ALIMENTOS
EX-CÔNJUGES
CESSAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REDUÇÃO DE PENSÃO
Sumário


Numa ação de cessação de alimentos fixados judicialmente no divórcio, na qual o autor alega e prova o aumento de rendimentos do ex-cônjuge mulher e não alega e prova a redução das necessidades alimentares do mesmo e este ex-cônjuge mulher não alega e prova o seu aumento das mesmas face às atendidas na decisão judicial que fixou os alimentos, pode atender-se na apreciação do pedido de cessação ou do efeito inferior de redução da pensão alimentar ao valor de necessidades acautelado na primeira decisão judicial, atualizada com a inflação (arts.551º e 2012º do C. Civil), em relação às quais se afere a possibilidade de satisfação pela credora (com o novo rendimento próprio auferido) e a existência e a medida da necessidade de alimentos do ex-marido (arts.2004, 2012º, 2016º-A do C. Civil).

Texto Integral


As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte:

ACÓRDÃO

I. Relatório:

Na presente ação de cessação de alimentos, movida por M. J. contra A. R.:
1. O autor:
1.1. Formulou as pretensões:
1) De decretamento da cessação imediata do direito a alimentos a pagar pelo autor à ré.
2) De devolução pela ré do valor pago pelo autor de alimentos desde a data da condenação até à presente, por nunca ter carecido de alimentos, sob pena de enriquecimento sem causa, por cumprimento de obrigação inexistente, a que se reporta o art.476º/1 do C. Civil.
3) Subsidiariamente, caso assim não se entendesse, de devolução do valor pago de alimentos desde a data da atribuição da pensão de velhice até à presente.
1.2. Fundamentou os seus pedidos, alegando, em síntese:
a) Que foi condenado a pagar € 400,00 de alimentos à ré, o que vem cumprindo desde o trânsito em julgado da decisão, em fevereiro de 2018, data desde a qual tem vindo a cumprir a sua obrigação.
b) Que os fundamentos da condenação alteraram-se, tendo em conta que a ré:
b1) Já se encontra a auferir pensão de reforma por velhice, em valor superior a €300; 00, deixando de carecer de alimentos.
b2) É detentora de 9 prédios rústicos.
b3) Tem conseguido suportar, desde a separação até à presente data, todos os custos das ações judiciais que intentou contra si (indicando exemplificativamente cinco), que explica na possibilidade de talvez auferir rendimentos não declarados, nomeadamente através de prestação de cuidados domésticos ou outros.
b4) Nunca viveu com a sua irmã, podendo estar a viver em casa possivelmente arrendada na morada que indica, de onde se depreende que nunca careceu de alimentos.
b5) Recebeu de si uma indemnização de cerca de €26 800,00 no processo nº248/12.5TBCMN.
b6) Chegou agora ao conhecimento do autor que a ré em 2014 procedeu ao levantamento do montante de €17 291,70 e é detentora de conta bancária, nomeadamente … nº ……09 do Crédit ….
c) Que a ré litigou no processo nº248/12.5TBCMN com má-fé, pois declarou não ter rendimentos para prover à sua subsistência e para custear despesas de habitação e ocultou património para conseguir a pensão que sabia não ter direito, o que constitui um abuso de direito e um verdadeiro enriquecimento sem causa.
2. Realizou-se conferência, sem acordo.
3. Após conferência, a ré apresentou contestação, concluindo pela improcedência da pretensão, alegando em síntese, depois da transcrição da decisão de facto do STJ no acórdão de 30.03.2017, com base no qual foi fixada a pensão de alimentos:
a) Quanto à sua situação de saúde: que se mantêm os problemas de saúde dos factos 4 e 5 do acórdão, parcialmente gerados (quanto à rigidez do polegar) por violência doméstica perpetrada pelo autor (condenado no processo-crime nº52/12.0GBCMN), e que a impedem de trabalhar sem limitações (facto 15 do acórdão do STJ).
