AÇÃO EXECUTIVA
RECURSO DE APELAÇÃO
REGIME DE SUBIDA DO RECURSO
INUTILIDADE ABSOLUTA
DESPACHO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I - Em paralelo com o que vinha a ser defendido na jurisprudência e na doutrina relativamente à subida imediata e diferida dos agravos, a situação de absoluta inutilidade a que alude a al. h) do n.º 2 do art. 644.º do CPC, reporta-se tão só ao resultado do recurso em si mesmo; não aos actos processuais, entretanto praticados.
II - O sentido da inutilidade consagrada na lei só se verifica quando o despacho recorrido produza um resultado irreversível em termos de não poder ser colmatado pela eventual anulação do processado posterior à interposição do recurso.
III - O recurso de despacho que, suprimindo as nulidades invocadas pelo exequente, indeferiu o requerimento de reclamação da conta/nota discriminativa do agente de execução por falta de fundamento, esclarecendo que a execução prossegue para pagamento/cobrança da quantia de € 84 301,97, não é passível de apelação autónoma, por não se subsumir à situação prevista na al. h) do n.º 2 do art. 644.º do CPC, por remissão da al. a) do n.º 2 do art. 853.º do CPC.

Texto Integral





Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – Relatório

1. AA, BB e A..., LDA., Executados nos autos de execução com processo sumário em que é Exequente CC, vêm recorrer de revista (com fundamento no artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, invocando como acórdão fundamento o proferido pelo tribunal da Relação de Lisboa, de 11-07-2019, no processo n.º 13644/12.9YYLSB-C.L1) do acórdão proferido em Conferência pelo tribunal da Relação do Porto, que confirmou o despacho singular, que não conheceu do objecto da apelação que os mesmos interpuseram do despacho de 1.ª instância, datado de 18-12-2020, proferido nos referidos autos de execução, que decidiu nos seguintes termos: “suprindo as nulidades invocadas pelo exequente, por falta de fundamento, indefiro os requerimentos de reclamação da conta/nota discriminativa, mantendo-se tal conta/nota da Sra. AE e ficando assim sem efeito o despacho de 25/01/2019, prosseguindo a execução para pagamento/cobrança da referida quantia de € 84.301,97 (calculada com referência à data de 15/10/2020), à qual acrescerão os juros e demais acréscimos/custas legais que se forem vencendo após tal data de 15/10/2020”.

Concluem nas suas alegações (transcrição):

1ª No dia 9-11-2017 a Sra. Agente de Execução foi notificada para proceder à liquidação da quantia exequenda.

2ª No dia 7-11-2018 a Sra. Agente de Execução juntou aos autos nota discriminativa de liquidação da quantia exequenda.

3ª No dia 9-11-2018 a Sra. Agente de Execução juntou aos autos uma nova nota discriminativa da liquidação da quantia exequenda.

4ª Posteriormente, os Recorrentes vieram reclamaram da referida nota.

5ª Os Recorrentes alegaram que a referida nota estava manifestamente errada - porquanto não tomou em consideração e contabilizou correctamente os valores depositados nos autos pelos Recorrentes (de € 41.346,61), assim como, padecia de erro artitmético na contabilização do cálculo de juros de mora e sanção pecuniária compulsória, e ainda, os valores que entretanto aportaram aos autos em concretização das penhoras realizadas.

6ª No dia 6-12-2018 os Recorrentes foram notificados para, no prazo de 10 dias, demonstrarem nos autos os cálculos em que fundaram o erro que imputaram à liquidação efetuada pela Sra. Agente de Execução.

7ª No dia 7-01-2019 os Recorrentes juntaram os referidos cálculos.

8ª Por douto despacho datado de 25-01-2019, o Tribunal determinou o prosseguimento dos autos para pagamento da quantia de € 11.551,75, uma vez que, os cálculos juntos pelos Recorrentes não mereceram oposição do Recorrido.

9ª No dia 14-02-2019 o Recorrido veio arguir várias nulidades.

10ª Por despacho datado de 21-03-2019, foi indeferido o requerimento de arguição de nulidades.

1ª Posteriormente, o Recorrido interpôs recurso do douto despacho que indeferiu a arguição de nulidades.

