CONTRAORDENAÇÃO
RECURSO DE IMPUGNAÇÃO
DEFESA DO ARGUIDO
AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
DESPACHO
PRESSUPOSTOS
FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO
NULIDADE RELATIVA
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Sumário

I – Conjugando com o direito de o arguido intervir no processo contraordenacional, oferecendo provas, a autoridade administrativa encontra-se vinculada a praticar as diligências pertinentes ao apuramento da verdade, apenas podendo rejeitar a realização de prova que não influa no objecto do processo e, cumulativamente, assim o justifique por decisão fundamentada.
II – Havendo preterição destes pressupostos, terá de concluir-se pela verificação da nulidade por omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, nos termos do artigo 120.º n.º 2 alínea d), segunda parte, do C.P.P, aplicável “ex vi” art. 41.º n.º 1 do RGCO.
III – Não se olvidando a possibilidade de considerar tal nulidade sanada pelo facto de as testemunhas indicadas virem a ser inquiridas em sede de audiência na fase judicial para apreciação do recurso de impugnação, tal circunstância não é susceptível de sanar a referida invalidade, porquanto sempre estaria coarctada a fase administrativa de defesa que deve ser concedida e um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

Texto Integral

Processo n.º 1407/22.8T8VFR.P1

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

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1. RELATÓRIO

O Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. por decisão de 15.02.2022 aplicou à arguida S..., S.A. a coima de 650,00€, pela prática de uma infracção prevista no art. 31.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16/07.
Desta decisão interpôs a arguida recurso de impugnação judicial.

Distribuídos os autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 3, com o nº 1407/22.8T8VFR, por despacho proferido em 02.06.2022 foi julgada «(…) nula a decisão administrativa recorrida ao abrigo das disposições conjugadas dos art. 50.º RGCO e art. 120.º n.º1 alínea d) e 122.º do C.P.P. (ex vi art. 41.º n.º 1 do RGCO), com o consequente arquivamento dos autos», assim dando provimento à impugnação judicial apresentada pela arguida S..., S.A.

É desta decisão que vem interposto recurso, pelo Ministério Público, que formulou as seguintes conclusões:
I. A decisão administrativa proferida nestes autos não padece de qualquer nulidade;
II. Por força do principio do inquisitório, é à entidade que dirige a investigação e instrução do processo contraordenacional que cabe escolher quais os meios de prova a utilizar para prova dos factos cujo conhecimento releve para a decisão;
III. Não há qualquer imposição legal que obrigue a autoridade administrativa a realizar todas as diligências de prova requeridas pela sociedade arguida em sede de defesa, mas apenas e só que lhe dê a possibilidade de tomar posição relativamente aos factos que lhe são imputados;
IV. A autoridade administrativa não tem de realizar as diligências de provas requeridas quando as mesmas se revelam à partida desnecessárias, supérfluas e dilatórias para a decisão a proferir atenta a simplicidade da causa e da prova já carreada para o processo;
V. No caso concreto, em que a prova do processo contraordenacional assentava em instrumento de verificação de pesagem e, perante uma situação de flagrante delito, a prova era simples dispensando-se a inquirição das testemunhas indicadas pela sociedade arguida que nem justificou a imprescindibilidade da sua inquirição;
VI. Mesmo que assim não se entendesse, tal omissão apenas constituía uma nulidade sanável, a arguir no prazo de 10 dias após o conhecimento da decisão final perante a autoridade administrativa (o que não aconteceu) ou no recurso de impugnação judicial (que aconteceu, mas apresentado depois de terem decorridos 10 dias e, por isso, de forma intempestiva) – cf. artigos 120º, n.º 2, alínea d) e 123º, do C. P. P.;
VII. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que tendo a sociedade arguida indicado na impugnação judicial precisamente as mesmas testemunhas que indicou na defesa na fase administrativa tal nulidade é sanável com a audição delas na fase judicial, pois que a sociedade arguida se prevaleceu nesta fase da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigida, nos termos do disposto no art.º 121º, n.º 1, al. c) do C.P.P.;
VIII. Ao não se entender assim, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 41º, 54º e 62º, do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, e nos artigos 120º, nº 2, alínea d), e 121º, nº 1, alínea c), todos do C.P.P.
Termos em que deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, deverá ser determinada a anulação da decisão proferida e substituída por outra que designe dia para a realização da audiência de julgamento, de acordo com o disposto no artigo 65º, do DL nº 433/82, de 27 de Outubro.
V. Exas., porém, e como sempre farão, Justiça.
Por despacho proferido em 08.09.2022 foi o recurso regularmente admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.