b) Quanto aos rendimentos (facto 6): que deixou de receber o RSI em 2018 e passou a receber pensão de velhice em 2021, no valor mensal de € 340,16 (183,09 acima do RSI); que continua a não conseguir prover ao seu sustento (conforme factos provados de 13 a 16 do acórdão, com as devidas adaptações); que o valor alegado como recebido refere-se ao valor de pensões atrasadas e não ao da indemnização; que não se presume que tenha rendimentos por causa da instauração das ações, nas quais beneficiou de apoio judiciário; que durante o casamento fizeram dois depósitos poupança, de igual valor, tendo a ré procedido a transferência de € 17 000,00 de uma poupança para conta por ela titulada para evitar a dissipação pelo autor do depósito e que não gastou, tendo-se o autor apropriado de uma poupança de € 15 000,00, acrescida de juros capitalizados.
c) Quanto ao património: que a matéria não é superveniente e o autor não se socorreu da mesma na primeira ação; que, de qualquer forma, os terrenos de que é proprietária têm um valor diminuto e não cumprem minimamente as suas necessidades de sustento.
d) Quanto às despesas: que aumentou as despesas de farmácia (provadas em 7 do acórdão no valor de € 45, 00) para uma média mensal de € 97, 93; que não teve alterações sensíveis das despesas de 8, apesar da inflação; que é falsa a imputação que lhe faz da casa (não ter vivido na casa da irmã- facto 13 do acórdão- e viver agora em casa arrendada), vivendo agora em casa de terceira pessoa, a título gratuito e precário; que tem despesas consumíveis numa média de € 36, 00 (€ 10, 00 de água, € 10, 00 de gás e € 16, 00 de eletricidade) e despesas de telecomunicações numa média de € 30, 00 mensais; que gasta uma média de € 200, 00 mensais em supermercado (alimentação, produtos de higiene pessoal e limpeza, bens essenciais de uso corrente) e € 50, 00 em fisioterapia e pilates;
e) Quanto ao autor, que este não colocou em consideração os factos 9 a 12 do acórdão e a si respeitantes.
4. O autor: respondeu à contestação, impugnando a matéria alegada e reafirmando que a autora não carece de alimentos, articulado que o despacho de 04.03.2022 não admitiu e determinou o desentranhamento; indicou o valor da ação em € 24 000,00.
5. Foi saneada a causa e identificados os temas para instrução.
6. Realizou-se a audiência de julgamento.
7. Foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente.
8. O autor interpôs recurso de apelação da sentença, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1 – Não pode o Recorrente conformar-se com a douta decisão proferida nos presentes autos.
2 – Entende o recorrente que existe uma incorreta decisão quanto à matéria dada como comprovada nos factos 8, 9, 12 e 14.
3 – Quanto ao ponto 8, o tribunal “a quo” dá como provado que a Recorrida tem gastos com medicação.
4 – Na verdade, a Recorrida junta aos autos uma mera declaração farmacêutica, à qual o próprio tribunal faz a seguinte interpretação:
“Declaração com carimbo da farmácia com parcelas mensais, desconhecendo-se o valor de cada produto e a correcção das contas, faltando documento comprovativo de aquisição, de destinatário e de receitas.”
5 – Inexiste nos autos prova documental de suporte de que a Recorrida tem efetivamente despesas com medicação.
6 – Em relação, ainda ao ponto 8, faz referência a “bens essenciais” desconhecendo o Recorrente a que se refere, uma vez que, o documento de suporte a tal alegação é igualmente a referida declaração farmacêutica junta sob o doc. n.º 3 da douta contestação e nenhuma prova foi feita a este respeito.
7 – Não podia o tribunal, salvo melhor e douto entendimento, em sede de fundamentação, ter entendimento de que a Recorrida tem despesas com farmácia, porquanto inexiste prova nos autos a este respeito.
8 – Em relação ao ponto 12 da factualidade dada como provada, não logrou a Recorrente fazer prova documental de que tem despesa com telemóvel.
9 – No atinente ao ponto 14, entende o recorrente que a factualidade aí dada como provada, não o devia ter sido, nos exatos termos em que foi.
