidos e respetiva pena conjunta aplicada, servem os recursos ordinários.
II - Quando a lei refere como fundamento do recurso de revisão a expressão da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP «Se descobrirem novos factos ou meios de prova» reporta-se a factos já existentes na altura do julgamento e posteriormente descobertos e não a factos que só aconteceram posteriormente à decisão a rever. Do mesmo modo, quando o mesmo preceito nos fala em «graves dúvidas sobre a justiça da condenação», está a reportar-se à decisão condenatória e não à situação de facto que foi criada por ocorrência posterior à decisão a rever.
III - O “atual estado de saúde” do recorrente de depressão e ansiedade, que o deixam severamente abalado, é um facto superveniente, posterior à sentença revidenda; não é um facto novo.
IV - A solução encontrada pelo recorrente para obstar ao “atual estado de saúde” face a este facto superveniente, poderá passar pela pretendida possibilidade de modificação da pena efetiva, através da permanência com pulseira eletrónica na sua residência, atento o previsto na modificação da execução da pena de prisão, nos termos do art. 120.º do CEPMPL. A modificação da execução da pena - seja através da modalidade de internamento do condenado em estabelecimentos de saúde ou de acolhimento adequados, seja através de regime de permanência na habitação, previstas no art. 120.º do CEPMPL -, situa-se a nível de execução da pena, na altura de se efetivar.
V - Os meios de prova juntos pelo recorrente, enquanto pretendem provar o atual estado de saúde deste, não incidem sobre factos novos, mas sobre factos supervenientes, pelo que nesse sentido também não são meios de prova novos que deveriam ter suscitado dúvidas ao tribunal aquando do julgamento.
Recurso extraordinário de revisão
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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I- Relatório
1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 26 de abril de 2022, transitado em julgado em 1 de junho de 2022, foi confirmado o acórdão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal ..., de 22 de outubro de 2021, proferido no processo comum coletivo n.º 1106/19.8PAOLH, que condenou o arguido AA, pela prática de 1 crime de recurso a prostituição de menores agravado, p. e p. pelos artigos 174.º, n.ºs1 e 2 e 177.º, n.º5, ambos do Código Penal, na pena de um ano e dez meses de prisão; de 94 crimes de recurso a prostituição de menores agravado, p. e p. pelos artigos 174.º n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 6, ambos do Código Penal, na pena de um ano e sete meses de prisão, por cada um daqueles crimes; de 7 crimes de recurso a prostituição de menores, p. e p. pelo art.174.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão, por cada um daqueles crimes e, em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de seis anos de prisão.
2. Invocando como fundamento de revisão a alínea d), n.º1, do art.449.º do Código de Processo Penal, por existência de facto novo relevante, veio o condenado AA interpor recurso extraordinário de revisão, para o Supremo Tribunal da Justiça, apresentando a seguinte motivação (transcrição):
“I – Objecto do Recurso
1º. O presente recurso tem como objecto o facto novo que infra se explicitará e que originariamente proveio das imputações jurídico-penais de que o recorrente foi alvo e em tudo o mais, derivado de toda a matéria constante no douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em resposta ao recurso interposto pelo Recorrente da Sentença que lhe aplicou a condenação, em cúmulo jurídico das penas singulares ora aplicadas no Processo nº 1106/19.8PAOLH, na pena conjunta de 6 (seis) anos de prisão.
2º. Toda a matéria relativa ao presente processo em que o recorrente, foi condenado a 104 crimes de recurso a prostituição de menores agravado, p.p., pelos Artsº 174 nsº1 e 2 e 177 nº6, ambos do C. Penal, e em que, efetivamente, sempre com a devida vénia e salvo melhor entendimento, só praticou um único crime de forma continuada, não se podendo conformar com tal decisão;
3º. E concomitantemente, o Recorrente, não se consegue conformar, com a aplicação de uma pena conjunta de 6 (seis) anos de prisão, em cujo cúmulo jurídico de penas singulares, em que, no seu cômputo geral, somam 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de condenação, e que na sua aplicação em concreto, face à moldura penal aplicável, no seu entendimento, nunca deveria ter ido, para além dos 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua aplicação.
4º. Donde resulta evidente, a desproporcionalidade na escolha e determinação da medida concreta da pena;
5º. Concluindo com o facto novo, de apresentação de documentos que comprova que o recorrente submeteu-se a tratamento, face ao estado debilitado em que se encontra, em tudo derivado daquela condenação, que se crê excessiva, por desproporcional e desadequada, porquanto sempre o arrependimento do arguido terá de ter demonstração prática.
6º. Nesta sequência factual, tem sido a sua irmã que o ajudou e ajuda a superar as suas conhecidas dificuldades e obstáculos emocionais, bem como aquela situação em que se tinha colocado.
II – Motivações
7º. No presente recurso o Recorrente suscita as seguintes questões jurídicas;
Em relação à ofendida BB:
a) Da errada quantificação dos crimes relacionados com o recurso à prostituição de menores agravados;
b) Da prática de um único crime em trato sucessivo em relação aos 94 (noventa e quatro) crimes de recurso à prostituição de menores agravado, p. e p. pelo art.º174.º n.º 1 e 2, e art.º 177.º n.º 6, do CP, em que lhe foi aplicada desmesuradamente a pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão por cada um daqueles crimes.
c) Note-se que que os atos que vão consumando o crime são, sucessivos, e não reiterados – e daí distinguir-se o crime contínuo do crime habitual.
d) Tão pouco se pode considerar ter existido uma prática sexual forçada ou não livremente consentida com outra pessoa dotada que independentemente de possuir uma apetência para a prática sexual, a abordagem destinada a obter a sua anuência ou a adesão ao ato sexual era sempre coincidente, na certeza porém de que o recorrente estaria seguro de qual seria a sua reação da menor e, consequentemente que esta iria sempre consentir ou aderir.
e) Sempre com a devida vénia por entendimento diverso, a repetição criminosa ocorreu, portanto, por via de qualquer factor exógeno ao arguido, in casu, a presença da ofendida que também queria tirar partido dos encontros iguais e sucessivos, mas, nunca pela renovação da intenção delitiva do recorrente.
f) Assim sendo, no caso concreto pode-se perfeitamente configurar, nos autos, um cenário de crime continuado, desde logo, como se disse e agora se repete, pela existência do primeiro dos vectores em aferição, e que consubstancia, recorde-se, o âmago desta figura jurídica, qual seja, a existência de um circunstancialismo exterior ao arguido, o desejo por parte da ofendida em praticar manifestamente os actos sexuais com o recorrente “ab initio”, fosse posteriormente na expetativa de ter algo em troca ou não, que o conduziu à repetição criminosa, o que deveria ter contribuído para a diminuição considerável do culpa recorrente.
g) Seja como for, o recorrente não mais voltará a infringir a Lei, porque já interiorizou que a conduta desviante que assumiu anteriormente, não mais, pode em caso algum, voltar a ocorrer.
h) Destarte, o Recorrente interiorizou o desvalor das condutas por si empreendidas e como tal que jamais voltará a cometer tais crimes.
• Do atual estado de saúde do recorrente
8º. Pelo facto de o recorrente ter vindo a acentuar possuir sinais de sintomas de depressão e ansiedade, nomeadamente desde, que o recorrente em retrospetiva, refletiu ter agindo mal, sentindo-se excluído para a vida e em completa desarmonia com a mesma.
9º. E, em consequência, de ter sido julgado e condenado, vem o recorrente a receber terapia psicológica, e a procurar estabilizar e compreender as suas emoções, ou aquilo que se pode caracterizar como o comportamento desviante que em dado momento da sua vida, bem sabe, adotou erradamente.
10º. Em boa verdade, porque o seu estado emocional ficou definitivamente e severamente abalado, e por se encontrar debilitado, aceitou submeter-se a um regime de tratamento que interfere bastante com o seu quotidiano.
11º. Sucede, que por mais do que uma vez, o recorrente sentiu vontade de pôr termo à vida, por não conseguir vislumbrar-se em meio prisional a cumprir uma pena de prisão.
12º. Ora este facto associado a que o mesmo indica tratar-se de um homem com sérios problemas cognitivos, com défice no comportamento adaptativo, eficácia individual, maturação, aprendizagem e/ou ajustamento social.
13º. Tudo se conjuga para que o mesmo não venha a conseguir nunca adaptar-se ou subjugar-se a uma situação de superação daqueles condicionalismos.
14º. Ademais, atento que é o seu estado depressivo, e como é consabido ser o ambiente prisional, se o mesmo tiver que ser submetido ao meio prisional o mesmo não irá aguentar muito tempo
15º. Apesar de como já referido anteriormente, o recorrente ter assumido definitivamente, que não mais voltará a infringir a Lei, por já ter interiorizado a conduta desviante anteriormente praticada por si.
16º. E como tal não mais, poder em caso algum, voltar a ocorrer ou a suceder situação similar, era de todo importante e a ser possível que o recorrente ficasse sujeito a medida que permitisse a prisão domiciliária, pelo menos nos primeiros dois anos de cumprimento de pena.
17º. Atendendo a que o recorrente atualmente já não sai de casa, por vergonha e desespero a que sente constrangido.
18º. E consequentemente, por o Recorrente ter efetivamente interiorizado o desvalor das condutas por si empreendidas, é ponto assente, que jamais voltará a cometer tais crimes, por não mais ser esse o seu foco.
19º. No entanto, a verdade é que o recorrente apresenta-se com um aspeto debilitado, extremamente nervoso e anda cada vez mais ansioso.
20º. Face ao exposto, a irmã do recorrente, preocupada com o seu estado critico de saúde, decidiu levar o mesmo a consulta de psicóloga, conforme melhor resulta do documento que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos como Doc.1.