A arguida não apresentou resposta.

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação, emitiu parecer, no qual acompanha na integra as razões expendidas na motivação e conclusões do recurso interposto pelo Ministério Público na 1ª instância, entendendo que o recurso merece provimento com a consequente revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que, após julgamento, ou mediante despacho, nos termos do artigo 64º do RGCO, aprecie o mérito do recurso.

Cumprido que foi o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi acrescentado.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1 e 417º, nº 3, o CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, salvo questões do conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do CPP – sendo certo que, em conformidade com o disposto no art. 75º, nº 1 do RGCO, nos recursos dos processos de contraordenação a 2ª instância apenas conhece de direito.
No caso, tendo em conta as conclusões apresentadas pelo Digno recorrente, é apenas uma a questão a apreciar:
- a da verificação ou não da nulidade cometida pela autoridade administrativa e decretada e, em todo o caso, da sua sanação com a indicação das testemunhas na fase judicial cuja audição foi indeferida na fase administrativa

Com interesse para a decisão a proferir, resulta dos autos que:
- Em 12.04.2021, foi pela GNR em Santa Maria da Feira levantado auto de notícia contra a arguida S..., S.A., por alegada violação do disposto no art. 31.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16/07.
- Por ofício datado de 26.10.2021, foi a arguida notificada para se pronunciar por escrito sobre a matéria constante do auto de noticia, bem como juntar documentos probatórios e arrolar testemunhas.
- Em 13.01.2022 a arguida apresentou resposta escrita, negando o cometimento da infração que lhe foi imputada e arrolando duas testemunhas (AA e BB).
- De imediato foi proferida decisão, datada de 15.02.2022, na qual fez-se para além do mais constar: “Assim, considera-se que a prova produzida pela autoridade administrativa no auto em apreço, em particular a informação constante do auto e o talão de pesagem obtido no preciso momento da fiscalização, assume um valor probatório indubitavelmente superior, quando contraposta com o teor da defesa apresentada nos autos pela arguida.
A arguida arrolou ainda prova testemunhal, em concreto, o seu motorista e o operador de unidade. Insiste-se, a este propósito, que cabe à autoridade administrativa, face à relevância ou irrelevância das diligências requeridas pela arguida, decidir sobre a sua realização, devendo abster-se de as realizar, sempre qua as mesmas não se afigurem de utilidade para a descoberta da verdade. Neste sentido, uma vez que foram recolhidos elementos probatórios suficientes e aptos a proferir a decisão final prescinde-se da inquirição das testemunhas arroladas por se entender que as mesmas não revestem utilidade ou pertinência, no sentido que as suas declarações consubstanciando relevância para efeitos de ponderação na determinação da medida da pena aplicar (art. 71º, nº 2 do CP) não iriam pôr em causa a matéria dada como provada, alicerçada em documentos idóneos representativos da regularidade da pesagem efectuada e dos resultados obtidos. Assim, quanto ao motorista, o facto de ser ouvido ou não, a sua responsabilidade não lhe sai das mãos, existindo como elemento de prova, o talão de pesagem. Quanto à outra testemunha, na qualidade de operador de unidade, o seu depoimento em nada pode alterar o que foi demonstrado pelos documentos juntos aos autos, o talão de pesagem e o seu aditamento.”
- Tendo concluído pelo cometimento da infração imputada à arguida, foi à mesma aplicada a coima de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros).
- Em 28.03.2022 (mas que só veio a dar entrada no Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. em 13.04.2022), a arguida veio apresentar impugnação judicial daquela decisão condenatória, formulando as seguintes conclusões:
1ª O presente processo contraordenacional encontra-se prescrito ao abrigo do disposto no art. 27º e 28º do Dec.Lei nº 433/82 de 27 de Outubro;
2ª A arguida ou o seu mandatário não foram notificados da diligência de inquirição de testemunhas, verificando-se a nulidade revista na segunda parte da alínea d) do nº 2 do art. 120º CPP, aplicável ex vi art. 41º RGCOC;
3ª Não foi praticado qualquer ilícito contraordenacional;
4ª O veículo não tinha peso a mais na sua carga e muito menos um excesso de 3420 Kg;
5ª O mesmo foi verificado, antes de iniciar a sua marcha, reunindo todas as condições legais para circular, tendo sido pesado em báscula devidamente aferida pelas entidades competentes;
6ª Apenas transportava a quantidade de mercadoria, que a juntar à tara do veiculo dá um total inferior ao peso bruto permitidos por lei; 7ª As balanças utilizadas não apresentaram resultados fiáveis, em virtude do somatório das pesagens, por não terem capacidade ou serem inadequadas para serem utilizadas na fiscalização;
8ª Nada é atestado na decisão, ou em documentos juntos aos autos, quanto à possibilidade ou não de os aparelhos (balanças), utilizados na pesagem estarem em perfeitas condições de funcionamento ou calibragem, naquelas circunstâncias de tempo e lugar;
9ª Não se encontra junto aos autos qualquer certificação que garanta a adequação do local da fiscalização para efectuar a pesagem ao veículo;
10ª A arguida atravessa dificuldades económicas;
11ª Os presentes autos devem ser arquivados.
- Protestou juntar dois documentos e arrolou as mesmas duas testemunhas de defesa (AA e BB).
- Enviados os autos ao Ministério Público, foram pelo mesmo apresentados em juízo nos termos previstos no artigo 62º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro, tendo pelo mesmo sido indicada como testemunha o militar da GNR autuante.
- Em 09.05.2022 foi proferido despacho que admitiu o recurso de impugnação judicial e, na sequência de notificação para se pronunciar sobre as suscitadas questões da prescrição e da nulidade do procedimento contra-ordenacional, o Ministério Público entendeu não se mostrar verificada a prescrição o procedimento contraordenacional bem como a nulidade de omissão da realização de diligências essências para a descoberta da verdade e pede o prosseguimento dos autos com os ulteriores trâmites processuais.
- Logo de seguida, em 17.06.2021 foi proferida a decisão recorrida da qual, entre o mais consta (transcrição parcial):