12ª No dia 18-11-2019 o Tribunal da Relação do Porto decidiu que o Tribunal de 1ª instância devia proferir nova decisão quanto às nulidades arguidas e fundamentar a sua decisão.

13ª No dia 9-01-2020 a Exma. Sra. Juiz declarou já não ter competência para apreciar a decisão anulada.

14ª Por despacho datado de 4-02-2020, o Tribunal de 1ª Instância determinou o prosseguimento dos autos para apreciação da questão/reclamação pendente.

15ª Por despacho de 09-07-2020, a Sra. Agente de Execução foi notificada para juntar aos autos uma nova liquidação no prazo de 10 dias.

16ª Posteriormente, os Recorrentes vieram reclamar da referida nota.

17ª Os Recorrentes alegaram que a referida nota era extemporânea.

18ª Os Recorrentes aduziram ainda matéria de oposição superveniente – e reiteraram que a segunda nota discriminativa de liquidação da quantia exequenda efectuada pela Sra. Agente de Execução - padecia também de erro aritmético na contabilização do cálculo de juros de mora e de sanção pecuniária compulsória devido ao Recorrido e aos Recorrentes, como se aferia do requerimento junto autos pelos Recorrentes no dia 7-01-2019.

19ª Por despacho datado de 18-12-2020, o Tribunal determinou o prosseguimento dos autos para pagamento da quantia de € 84.301,97, considerando os valores refletidos na segunda nota liquidação efectuada pela Sra. Agente de Execução.

20ª No dia 19-01-2021, os Recorrentes interpuseram recurso do douto despacho datado de 18-12-2020 para o Tribunal da Relação do Porto.

21ª Os Recorrentes alegaram que o Tribunal a quo não tinha apreciado as seguintes questões:

- a primeira nota discriminativa de liquidação da quantia exequenda efectuada pela Sra. Agente de Execução junta aos autos no dia 9-11-2018;

- a reclamação deduzida pelos Recorrentes à referida nota (requerimentos datados de19-11-2018 e 7-01-2019);

 - a falta de impugnação do Recorrido aos cálculos juntos pelos Recorrentes - no dia 7-01-2019;

- A extemporaneidade da segunda nota discriminativa de liquidação da quantia exequenda junta pela Sra. Agente de Execução.

22ª Os Recorrentes alegaram ainda que a segunda nota discriminativa de liquidação da quantia exequenda junta aos autos pela Sra. Agente de Execução estava manifestamente errada, uma vez que, a mesma padecia de erros de cálculo no valor das rendas, no valor dos juros de mora e de sanção pecuniária compulsória devidos ao Recorrido, e no valor total devido aos Recorrentes - tendo em conta o valor depositado nos autos pelo Recorrente AA.

23ª E por último, os Recorrentes alegaram que o Tribunal a quo não devia ter dado sem efeito o despacho datado de 25-01-2019 - que determinou o prosseguimento dos autos para pagamento da quantia de € 11.551,75.

24ª Os Recorrentes pediram a revogação do despacho datado de 18-12-2020, que determinou o prosseguimento dos autos para pagamento da quantia de € 84.301,97.

25ª Posteriormente, os Recorrentes foram notificados da douta decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, que não admitiu o recurso de apelação.

26ª No dia 30-11-2021 os Recorrentes reclamaram para a Conferência da referida decisão.

27ª Posteriormente, no dia 9-02-2022, os Recorrentes foram notificados do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 08-02-2022, que não admitiu o recurso de apelação.

28ª O Tribunal da Relação do Porto considerou que o recurso interposto pelos Recorrentes não era admissível - por não ser aplicável ao caso vertente as situações previstas no artigo 644º, nº 2 do CPC.

Isto posto,

29ª Os Recorrentes vêm interpor recurso do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 08-02-2022, que não admitiu o recurso de apelação.

30ª O recurso interposto pelos Recorrentes enquadra-se no artigo 672.º n.º1 alínea c) do CPC.

31ª O douto Acórdão recorrido encontra-se em contradição com o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - datado de 11-07-2019 - proferido no processo nº 13644/12.9YYLSB-C.L1.