10 – Na verdade, a Recorrida limitou-se a juntar aos autos um recibo de uma prestação de serviços de fisioterapia do mês de janeiro de 2022.
11 – Pelo que, entende o Recorrente que o tribunal deveria tão só ter dado como provado que “no mês de janeiro de 2022 a R. teve de despesa de fisioterapia a quantia de €50,00”.”
12 – Quanto à factualidade dada como provada em 9, devia o tribunal atentas as declarações prestadas por A. G., ter dado como provado que “a Ré mora em casa emprestada de A. G., desde, pelo menos há 3 anos”:
[00:02:54] Magistrada Judicial: Olhe, e então, há quanto é que esta senhora vive na sua casa?
[00:02:59] A. G.: Talvez 3 anos.
[00:03:01] Magistrada Judicial: 3 anos.
[00:03:02] A. G.: 3, 4 anos.
13 – A pertinência de tal fundamentação prende-se com o facto de em sede de fundamentação, o Tribunal de que se recorre entender que atualmente a Recorrida tem mais gastos, uma vez que deixou de viver em casa da irmã e passou a viver em casa alheia, emprestada, mas com despesas relativas a consumos domésticos que num mês lhe levam €36,00.
14 – Aliás, a Recorrida no seu depoimento acaba por admitir que deixou a casa da irmã no ano de 2015, ou seja, em data em que ainda não recebia sequer pensão de alimentos.
[00:02:25] Mandatária do Autor: Não prova absolutamente nada. Olhe, outra coisa que eu lhe queria perguntar, a senhora onde vive atualmente?
[00:02:34] A. R.: Vivo em ....
[00:02:35] Mandatária do Autor: Em .... Olhe, e diga-me outra coisa quando a senhora saiu de casa, quando se separou?
[00:02:42] A. R.: Sim.
[00:02:43] Mandatária do Autor: Do seu marido, a senhora foi viver para casa da sua irmã?
[00:02:46] A. R.: Sim.
[00:02:46] Mandatária do Autor: Já aqui foi dito….
[00:02:48] A. R.: E vivi lá até 2015.
15 – O facto de a Recorrida admitir que deixou a casa da irmã no ano de 2015, colide com a fundamentação, na parte em que o tribunal entende que, “vivendo autonomamente, é forçoso que gaste mais do que enquanto acolhida em casa da irmã, tem que fazer compras em lugar de beneficiar da ajuda da família.
16 – O A. logrou fazer prova de uma circunstância superveniente, que na sua modesta opinião é suficiente para que seja cessado o direito a alimentos da Recorrida, designadamente, a pensão por velhice.
17 – Pelo que, o presente recurso merece provimento por todos os factos supra vertidos.
18 – De acordo com a Lei n.º 64/2008, de 31.10, o direito a alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio está subordinado ao princípio da autos-suficiência de cada um, assumindo o direito a alimentos caráter temporário e subsidiário.
Segundo este modelo, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas dos pressupostos de necessidade do alimentando, da possibilidade do obrigado e, ainda, da possibilidade de o alimentando poder prover ele próprio à sua subsistência.
19 – Na presente ação de cessação de alimentos, compete ao A. fazer prova de circunstâncias supervenientes de que o alimentando não carece de continuar a recebê-los.
20 – Pelo que, provado que está nos autos que a R., passou a receber pensão por velhice em data posterior à atribuição do direito a alimentos, em montante quase similar ao da pensão de alimentos e dada a inexistência de prova de que a mesma tem despesas mensais superiores à referida pensão, subentende o A. Que preenchidos se encontram os requisitos que a lei faz depender para a referida cessação.
21 – Atento tudo o atrás vertido, por ter incorrido e apreciação errónea da prova produzida, e por violação das normas legais, deverá a sentença recorrida ser revogada na parte impugnada pelo presente recurso, e substituída por outra que julgue procedente o pedido feito nos autos pela A. quanto à cessação da pensão de alimentos a seu favor, nos termos supra expostos.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da Douta Decisão nos exatos termos ora expostos, e em sua substituição proferindo-se Douto Acórdão que decida pela revogação da douta sentença, substituindo-a por outra que faça cessar a pensão de alimentos.