“A S..., S.A. veio interpor recurso da decisão proferida pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. que aplicou à arguida uma coima no valor de 650,00€ (acrescida de custas do processo), pela prática de uma infracção prevista no art. 31.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16 de Julho (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 136/2009, de 5 de Julho).
Nesta sede, invocou a recorrente, além do mais, que o procedimento contraordenacional se encontra prescrito; e que não foram inquiridas as testemunhas por si arroladas, configurando a omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, com a consequente nulidade da decisão administrativa.
Pronunciou-se o Ministério Público entendendo não se encontrar verificada a prescrição e nulidades invocadas, promovendo o prosseguimento dos autos.
Considerando que se tratam de questões prévias, das quais dependem o prosseguimento dos autos, importa desde já conhecer das mesmas.
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Da prescrição do procedimento contraordenacional

Invocou a recorrente em primeiro lugar que, desde a prática da alegada infracção, decorreu um ano, sem que se tivesse verificado qualquer causa interruptiva e, por isso, o procedimento contraordenacional se encontra prescrito.
O Ministério Público, perfilhando entendimento diverso, pronunciou-se quanto às causas de interrupção e ainda de suspensão, concluindo assim pela não verificação da prescrição invocada.
Cumpre apreciar e decidir:
(….)
Nestes termos e face ao exposto, julga-se improcedente a invocada prescrição do procedimento contraordenacional.
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Da nulidade por omissão de diligência essencial à descoberta da verdade