32ª O Acórdão recorrido consigna que: “(…) por força do disposto no nº1, do artº 853º, em termos paralelos ao que se prescreve no nº1 do artº 644º”, no que concerne a procedimentos ou incidentes de natureza declaratória inseridos na tramitação da acção executiva, em regra, apenas é passível de recurso a decisão que lhes ponha termo (artº 644º,nº1, al. a)), sem embargo dos casos em que neles seja proferido despacho saneador que reúna as condições previstas na al.b) (o que pode acontecer designadamente no âmbito da oposição à execução ou na reclamação e graduação de créditos). Ficam ainda ressalvadas, segundo o transcrito nº2, do artigo citado do início deste parágrafo, as decisões previstas no nº2 do artº 644º, na medida em que se adeqúem a tais procedimentos ou incidentes” (ob. cit., pág.441)”. Em nenhuma destas possibilidades se insere o caso em apreço, nem mesmo na previsão da al. h), do nº2, do normativo acabado de citar.

33ª Por sua vez, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa expende que: “quando a execução inclua juros que continuem a vencer-se o agente de execução procederá ao respetivo cálculo em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis (n.º 3 do artigo 703.º do CPC), não se exigindo, para essa tarefa, mais do que a mera leitura e interpretação do título executivo e do requerimento executivo, à luz das regras legais aplicáveis”. E “se entre as partes surgiu controvérsia acerca da inclusão, ou não, no âmbito da obrigação exequenda, dos juros de mora vencidos após a instauração da execução (…) a questão excede a mera dúvida sobre correção de um cálculo aritmético, revestindo, antes, a natureza de um verdadeiro litígio (…) nesse caso, deve admitir-se o recurso do despacho judicial proferido sobre reclamação apresentação pela executada contra a nota de liquidação elaborada pelo agente de execução, assim se interpretando restritivamente a alínea c) do nº 1 do artigo 723º do CPC, na medida em que uma ideia de irrecorribilidade absoluta colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º n.ºs 1 e 4, da CRP). (sublinhado e destaque nosso)

34ª Ora, na sua reclamação, os aqui Recorrentes alegaram que a 2ª nota de liquidação da quantia exequenda - efetuada pela Sra. Agente de Execução - padecia de vários erros de cálculo.

35ª Os Recorrentes alegaram que, a referida nota continha um erro aritmético na contabilização do cálculo dos juros de mora e de sanção pecuniária compulsória devido ao Recorrido e aos Recorrentes - como se aferia do requerimento junto autos pelos Recorrentes no dia 7-01-2019 (cálculos juntos pelos Recorrentes que não foram impugnados pelo Recorrido).

36ª No recurso de apelação, os Recorrentes juntaram ainda os cálculos que, no seu entender, deviam ser contabilizados.

37ª In casu, o Recorrido não impugnou os cálculos juntos aos autos pelos Recorrentes contra a 1ª nota de liquidação efectuada pela Sra. Agente de Execução.

38ª No entanto, no dia 9-11-2020, o Recorrido veio alegar que o Tribunal a quo devia pronunciar-se sobre a liquidação efectuada 09-11-2018, actualizada à data de 15-10-2020, e sobre a reclamação apresentada pelos Executados no dia 19-11-2018.

39ª Pelo exposto, o recurso de apelação interposto pelos Recorrentes contra a 2ª nota de liquidação da quantia exequenda devia ter sido admitido - devendo ser feita, in casu, uma interpretação restritiva da alínea c) do nº 1do artigo 723º do CPC.

40ª O presente caso é idêntico ao caso referido no Acórdão - fundamento.

41ª Na ação executiva supra referenciada, o Recorrido peticionou juros de mora.

42ª E nos presentes autos, entre as partes surgiu controvérsia sobre os juros de mora.

43ª Pelo exposto, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 20º, nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa. Acresce que,

44ª O Tribunal de 1ª Instância não devia ter dado sem efeito o douto despacho datado de 25-01-2019.

45ª Por despacho datado de 25-01-2019, o Tribunal de 1ª Instância determinou o prosseguimento dos autos para pagamento da quantia de €11.551,75, uma vez que os cálculos juntos pelos Recorrentes não mereceram oposição do Recorrido - à 1ª nota de liquidação da Sra. Agente de Execução.

