I. Nas comunicações com os tribunais, nomeadamente para envio de peças processuais, os intervenientes processuais, representados por advogado ou solicitador, podem utilizar o correio eletrónico, equivalendo essa comunicação à remessa por via postal registada, desde que a respetiva mensagem seja cronologicamente validada, mediante a aposição de selo temporal por entidade idónea.
II. A apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica pode também ser efetuada; mas nesse caso é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, devendo apresentar-se os originais do remetido na secretaria judicial no prazo de 10 dias contado do envio por telecópia.
III. A falta de entrega dos originais do referido prazo não implica a perda do direito de praticar o ato.
IV. A mais de tal preclusão não estar prescrita na lei, o princípio da proporcionalidade veda a atribuição de um efeito preclusivo do direito de praticar o ato.
A - Relatório:
Nestes autos de processo comum perante tribunal singular supra numerados que correm termos no Tribunal Judicial de Comarca de Évora - Juízo Local Criminal de Évora, J 2 - por despacho lavrado em 19 de Maio de 2022, a Mmª. Juíza indeferiu o pedido de indemnização cível deduzido pelo mandatário do arguido.
1- O despacho recorrido viola o artº 144º do C.P.C., bem como a Portaria nº 642/2004, de 16/06, porquanto rejeitou o PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL formulado nestes autos pela ofendida contra o arguido, pelo facto do mesmo ter sido remetido pela advogada nomeada à ofendida, no âmbito do apoio judiciário, por mail profissional ao Tribunal, sem que tenha apresentado o original.
2– A recorrente e o arguido foram notificados da acusação em 31 de março de 2022 (referência citius respetivamente 31650195 e 31650039), e a peça processual foi remetida no dia 13 de abril de 2022 às 20:07 h (em tempo), através de mail profissional conferido à signatária pela Ordem dos Advogados, em papel timbrado, conforme se pode aferir pelo mail enviado, embora conste no citius como enviado a 14 de abril de 2022 (referência citius 3239575), sendo que a signatária já tinha antes sido nomeada patrona à queixosa pela Ordem dos Advogados, em 16 de fevereiro de 2022, tal como se comprova no mail remetido pela Ordem dos Advogados ao Tribunal nessa data, e que consta no processo sob a referência citius 3179005.
3- Ao invés de pura e simplesmente rejeitar o pedido de indemnização civil, impossibilitando definitivamente a recorrente de exercer um direito, deveria a Juiz a quo tê-la convidado a apresentar o original da peça, e se esta assim não o fizesse, aí sim, determinar a sanção mais gravosa, de não aceitação do mesmo.
4– Na verdade, a regra segundo a qual os atos processuais praticados por escrito são apresentados a Juízo, em regra através da transmissão eletrónica de dados, aplica-se ao processo cível.
5- O processo penal não contém qualquer norma que regule o modo como os atos processuais escritos devem ser remetidos ao Tribunal.
6– No entanto, e apesar da proliferação de entendimentos nesta matéria, já o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou através do Assento nº 2/2000 (publicado no DR I Série a 7 e fevereiro de 2000) que fixou Jurisprudência ao decidir: “ o nº 1 do artigo 150º do Código Civil é aplicável ao processo penal por força do artº 4º do
C PPenal”.
7- Posteriormente e perante as dúvidas existentes, voltou o Supremo Tribunal de Justiça novamente a pronunciar-se, através do seu Acordão nº 3/2014 (publicado no DR, 1ª Serie de 15 de abril de 2014), fixando nova Jurisprudência, que assim fixou: “em processo penal é admissível a remessa a Juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no artº 150º, nº1 al.d) e nº 2 do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do DL nº 324/2003, de 27/12 e na Portaria nº 642/2004, de 16-06, aplicáveis conforme o disposto no artº 4º do Código de Processo Penal.”(negrito nosso).
8- – Por outro lado, a Portaria nº 642/2004 de 16.06 regula a forma de apresentação a Juízo dos atos processuais, tendo sido revogada pelo artº 27º da Portaria 114/2008, de 06.02, apenas no que respeita às acções previstas no artº 2º, isto é, quanto ao que respeita à “tramitação eletrónica:
9 - Pelo que, a referida Portaria 642/2004, continua em vigor na parte que não foi revogada pela Portaria 114/2008, isto é, quanto aos pedidos de natureza civil e os processos de natureza penal, que expressamente foram salvaguardados ou excecionados.