A recorrente veio ainda dizer que, em sede de defesa perante a autoridade administrativa, arrolou duas testemunhas, as quais não foram inquiridas por aquela entidade. Assim, entende que foi preterida diligência essencial à descoberta da verdade, importando a consequente nulidade da decisão administrativa, que invocou ao abrigo do disposto no art. 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Código de Processo Penal (CPP) ex vi art. 41.º do RGCO.
O Ministério Público, por sua vez, entende que a não inquirição das testemunhas não acarreta a nulidade da decisão. No entanto, ainda que assim não se entendesse, a respectiva audição na fase judicial sempre importaria a sanação da nulidade, nos termos do art. 121.º n.º 1 alínea c) do RGCO.
Vejamos então:
Estatui o art. 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que “nos processos de contra-ordenação (…) são assegurados ao arguido os direitos de audição e defesa”.
E dispõe o art. 50.º do RGCO, densificando a norma constitucional, que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
Este normativo reportado ao “direito de audição e defesa”, consagra o direito de o arguido se pronunciar, mas também o de intervir no processo de contraordenação, apresentando ou requerendo diligências probatórias.
Por seu turno, dispõe o art. 54.º, n.º 2 do RGCO que “a autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima”.
Daqui decorre, portanto, que é da competência da autoridade administrativa a instrução e investigação do processo.
E assim, enquadra-se dentro das competências da autoridade administrativa a decisão sobre as diligências probatórias a produzir, designadamente, devendo “ser realizadas aquelas que se mostrem necessárias para o apuramento da verdade e da boa decisão da causa; todas as demais serão de indeferir, por supérfluas, inúteis” (acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 6/11/2018, P.º 22/18.5T8ETZ.E1, em www.dgsi.pt). Ou seja, “apenas devem ser praticados os actos que se proponham atingir as finalidades daquela fase processual o que pode não coincidir, necessariamente, com os actos propostos” (Oliveira Mendes e Santos Cabral, citado no acórdão supra mencionado).
Destarte tal faculdade não pode ser tida como arbitrária. Na verdade, ainda que a autoridade administrativa esteja acometida da competência da direcção da fase de investigação, encontra-se igualmente vinculada ao princípio da legalidade (art. 43.º do RGCO), visando a “prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” (art. 266.º, n.º 1 da CRP). Conjugando com o direito de o arguido intervir no processo contraordenacional, oferecendo provas (art. 50.º do RGCO), a autoridade administrativa encontra-se vinculada a praticar as diligências pertinentes ao apuramento da verdade, apenas podendo rejeitar a realização de prova que não influa no objecto do processo (art. 54.º, n.º 2 do RGCO) e, cumulativamente, assim o justifique por decisão fundamentada (art. 97.º n.º 5 do C.P.P. ex vi art. 41.º do RGCO).
Daqui sobressaem dois momentos essenciais: primeiro, a necessidade de aferir da pertinência de prova para descoberta de verdade material (princípio que não é meramente formal, devendo ser compaginado em função do auto de notícia e da defesa deduzida) e; segundo, a necessidade de fundamentação da decisão que rejeite a produção de prova (neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/09/2021, P.º 259/20.7T8CCH.E1, www.dgsi.pt).
Havendo preterição destes pressupostos, terá de concluir-se pela verificação da nulidade por omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, nos termos do art. 120.º n.º 2 alínea d), segunda parte, do C.P.P., ex vi art. 41.º n.º 1 do RGCO.
No caso em apreço, verifica-se que a recorrente indicou, aquando do exercício do direito de defesa após notificação nos termos e para os efeitos do disposto no referido art. 50.º do RGCO, duas testemunhas para contraprova dos factos de que vinha acusada – o excesso de peso da carga transportada – entendendo que o depoimento das mesmas seria essencial à descoberta da verdade material, porquanto presenciaram o carregamento e pesagem do veículo na empresa expedidora, como presenciaram o momento da autuação e os procedimentos legais e de pesagem adoptados pelas autoridades autuantes.
Contudo, competindo à autoridade administrativa a investigação e a instrução do processo, nos termos do disposto no art. 54.º n. º2 do RGCO, é a esta entidade que cumpre decidir pela realização ou não das diligências de prova que lhe forem requeridas.
Com efeito, no seguimento do referido supra, caberá “à entidade que dirige o processo de contraordenação deferir ou não a realização das diligências requeridas, devendo abster-se de realizar as que se lhe não afigurem de utilidade para a descoberta da verdade” – cfr. Simas Santos e Lopes de Sousa (in Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 2001, p. 294).
Todavia, na esteira do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/07/2007, P.º 0711709 (www.dgsi.pt), onde se escreve que “se é pacífico que a autoridade administrativa se não encontra obrigada à realização de todas as diligências requeridas, consideramos que, ao preteri-las, deverá justificar tal decisão”, esta preterição de audição das testemunhas arroladas deveria ter sido devidamente fundamentada.
No presente caso, não foi tal preterição feita de forma válida e fundamentada.
Vejamos.
A recorrente foi notificada de que lhe era imputada a infracção prevista no art. 31.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16/07 e para, querendo, “pronunciar-se por escrito, (…) bem como juntar documentos probatórios e arrolar testemunhas” ou proceder ao pagamento voluntário da coima.
Deduziu defesa junto da autoridade administrativa, negando que o veículo circulava com peso a mais porquanto assim dá ordens aos seus motoristas, mas sem conceder, invocou que o “local, onde foi feita a pesagem não era plano, tendo até alguma inclinação”, “motivo pelo qual (…), só por inadequação do local de pesagem, para a fiscalização, deficiências e/ou incapacidade do equipamento utilizado (…)se pode chegar à pesagem que foi encontrada (…)” já que o veículo tinha sido “pesado no local da expedição da mercadoria, onde se verificou que (…) cumpria as normas legais”.