46ª No dia 14-02-2019 o Recorrido veio arguir várias nulidades.

47ª Por despacho datado de 21-03-2019, foi indeferido o requerimento de arguição de nulidades.

48ª Posteriormente, o Recorrido interpôs recurso do douto despacho que indeferiu a arguição de nulidades.

49ª No dia 18-11-2019 o Tribunal da Relação do Porto decidiu que o Tribunal de 1ª instância devia proferir nova decisão quanto às nulidades arguidas e fundamentar a sua decisão.

50ª No dia 9-01-2020 a Exma. Sra. Juiz declarou já não ter competência para apreciar a decisão anulada.

51ª Por despacho datado de 4-02-2020, o Tribunal de 1ª Instância determinou o prosseguimento dos autos para apreciação da questão/reclamação pendente.

52ª Por despacho de 09-07-2020, a Sra. Agente de Execução foi notificada para juntar aos autos uma nova liquidação no prazo de 10 dias.

53ª Posteriormente, os Recorrentes vieram reclamar da referida nota.

54ª Os Recorrentes alegaram matéria de oposição superveniente – e reiteraram que a 2ª nota discriminativa de liquidação da quantia exequenda padecia também de erro aritmético na contabilização do cálculo de juros de mora e de sanção pecuniária compulsória devido ao Recorrido e aos Recorrentes - como se aferia do requerimento junto autos pelos Recorrentes no dia 7-01-2019 (cálculos juntos pelos Recorrentes que não foram impugnados pelo Recorrido).

55ª Os Recorrentes alegaram ainda que a referida nota era extemporânea.

56ª Por despacho de 18-12-2020, o Tribunal de 1ª Instância determinou o prosseguimento dos autos para pagamento da quantia de € 84.301,97, considerando os valores refletidos na segunda nota liquidação da Sra. Agente de Execução.

57ª Deste modo, o Tribunal violou o disposto no artigo 620º do Código de Processo Civil (caso julgado).

Sem prescindir,

58ª O Acórdão recorrido é, ainda, nulo, por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do artigo 615.º do CPC.

59ª O Tribunal a quo devia ainda ter apreciado e conhecido as seguintes questões:

- a primeira nota de liquidação da Sra. Agente de Execução junta aos autos no dia 9-11-2018;

- a reclamação à primeira nota de liquidação da Sra. Agente de Execução junta aos autos pelos Recorrentes nos dias 19-11-2018 e 7-01-2019;

- a falta de impugnação do Recorrido aos cálculos juntos pelos Recorrentes (no dia 7-01-2019)

- e a extemporaneidade da segunda nota de liquidação junta aos autos pela Sra. Agente de Execução.

60ª Deste modo, esta omissão de pronúncia gera a nulidade do Acórdão proferido nos termos artigo 615.º, alínea d) do CPC.”.

2. O Exequente em contra-alegações pronuncia-se pela inadmissibilidade do recurso e pela improcedência do mesmo.

II – Apreciação do recurso

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC), mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão:
ü Da admissibilidade da revista (questão prévia)
ü Da nulidade do acórdão
ü Da (in)admissibilidade do recurso de apelação autónoma

1. Das ocorrências processuais com relevância para o conhecimento do objecto do recurso

a) Nos autos de execução para pagamento de quantia certa, instaurada em 05-03-2015, por CC, contra AA, BB e A..., LDA., tendo por título executivo acórdão proferido pelo STJ de 28-05-2013, no âmbito da acção de despejo n.º 996/06.9TBVNG, transitado em julgado, em que os Executados se encontram condenados, para além do mais, na restituição do locado e no pagamento solidário ao aqui Exequente de todas as rendas vencidas desde Agosto de 1997 (inclusive, até à data da prolação do acórdão), no total de €94.722,60, e vincendas, à razão do duodécimo mensal de €498,54, desde Junho de 2013, até à efectiva entrega do locado, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, o tribunal de 1.ª instância proferiu decisão, em 18-12-2020, nos seguintes termos:

Pelo exposto, suprindo as nulidades invocadas pelo exequente, por falta de fundamento, indefiro os requerimentos de reclamação da conta/nota discriminativa, mantendo-se tal conta/nota da Sra. AE e ficando assim sem efeito o despacho de 25/01/2019, prosseguindo a execução para pagamento/cobrança da referida quantia de €84.301,97 (calculada com referência à data de 15/10/2020), à qual acrescerão os juros e demais acréscimos/custas legais que se forem vencendo após tal data de 15/10/2020.