21º. Nesse relatório é perfeitamente visível, que o recorrente primeiramente surge demonstrando ser um homem educado, néscio e reservado.
22º. E posteriormente, a sua atitude alterou-se um pouco, deixando transparecer toda a fragilidade emocional e cognitiva que tanto o caracterizam, visto se tratar de um senhor iletrado, simplório e ingénuo.
23º. Tendo contudo disponibilizando-se a colaborar ao longo de toda a avaliação, foi possível à psicóloga verificar ainda, que este já estava com lágrimas nos olhos e a voz embargada.
24º. A psicóloga denotou de imediato estar na presença de um quadro clínico, em que o recorrente manifestamente sofre de Perturbação Neurocognitiva ou seja de Doença Mental.
25º. Aliás os dois irmãos mais novos do recorrente (de 56 e 51 anos respectivamente), ambos padecem do mesmo problema e têm igualmente perturbação mental.
26º. Pelo que neste contexto, a forte presença genética da deficiência nomeadamente no seio familiar é sobejamente marcada.
27º. O recorrente demonstrou disponibilidade e vontade de ser ajudado pois demonstra indícios de depressão e, concomitantemente, séria perturbação cognitiva e psicoemocional (labilidade emotiva, choro fácil e inquietação).
28º. O recorrente também demonstra reduzida consciência sociomoral, sem grande discernimento entre o certo e o errado, em termos de valores.
29º. O recorrente demonstra ter pouca vitalidade e força anímica quando se trata de questões que impliquem juízo de valor relativamente às suas ações e emoções.
30º. Em termos psíquicos encontra uma resposta para considerar o recorrente emocionalmente inapto, pela procura de apoio e suporte afetivo em quem lhe é próximo ou lhe dê atenção,
31º. Razão pela qual ocorreu eventualmente a situação de envolvimento de caris sexual com a menor.
32º. Ora segundo foi possível apurar no relatório de avaliação psicológica, constata-se o recorrente apresenta superficialidade em todo o discurso, inconstância, alteração de postura e humor, sendo facilmente influenciável, característica esta advinda da sua debilidade mental.
E ainda que:
33º. “Salienta-se ainda que um indivíduo com esta problemática, normalmente, age por impulso (sexual), sem consciência moral do ato, da transgressão ou da punição daí advinda e não com o intuído premeditado de perpetrar um ato pensado, planeado…Crédulo, e na sua “inocência”, para si, os factos ocorridos nunca seriam descobertos!...”
34º. É pois importante ter em consideração face à sua vontade de por termo à sua vida, o facto de o recorrente se encontrar atualmente com aparência abatida, desalentada, denotando dificuldade em autogerir pensamentos, emoções e ações;
• No que concerne ao quadro clínico de Ansiedade e Depressão:
35º. O Sr. AA aqui recorrente apresenta uma postura física e emocional prostrada, ansiedade quanto ao seu futuro próximo, desânimo e sério arrependimento quanto às anteriores ações.
36º. Segundo o referido relatório de avaliação psicológica, refere o mesmo que:
“O seu olhar denota tristeza, desorientação, desesperança, cansaço e falta de energia anímica para reagir e perceber o quão grave foram as suas ações irrefletidas… A falta de sono e perda de apetite têm sido mais acentuadas nos últimos 4 meses, acrescidas de um aperto no peito e outras sintomatologias psicossomáticas.” (nosso negrito e sublinhado)
• E no que respeita à Consciência Moral:
O Recorrente, segundo o referido relatório diz-nos: “apesar de ser minimamente capaz de distinguir algumas regras sociais básicas, relativamente ao que está certo ou errado, só agora reconhece as consequências das suas atitudes/atos, pois a sua perturbação mental não lhe permite ter capacidade para pensar e agir de forma refletida e consciente sobre as suas ações.”
E continuando,
37º. “A necessidade de carinho, atenção e a pulsão sexual inerentes a este desaire, são fortes indícios do contexto socioambiental do Sr. AA e até da própria jovem, cujo envolvimento foi consentido de ambas as partes… Assim, julga-se pertinente que os mesmos sejam tidos em consideração, sobretudo, na ponderação na revisão da sua pena.” (nosso negrito e sublinhado)
38º. “Mais se informa que o Sr. AA, atualmente, arrepende-se amargamente do acontecido, estando disposto a reconhecer e pedir desculpas publicamente pelos seus erros…. Receia-se, pois que, face ao tipo de crime de que foi acusado, uma vez recluso, seja vítima de qualquer tipo de ação abusiva e/ou discriminatória por parte dos pares, situação para a qual não tem estrutura física, cognitiva ou psicoemocional que lhe permita defender-se ou sequer perceber o que lhe pode advir.” (nosso negrito e sublinhado)
• Em título de Conclusão remata aquele relatório
39º. “Após análise ponderada da avaliação efetuada junto da Sr. AA, considera-se que se trata de um homem extremamente ingénuo, singelo, afável, parco discernimento e confusão sentimental, advindos da sua perturbação mental.”
40º. “O mesmo não constitui nenhum perigo real para si, para os outros ou para a sociedade em geral, tratando-se, pois de um homem calmo, simpático e pacífico.”
Finalizando o referido relatório com a seguinte asserção:
41º. “Como se pode constatar por todos os dados anteriormente mencionados, o Sr. AA só após a condenação é que se apercebeu da gravidade da sua ação visto que, para si, o envolvimento dos dois seria apenas um “namoro” onde as diferenças de idades não importavam…. Assim, aconselha-se o célere seguimento em Psiquiatria, pelo que, dentro dos contornos legais, seria de todo benéfico e aconselhável a revisão da sua pena, passando a mesma a diminuta ou nula, com incidência sim, na possibilidade de tratamento psíquico em ambulatório, que tanto precisa!”
42º. O recorrente devido ao seu estado de ansiedade tem igualmente vindo a ser medicado com antidepressivos, na tentativa de não entrar em rotura completa com a vida tal como a conhece.
Sendo que o recorrente demonstra sinais, igualmente da síndrome de burnout, que é um distúrbio psíquico caracterizado pelo estado de tensão emocional e estresse, provocados por condicionalismos circunstanciais, e decorrente de situações vivenciadas pelo recorrente, e consideradas como desgastantes para o seu dia a dia.
43º. Alerta-se para o facto de o sintoma típico da síndrome de burnout se subsumir à sensação de esgotamento físico e emocional que se reflete em atitudes negativas, como:
a) Depressão aguda
b) Perda de apetite
c) Possibilidade de cometer suicídio;
d) Isolamento;
e) Mudanças bruscas de humor;
f) Irritabilidade;
g) Dificuldade de concentração;
h) Lapsos de memória;
i) Ansiedade;
44º. O recorrente esteve igualmente sujeito a tratamentos específicos derivado do seu estado de saúde em particular;
45º. Foi o recorrente sujeito a consulta com médico psiquiátrico, que elaborou relatório médico psiquiátrico, em que se detetou alguma disfunção mental e em que foi requerido avaliação psicométrica para o recorrente, (cfr. Doc. 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos).
46º. E vai iniciar tratamento psiquiátrico, para ser ajudado a superar de certo modo o seu débil estado físico e psíquico, que progressivamente tende a deteriorar-se.
III – Do Facto Novo
47º. Contudo o aqui recorrente, sempre teve intenções de assumir a paternidade da criança e de auxiliar no seu crescimento.
48º. Neste contexto, o recorrente gostaria de estar mais presente na vida da filha e ajudá-la no que for necessário, pois é segundo ele a sua razão de viver…
49º. O fundamento da revisão previsto na al. d) do art. 449º do CPP tem por base a recuperação do recorrente em última ratio na sua residência, mesmo que sujeito a medida de prisão domiciliária, tendo em linha de conta, o seu estado de saúde atual.
50º. Inclui-se para o efeito, também a apresentação de documentos médicos novos, comprovativo de avaliação psicológica do recorrente, nunca apresentado e discutido na acção principal e onde foi proferida a decisão que se pretende seja revista, e que, só por falta de conhecimento de tal situação, e de tais factos, pode ter sido essa decisão julgada desfavoravelmente em relação ao recorrente.
51º. Excecionando-se o constante de relatório social junto aos autos, em referência à necessidade de um despiste de problemáticas ao nível da saúde mental e eventual sujeição futuro programa terapêutico do recorrente.
52º. Os documentos médicos novos a que se alude são os documentos que se junta comprovando de que o recorrente se submeteu a avaliação para tratamento tanto a nível psicológico como a nível psíquico, situação que resultou após a condenação, de cujas instâncias à data não podiam ter conhecimento, por não ser possível fazer uso do mesmo, por serem documentos inexistentes na pendência do processo onde foi proferida a decisão a rever.
53º. Porque, por um lado, o recorrente não podia naquele preciso momento antever o seu tratamento, e não estando curado, não lhe bastava demonstrar ou declarar que era essa a sua situação ainda em fase de julgamento pois só mais tarde se veio a acentuar a debilidade da sua saúde, com a gravidade subjacente com que se deparou.
54º. Sem embargo, quando foi constatado por via de relatório social, que já existiria alguma anomalia do foro mental, relacionado com ansiedade e depressão por se referir a necessidade de um despiste de problemáticas ao nível da saúde mental e eventual sujeição futuro programa terapêutico do recorrente, não foi nesse concreto momento valorada devidamente essa questão por todos os envolvidos no processo.
55º. Sendo que o documento a que se alude possa ser um documento que ainda não existia na pendência da acção onde foi proferida a decisão a rever e só posteriormente à respectiva sentença, atenta a situação actual de saúde do condenado, em que se atesta ter este estado sujeito a tratamento e estando por esse motivo a tentar recuperar;
56º. Nesta esteira vem o recorrente requer seja efetuada uma perícia médica do foro da psiquiatria para melhor se concretizar a sua necessidade de acompanhamento e tipo de tratamento a seguir.