Seguiu-se pela autoridade administrativa a prolação de decisão sem diligências probatórias.
Nesta decisão, diz-se que “a arguida arrolou ainda prova testemunhal, em concreto, o seu motorista e o operador de unidade. Insiste-se, a este propósito, que cabe à autoridade administrativa, face à relevância ou irrelevância das diligências requeridas pela arguida, decidir sobre a sua realização, devendo abster-se de realizar, sempre que as mesmas não se afigurem de utilidade para a descoberta da verdade. Neste sentido, uma vez que foram recolhidos elementos probatórios suficientes e aptos a proferir decisão final prescinde-se da inquirição das testemunhas arroladas por se entender que as mesmas não revestem utilidade ou pertinência, no sentido que as suas declarações (…) não iriam por em causa a matéria dada como provada, alicerçada em documentos idóneos representativos da regularidade da pesagem efetuada e dos resultados obtidos”. Acrescentou “quanto ao motorista, o facto de ser ouvido ou não, a sua responsabilidade não lhe sai das mãos, existindo como elemento de prova o talão de pesagem” e “quanto à outra testemunha, na qualidade de operador de unidade, o seu depoimento em nada pode alterar o que foi demonstrado (…) nomeadamente o auto, o talão de pesagem e o seu aditamento”.
Ou seja, no caso dos autos, a autoridade administrativa não admitiu a produção de prova testemunhal requerida pela arguida (aqui recorrente) e fundamentou tal decisão.
No entanto, em face do teor da defesa apresentada pela recorrente, não vemos como pode ter sido liminarmente decidido não ouvir as testemunhas arroladas, por se entender que o seu depoimento não iria revestir utilidade ou pertinência.
Desde logo, não podemos ignorar, conforme é consabido, que as características da zona e local são elementos essenciais para realização da pesagem em condições adequadas. E perante a possibilidade de as testemunhas arroladas terem conhecimento dos factos alegados na defesa, entre eles, a inclinação do local onde foi realizada a fiscalização/pesagem ou o contraponto com a pesagem no local de expedição, podem, em abstracto, influir na descoberta da verdade material.
Por outro lado, na fundamentação da decisão a autoridade administrativa prescindiu da prova testemunhal por ter já nos autos elementos suficientes para a decisão e entender que as testemunhas não poderiam infirmar as primeiras provas. Destarte, trata-se já de um juízo de ponderação sobre o valor probatório, tendo-se preterido, na verdade, a possibilidade que a recorrente tinha, em abstracto, de influir na decisão.
Aliás, a propósito de uma situação fáctica em tudo idêntica à destes autos, concluiu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21/09/2021, P.º 259/20.7T8CCH.E1 (www.dgsi.pt) que “a não inquirição da testemunha arrolada não foi devidamente fundamentada e aparenta justificar-se face às duas razões indicadas pela defesa e pelo tribunal recorrido, a “forma de pesagem e o local de pesagem” elementos essenciais para concluir da sua fiabilidade”, confirmando a decisão que declarou nula a decisão administrativa por nulidade do acto de não inquirição das testemunhas apresentadas em sede de defesa.
Assim, importa concluir que foram efectivamente preteridas diligências que, em abstracto, se poderiam considerar relevantes para a decisão final a proferir.
Por fim, cumpre referir que não olvidamos a possibilidade de considerar tal nulidade sanada pelo facto de poderem tais testemunhas virem a ser inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento na presente fase judicial, como, aliás, sustentou o Ministério Público (neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/11/2006, P.º 666/05.TTTMR.C1, em www.dgsi.pt).
No entanto, entendemos que tal circunstância não é susceptível de sanar a referida invalidade, porquanto sempre estaria coarctada a fase administrativa de defesa que à recorrente deve ser concedida e um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto. Com efeito, a defender-se esta tese, estaríamos a permitir que a omissão da autoridade administrativa se repercutisse negativamente nos direitos de defesa, visto que a recorrente não se logrou prevalecer plenamente de exercer tal direito no âmbito da impugnação judicial, já que a mesma está contaminada com a omissão anteriormente verificada. Certo é que, não só a inquirição daquelas testemunhas é susceptível, em abstracto, de evitar a decisão administrativa de condenação e a subsequente impugnação judicial, como, mesmo a manter-se aquela decisão, a linha da defesa a apresentar nesta fase de recurso deve poder contemplar a ponderação feita pela autoridade administrativa quanto à relevância e pertinência da prova oportunamente indicada aquando do exercício do direito de defesa.
Concluímos, assim, que a presente omissão da inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente configura uma nulidade por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, dependente de arguição, como dispõe o art. 120.º n.º 2 do C.P.P, a qual foi oportunamente invocada pela recorrente na sua impugnação judicial, tendo como efeito a nulidade do acto e os que dele dependem e assim, a nulidade da decisão administrativa.
Face ao exposto, julgo nula a decisão administrativa recorrida ao abrigo das disposições conjugadas dos art. 50.º RGCO e art. 120.º n.º1 alínea d) e 122.º do C.P.P. (ex vi art. 41.º n.º 1 do RGCO), com o consequente arquivamento dos autos.
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Em face do ora decidido, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas pela recorrente.
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Sem custas– cfr. art. 93.º nº 3 a contrario do RGCO.
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Notifique e deposite.
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Após trânsito em julgado, extraia certidão integral do processado e remeta à entidade administrativa recorrida para os efeitos tidos por convenientes, designadamente para suprimento da nulidade agora conhecida – cfr. art. 70.º n.º 4 do RGCO.”