Custas do incidente pelos aqui reclamantes/executados, sendo de 2 UC a taxa de justiça (cfr. os arts. 527.º, n.º 1, e 539.º, n.º 1, do CPC, bem como o art.º 7.º, n.º 4, do RCP e respetiva tabela II).

Notifique, incluindo ao Ministério Público.

Comunique à Sra. AE.”;

b) Os Executados interpuseram recurso de apelação daquele despacho ao abrigo do disposto no artigo 644.º, nº2, alínea h), do CPC;

c) O tribunal de 1.ª instância admitiu a apelação nos seguintes termos:

Por a decisão de apreciação de nulidades e de indeferimento da reclamação da conta/nota discriminativa e de retificação da quantia exequenda (de 18/12/2020) admitir recurso, este ter sido apresentado tempestivamente e por quem tem legitimidade, admito o recurso interposto pelos Executados, o qual é de apelação autónoma, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo - cfr. os arts. 139.º, n.º 5, 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, n.ºs 1 e 2, 637.º, 638.º, n.º 1, 639.º, 641.º, 644.º, n.º 2, al. h), 645.º, n.º 2, 646.º, 647.º, n.º 1, 852.º e 853.º, n.º 2, al. a), e n.º 4, todos do CPC.”;

d) O tribunal da Relação do Porto proferiu decisão singular de não conhecimento do objecto do recurso com fundamento na inadmissibilidade do mesmo, por considerar que a situação não admitia “apelação autónoma”;

e) Os Recorrentes reclamaram para a Conferência tendo sido proferido o acórdão ora recorrido, confirmativo do despacho da Relatora.

2. Do direito
1. Da admissibilidade da revista (questão prévia)

Ao invés do invocado pelos Recorrentes, a admissibilidade da presente revista tem fundamento no n.º1 do artigo 671.º do CPC, pois que se a expressão “ponha termo ao processo” ínsita na referida norma abarca os acórdãos da Relação que, incidindo sobre decisões de 1.ª instância, determinem a extinção da instância por forma diversa da absolvição da instância, designadamente quando a extinção é decorrência da rejeição pela Relação do recurso de apelação interposto de decisão de 1.ª instância com fundamento na sua extemporaneidade ou na falta de pressupostos ou requisitos legais[1]..

Assim, na sequência deste entendimento, nenhuma dúvida se nos coloca quanto à admissibilidade do presente recurso ao abrigo do disposto no artigo 671.º, n.º1, do CPC (enquanto revista normal; não, como revista excepcional), pois que está em causa decisão de abstenção do conhecimento do mérito da apelação por parte do tribunal da Relação, com fundamento na falta de cabimento de apelação autónoma “põe termo ao processo”; por outro lado, também não se verifica o obstáculo da dupla conforme uma vez que inexistam duas decisões coincidentes acerca de uma mesma questão, tendo a mesma – admissibilidade da apelação - sido apreciada, ex novo, pelo tribunal da Relação.


2. Da nulidade do acórdão

Consideram os Recorrentes que o Acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do artigo 615.º do CPC, por entenderem que se lhe impunha conhecer das seguintes questões: i. - da primeira nota de liquidação da Sra. Agente de Execução junta aos autos no dia 9-11-2018; ii. da reclamação à primeira nota de liquidação da Sra. Agente de Execução junta aos autos pelos Recorrentes nos dias 19-11-2018 e 7-01-2019; iii. da falta de impugnação do Recorrido aos cálculos juntos pelos Recorrentes (no dia 7-01-2019) e iv. da extemporaneidade da segunda nota de liquidação junta aos autos pela Sra. Agente de Execução.

Tratam-se, porém, de questões que se reportam ao objecto do recurso interposto e que o tribunal a quo entendeu não ser de conhecer; como tal, não se verifica qualquer omissão de pronúncia por parte do tribunal recorrido.