57º. Será pois de considerar-se que se encontram reunidos os pressupostos do elencado no preceituado normativo previsto na al. d) do art.º 449º do CPP, no que concerne aos Fundamentos e admissibilidade da revisão:
(…) ” Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação “ (...)
58º. Sucede porém que o condenado ora recorrente, não possuía à data do julgamento elementos que permitisse perceber o seu estado clínico.
59º. Somente face a este Processo, em que o recorrente foi constituído arguido e entretanto condenado, veio este em momento ulterior, a evidenciar estas limitações psíquicas, que o transtornam constantemente.
60º. O Recorrente não se orgulha da sua conduta e pede que lhe seja concedida a oportunidade, para em sua casa embora não completamente em liberdade, mostrar que aprendeu o quanto de errado foi a sua conduta.
61º. O que leva a concluir que o Recorrente actualmente está inserido familiarmente pois acaba por ser um apoio substancial no que se refere às pontuais ajudas (recados, vigilância básica familiar, etc.) que a irmã necessita.
62º. Sendo, que para cumprimento do superiormente decidido seria de o recorrente permanecer naquela residência, para ali cumprir a pena, no mínimo dos primeiros dois anos, atento o prescrito por lei.
III – Meios de prova a requerer:
63º. Pelo que se requer desde logo, que o recorrente seja sujeito a perícia médica do foro psiquiátrico, para se aferir do real estado de saúde do recorrente face ao quadro depressivo/ansiedade que o mesmo apresenta.
64º. Não obstante, cfr. melhor resulta do relatório médico-psiquiátrico, estar já agendado por psiquiatra, uma avaliação psicométrica.
65º. Pugnando-se pela revogação da medida da pena ora aplicada e em meio prisional, requerendo-se para o efeito e dentro do possível, prisão domiciliária nos primeiros dois anos, para cumprimento da pena a aplicar.
66º. Seja efetivamente revista a medida da pena de prisão aplicada e que fique sem efeito por manifestamente ser excessiva face a toda a factualidade essencial aqui expressa.
67º. E face ao exposto, seja atendível o facto novo ora evocado, dado que descobertos novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, assim suscitados, deve pois ser considerado, existir graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
68º. Termos em que se requer sejam as penas aplicadas ao recorrente/condenado revistas integralmente de forma a restabelecer a suspensão a que estas estavam sujeitas, com os devidos e legais efeitos.
Termos em que, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá este recurso ser procedente e consequentemente ser revista a pena de prisão efectiva aplicada ao Recorrente substituindo-a por outra menos gravosa.
Requer-se igualmente, seja concedido ao recorrente a possibilidade de modificação da pena efectiva, e a permanecia com pulseira eletrónica na sua residência, atento o previsto na modificação da execução da pena de prisão (artigo 120.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade - CEPMPL).
Ser aceite a prova documental que se apresenta como justificativa do atual estado de saúde do recorrente, como facto considerado novo.
Bem como se requer se efetuada a perícia médica conforme solicitado.
3. A realização de perícia psiquiátrica requerida pelo recorrente, foi indeferida no despacho de admissão do recurso, face às razões aduzidas a fls. 49 e 50, sem que dele tenha sido apresentada qualquer reclamação – o recurso não se mostra admissível face ao disposto no art.432.º do C.P.P..
4. O Ministério Público, junto do Juízo Central Criminal ..., respondeu ao recurso extraordinário de revisão, concluindo do modo seguinte (transcrição):
1.ª – Vem o recurso interposto do acórdão transitado em julgado a 1 de Junho de 2022 no qual se decidiu, além do mais, condenar o ora recorrente, pela prática de 104 crimes de recurso a prostituição de menores agravado, p.p., pelos Artsº 174 nsº1 e 2 e 177 nº6, ambos do C. Penal, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
2.ª Motiva o recorrente, o seu pedido de revisão, na circunstância de, após a sua condenação, se ter sujeitado a tratamento psicológico, “porque o seu estado emocional ficou definitivamente e severamente abalado, (…) por não conseguir vislumbrar-se em meio prisional a cumprir uma pena de prisão”.
3.ª Sustenta que o relatório psicológico e a demais documentação junta se tratam de “documentos médicos novos (…) de cujas instâncias à data (do julgamento) não podiam ter conhecimento, (…) por serem documentos inexistentes na pendência do processo onde foi proferida a decisão a rever (…) pois só mais tarde se veio a acentuar a debilidade da sua saúde, com a gravidade subjacente com que se deparou.
4.ª Conclui, requerendo se determine a sujeição do mesmo a perícia psiquiátrica e pugnando pela redução da pena aplicada, que deverá ser suspensa na sua execução ou, caso assim não se entenda, se permita o cumprimento da mesma em prisão domiciliária.
5.ª Analisadas as motivações do recurso extraordinário de revisão interposto, o M.º P.º considera que a pretensão do recorrente não deve merecer acolhimento, desde logo por, ao invés do sustentado por aquele, considerarmos que não se mostram preenchidos os fundamentos da revisão a que alude a al. d) ( ou outra) do n.º 1 do art.º 449.º do Código de Processo Penal.
6.ª De facto o invocado agravamento do estado clínico do recorrente após a sua condenação, a sua subsequente sujeição a avaliação psicológica na qual se concluiu que este apresenta um quadro de ansiedade/depressão e padece de Perturbação Neurocognitiva” e a requerida perícia psiquiátrica, não consubstanciam qualquer novo facto ou mesmo meio de prova que só agora haja sido descoberto,
7.ª Ao invés, tratam-se de meio e facto que estavam já ao alcance do ora recorrente que, à data do julgamento, já apresentava a mesma situação pessoal invocada nesta sede, conforme resulta da matéria de facto dada como provada em relação a esta matéria e da motivação da determinação da medida concreta da pena aplicada.
8.ª Mais, ainda que não se sufrague tal entendimento, considera-se igualmente que os “factos/ meio de prova” concretamente invocados pelo recorrente não têm a virtualidade de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação aplicada, dúvidas essas que têm que se revestir de uma gravidade qualificada, de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação do arguido, que não a simples medida da pena imposta (n.º 3 do art.449.º do CPP), pese embora não se encontre legalmente vedada a revisão que se funda em dúvida grave sobre a escolha da pena.
9.ª Face o exposto, o M.º P.º conclui que, por não se mostrarem verificados no caso concreto os pressupostos legais a que alude o art.º 449.º do C.P.P., se deve denegar a revisão peticionada, mantendo-se o decidido.
Nestes termos, deve negar-se provimento ao recurso interposto, por ausência de fundamentos de facto ou de Direito que inquinem o acórdão proferido, que deverá ser mantido nos seus precisos termos, com o que se fará JUSTIÇA!
5. Sobre o mérito do pedido formulado pelo arguido, pronunciou-se a Exma Juíza de Direito, nos termos do art.454.º do Código de Processo Penal, informando, além do mais:
“O recurso de revisão é um mecanismo processual de natureza extraordinária, que visa rever uma decisão que já transitou em julgado, só podendo ser accionado quando fortes razões de justiça, utilidade e oportunidade se sobreponham à segurança e à certeza jurídica que o caso julgado pressupõe.
Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2006 (disponível em www.dgsi.pt, processo nº 06P2932), a revisão da sentença obedece a um propósito de realização da ideia de justiça sacrificando a segurança que a intangibilidade do caso julgado confere às decisões judiciais, face à verificação de ocorrências posteriores à condenação, ou que só depois dela foram conhecidas e que justificam essa postergação.
Compreende-se, assim, que se tenha restringido os fundamentos da revisão a um catálogo taxativamente previsto no artigo 449.º do Código de Processo Penal.
O fundamento da revisão no caso em apreço corresponde ao que alude a alínea d), deste citado artigo – a descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
A respeito deste fundamento de admissibilidade da revisão, resulta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 2021 (disponível para consulta no sítio indicado e com o número de processo 1922/18.8PULSB-A.S1), que a jurisprudência maioritária sufraga agora o entendimento que os factos e as provas só são “novos os factos e/ou meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal”.
Porém, como se afirma no acórdão citado não é bastante a novidade, mas antes dos novos factos ou meios de prova, por si só, ou conjugados com os que foram considerados no processo “terão de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.” Como se sustenta no acórdão: “A fronteira é, justamente, a tutela dos casos que são ostensivamente injustos.”.
Destarte, resulta que, para que possa ter lugar o recurso de revisão, como meio extraordinário de impugnação de uma sentença transitada em julgado, é necessário que essa decisão esteja inquinada por um erro de facto originado por motivos estranhos ao processo, nos termos já referidos.
No caso sub judice, o arguido pretende a procedência do presente recurso de revisão com base no seu estado de saúde mental.
Diga-se que até na sequência da elaboração e notificação do relatório social, o arguido poderia ter requerido a realização da perícia psiquiátrica, pois que no mesmo se conclui que o arguido apresenta condições para aplicação de uma medida não privativa da liberdade “necessariamente impositiva da manutenção do afastamento da vítima e o despiste ao nível da saúde mental e eventual sujeição a futuro programa terapêutico.”.
Sem embargo, a situação pessoal do arguido, inclusive a sua postura sobre os factos e a sua personalidade foram apreciados na audiência de julgamento, atendendo quer às suas declarações, quer ao depoimento da irmã e do relatório social (cfr. motivação do acórdão a fls. 34).