Passemos então a apreciar a única questão concitada no recurso:

O Digno recorrente sustenta que a não inquirição das testemunhas indicadas pela sociedade arguida em sede de defesa não constitui qualquer nulidade, já que não se tratavam da prática de atos legalmente obrigatórios durante a instrução do procedimento contraordenacional, por vigorar nessa fase o principio do inquisitório, tal como em sede de inquérito o Ministério Público não está vinculado à produção de todas as provas requeridas pelo arguido.
Mesmo para quem considere o contrário, entende que tendo a sociedade arguida indicado na impugnação judicial precisamente as mesmas testemunhas que indicou na fase administrativa tal nulidade seria sanável com a audição delas na fase judicial, pois que a sociedade arguida se prevaleceu
nesta fase da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigida, nos termos do disposto no art.º 121º, n.º 1, al. c) do C.P.P.
Vejamos.
Embora fazendo parte do direito sancionatório público e mantendo relações profundas com o Direito Penal, o Direito das Contraordenações não se confunde com aquele, quer na sua dimensão substantiva, quer na componente processual que integra.(…). O direito ao contraditório, na dimensão de direito à audição e à defesa, é uma componente estruturante dos procedimentos de natureza sancionatória e está presente, embora com manifestações diversas, nos procedimentos relativos às diversas componentes daquele direito sancionatório. A conformação do contraditório em cada um daqueles procedimentos assume, assim, manifestações diversas que se prendem com a estrutura dos diferentes procedimentos” – vide “Os direitos de audição e de defesa no processo das contraordenações - Art. 32º, nº 10 da Constituição da República”, publicado em e-book do Centro de Estudos Judiciários, Coleção Formação Inicial, Contraordenações Laborais (2ª edição), pág. 41 e ss.
O Direito das Contraordenações foi concebido como um instrumento de intervenção administrativa de natureza sancionatória no sentido de dar maior eficácia à ação administrativa, daí que, o núcleo fundamental dos poderes sancionatórios, quer ao nível da iniciativa processual, quer ao nível decisório propriamente dito, é atribuído à Administração, relegando a intervenção judiciária para um nível de subsidiariedade. Ou seja, os tribunais chamados apenas a intervir pela via do recurso de impugnação, em caso de discordância dos condenados relativamente às decisões proferidas, em primeiro nível, pela Administração.
Donde, a dimensão administrativa do processo, vulgarmente designada por fase administrativa (composta por três conjuntos de atos relevantes, um primeiro momento do processo que vai da notícia da infração ao cumprimento do artigo 50º; os atos subsequentes à intervenção prevista na antedita norma reúnem uma segunda fase do processo, seguindo-se, por último, a decisão final), não pode desde logo ser concebida como as fases preliminares de um processo penal, na medida em que enquadra o exercício dos poderes sancionatórios da administração pública de modo pleno, sendo as decisões proferidas exequíveis, caso não sejam impugnadas, circunstância que tem particular relevo na determinação da dimensão do contraditório exigível para este procedimento.
Ora os direitos de audiência e defesa do arguido em processo contraordenacional estão consagrados no art. 50º do Dec. Lei nº 433/82 de 27/10 RGCO: “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
Para o que aqui importa dilucidar, podemos com segurança afirmar que não é possível equiparar a fase inicial do processo, até ao cumprimento do art. 50º do RGCO, ao inquérito do processo penal comum, e a fase subsequente ao cumprimento daquele dispositivo, como uma forma de instrução com o sentido que aquela fase têm no contexto das fases preliminares do processo penal.
Na verdade, embora na fase inicial se proceda a uma recolha das provas que existem sobre o facto potencialmente integrador de uma contraordenação e nesse sentido tem alguma semelhança com o inquérito, o cumprimento do assinalado art. 50º não assume no contexto do processo a natureza de um ato decisório relativo à submissão a julgamento perante um tribunal. Do mesmo modo, o momento do processo posterior ao cumprimento daquele dispositivo não pode ser entendido como uma forma de impugnação da decisão acusatória.
Com efeito, tal como decorre do disposto no art. 41º do RGCO que tem por epígrafe “direito subsidiário”, o Código de Processo Penal é direito subsidiário relativamente ao processo das contraordenações, o que pressupõe o recurso às soluções normativas daquele código sempre que se constate a inexistência de solução própria nos quadros do regime específico das contraordenações.
Daí que, nas situações em que se constate a necessidade de recorrer às soluções do direito subsidiário impõe-se, pois, ao intérprete o cuidado de avaliar previamente as soluções do processo penal e a sua articulação com as especificidades do processo das contraordenações, já que assim o impõe o comando legal “devidamente adaptados”, constante da antedita norma – cfr. neste sentido AC. da Relação de Lisboa de 11/09/2021proferido no Proc. nº 1428719.8T8CSC.L2-5 disponível in www.dgsi.pt., que aqui seguimos de perto.
Aqui chegados, é indiscutível que ao arguido seja dada a oportunidade de se pronunciar sobre os factos que lhe são imputados – o que corresponde ao exercício do direito de defesa previsto no citado art. 50º do RGCO, mas a violação do princípio do contraditório, só ocorreria quando as partes ficassem impossibilitadas de examinar as questões colocadas ou suscitadas no processo, o que não sucedeu no caso que temos em mão.