P.D.».
9. A ré respondeu ao recurso, resposta na qual apresentou as seguintes conclusões:
«1. A douta sentença recorrida não merece os reparos que lhe são apontados pela Recorrente – nem de facto, nem de Direito.
2. É evidente a virtualidade probatória do documento junto pela Ré no sentido da prova do facto relativo às suas despesas correntes com medicação – facto 8.
3. Trata-se de declaração assinada pela própria farmácia habitual da Ré, discriminando os valores recebidos da mesma e os produtos adquiridos.
4. Tal declaração não é menos apta a provar os factos em causa do que os individuais recibos e facturas das centenas de compras feitas pela Ré naquela farmácia,
5. E a sua emissão foi solicitada exactamente para evitar “inundar” o processo com essas centenas de documentos individuais, substituindo- se essa junção por documento único fidedigno da mesma entidade vendedora, obtida – evidentemente – por confrontação com o seu próprio registo contabilístico dessas vendas à pessoa da Ré.
6. Donde não se entende a crítica feita à decisão recorrida nesta matéria.
7. A fundamentação invocada pelo Tribunal a quo para a restante factualidade impugnada – factos 8, 9, 12 e 14 – é também isenta dos vícios e falhas que lhe aponta o Recorrente, encontrando-se tal decisão arvorada em meios de prova idóneos a demonstrá-la,
8. Sobretudo no que diz respeito ao facto 14, sobre o qual o Exmo. Juiz teve a oportunidade de conferir, pessoalmente, a veracidade do alegado pela Ré, inquirindo a testemunha proprietária da fracção cedida àquela para habitação – a título precário.
9. Não estão verificados os pressupostos da alteração/cessação da pensão de alimentos peticionada pelo Autor, sobretudo tendo em conta o concreto teor da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, e a total ausência de prova – quer quanto à existência, quer quanto à superveniência – da melhoria do nível de vida e rendimentos da Ré,
10. Circunstância ainda mais reforçada, aliás, pelo recente aumento astronómico dos índices de inflação – e com ele, do custo de vida em geral - que se faz sentir na presente conjuntura económica, e que se prevê ser de cariz duradouro.
11. Quanto ao demais, a Ré dá por integralmente reproduzido, nesta sede, o teor da sua contestação, bem como da douta sentença recorrida.
Termos em que se requer seja julgado integralmente improcedente o recurso interposto, mantendo na íntegra a decisão recorrida, com o que se fará,
J U S T I Ç A.».
10. Foi admitido na 1ª instância o recurso de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo o mesmo sido também recebido nesta Relação.
11. Realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do C. P. Civil.

Definem-se como questões a decidir:
1. A impugnação à matéria de facto:
a) Se o facto 8, em relação ao qual é invocada a falta de prova, deve ser julgado não provado (conclusões 2 a 7);
b) Se o facto 9 deve alterar a redação para «A ré mora em casa emprestada de A. G., desde, pelo menos há 3 anos» (conclusões 12 a 15).
c) Se o facto 12, em relação ao qual foi invocada a falta de prova documental, pode ser julgado não provado (conclusão 8).
d) Se o facto 14 deve ser julgado provado com restrição- «no mês de janeiro de 2022 a Ré teve de despesa de fisioterapia a quantia de € 50, 00». (conclusão 9 a 11).
2. A reapreciação de direito pedida, na qual o autor defendeu: que a alteração do facto 9 colide com a fundamentação da sentença; que provou a superveniência da receção da pensão (conclusões 15 a 21).

III. Fundamentação:

1- Matéria de facto provada na decisão recorrida e aditada nos termos do art.663º/2 do C.P. Civil, em referência ao art.607º/4 do C. P. Civil, na parte relevante para apreciar o objeto do recurso:
1. M. J. casou com A. R. em - de Dezembro de 1974, tendo ele 23 e ela 20 anos de idade, na ocasião (facto provado em 1 da sentença recorrida).