Ademais, analisado os termos do recurso de revisão, do relatório psicológico e do relatório médico-psiquiátrico não se suscita uma qualquer dúvida razoável sobre a imputabilidade do arguido, nos termos analisados a fls. 33 do acórdão (nem o arguido o afirma de forma inequívoca, nem de resto requer a aplicação de medida de segurança). Com efeito, ao invés do que resulta do acórdão, o que consta do relatório médico é uma possibilidade: “Ele aparenta características físicas e mentais caracterizado por uma deficiência mental que estimamos ligeira a moderada, podendo (…) susceptíveis de atenuar o seu julgamento e a respectiva responsabilidade dos seus actos.”
Donde, afigura-se evidente que o recorrente pretende é uma alteração da pena aplicada ou uma modificação do regime de cumprimento da mesma, lançando mão de argumentos já aduzidos no decurso do julgamento (“prática de um único crime de forma continuada”) e apreciados por este tribunal e pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, acrescentando que se submeteu “a tratamento, face ao estado debilitado em que se encontra, em tudo derivado daquela condenação que se crê excessiva, por desproporcional e desadequada”.
Nesta conformidade, atentas as razões aduzidas, afigura-se-me, salvo o muito respeito por opinião contrária, e na certeza de que os Senhores Juízes Conselheiros melhor decidirão, que o presente recurso de revisão não merece provimento.
6. A Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, neste Supremo Tribunal de Justiça, no visto a que alude o art.445.º, n.º1, do C.P.P., sustenta que será de improceder o recurso de revisão apresentado, negando-se a revisão requerida.
7. Notificado o requerente do pedido de revisão da posição assumida pelo Ministério Público na vista a que alude o art.455.º, n.º1 do C.P.P., para, em 10 dias, querendo, dizer que tivesse por conveniente, nada disse.
8. Realizada a Conferência, nos termos do art.455.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, cumpre decidir.
II – Fundamentação
9. São as seguintes as ocorrências processuais relevantes que importa apreciar no âmbito deste recurso, em face das certidões e demais documentos juntos aos autos:
A- Do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 26 de abril de 2022, transitado em julgado em 1 de junho de 2022, resultou apurada a seguinte factualidade e respetiva motivação (transcrição):
Factos provados
1) BB nasceu em .../.../2003.
2) A BB passou a residir com a avó paterna desde pelo menos 2008, em ..., juntamente com o cônjuge da avó e dois filhos desta.
3) Desde data anterior a 29 de Outubro de 2008 e até 27 de Novembro de 2019, o arguido AA frequentava diariamente a habitação onde vivia a BB por ser amigo da avó da BB.
4) Durante aproximadamente a semana que antecedeu os primeiros factos descritos em 6) e ss., por várias vezes, o arguido, quando se encontrava sozinho com a BB na habitação desta, apalpou com as mãos, por cima da roupa, as nádegas, a vagina e as mamas da BB, ao mesmo tempo que lhe dizia para manter com ele relações sexuais em troca de 20 euros.
5) A BB recusava e desviava-se.
6) Pelo menos na segunda semana de Setembro de 2017, na habitação da BB, quando estavam sozinhos, o arguido disse à BB que lhe dava 20 euros para ela ter relações sexuais com ele.
7) A BB aceitou e recebeu o dinheiro, e nessa ocasião e depois pelo menos uma vez por semana até pelo menos a última semana de Agosto de 2019 (sendo que na semana de 15 a 21 de Julho de 2019, os factos ocorreram após o dia 16 de Julho), quando estavam sozinhos naquela habitação (na cozinha ou no quarto da BB), despiam-se ou baixavam as calças e as cuecas e o arguido introduzia o seu pénis erecto na vagina da BB, sem preservativo, e fazia movimentos ascendentes e descendentes com aquele até ejacular, sendo que procurava ejacular fora da vagina da BB mas por vezes isso não sucedia ou não sucedia integralmente.
8) Em algumas das vezes, antes de o arguido introduzir o seu pénis na vagina da BB, aquele primeiro lambia com a sua língua a zona da vulva da BB, ou o arguido introduzia o seu pénis erecto na boca da BB, fazendo movimentos para dentro e para fora por diversas vezes.
9) Em todas as ocasiões posteriores à primeira referida em 6), o arguido também oferecia primeiro 20 ou 40 euros à BB para terem as relações descritas, o que esta aceitava, entregando aquele o dinheiro à BB e mantendo esta as descritas condutas em troca daquelas quantias.
10) Numa daquelas situações, em Maio de 2019, o arguido introduziu o pénis na vagina da BB e ejaculou no seu interior, tendo a BB engravidado, vindo a nascer em ... de ... de 2020 a CC, filha da BB e do arguido.
11) O arguido sabia a idade da BB.
12) Actuou com a intenção de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos, pretendendo manter com a BB os actos descritos, a troco do dinheiro referido, conhecendo a idade da BB, e as consequências da sua actuação.
13) O arguido sabia que ao introduzir o seu pénis na vagina da BB e ejacular, total ou parcialmente, no seu interior poderia engravidá-la, possibilidade em que não confiou.
14) O arguido agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, tendo conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
15) O arguido provém de um grupo familiar com 12 elementos, inscrito num quadro sócio económico muito carenciado, sendo o pai indiferenciado da construção civil e a mãe doméstica.
Durante o seu crescimento, o arguido, assim como a maioria dos seus irmãos, foi vítima de maus tratos por parte do pai, associados a um quadro de alcoolismo deste, o que levou à institucionalização do arguido e de alguns dos seus irmãos, no âmbito da protecção de menores.
Tendo abandonado a escolaridade sem ter concluído o primeiro ciclo e sem ter adquirido as competências básicas da leitura e escrita, por factores de instabilidade económico-familiar,
iniciou percurso laboral aos 12 anos, como indiferenciado na construção civil, actividade que manteve durante vários anos, intercalada por trabalho na agricultura.
Nunca manteve relacionamento de cariz amoroso sexual estável, sendo as suas primeiras experiência sexuais aos 18/19 anos em casas de alterne, locais que deixou de frequentar há muitos anos por causa das doenças.
À data dos factos, em situação que se mantém, o arguido integrava o seu agregado de origem constituído pela mãe e três dos seus irmãos, um deles reformado por invalidez, assumindo uma irmã coabitante um papel primacial nos cuidados diferenciados da mãe e dos demais irmãos.
O grupo reside em casa própria de construção antiga e de características rurais.
A dinâmica relacional é pautada por sentimentos de intra ajuda, percepcionando-se uma postura de ascendência da irmã face ao arguido dadas as características de dependência e passividade/amorfismo deste.
Por dificuldades em obter posto de trabalho estável, o arguido passou a subsistir de biscates num quadro de crescente fragilização económica, dependendo e desde há cerca de quatro anos exclusivamente da pensão de invalidez (270 euros) – mantendo um quadro de subsistência controlada, em conjunto com os demais elementos coabitantes.
Mantém inactividade ocupacional, e não apresenta quaisquer projectos laborais/ocupacionais ou outros futuros.
Surge referenciado na comunidade como isolado em termos de relações de amizades, de vizinhança ou outras, situação agravada pelo impacto dos acontecimentos em causa no meio local.
Não são conhecidos comportamentos aditivos ou outros de risco ou a existência de conflitos com o meio social envolvente, optando o arguido por estruturar o seu quotidiano dentro do espaço habitacional.
Tende a auto vitimizar-se a partir das suas precárias condições de vida, a sobrevalorizar as suas realizações/acções pessoais e a evitar questões de ordem subjectiva que possam prejudicar negativamente a sua imagem.
Nega qualquer problemática ao nível da sua sexualidade.
Tem um temperamento caloroso e afectivo, mas também um crescente vazio relacional e de carência afectiva.
Tende a imputar a iniciativa dos factos e alguma da responsabilidade à BB.
Quase não sai de casa desde que os factos foram denunciados, em parte por temer ser agredido por familiares da BB, em parte por ter vergonha (e uma vez que os factos foram conhecidos no meio onde vive).
Não tem condenações registadas no seu CRC.
Factos não provados
Não se logrou provar que:
a) a oferta de dinheiro referida em 4) só ocorre depois das situações em que o arguido apalpava a BB.
b) em 5), a BB afastava o arguido e dava-lhe palmadas nas mãos.
c) os factos descritos em 6) e ss. ocorreram desde (16 de) Julho de 2017 e na primeira vez o arguido pode ter oferecido também 40 euros.
d) os factos ocorriam sempre que o arguido e a BB estavam sozinhos, eles despiam-se (totalmente) sempre, e ocorreram até 27 de Novembro de 2019.
e) o descrito em 8) ocorria sempre/em todas as situações corridas.
f) o arguido estava ciente de que ao actuar das formas descritas perturbava e prejudicava, de forma séria, o desenvolvimento da sua personalidade, designadamente na esfera sexual e punha em causa o normal e são desenvolvimento psicológico, afectivo e da consciência sexual da menor.
g) o arguido está arrependido.”.
Motivação
A matéria descrita em 1 decorreu do documento de fls. 72.