Ou seja, o que impõe aquele preceito é apenas que sejam comunicados aos arguidos os factos que lhe são imputados, a respetiva qualificação jurídica e sanções em que incorrem, não impondo sequer que a aludida notificação contenha a indicação das provas tidas em conta pela autoridade administrativa e que sustentam a imputação que lhes é dirigida.
Claro que o exercício do direito de defesa na fase administrativa do processo, corresponde não apenas à possibilidade de se pronunciar sobre o objeto do processo, mas de intervir no mesmo, designadamente, convocando elementos de prova suscetíveis de influir na decisão a proferir pela autoridade administrativa – correspondendo-lhe o direito a um exame efetivo dos argumentos e dos meios probatórios oferecidos.
Todavia, tal como enfatiza o Digno recorrente competindo à autoridade administrativa a investigação e a instrução do processo, nos termos do nº 2 do art. 54º, do RGCO, é a ela que cumpre decidir pela realização ou não das diligências de prova que lhe forem requeridas, não estando obrigada a realizar todas e quaisquer diligências de prova que sejam requeridas pelo arguido, embora deva fundamentar a respetiva rejeição, em obediência ao princípio da legalidade que vincula todo o processo.
Este entendimento está plasmado entre outros no Ac. do TRE de 06.11.2018 no processo nº 22/18.5T8ETZ.E1, TRG de 11.02.2019, no processo nº 861/18.7T9BGC.G1 e TRP de 09.12.2020, no processo nº 685/20.1T8PFR.P1 todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Ou seja, a autoridade administrativa, ao não aceitar as diligências de prova requeridas pelo arguido, terá de fundamentar a sua decisão, em obediência ao princípio da legalidade - arts. 43º, do RGCO e 266º, nº 1, da CRP.
Certo é que, na situação em apreço, a arguida exerceu o seu direito de defesa (foi ouvida e apresentou defesa), e a autoridade administrativa debruçou-se sobre a sua defesa e fundamentou na decisão porque considerou irrelevante, em termos de afastar a responsabilidade contraordenacional da arguida, a não audição das duas testemunhas por si indicadas, como da mesma flui expressamente, pelo que donde se conclui pelo respeito do seu direito de defesa. Em consonância, “não se pode imputar qualquer nulidade à autoridade administrativa se não procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela arguida porquanto entendeu ser desnecessária e irrelevante a sua audição, face à especificidade da matéria que se propunha provar, e se mostra de nenhuma, ou de fraca, importância a prova testemunhal”, como se lê no primeiro aresto citado.
A autoridade administrativa, insiste-se, efetivamente declarou a razão pela qual entendia desnecessária a inquirição pretendida pela arguida, e podendo discordar-se da fundamentação que aduziu, não deixou de o justificar.
Não podemos por isso comungar da posição assumida pelo tribunal recorrido quando assevera que a preterição das diligências no caso em vertente não foi feita de forma válida e fundamentada.
Pois de forma detalhada até explica porque razão os factos alegados pela arguida não seriam aptos a invalidar a prova positiva da prática da contraordenação nem a excluir a responsabilidade da arguida. Até porque a sociedade arguida em sede de defesa não indicou as razões da imprescindibilidade da inquirição das aludidas testemunhas (que conhecimentos diretos\indiretos, técnicos ou científicos tinham dos factos imputados à sociedade arguida e sobre os quais poderiam prestar declarações) assim como o próprio despacho recorrido não se pronuncia, face aos termos em que a impugnação judicial foi deduzida, sobre a imprescindibilidade da consideração dessas testemunhas para a defesa nos moldes em que foi apresentada e face à simplicidade da causa. Temos, pois, uma posição genérica e meramente formal, que não relaciona em concreto os meios de prova requeridos e a materialidade dos factos imputados à sociedade arguida no sentido de justificar a audição das testemunhas como sendo imprescindível no sentido de poder conduzir a uma decisão absolutamente diferente daquela que foi tomada no processo de contraordenação, como com acuidade sustenta o Digno recorrente na alegação recursiva.
Fazendo o paralelismo entre a condução da investigação e instrução do processo, com o processo penal no que se reporta à fase de inquérito, incertezas não há, de que o Ministério Público também não está vinculado à produção de todas as provas requeridas pelo arguido, só podendo ser-lhe censurada a omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade (ou a falta da prática de atos legalmente obrigatórios). E mesmo o Tribunal, na fase de julgamento, apenas está obrigado a produzir (oficiosamente ou a requerimento) os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa - cfr. art. 340º, nº 1 do Código de Processo Penal), devendo recusar tudo o que for supérfluo, irrelevante ou dilatório.
In casu, a autoridade administrativa considerou desnecessária a inquirição das testemunhas para a descoberta da verdade material e disso deu nota e justificou, fundadamente, na decisão recorrida.
Deste modo, é indubitável que no caso o direito de audiência e defesa da arguida foi assegurado, não sobrevindo, por isso, a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do art. 120º do CP, posto que não ocorre “insuficiência do inquérito ou da instrução por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios”.