2. Celebraram convenção antenupcial, optando pelo regime da comunhão geral. (facto provado em 2 da sentença recorrida)
3. Em Maio de 2012, A. R. instaurou ação de divórcio contra M. J., tendo este sido condenado, definitivamente, por acórdão do Supremo, de 30 de março 2017, em relação a pedido de alimentos da autora de 07.01.2015, a prestar-lhe alimentos no montante mensal de €400,00, acórdão no qual:
a) Foi julgado, em relação à autora:
«4. A autora padece “sob o ponto de vista cardiovascular, de cardiopatia hipertensiva, mantendo HTA de difícil controlo. Apresenta também dislipidémia com LDL elevado. Sofre também de quadro depressivo com acompanhamento por psiquiatria.
5. E padece de uma ligeira rigidez articular do polegar esquerdo permanente (anquilose da articulação interfalângica) que não desfeia nem altera de forma grave a função do mesmo sequela compatível com o exercício da actividade habitual, com esforço suplementar.
6. A A. é beneficiária do RSI de 157, 07 mensais.
7. A A gasta em fármacos essenciais para a sua saúde a quantia mensal de € 45.00.
8. Em despesas de deslocação em viatura automóvel, a A. gasta a quantia mensal média de € 50, 00. Em vestuário € 50, 00. (…)
13. A A vive da ajuda que a sua irmã AL. e os restantes membros que integram o seu agregado familiar (a sua sobrinha CA. e o respectivo marido) e demais familiares lhe possam dar, seja em dinheiro ou em géneros.»).
14. A A não tem trabalho e não aufere qualquer rendimento para além do referido no ponto 6.
15. O estado de saúde física da A descrito nos pontos 4 e 5 supra impedem-na de trabalhar sem limitações».
16. A A vê-se sem meios para conseguir subsistir ou custear habitação própria, vivendo na casa de uma sua irmã, a título de mero favor.»
b) Foi julgado provado, em relação ao réu:
«9. O requerido tem o rendimento de cerca de € 1.230, 00 mensal da Segurança Social Francesa.
10. Aufere ainda um complemento de reforma mensal de € 48 pago por ...; e ainda € 675, 68 mensal pago por ..., ambos sistemas contributivos privados franceses;.
11. O R suporta as normais despesas de alimentação (€ 300), vestuário (€ 50), eletricidade (€ 50), deslocações (€ 50) e aquecimento (€ 50) no montante global de € 500.
12. O R. reside na casa que foi morada do casal.» (facto provado em 3 da sentença recorrida, aditado nesta Relação quanto ao dia e do mês em que foi proferido o acórdão, à data a que se refere o pedidom apreciado, tal como a matéria de facto com que o mesmo se baseou referida em a) e b) supra, com base no acórdão constante do processo de divórcio).
4. Na ação referida em 3, a 19 de dezembro de 2017: os cônjuges acordaram na declaração de divórcio por mútuo consentimento, no qual reiteraram interesse em divorciar-se, mantiveram a pensão de alimentos à autora fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, declararam atribuir a casa de morada de família ao réu até à partilha ou até lhe darem outro destino, indicaram os bens comuns de casal; foi proferida sentença declaratória do divórcio entre as partes (facto aditado nesta Relação com base no ato processual documentado no processo de divórcio).
5. A R tem prédios rústicos (facto provado em 4 da sentença recorrida).
6. A R em 2014 procedeu à transferência do montante de €17.291,70 de uma conta bancária para outra. (facto provado em 5 da sentença recorrida).
7. Em 2018 a R deixou de receber o RSI. (facto provado em 6 da sentença recorrida).
8. A R recebe desde 2021 pensão de velhice, no montante de €340,16. (facto provado em 7 da sentença)
9. A R tem gastos com medicação e outros bens essenciais. (facto provado em 8 da sentença recorrida), alterado em III-2.1.1. infra para «A R tem gastos com medicação e outros bens de farmácia (tendo comprado, nomeadamente em 2021, quanto a estes, máscaras, um oxímetro, um termómetro, uma caixa de proteção urgo)».