10 - Sobre esta exceção, também o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou, conforme sufragado no Acórdão de 24/01/2018, no processo 5007/14.8TDLSB.L1.S1, em que assim se sumariou:
“I – A jurisprudência fixada no AFJ 3/2014, de 06-03-2014, mantém plena atualidade, na medida em que a Portaria 280/2013, de 26-08, continua a ter um âmbito de aplicação restrito às acções referidas no seu artigo 2º, ficando desta forma excluídos de tal regulamentação, os processos de natureza penal, mantendo-se assim plenamente válidos os fundamentos invocados para fundamentar o referido acórdão de fixação de jurisprudência.
II – Deve, em consonância com o mencionado AFJ 3/20\14, DE 06-032014, considerar-se admissível, em processo penal, a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no art. 150º, nº1, al. d), e nº 2, do CPC de 1961, na redacção do DL 324/2003, de 27-12, e na Portaria 642/2004, de 16-06, aplicáveis conforme o disposto no artº 4º do C.P.P.
III - Face ao disposto no art. 10.º da Portaria 642/2004, de 16-06, tratando-se da apresentação de um requerimento de interposição de recurso e respectiva motivação por correio electrónico simples e sem validação cronológica, haverá que aplicar ao caso concreto o estatuído no DL 28/92, de 2702, que, disciplina o regime do uso da telecópia na transmissão de documentos entre tribunais, entre tribunais e outros serviços e para a prática de actos processuais.”
3- Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias, contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos.
4 – Incumbe às partes conservarem até ao trânsito em julgado da decisão os originais de quaisquer outras peças processuais ou documentos remetidos por telecópia, podendo o kuíz, a todo o tempo, determinar a respectiva apresentação.
5- Não aproveita à parte o ato praticado através de telecópia quando aquela, apesar de notificada para exibir os originais, o não fizer inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o artº 385º do Código Civil.
6- A data que figura na telecópia recebida no tribunal fixa, até prova em contrário, o dia e a hora em que a mensagem foi efetivamente recebida na secretaria do Tribunal.”
19 - Diga-se, que os originais não foram entregues porque a prática dispensava da sua apresentação, aliás de acordo com o disposto no nº2, do art. 144º do C.P.C.
20 – In casu, a Meritíssima juíza a quo rejeitou o Pedido de Indemnização Civil, em virtude deste ter sido apresentado através de mail e não ter sido entregue o original.
Nesta Relação o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Observou-se o disposto no nº 2 do art. 417° do Código de Processo Penal, tendo apresentado resposta o recorrido BB, secundando o parecer emitido.
Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.
É este o teor do despacho recorrido:
«O Tribunal é competente.
O Ministério Público detém legitimidade para o exercício da acção penal.
Não existem nulidades, ilegitimidades, outras excepções ou quaisquer questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.
Autue como Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular.
Recebo a acusação deduzida pelo Ministério Público contra BB, identificado(a) no TIR prestado, pelos factos e com o enquadramento jurídico-penal aí referido – um crime de violência doméstica -, os quais se dão por integralmente reproduzidos.
Verifico que o pedido cível foi enviado pela Sra. Advogado através de email.
Do correio electrónico não consta assinatura electrónica avançada nem a aposição de selo temporal por entidade terceira idónea.
O original do requerimento não foi remetido ao tribunal até à presente data.
Vejamos.
A remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico é admissível nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis por remissão do artigo 4.º do Código de Processo Penal, em conformidade com o Acórdão do STJ n.º 3/2014, de 6-3-2014, publicado no DR, 1ª Série, de 15-4-2014, e, por interpretação a contrario, do artigo 2.º da Portaria n.º 280/2013, na sua redacção vigente.
Tal jurisprudência permanece aplicável às acções excluídas da Portaria n.º 280/2013, conforme o Acórdão do STJ, de 24-1-2018, nomeadamente nas acções que se encontrem na fase de inquérito/instrução, e de acordo com o art.º 17.º, da Portaria n.º 267/2018 de 20 de setembro.
A Portaria n.º 642/2004, de 16.06 regula a forma de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo Civil.
Nos termos do art.º 3.º, n.º1, da mencionada Portaria, o envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do nº 3 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada. De acordo com o n.º 2 do art.º 3.º da Portaria n.º 642/2004, de 16.06, “A expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2º do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.