De todo o modo, ainda que se pudesse configurar uma nulidade, o que não se concebe perante o que se deixou dito, ela sempre seria sanável – cfr. art. artigo 120º, n.º 2, al. d) do CPP – e teria de ser arguida perante a autoridade administrativa no prazo de 10 dias após a notificação da decisão, ou dentro desse prazo no recurso de impugnação judicial, tal como decorre do art. 105.º nº 1, do CPP (e não 123º do CPP como sustenta o Digno Recorrente).
Com efeito a nulidade por omissão de diligências (art. 120º, nº 1 al. d), do CPP), sendo uma nulidade do procedimento está sujeita ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos arts. 120º e 121º, do mesmo Código, pelo que tinha de ser invocada no prazo de dez dias (art. 105º, nº 1, do CPP), se outra coisa não resultar do nº 3 do mesmo art. 120º, nomeadamente da sua alínea a), que impõe que a nulidade deve ser arguida “antes que o acto esteja terminado”, tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista.
Porém a arguida só arguiu a suposta nulidade na impugnação judicial que apresentou em 28/03/2022, donde excedido o assinalado prazo de 10 dias previsto na lei (após o conhecimento da decisão administrativa que ocorreu em 28/02/2022 – cf. fls. 19/20), não lhe sendo licito invoca-la em sede de recurso e para além do aludido prazo. Ou seja, não pode fazer valer-se do prazo de impugnação judicial para estender um prazo de arguição de uma nulidade que a lei fixa perentoriamente em 10 dias.
Assim sendo, a arguição da nulidade sempre teria de considerar-se intempestiva, pois foi invocada muito para além dos 10 dias, quando já estava sanada.
Mas, diga-se ainda, que na impugnação judicial a sociedade arguida arrolou precisamente as mesmas testemunhas, razão pela qual a aludida nulidade, a existir, também por esta via sempre estaria sanada porque a sociedade arguida quis fazer prevalecer na sede judicial o exercício do acto anulável a que se dirigida, tal como se dispõe no art. 121º, nº 1, al. c) do CPP.
Procede por isso o recurso.
Em consequência, determina-se a anulação da decisão proferida que deverá ser substituída por outra que designe dia para a realização da audiência de julgamento, de acordo com o disposto no art. 65º, do DL nº 433/82, de 27 de outubro.

3. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, conceder provimento ao recurso, e em consequência anular a decisão recorrida, determinando-se a devolução dos autos ao tribunal recorrido, a fim de designar data para a realização da audiência de julgamento, de acordo com o disposto no art. 65º, do DL nº 433/82, de 27 de outubro.
Sem tributação.

Notifique.

(Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).

Porto, 02 de novembro de 2022
Cláudia Rodrigues
João Pedro Pereira Cardoso
Raúl Cordeiro