10. A R mora em casa emprestada por A. G. (facto provado em 9 da sentença recorrida).
11. E paga os gastos com os fornecimentos de água, gás e electricidade. E estes foram (respectivamente) de €10,41, €10,62 e €16,18 em Dezembro de 2021 (factos provados em 10 e 11 da sentença recorrida).
12. A R tem despesas com telemóvel (facto provado em 12 da sentença recorrida).
13. A R tem gastos com alimentação, supermercado, higiene e outros bens. (facto provado em 13 da sentença recorrida).
14. A R tem despesas com fisioterapia, nelas tendo gasto €50,00 em Janeiro de 2022. (facto provado em 14 da sentença recorrida).
2. Apreciação do mérito do recurso:
2.1. Impugnação à matéria de facto:

A sentença recorrida:
a) Julgou provado em 8, 9 (9 e 10 de III-1 supra) 12 e 14 os seguintes factos, conforme já constam da transcrição de III-1 supra:
«8. A R tem gastos com medicação e outros bens essenciais.
9. A R mora em casa emprestada por A. G..
(…)
12. A R tem despesas com telemóvel.
(…)
14. A R tem despesas com fisioterapia, nelas tendo gasto €50,00 em Janeiro de 2022.».
b) Apresentou uma motivação dispersa da matéria de facto provada e não provada (sem especificação e por ordem de cada um dos factos provados e não provados), nos seguintes termos, na parte conexa com a matéria impugnada:
«(…) Rendimentos ocultos são desconhecidos e arrendamento também, aceitando-se o declarado pela A e pela dona da casa onde habita, por favor e com os encargos de água, gás, etc… a cargo daquela.
A quantificação dos gastos da A não foi possível para a generalidade das despesas.
(…) Foram considerados:
(…) Factura (fisioterapia).
(…) Declaração com carimbo de farmácia com parcelas mensais, desconhecendo-se o valor de cada produto e a correcção das contas, faltando documento comprovativo de aquisição, de destinatário e de receitas.
Facturas dos abastecimentos à casa da família G. onde vive a R, sendo razoável a explicação para empréstimo e o pagamento daqueles.
Talões de supermercado, correspondendo à normalidade a realização de compras e o pagamento de serviços de comunicação.

Foram ponderados os depoimentos de:
(…) M. L.. (…) Sabe das debilidades de saúde da R, que é poupada e não paga renda.
A. M.. Filha. (…) Sabe dos problemas de saúde e da necessidade de despesas a propósito.
A. G.. Dona da casa habitada pela R de modo gratuito, salvo quanto aos consumos regulares. O empréstimo cessará quando solicitado pelo dono.».
2.1.1. Facto provado em 8 da sentença e renumerado em 9 em III-1 supra («A R tem gastos com medicação e outros bens essenciais»):
O recorrente impugnou a prova do facto 8 da sentença, pedindo que fosse julgado não provado, por entender: que o documento da farmácia junto pela autora sob o doc. 3 da contestação não prova que foi a própria que adquiriu os medicamentos, como atesta também a própria consideração feita pelo Tribunal a quo em relação ao referido documento da farmácia que desvalorizou; que essa prova deveria ter sido feita pela junção da prescrição e recibos de farmácia; que não se subentende a que “bens essenciais” se refere a ré na contestação e em relação à qual foi indicado o facto provado (conclusões 2 a 7).
A recorrida defendeu a decisão recorrida (sem ampliar o recurso, com vista a que se julgasse provada a média mensal de despesas de medicação), entendendo que o documento da farmácia junto na contestação como documento nº3 substitui as muitas faturas e tem valor probatório.
Examinando o facto provado (no contexto da sua alegação) e a sua fundamentação, tal como os fundamentos da impugnação e da resposta, confrontados com a prova produzida, verifica-se que apenas procede parcialmente a impugnação.