Na falta de validação cronológica, nos termos do art.º 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16.06, “À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia.”.
O regime da telecópia consta do Decreto-lei n.º 28/92, de 27/02 e no art.º 4.º, desse diploma, lê-se o seguinte:
«1- As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário. (...) 3- Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos».
O prazo de 7 dias deve ter-se alargado para 10 em consequência do disposto no artigo 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-lei n.º 329-A/95, de 12-12.
Ora, acompanhando o Acórdão de 23/04/2021, do Tribunal da Relação de Évora, relatado pela Exma. Sra. Juiz Desembargadora Maria Fernanda Palma, rejeito o pedido de indemnização deduzido pela ofendida AA.
Custas pelo incidente anómalo que fixo em 2 UC´s. (…)»
B.2.1 – O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
No caso concreto e dada a correcta posição assumida pelo tribunal recorrido quanto à interpretação dos dispositivos legais aplicáveis – no caso de envio de peça processual (pedido cível) pedido por mail e por aplicação do regime de telecópia - tendo sempre presente o nº 2 do artigo 2º da Portaria nº 280/13, 26 de Agosto, que determina que «No que respeita à tramitação eletrónica dos processos penais nos tribunais judiciais de 1.ª instância, o regime previsto na presente portaria é aplicável apenas a partir da receção dos autos em tribunal a que se referem o n.º 1 do artigo 311.º e os artigos 386.º, 391.º-C e 396.º do Código de Processo Penal», resta para decidir a questão de saber se a opção pela imediata rejeição do pedido cível formulado é a mais adequada.
Contrariando a posição minoritária desta Relação, seguida pelo despacho recorrido acompanhando o Acórdão de 23/04/2021, do Tribunal da Relação de Évora, já esta Relação assumiu posição contrária nos acórdãos de:
- 05-04-2022 (proc. 757/20.2GDLLE.E1, sendo relator o Desemb. Moreira das Neves)
I. I. Nas comunicações com os tribunais, nomeadamente para envio de peças processuais, os intervenientes processuais, representados por advogado ou solicitador, podem utilizar o correio eletrónico, equivalendo essa comunicação à remessa por via postal registada, desde que a respetiva mensagem seja cronologicamente validada, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.
II. A apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica pode também ser efetuada, mas nesse caso é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, devendo apresentar-se os originais do remetido na secretaria judicial no prazo de 10 dias contado do envio por telecópia.
III. A falta de entrega dos originais do referido prazo constituiu omissão de uma formalidade, a qual, não poderá, só por si, impossibilitar o aproveitamento do ato praticado, pois tal preclusão, a mais de desproporcionada, contrariaria o princípio do processo equitativo.
IV. Considerando-se necessária a confirmação da autenticidade de tal envio, deverá convidar-se o requerente a, dentro de certo prazo, confirmá-lo e entregar na secretaria as peças remetidas.
I. Nas comunicações com os tribunais, nomeadamente para envio de peças processuais, os intervenientes processuais, representados por advogado ou solicitador, podem utilizar o correio eletrónico, equivalendo essa comunicação à remessa por via postal registada, desde que a respetiva mensagem seja cronologicamente validada, mediante a aposição de selo temporal por entidade idónea.
II. A apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica pode também ser efetuada; mas nesse caso é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, devendo apresentar-se os originais do remetido na secretaria judicial no prazo de 10 dias contado do envio por telecópia.
III. A falta de entrega dos originais do referido prazo não implica a perda do direito de praticar o ato.
IV. A mais de tal preclusão não estar prescrita na lei, o princípio da proporcionalidade implica que deva convidar-se o requerente a entregar na secretaria as peças remetidas por correio eletrónico.
De acordo com os princípios e dizeres desta Relação de Évora (que, por exaustivos, dispensam outros considerandos), e acompanhando a jurisprudência constitucional, que no uso do princípio da proporcionalidade veda a atribuição de um efeito preclusivo do direito, determina-se que o tribunal recorrido convide o recorrente a apresentar o pedido cível no prazo legal de dez dias.
C - Dispositivo:
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto, devendo o tribunal recorrido notificar o recorrente para apresentar os originais do pedido cível, seguindo-se os demais termos.
Notifique.
Sem tributação.
Carlos Campos Lobo (1.º Adjunto)
Ana Bacelar (.2ª Adjunta)