Os factos descritos em 2 e 3 foram admitidos pelo arguido e corroborados pelo depoimento da testemunha DD [avó da BB, com que esta vivia]
Quanto aos factos objectivos descritos em 4 a 10, derivaram em primeira linha das declarações da BB, as quais, pese embora não directamente colhidas na audiência de julgamento, se mostraram credíveis, coerentes e impressivas. O arguido também admitiu ter mantido os actos sexuais descritos mas afastando-se da versão da BB em dois momentos essenciais: de um lado, sustentou ter sido provocado pela BB (foi esta que assumiu poses provocadoras ou mesmo pornográficas, formulando convites, a que ele acabou por ceder); e, de outro lado, sustentou que as relações sexuais não eram mantidas por ele pagar à BB (a iniciativa era sempre da BB ou quase sempre; e nas primeiras vezes nada entregou; a partir de certa altura, e depois de manterem os contactos sexuais, a BB passou a pedir-lhe dinheiro ou a «estender a mão»). A sua versão não tinha, porém, valor persuasivo bastante para afastar a versão da BB. De um lado, a versão desta mostrou-se compreensível e coerente com os contactos sexuais reconhecidos e as regras da normalidade, no contexto em que a BB e o arguido se movem (mormente atendendo aos seus diversos círculos de vida e idade). De outro lado, a versão do arguido é excessiva e inverosímil: não existe qualquer dado que justifique as condutas provocatórias (e excessivas) que o arguido atribui à BB (de mais a mais quando o arguido é um homem com uma idade bastante avançada e, fisicamente, está envelhecido - parecendo mais velho que a idade que tem - e não tem atributos físicos que o tornem sexualmente tão atractivo que a BB não consiga resistir…); a sua versão, nesta parte, parece uma fantasia adolescente. Aliás, a inconsistência da afirmação revela-se ainda quando o arguido, em julgamento, não foi capaz de revelar qualquer sinal de prazer da BB (pelo que fica por perceber o que ganharia esta com os factos, na versão do arguido); inconsistência acentuada pelo facto de, no seu interrogatório judicial, ter afirmado que a BB tinha prazer mas depois não ser capaz de concretizar a afirmação [primeiro foi incapaz de consubstanciar a afirmação; a seguir, afirmou que a BB lho disse mas, instado, não conseguiu explicitar a afirmação]; e também pelo facto de, como referiu, a BB nunca ter querido beijos (manifesto sinal de falta de interesse pessoal, emocional ou sensorial). Sendo que a aparente atracção da BB pelo arguido (na versão deste) já não era bastante para impedir que a BB arranjasse um namorado [como a testemunha EE, amiga e vizinha da BB, confirmou], sendo este claro sinal de que o interesse da BB não residia num homem idoso. E tudo isto também ajuda a compreender que o pagamento surja, efectivamente, e como a BB referiu, como a única explicação para o ocorrido.
No que respeita ao momento inicial referido em 6, a BB referiu-se a ter mais ou menos 14 anos nesse momento, referindo depois que talvez tenha sucedido na altura do verão. A sua afirmação é meramente tendencial e dubitativa. O arguido foi, nesta parte, confuso e contraditório: começou por afirmar que, quando provocado, disse à BB (como forma de a dissuadir, aparentemente) algo como «mas tu tens 14 anos», e depois também afirma que os factos ocorrem em Setembro mas também quando a BB está quase a fazer 14 anos, faltando pouco para isso (e também não soube explicar o lapso, longo, de Setembro a Julho, que se não ajusta à sua versão). Assim, fixou-se o momento descrito como sendo aquele em que, partindo da versão da BB e da referência, ampla, ao Verão, se mostraria de forma segura que os eventos já ocorriam – por já se esgotar em princípio o Verão e atendendo também a que qualquer espaço de dúvida deve ser valorado a favor do arguido. Algo de semelhante ocorre na fixação do momento final dos factos, considerando que a BB refere que cessaram os contactos quando, por volta do 5º mês de gravidez (que corresponde grosso modo a meados de Setembro a meados de Outubro), descobre que está grávida. Foi ainda a solução mais favorável ao arguido que justificou a delimitação efectuada na semana de 15 a 21 de Julho de 2019 (havendo a possibilidade de os factos ocorrerem antes ou depois de dia 16, tal constitui uma dúvida insuperável que, por força do princípio in dubio pro reo, tinha que ser resolvida em benefício do arguido).
Quanto à parte final do descrito em 7, o arguido referiu a prática em causa mas, de um lado, é certo que essa prática anticonceptiva (coitus interruptus) não era sempre adoptada, ou integralmente adoptada, pois a BB engravidou; de outro lado, é pouco provável que aquela gravidez decorra da única vez em que tal sucedeu (engravidar é quase sempre também um jogo estatístico e não uma relação linear); por outro lado ainda, a prática em causa exige um controlo do agente que por vezes falha, de mais a mais numa sucessão tão grande de actos sexuais. Donde a fixação do descrito.
Explicitou-se ainda que o contacto com a língua do arguido referido em 8 era exterior (na zona ampla da vulva, pois, para abranger toda a zona) e não no interior da vagina – e por isso que a menção à vagina se reportava àquela vulva, em termos amplos.
No que toca ao descrito em 10, atendeu-se também aos elementos de fls. 74 e 65/98, considerando ainda a duração normal do período de gestação.
O arguido admitiu conhecer a data de nascimento da BB (e a sua idade), como referido em 11, e admitiu também o conhecimento do carácter penal da conduta imputada (diferente da conduta por ele admitida), derivando ainda das suas declarações uma actuação dolosa – sem embargo, os factos descritos em 12 a 14 decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas do arguido.
Em particular e quanto ao descrito na parte final de 13, considerou-se que a adopção de prática anticonceptiva e a falta de interesse numa gravidez (não pretendida e contrária aos interesses do arguido) revelam que o arguido quer evitar a gravidez e confiou em que esta não sobreviria – apesar de acidentes ocasionais quanto à forma como ejacula.
Os factos reportados em 15 decorreram do relatório social (em que, pelas suas fontes e metodologia, se confiou) e do CRC juntos aos autos, com apoio ainda no depoimento, honesto, da testemunha FF [irmã do arguido, com quem este vive], tendo-se ainda atendido ás declarações do arguido quanto à forma como relata os factos.
No que toca à al. f) dos factos não provados, à intenção de praticar os factos descritos, mesmo com um sentido lubrico ou libidinoso como a pronúncia (que remete para a acusação) descreve, não se segue com normalidade a representação, pelo agente, dos efeitos de tal actuação no «desenvolvimento da (…) personalidade» ou «psicológico»; tal representação estará, aliás, nas mais das vezes completamente obscurecida, não sendo colocada pelo agente no seu horizonte de representação ou de preocupações ou motivações – é questão que se lhe não coloca, até porque as mais das vezes, como no caso vertente, nem compreenderá em rigor o sentido da expressão (aliás, o que o despacho de acusação, acolhido na pronúncia, faz é de algum modo procurar estender o dolo do tipo à representação dos elementos referidos, associados ao bem jurídico protegido, o que é irrelevante, já que o dolo do tipo se esgota neste
tipo, e o tipo em causa não compreende aqueles dados como elementos típicos autónomos).
No que respeita à al. g) dos factos não provados, não se pode atribuir relevo a afirmação que, de um lado, não vem acompanhada da efectiva assunção dos factos e, de outro lado, se prende mais com os efeitos pessoais da descoberta dos factos do que com a autocensura face aos factos (como foi patente no contexto das declarações do arguido). Quanto aos demais factos não provados que não foram expressamente considerados, foram excluídos por não ter sido produzida prova que os confirmasse ou por se terem apurado factos distintos, incompatíveis com aqueles que se excluíram.
As testemunhas GG [tio da BB, com quem vivia] e a referida EE não facultaram dados probatórios realmente relevantes – salvo, a última, quanto ao aspecto acessório referido nesta motivação.
Consigna-se ainda que nenhuma das testemunhas revelou conhecer efeitos pessoais dos factos para a BB que pudessem ser configurados como lesões pessoais ou sociais graves, ou como danos não patrimoniais. Donde, e na falta de outra prova, a falta de descrição de tais eventos.
Eliminaram-se:
- menções inúteis/irrelevantes como a identidade dos progenitores da ofendida, ou de outros familiares, ou os termos da regulação do exercício das responsabilidades parentais, ou a distância entre residências.
- outras menções redundantes, ou que apenas confundem (v.g. a referência à fricção, mero efeito dos movimentos descritos e não conduta autónoma a descrever).
- a menção ao número total de contactos sexuais, por conclusiva: é o resultado da avaliação temporal dos contactos descritos.
- os art. 21º e 22º do despacho de actuação por redundantes e porque já antes se afirma que o arguido conhecia a idade da BB (não havendo necessidade de repetir esse conhecimento para cada específico período temporal).
- as menções «concretizada» e outras equivalentes por conclusivas: tendo uma feição objectiva, representam mera avaliação dos factos descritos, face à intenção do arguido. Isto vale também de forma particular para a menção «o que veio a suceder, conforme supra descrito» (art. 23º do despacho de acusação) e já que a expressão tem natureza meramente objectiva (não descrevendo elementos subjectivos atinentes ao arguido, apenas constatando um resultado objectivo).
B) Da ata de audiência de julgamento, de 6 de outubro de 2021, consta, designadamente, que aberta a audiência, onde se encontrava presente o arguido, foi entregue cópia do Relatório Social do arguido à Digna Magistrada do Ministério Público e ao Ilustre Mandatário do arguido e, produzida a prova, foi designada data para leitura do acórdão; e da ata de audiência de julgamento, de 22 de outubro de 2021, consigna-se que, estando presente o arguido, depois de comunicada ao mesmo uma possível alteração não substancial dos factos e do Ilustre Mandatário do arguido ter dito nada ter a opor, o Mmº Juiz Presidente procedeu à leitura do acórdão.