3. Da falta de conhecimento do objecto da apelação por inexistência de conclusões

Entendeu o acórdão recorrido que a interposição da apelação não tem apoio legal porque o despacho objecto de recurso não é passível de ser subsumido no disposto nos artigos 853.º e 644.º, ex vi do artigo 852.º, todos do CPC, ou seja, por o mesmo não admitir apelação autónoma.

Considera-se no referido aresto que a situação dos autos não tem cabimento no apertado critério de caracterização das “as decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final é absolutamente inútil” a que alude o disposto na alínea h) do n.º2 do artigo 644.º do CPC, reportado aos casos de decisões cuja retenção poderia ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido, e não aquelas que acarretem apenas mera inutilização de actos processuais”.

Alicerçam os Recorrentes a sua discordância quanto a tal decisão sustentando que não obstante estar em causa uma decisão judicial sobre reclamação apresentada contra a nota de liquidação elaborada pelo agente de execução, uma vez que a divergência extravasa a mera dúvida sobre a correcção dos cálculos aritméticos, caberia admitir o recurso do despacho, interpretando restritivamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 723.º do CPC, na medida em que uma ideia de irrecorribilidade absoluta colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º n.ºs 1 e 4, da CRP).

Em reforço do seu posicionamento a Recorrente alega ainda que o despacho objecto de apelação viola o caso julgado por ter dado sem efeito o despacho datado de 25-01-2019 que havia determinado o prosseguimento dos autos para pagamento da quantia de € 11.551,75.

A argumentação da Recorrente não pode proceder pois encontra-se alicerçada num equívoco de raciocínio quer no que toca ao fundamento em que o tribunal a quo se sustentou para concluir pelo não conhecimento do recurso, quer quanto ao âmbito de cognição que, na presente revista, se impõe a este tribunal.

Com efeito, no caso, o tribunal recorrido concluiu pelo não conhecimento do objecto da apelação, não porque considerasse o despacho proferido irrecorrível ao abrigo do artigo 723.º, n.º1, alínea c), do CPC, mas por entender que a decisão recorrida não poderia ser objecto de apelação autónoma, por se tratar de uma decisão interlocutória sem cabimento no artigo 644.º, n.º1, alínea h), do referido CPC.

Assim sendo, uma interpretação restritiva do artigo 723.º, n.º 1, alínea c), do CPC, não colidiria com a circunstância de se estar no âmbito de recurso interposto de despacho proferido em processo de execução [que conheceu (suprimindo nulidade) do requerimento de reclamação da conta/nota discriminativa da agente de execução, mantendo-a, fazendo prosseguir a execução (para pagamento da quantia de €84.301,97] sujeito ao regime da interposição previsto nos artigos 852.º e 853.º, ambos do CPC.

De acordo com tal regime, verifica-se que o citado artigo 852.º, do CPC, ao assegurar a aplicação subsidiária ao processo executivo das disposições que regulam o processo de declaração, legitima “a transposição para a acção executiva do preceituado nos n.ºs 3 e 4 do 644.º (…) de onde resulta o diferimento da impugnação de outras decisões intercalares para o recurso de apelação que vier a ser interposto da decisão que ponha termo ao processo (quando exista), ou ao procedimento declaratório ou para recurso autónomo, a interpor depois do trânsito em julgado da respectiva decisão[2]

Por sua vez, o artigo 853.º, do CPC, no seu n.º1, refere que É aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva.

Prescreve o n.º2, do mesmo artigo, que Cabe ainda recurso de apelação, nos termos gerais:

a) Das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º, quando aplicável à ação executiva;

b) Da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução;

c) Da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda;

d) Da decisão que se pronuncie sobre o exercício do direito de preferência ou de remição).

O n.º3 do referido preceito estatui que Cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo proferido ao abrigo do artigo 734.º.

Por fim, o n.º4 diz-nos que Sobem imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, os recursos interpostos nos termos dos n.ºs 2 e 3 de decisões que não ponham termo à execução nem suspendam a instância.

Resulta assim do regime prescrito que, em sede de acção executiva, a interposição de recurso de apelação é admissível em termos paralelos ao previsto no n.º1 do artigo 644.º do CPC, relativamente às decisões proferidas nos procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, ou seja, em regra, apenas da decisão que lhes ponha termo[3].