Por um lado, verifica-se: que o facto provado parcialmente no facto 8 respeita à matéria alegada pela ré no art.26º da contestação (com a seguinte redação-«26. Com efeito, actualmente a Ré gasta com medicação e outros bens essenciais uma média de € 97,93 por mês, tendo despendido, no ano de 2021, a quantia de € 1.175,20 (mil, cento e setenta e cinco euros e vinte cêntimos): cfr. doc. nº 3. »); que o documento nº3 junto com a contestação, a que se refere o artigo, discrimina todos os bens comprados pela ré na farmácia em 2021 (medicamentos, máscaras, oxímetro, termómetro, urgo proteção, etc).
Desta forma, verifica-se que o contexto da alegação da ré, a que se refere o facto provado em 8, referiu-se, para além dos medicamentos, a outros bens comprados na farmácia e por si considerados conclusivamente como “essenciais”.
Apesar desta menção conclusiva e obscura (em relação aos outros bens de farmácia) ter passado indevidamente para a matéria provada, esta invalidade pode ser suprida pela prova dos bens instrumentais documentados, nos termos dos arts.662º/2-c) e 5º/1 do C. P. Civil.
Por outro lado, verifica-se que a argumentação do autor para atacar a prova realizada na 1ª instância é totalmente inviável para julgar o facto não provado.
De facto, apesar do Tribunal a quo ter apresentado uma muito lacunar e insuficiente motivação da prova (afetada pela falta de justificação especificada do facto 8 e a indicação genérica de atendimento do documento emitido pela farmácia e de depoimentos de testemunhas, duas das quais indicou que referiram conhecer os problemas de saúde da ré) e apesar de ter sido incongruente na análise do documento nº3 (que considerou para prova da existência dos gastos em medicação e desconsiderou para prova dos valores documentados no mesmo, juízo este que, ainda que erróneo, não se pode suprir para extrair a prova dos valores, face à falta de impugnação da ré do facto provado em 8 e das despesas mensais não provadas), verifica-se que a prova produzida não permite que se julgue o facto 8 não provado, sem prejuízo do suprimento oficioso da invalidade supra enunciada.
Com efeito, examinada toda a prova por esta Relação, verifica-se: que o documento nº3, junto com a contestação, corresponde a um documento, subscrito pela farmacêutica da farmácia …, que discrimina, em cada um dos 12 meses de janeiro a dezembro de 2021, todos os medicamentos e produtos comprados pela ré na farmácia e o valor da gasto mensal nos mesmos, documento em relação ao qual o autor não produziu qualquer contraprova, nos termos do art.346º do C. Civil; que a testemunha M. L. relatou com credibilidade a necessidade da ré suportar gastos em farmácia, pelo menos na compra de antidepressivos, medicação para o coração e colesterol, e a testemunha A. M. (filha das partes) depôs também de forma verosímil que a mãe precisa de comprar antidepressivos e medicação para a tensão, coração, intestinos e fígado, depoimentos estes em relação aos quais o autor não realizou também qualquer contraprova que afetasse as razões de ciência e a sua veracidade, nos termos do art.346º do C. Civil.
Desta forma, improcede a pretensão que o facto nº8 se julgue não provado e determina-se oficiosamente a clarificação de “bens essenciais” pelos bens farmacêuticos (provados em 2021).
Pelo exposto, determina-se que a redação do facto 8 da sentença, correspondente ao facto 9 de III- 1 supra, passe a constar:
«A R tem gastos com medicação e outros bens de farmácia (tendo comprado, nomeadamente em 2021, quanto a estes, máscaras, um oxímetro, um termómetro, uma caixa de proteção urgo)».
2.1.2. Facto provado em 9, renumerado para 10 em III-1 supra («A R mora em casa emprestada por A. G..»):
O recorrente impugnou a prova do facto 9, pedindo que se julgasse provado explicativamente «A ré mora em casa emprestada de A. G., desde, pelo menos há 3 anos», por entender que esta factualidade resulta: do depoimento de A. G., em casa de quem a ré habita; do depoimento da recorrida (conclusões 12 a 15).
A recorrida defendeu a decisão recorrida, considerando apenas genericamente que esta é «isenta dos vícios e falhas que lhe aponta a Recorrente».