C) Foi elaborado pela DGRSP o Relatório Social para determinação da sanção a aplicar ao arguido AA na qual, onde além do mais foram apresentadas as seguintes conclusões:
“AA surge detentor de um percurso vivencial onde se salienta uma infância/adolescência marcada uma ambiência de vitimização física e psicológica num crescendo de autodeterminação individualização precoce, que poderão ter influenciado de forma negativa o desenvolvimento sócio afetivo, e subsequentemente no, seu funcionamento interpessoal. O seu percurso de vida conquanto tendencialmente normativo, surge marcado por uma crescente instabilidade sócio laboral, surgindo o seu percurso pautado por atividades indiferenciadas que por contingências, potencialmente associadas às suas exíguas limitações/qualificações e/ou falta de compromisso face à contrariedades/frustrações acabou por abandonar, encontrando-se desde há 4 anos inativo e reformado por invalidez. Em termos do funcionamento individual e ainda que se constatem alguns indicadores de alguma imaturidade sócio afetiva em termos de respostas emocionais, com potenciais prejuízo da sua capacidade de construir ligações afetivas com companheiras da sua faixa etária, não foram percecionados no arguido, e decorrente da presente avaliação, significativos fatores de risco de agressão e/ou eventual desvio de cariz sexual. Relativamente ao presente processo e não obstante tender a racionalizar a sua responsabilidade pelo comportamento da menor vitima, AA expressa sentimentos de algum arrependimento aceitando em conformidade a intervenção do Sistema de Justiça, o que se poderá constituir com fator de proteção comportamental. Deste modo julgamos que, caso AA venha a ser condenado, apresenta condições persuasíveis à aplicação de uma medida não privativa de liberdade, necessariamente impositiva da manutenção do afastamento da vítima e o despiste de problemáticas ao nível da saúde mental e eventual sujeição futuro programa terapêutico.”.
D) Do relatório de avaliação psicológica do ora recorrente AA, datado de 26 de maio de 2022, elaborado por psicóloga da “C..., Lda”, junto como doc. n.º1 no requerimento inicial de revisão da sentença, consta, além do mais, as seguintes conclusões: “Após análise ponderada da avaliação efetuada junto do Sr. AA, considera-se que se trata de um homem extremamente ingénuo, singelo afável, parco discernimento e confusão sentimental, advindos da sua perturbação mental. O mesmo não constitui nenhum perigo real para si , para os outros ou para a sociedade em geral, tratando-se , pois de um homem calmo, simpático e pacífico. Não revela ter qualquer tipo de parafilia, sendo este evento o único em que se “envolveu amorasa e inconscientemente” com alguém, ainda que a lei tal não permita. Como se pode constatar por todos os dados anteriormente mencionados, o Sr. AA só após a condenação é que se apercebeu da gravidade da sua ação visto que, para si, o envolvimento dos dois seria apenas um “namoro” onde as diferenças de idades não importavam…. Assim, aconselha-se o célere seguimento em Psiquiatria, pelo que, dentro dos contornos legais, seria de todo benéfico e aconselhável a revisão da sua pena, passando a mesma a diminuta ou nula, com incidência sim, na possibilidade de tratamento psíquico em ambulatório, que tanto precisa!
E) Do Relatório medico-psiquiátrico, datado de 25 de maio de 2022, de psiquiatra da “C..., Lda”, junto como doc. n.º2 do requerimento inicial de revisão da sentença, consta que, tendo o ora recorrente sido examinado no dia de hoje, “Ele apresenta características físicas e mentais caraterizando uma deficiência mental que estimamos ligeira a moderada, podendo certamente susceptíveis de atenuar o seu julgamento e a respetiva responsabilidade dos seus actos. Uma avaliação psicométrica é pedida hoje para melhor quantificar a deficiência.”
9. Âmbito do recurso:
O pedido de revisão de sentença tem o âmbito decorrente do requerimento inicial apresentado.
No caso, o requerimento inicial apresentado pelo recorrente AA, solicitando autorização de revisão da sentença condenatória proferida no proc. n.º1106/19.8PAOLH, tem como fundamento ou requisito, o indicado no art.449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal.
10. Antes da apreciação da pretensão e argumentos apresentado pelo recorrente, impõe-se fixar, sinteticamente, os fundamentos e os pressupostos da revisão de sentença, ou seja, o regime legal que lhe subjaz.
O art.29.º da Constituição da República Portuguesa, inserido no Título II, epigrafado de «Direitos, liberdades e garantias» consagra, no seu n.º5, o princípio ne bis in idem e, assim, ainda que de forma implícita, a figura do caso julgado.
O fundamento central do caso julgado é uma concessão prática à necessidade de garantir a segurança e a certeza do direito.
Como assertivamente esclarece Eduardo Correia, com o caso julgado “…ainda mesmo com possível, sacrifício da justiça material, quere-se assegurar através dele aos cidadãos a paz; quere-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto.”.[1]
Porém, embora a segurança seja um dos fins do processo penal, não é o único, como acentua Cavaleiro de Ferreira:
“A justiça prima e sobressai acima de todas as demais considerações; o direito não pode querer e não quer a manutenção duma condenação, em homenagem à estabilidade das decisões judiciais a garantia dum mal invocado prestígio ou infabilidade do juízo humano, à custa de postergação de direitos fundamentais dos cidadãos, transformados então cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa da lei e do direito.”. [2]
O caso julgado não pode, pois, ser um dogma absoluto face à injustiça patente.
E a nossa lei fundamental não deixa de o reconhecer, privilegiando a justiça material em detrimento da segurança e da certeza que resulta da autoridade do caso julgado, ao estabelecer no art.29.º. n.º 6 da Constituição da República Portuguesa, que «os cidadãos injustamente condenados o direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença é á indemnização pelos danos sofridos».
Com o recurso de revisão consegue o legislador obter o equilíbrio entre a imutabilidade da sentença ditada pelo caso julgado (vertente da segurança) e a necessidade de assegurar o respeito pela verdade material (vertente da Justiça).
No mesmo sentido esclarece José Alberto dos Reis, no âmbito do processo civil, que “O recurso de revisão pressupõe que o caso julgado se formou em condições anormais, que ocorreram circunstâncias patológicas suscetíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa a eliminar o escândalo dessa injustiça. Quer dizer, ao interesse da segurança e da certeza sobrepõe-se o interesse da justiça”.[3]
A revisão de sentença criminal, densificada no art.449.º e seguintes do Código de Processo Penal, é um recurso extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento.
Comporta, no entendimento generalizado da doutrina, duas fases: a fase do juízo rescindente e a fase do juízo rescisório.
A primeira fase abrange a tramitação desde a apresentação do pedido até à decisão que concede ou denegue a revisão; a segunda fase – do juízo rescisório – só existe se a revisão for concedida e inicia-se com a baixa do processo e termina com um novo julgamento.[4]
O requerimento a pedir a revisão, contendo os fundamentos e as provas, é apresentado no tribunal que proferiu a decisão que deve ser revista (art.451.º do C.P.P.) e, se o fundamento for a descoberta de novos factos ou meios de prova, o juiz procede às diligências que considera indispensáveis, mandando documentar as declarações prestadas (art.453.º do C.P.P.).
Os fundamentos e condições de admissibilidade da revisão da sentença penal transitada em julgado, em que seria injusto e intolerável manter a sentença transitada em julgado, constam das alíneas a) a g) do n.º 1 do art.449.º do Código de Processo Penal.
São elas, taxativamente, as seguintes:
- Falsidade dos meios de prova, verificada por outra sentença transitada em julgado - alínea a);
- Dolo de julgamento, decorrente de crime cometido pelo juiz ou por jurado relacionado com o exercício da sua função no processo - alínea b);
- Inconciliabilidade de decisões, entre os factos que servirem de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença, resultando graves dúvidas sobre a justiça da condenação - alínea c);
- Descoberta de novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação - alínea d);
- Condenação com recurso a provas proibidas -alínea e);
- Declaração pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que haja servido de fundamento à condenação - alínea f); e
- Sentença vinculativa do Estado português, proferida por uma instância internacional, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça – alínea g).
O fundamento da revisão da sentença transitada em julgado previsto na alínea d) do n.º1 do art.449.º do Código de Processo Penal, que o recorrente traz à colação exige a verificação cumulativa de dois pressupostos:
- a descoberta de novos factos ou novos meios de prova; e
- que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
No que respeita ao primeiro destes pressupostos, importa, antes do mais, saber para quem devem ser novos os factos (“factos probandos”) ou os meios de prova (“as provas relativas a factos probandos”) que fundamentam a revisão da sentença, é uma das questões que esta norma coloca.
São três as orientações que o Supremo Tribunal de Justiça segue a este respeito:
Uma primeira, com interpretação mais ampla, considera que são novos os factos ou novos os meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, que não tiverem sido apreciados no processo que levou à condenação do arguido, por não serem do conhecimento do tribunal, na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora, nessa altura pudessem ser do conhecimento do condenado.
Este entendimento foi partilhado durante um largo lapso de tempo pelo S.T.J, designadamente nos acórdãos de 3-7-1997 (proc. n.º 485/97 - 3.ª) e de 1-7-2009 (proc. n.º319/04.1GBTMR-B.S1 - 3.ª).[5]
Uma outra, mais restritiva, defende que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são apenas aqueles que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento.
Apela para o efeito, essencialmente, à natureza extraordinária do recurso de revisão e ao dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais.
Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-6-2013 (proc. n.º 198/10.0TAGRD-A-S1- 5.ª) e de 25-6-2013 (proc. n.º 51/09.0PABMAI-B.S1 - 3.ª).[6]
E, uma terceira orientação, mais restritiva do que a primeira e mais ampla que a segunda, sustenta que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são os que embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, no momento em que o julgamento teve lugar, apresente uma justificação bastante para a omissão verificada (por impossibilidade ou por, na altura, se considerar que não deviam ter sido apresentados os factos ou os meios de prova agora novos para o tribunal).
É a posição defendida no recente acórdão do S.T.J.de 11-11-2021 (proc. n.º769/17.3PBAMD-B.S1- 5.ª Secção), onde se escreve: “Na sua aceção mais comum – e, por assim dizer, mais tradicional – «[a] expressão “factos ou meios de prova novos”, constante do fundamento de revisão da alínea d) do n° 1 do artigo 449º do CPP, deve interpretar-se no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão».