Quis, porém, o legislador ressalvar a possibilidade de algumas decisões intercalares proferidas na tramitação da acção executiva serem objecto de recurso imediato. Para o efeito e por se tratarem de situações que escapam à regra em que se fez assentar o regime de recursos em sede executiva, a lei procedeu à sua enumeração (nos n.ºs 2 e 3 do artigo 853.º do CPC), tendo incluído, entre elas, as decisões previstas no n.º2 do artigo 644.º (remissão adaptativa em função da acção executiva)[4], onde se encontra previsto o caso das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final se mostraria absolutamente inútil (alínea h) do n.º2 do artigo 644.º do CPC). E seria apenas neste enquadramento em que se poderia encontrar respaldo para a admissibilidade da apelação autónoma da decisão que os Recorrentes querem impugnar.

Aferindo-se a solução da questão sob análise em função de saber se, no caso, a não impugnação imediata do despacho determinará a absoluta inutilidade de uma eventual decisão favorável aos Recorrentes a obter em sede de recurso em altura processualmente posterior, impõe-se ter em conta o verdadeiro alcance do conceito legal “absolutamente inútil”.

Em paralelo com o que vinha a ser defendido na jurisprudência e na doutrina relativamente à subida imediata e diferida dos agravos, a situação de absoluta inutilidade a que alude a alínea h) do nº 2 do artigo 644.º do CPC, reporta-se tão só ao resultado do recurso em si mesmo; não aos actos processuais, entretanto praticados. Nessa medida, o sentido da inutilidade consagrada na lei só se verificará quando o despacho recorrido produzir um resultado irreversível em termos de não poder ser colmatado pela eventual anulação do processado posterior à interposição do recurso; daí a lei condicionar a admissibilidade da apelação à absoluta inutilidade da mesma com a decisão final.

Nesta ordem de ideias, na sequência do entendimento do tribunal a quo, a presente situação não assume previsão na pretendida alínea h) do n.º 2, do artigo 644.º do CPC, pois não se está perante uma decisão cuja não impugnação imediata se traduza num efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido.

Por conseguinte, não sendo admissível o recurso autónomo interposto pelos Recorrentes, há que confirmar o acórdão recorrido que considerou ocorrer fundamento que obsta ao conhecimento da apelação.

Refira-se, por fim, que a questão da violação do caso julgado, que os Recorrentes vieram agora invocar em sede de revista, extravasa, de todo, o objecto do recurso que, sublinhe-se, se encontra circunscrito pelo alcance da decisão recorrida, reportada ao não conhecimento do objecto da apelação que os Executados interpuseram do despacho de 1.ª instãncia.   

Improcedem, por isso, na sua totalidade, as conclusões das alegações.

III. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista, mantendo o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 7 de Junho de 2022

Graça Amaral (Relatora)

Maria Olinda Garcia

Ricardo Costa

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] É neste sentido que o STJ tem decidido, tal como ilustra o acórdão de 07-10-2020, Processo n.º 1075/16.6T8PRT.P1.S1, no qual se entendeu que É admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, com fundamento na falta de conclusões das alegações, não admite o recurso de apelação, ao abrigo do art. 641.º, n.º 2, al. b), do CPC, na medida em que, para todos os efeitos, tal acórdão põe termo ao processo por uma via formal equiparada à da absolvição da instância referida no n.º 1 do art. 671.º do CPC; no mesmo sentido, cfr. ainda e entre outros, acórdãos de 07-03-2019, Processo n.º 1821/18.3T8PRD-B.P1.S1 e de 03-03-2020, Processo n.º 3402/08.0TBVLG-E.P1.S1, acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.
[2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, p. 440, 2.ª edição Almedina.
[3] Conforme salienta Abrantes Geraldes, nos incidentes em que seja proferido saneador que reúna as condições previstas na alínea b) do n.º1 do referido artigo 644.º, como poderá ser o caso da oposição à execução ou na reclamação e graduação de créditos – obra citada, p.441.
[4] Artigo 853.º, n.º2, alínea a) do CPC.