Concede, todavia, alguma jurisprudência mais recente – aliás, hoje, predominante e com que se concorda – que ainda sejam novos os factos ou meios de prova já conhecidos ao tempo do julgamento pelo requerente, desde que este justifique «porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal».[7]
Para a procedência do recurso de revisão não basta, como vimos, a descoberta de novos factos ou novos meios de prova, tornando-se ainda necessário, um outro pressuposto: que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Como se decidiu, entre outros, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1-7-2009 (proc. n.º 319/04.1GBTMR-B.S1 – 3.ª secção), para efeitos do disposto no art.449.º, n.º1, al. d), do C.P.P., “A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e ou provas de assumir o qualificativo da “gravidade” da dúvida”. Não é, consequentemente, admissível revisão de sentença penal com o único objetivo de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.”.
Ainda com interesse para a presente decisão, estabelece o n.º3 do art.449.º do Código de Processo Penal, que «Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.».
Também a redação do n.º3 do art.449.º do C.P.P. não é objeto de uma interpretação consensual na jurisprudência.
Assim, uma corrente considera que a inadmissibilidade da revisão tendo como única finalidade corrigir a medida concreta da pena abrange também a espécie da pena. É a posição defendida no acórdão do S.T.J. de 8-1-2009 (proc. n.º 3637/08 – 5.ª Secção), com o seguinte sumário:
“I - Diferentemente do que sucede com as demais als. do n.º1 do art.449.º do C.P.P., em que a revisão resulta, sem mais, da verificação de alguma das situações ali previstas, no caso da al. d) a revisão não é admitida se tiver como única finalidade corrigir a medida concreta da pena. II - Por esta deve entender-se não só o quantum, mas também a espécie de pena.
Uma outra corrente, mais restritiva da interpretação da inadmissibilidade de revisão consagrada no n.º3 do art.449.º do C.P.P., distingue a medida concreta da sanção aplicada da escolha da pena e só considera inadmissível a revisão quando tiver como única finalidade corrigir a medida concreta da pena aplicada, mas não a sua escolha.
É a posição que se pode ler no sumário do acórdão do S.T.J. de 12-9-2012 (proc. n.º 1192/10.6PRPRT-A.S1 – 3.ª Secção):
«III- Os conceitos de escolha e de medida da pena são distintos. A escolha refere-se à opção tomada pelo julgador pelo tipo ou espécie de pena a aplicar: pena de prisão ou multa, nos crimes puníveis em alternativa com prisão e multa; pena principal ou pena de substituição, quando a lei permite essa substituição. Após a escolha, segue-se a fixação da medida concreta da pena escolhida, dentro da moldura legalmente estabelecida. IV - Quando no n.º3 do art.449.º do C.P.P. impede o recurso de revisão com o único fim de correção da “medida concreta da sanção aplicada” tem de se entender que se quis apenas excluir o pedido de correção da medida da pena, mas já não o da sua escolha. V – Deve partir-se do pressuposto que o legislador conhece a distinção de conceitos e que sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.9.º, n.º3, 2.ª parte , do CC). Acresce que esta interpretação é a mais razoável e justa, pelo menos quando se perspetive a opção entre uma pena privativa e uma pena não privativa da liberdade.”.[8]
10.1. Retomando o caso concreto.
O recorrente AA, com o pedido de autorização de revisão da sentença condenatória, com fundamento no art.449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, pretende, em conclusão: a “revogação da medida da pena ora aplicada” em meio prisional, com aplicação “dentro do possível”, de “prisão domiciliária nos primeiros dois anos, para cumprimento da pena a aplicar” (art.65.º do requerimento inicial); que “sejam as penas aplicadas ao recorrente/condenado revistas integralmente de forma a restabelecer a suspensão a que estas estavam sujeitas” (art.68.º, 1.º §, do requerimento inicial); que seja substituída a pena de prisão efetiva “por outra menos gravosa” (art.68.º, 2.º §, do requerimento inicial); ou “igualmente, seja concedido ao recorrente a possibilidade de modificação da pena efetiva, e a permanência com pulseira eletrónica na sua residência, atento o previsto na modificação da execução da pena de prisão (artigo120.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade – CEPMPL).” (art.68.º, 3.º §, do requerimento inicial).
Os argumentos apresentados para o efeito e em síntese, pelo recorrente, são os seguintes: (i) não se conforma com a condenação por 104 crimes de recurso a prostituição de menores agravado, p. e p. pelos artigos 174.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º6 do Código Penal, e na pena conjunta de 6 anos de prisão, pois só praticou um único crime na forma continuada e, face à moldura penal aplicável, nunca deveria a pena ir além de 5 anos de prisão suspensa na execução, tornando-se assim desproporcional a escolha e medida da pena (artigos 1.º a 4.º e 7.º, alíneas a) a h) do requerimento inicial); (ii) em consequência de ter sido julgado e condenado, tem vindo a acentuar sintomas de depressão e ansiedade, ficando definitiva e severamente abatido, o que levou a aceitar submeter-se a um regime de tratamento, designadamente com antidepressivos, e a deslocar-se, a pedido da sua irmã, a uma consulta de psicóloga, que elaborou o relatório que constitui o doc. n.º 1, do qual realça os seguintes segmentos: no que concerne ao quadro clínico de ansiedade e depressão: “
“O seu olhar denota tristeza, desorientação, desesperança, cansaço e falta de energia anímica para reagir e perceber o quão grave foram as suas ações irrefletidas… A falta de sono e perda de apetite têm sido mais acentuadas nos últimos 4 meses, acrescidas de um aperto no peito e outras sintomatologias psicossomáticas.”; no que respeita à consciência moral: “A necessidade de carinho, atenção e a pulsão sexual inerentes a este desaire, são fortes indícios do contexto socioambiental do Sr. AA e até da própria jovem, cujo envolvimento foi consentido de ambas as partes… Assim, julga-se pertinente que os mesmos sejam tidos em consideração, sobretudo, na ponderação na revisão da sua pena. Mais se informa que o Sr. AA, atualmente, arrepende-se amargamente do acontecido, estando disposto a reconhecer e pedir desculpas publicamente pelos seus erros…. Receia-se, pois que, face ao tipo de crime de que foi acusado, uma vez recluso, seja vítima de qualquer tipo de ação abusiva e/ou discriminatória por parte dos pares, situação para a qual não tem estrutura física, cognitiva ou psicoemocional que lhe permita defender-se ou sequer perceber o que lhe pode advir.”; e em título de conclusão: “Como se pode constatar por todos os dados anteriormente mencionados, o Sr. AA só após a condenação é que se apercebeu da gravidade da sua ação visto que, para si, o envolvimento dos dois seria apenas um “namoro” onde as diferenças de idades não importavam…. Assim, aconselha-se o célere seguimento em Psiquiatria, pelo que, dentro dos contornos legais, seria de todo benéfico e aconselhável a revisão da sua pena, passando a mesma a diminuta ou nula, com incidência sim, na possibilidade de tratamento psíquico em ambulatório, que tanto precisa!” (artigos 8.º a 44.º do requerimento inicial) ; (iii) o recorrente foi sujeito a consulta com médico psiquiátrico, que elaborou relatório médico-psiquiátrico, junto como doc. n.º2, em que se consigna que detetou alguma disfunção mental e se requer avaliação psicométrica para o recorrente (artigos 45.º e 46.º do requerimento inicial); (iv) o atual estado de saúde do recorrente constitui o facto novo e os documentos médicos que ora junta e realização da perícia psiquiátrica ora requerida, os novos meios de prova, sendo que o mesmo não possuía à data do julgamento elementos que permitisse perceber esse estado, requerendo para este efeito como novo meio de prova (artigos 47.º a 59.º, 63 e 64.º do requerimento inicial).
Posto isto.
10.2 Cumpre aferir, em primeiro lugar, se no presente caso se verifica o primeiro dos pressupostos do fundamento em causa, que tem lugar quando se descobrirem novos factos ou novos meios de prova.
O inconformismo do recorrente com o enquadramento jurídico levado a cabo na decisão a rever, traduzido num alegado erro de subsunção dos factos provados ao direito penal, por no seu entender em vez de ter sido condenado por 104 crimes de recurso a prostituição de menores agravado, p. e p. pelos artigos 174.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º6 do Código Penal, e na pena conjunta de 6 anos de prisão, quando só teria praticado um único crime na forma continuada e, face à moldura penal aplicável, nunca deveria a pena ir além de 5 anos de prisão suspensa na execução, invocando uma consequente desproporcionalidade das penas, não constitui nem um novo facto, nem um novo meio de prova.
O recurso de revisão da al. d), n.º 1 do art.449.º do C.P.P. pressupõe que a decisão esteja inquinada por um erro de facto; a formulação da lei é clara, reportando-se exclusivamente à factualidade do crime.
Para corrigir o enquadramento jurídico-penal levado a cabo na sentença a rever e consequente aplicação de tantas penas parcelares quantos os crimes cometidos e respetiva pena conjunta aplicada, servem os recursos ordinários.
Os motivos elencados pelo recorrente nos termos descritos nos artigos 1.º a 4.º e 7.º, alíneas a) a h) do requerimento inicial, não são fundamento de revisão extraordinária da sentença, nos termos da al. d), n.º 1 do art.449.º do C.P.P..
Assente que o facto novo probando terá de referir-se necessariamente à matéria de facto fixada na sentença condenatória, modificando-a ou invalidando-a, de tal forma que fique seriamente em dúvida a justiça da condenação, importa clarificar qual o momento em que deve existir o facto novo gerador da injustiça na condenação.
No caso concreto, invoca o recorrente expressamente, como ponto central do “facto novo” que fundamenta a revisão, o seu “atual estado de saúde” de depressão e ansiedade, que o deixando severamente abalado, o levou a submeter-se a um regime de tratamento e a deslocar-se a uma consulta a uma psicóloga e a um psiquiatra.
É bom de ver que o facto respeitante ao seu “atual estado de saúde” é posterior à data do julgamento que culminou com a sentença condenatória revidenda.
Quando a lei refere como fundamento do recurso de revisão a expressão da alínea d), n.º1 do art.449.º, n.º1, do Código de Processo Penal «Se descobrirem novos factos ou meios de prova» reporta-se a factos já existentes na altura do julgamento e posteriormente descobertos e não a factos que só aconteceram posteriormente à decisão a rever. Do mesmo modo, quando o mesmo preceito nos fala em «graves dúvidas sobre a justiça da condenação», está a reportar-se à decisão condenatória e não à situação de facto que foi criada por ocorrência posterior à decisão a rever.
O “atual estado de saúde” do recorrente de depressão e ansiedade, que o deixam severamente abalado, é um facto superveniente, posterior à sentença revidenda; não é um facto novo.
A solução encontrada pelo recorrente para obstar ao “atual estado de saúde” face a este facto superveniente, poderá passar pela pretendida possibilidade de modificação da pena efetiva, através da permanência com pulseira eletrónica na sua residência, atento o previsto na modificação da execução da pena de prisão, nos termos do art.120.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
A modificação da execução da pena - seja através da modalidade de internamento do condenado em estabelecimentos de saúde ou de acolhimento adequados, seja através de regime de permanência na habitação, previstas no art.120.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade -, situa-se a nível de execução da pena, na altura de se efetivar.
No caso da existência de factos supervenientes, não se impõe ao Supremo Tribunal de Justiça indicar qual a via que o recorrente deve seguir, em vez de ter optado pelo recurso extraordinário de revisão de sentença onde não se integram os factos ocorridos posteriormente à decisão revidenda.
Os meios de prova juntos pelo recorrente, enquanto pretendem provar o atual estado de saúde deste não incidem sobre factos novos, mas sobre factos supervenientes, pelo que nesse sentido também não são meios de prova novos que deveriam ter suscitado dúvidas ao tribunal aquando do julgamento.
O motivo da revisão não se queda, porém, pela invocação daquele facto superveniente, pois ao alegar que a debilidade da sua saúde se “acentuou” com a condenação a que foi sujeito na decisão revidenda, deixa o recorrente medianamente claro que já antes da condenação pelos factos dados como provados, padeceria de depressão e ansiedade, embora em menor grau, advindos de perturbação mental.
Relativamente à questão de saber para quem devem ser novos os factos ou os meios de prova, entendemos seguir a orientação maioritária na jurisprudência neste momento, que vai no sentido de que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são os que embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, no momento em que o julgamento teve lugar, apresente uma justificação bastante para a omissão verificada.
É uma posição equilibrada, que tem em consideração, por um lado, a natureza extraordinária do recurso de revisão, preservando o caso julgado como fator estabilizador das relações jurídicas e, por outro, o interesse na efetiva realização da verdade material, permitindo ao recorrente justificar porque não alegou os novos factos ou meios de prova no momento em que o julgamento teve lugar.
No caso em análise, temos como evidente que para o arguido o facto não é novo, pois em lado algum da factualidade dada como provada consta que o arguido não tinha à data dos factos capacidade de entender qual era seu estado de saúde mental aquando do julgamento que levou à sua condenação e por outro lado, a imputabilidade é a regra, que neste caso se retira do facto descrito no ponto n.º 14 da decisão a rever.
O facto também não é novo para o Tribunal, mesmo nas palavras do ora recorrente, quando afirma que “foi constatado por via do relatório social, que já existiria alguma anomalia do foro mental, relacionado com ansiedade e depressão por se referir a necessidade de um despiste de problemáticas ao nível da saúde mental e eventual sujeição a futuro programa terapêutico do recorrente” concluindo que “ não foi nesse concreto momento valorada devidamente essa questão por todos os envolvidos no processo” (art.54.º do requerimento de revisão).
A factualidade dada como provada no ponto n.º 15 da sentença a rever - fundamentada designadamente no Relatório social elaborado para determinação da sanção, que contou com a participação do ora recorrente -, mostra que a situação jurídico-penal do arguido causou um impacto na sua vida, ao descrevê-lo como pessoa isolada em termos de relações de amizade, de vizinhança ou outras, situação agravada pelos acontecimentos em causa no meio local, que o levam a quase não sair de casa desde que os factos foram denunciados, em parte por temer ser agredido por familiares da BB e em parte por ter vergonha dado os factos serem conhecidos no meio em que vive.
O Relatório social, quando após descrever o impacto que a situação jurídico-penal está a ter na vida do arguido, conclui, na sua parte final, que se vier a ser aplicada ao arguido uma medida não privativa de liberdade, esta deverá ser impositiva da manutenção do afastamento da vítima e de “despiste de problemáticas ao nível da saúde mental e eventual sujeição futuro programa terapêutico.”, mais não faz que alertar para um despiste futuro de problemáticas ao nível de saúde mental do arguido.
Em lado algum refere o Relatório social que o arguido deve ser sujeito, designadamente por razões de (in)imputabilidade a perícia psiquiátrica por padecer de anomalia psíquica ou por a ansiedade e depressão causada pelo processo o exigir, e nem o Tribunal, o Ministério Público ou o arguido representado por advogado, requereu prova sobre o estado de saúde mental do mesmo à data do julgamento.
Tendo sido ponderados na decisão revidenda a situação pessoal e condições da vida do arguido, nomeadamente na determinação da medida da pena, afastada está a conclusão de que o estado de saúde mental do arguido constitua um novo facto ou que os relatórios de avaliação psicológica e médico-psiquiátrico, juntos pelo ora recorrente com o requerimento da sentença a rever e admitidos pelo Tribunal, são novos meios de prova para efeitos de revisão de sentença com o fundamento previsto no art.449.º, n.º 1, al. d), do C.P.P..
Passando agora ao segundo fundamento de revisão invocado pelo recorrente.
No caso vertente, o alegado estado de saúde existente à data dos factos caracterizado por alguma ansiedade e depressão resultante do impacto da sua situação jurídico-penal, para além de não ser um facto que só agora foi descoberto, está longe de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação pelos crimes de recurso a prostituição de menor.
Também o relatório de avaliação psicológica, apontando para a necessidade de tratamento face ao atual estado de ansiedade e depressão e o relatório médico-psiquiátrico do ora recorrente, que nada diz sobre este estado de ansiedade e depressão do ora recorrente, limitando-se a pedir uma avaliação psicométrica, por estimar que este possa ter uma deficiência mental ligeira ou moderada que poderia “atenuar o seu julgamento”, não abalam a factualidade dada como provada, no sentido de gerar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, ou seja, de uma forte possibilidade de futura absolvição do recorrente.[9]
Do exposto retira-se que a justiça das penas aplicadas, quer na sua determinação concreta, quer na escolha das mesmas, é o fim único da revisão.
Di-lo claramente o recorrente, entre outros, nos artigos 5.º, 49.º, 65.º e 68.º do requerimento de revisão da sentença. Acontece que os crimes praticados pelo arguido são puníveis apenas com pena principal de prisão, pelo que a escolha da pena terá ser sempre de prisão. Determinada a medida da pena conjunta em 6 anos de prisão, pela prática de 102 crimes de recurso de prostituição de menor, é manifesto que a pena não pode ser objeto de nova escolha por uma pena de substituição, seja por suspensão da execução da pena, seja por regime de permanência na habitação (que o recorrente apelida de prisão domiciliária), por ausência dos seus pressupostos de natureza formal, enunciados, respetivamente nos artigos 50.º, n.º1 e 43.º, n.º1 do Código Penal.
Em suma, por não se mostrarem preenchidos os respetivos pressupostos, conclui-se que é de negar a revisão de sentença.
III - Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revisão de sentença peticionada pelo recorrente AA.
Custas pelo recorrente, fixando em 4 UCs a taxa de justiça (art.8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
*
(Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.).
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Lisboa, 6 de outubro de 2022
Orlando Gonçalves (Relator)
Maria do Carmo Silva Dias (Adjunta)
Cid Geraldo (Adjunto)
Eduardo Loureiro (Presidente da Secção)
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[1] Cf. “II - Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz”, Coimbra Editora, 1983, pág.7
[2] Cf. In “Scientia Iuridica”, tomo XIV, n.ºs 75/76, págs. 520-521.
[3] Cf. “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, vol. V, pág. 158.
[4] Cf. Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal",3º Vol., pág. 364 e Maia Gonçalves, "Código de Processo Penal Anotado", 17ª Ed., pág.644).
[5] In www.dgsi.pt.
[6] In www.dgsi.pt.
[7] Cf. no mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 17.12.2009 (Proc. n.º 330/04.2JAPTM-B.S1), in www.dgsi.pt e de 3-11-2016, publicados na C.J. ASTJ, n.º 275, pág. 178 e, ainda, o mais recente acórdão do S.T.J. do ora relator, de 9.12.2021, proferido no proc. n.º3103/15.3TDLSB-E.S1, consultável in www.dgsi.pt/stj..
[8] Cf. “Código de Processo Penal comentado”, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, Almedina, 2014, págs. 1613 e 1637
[9] Para esta conclusão nem sequer é necessário chamar à colação o acórdão do S.T.J. de 26-10-2011(com um voto de vencido), referido pelo Ministério Público na resposta ao recurso, no qual se decidiu que “A mera eventualidade da arguida padecer, aquando da prática dos factos, de uma anomalia psíquica grave, consubstanciada num transtorno depressivo grave com sintomas psicóticos, susceptíveis de não permitir-lhe o discernimento ou a capacidade de avaliação, bem como o alcance dos actos por si cometidos, não só não corresponde a um facto novo, como também não tem a potencialidade, por si só ou conjugado com demais prova anteriormente apreciada, para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.” – CJ, ASTJ, 2011, Tomo III, pág. 196.