Examinando o facto provado, em referência à matéria que foi alegada, verifica-se que a matéria alegada pelo autor de forma hipotética no art.10º da petição inicial («poderá estar a viver numa casa possivelmente arrendada, sita na Avenida … nº …, freguesia de ..., concelho de Caminha») e a matéria de impugnação motivada do art.34º da contestação («Actualmente, reside em casa de pessoa terceira, a título gratuito») reportaram-se ambas à atualidade da petição inicial e da contestação, sem definição do período de tempo desde o qual essa residência ocorre.
Ora, podendo apenas o Tribunal considerar na sentença a matéria alegada pelas partes (art.5º/1 do C. P. Civil) e, em relação à não alegada, a matéria instrumental decorrente da instrução, a matéria concretizadora ou complementar à alegada resultante da instrução da causa, desde que as partes tenham tido possibilidade de sobre a mesma se pronunciar, à matéria notória e àquela que o Tribunal teve conhecimento por virtude do exercício das suas funções (art.5º/2-a), b) e c) do C. P. Civil), verifica-se que a definição do período de tempo de residência na casa, anterior à propositura da ação, não foi matéria alegada e, ainda que se considerasse complementar à mesma, o seu aproveitamento não foi sujeito a contraditório das partes antes do encerramento da audiência.
De qualquer forma, esta matéria de facto de que o autor pretende a ampliação, não é relevante para a decisão, uma vez: que o objeto do recurso é apenas o pedido formulado na ação de cessação da pensão alimentar, podendo este pedido apenas ser apreciado com repercussão à data da instauração da ação de cessação a 04.01.2022 (art.2006º do C. Civil); que, para este efeito, não releva a situação de facto vivida pela ré entre a data da fixação da pensão de alimentos em 2017 e a data da instauração desta ação em 2021, em relação à qual as partes tenham renunciado ao direito de pedir a ampliação da pensão ou de redução ou cessação da pensão, nomeadamente, a ampliação alimentar por a ré ter passado a viver em casa emprestada, na qual tivesse que suportar despesas não suportadas anteriormente quando residia em casa da sua irmã.
Desta forma, indefere-se a apreciação probatória do pedido de ampliação da matéria de facto não alegada pelas partes.

2.1.3. Facto provado em 12 («A R tem despesas com telemóvel. (C37)»):
O recorrente pediu que o facto 12 fosse julgado não provado, com fundamento na falta de apresentação de prova documental que tivesse gastos com telemóvel (conclusão 8).
A recorrida defendeu a decisão recorrida, considerando apenas genericamente que esta é «isenta dos vícios e falhas que lhe aponta a Recorrente».
Examinando a motivação da sentença e a prova produzida, verifica-se que, apesar da sentença ser lacunar na fundamentação deste facto provado (referindo-se apenas à normalidade do pagamento de comunicações sem indicação dos meios de prova ponderados), verifica-se: que a testemunha M. L. referiu que a ré tinha um telefone baratinho para chamadas e sem internet e a testemunha A. M. (filha das partes) referiu que a mãe tinha telemóvel que tinha que pagar, depoimentos estes que não foram contraditados; que o uso de telemóvel é verosímil, face aos hábitos sociais e comuns (ou, pelo menos, grandemente maioritários) dos tempos atuais; que o uso de telemóvel implica, notoriamente, o pagamento de serviços.
Assim, não sendo necessária a prova documental para julgar provado o facto 12, cujo valor médio de serviços (alegado em € 30, 00 por mês), não foi levado à matéria de facto, nada há a censurar quanto à prova do facto.

Pelo exposto, indefere-se a impugnação.
2.1.4. Facto provado em 14 («A R tem despesas com fisioterapia, nelas tendo gasto €50,00 em Janeiro de 2022.»:
O recorrente pediu que o facto 14 fosse julgado provado com restrição- «no mês de janeiro de 2022 a Ré teve de despesa de fisioterapia a quantia de € 50, 00», por entender: que a ré juntou apenas um recibo de fisioterapia do mês de janeiro de 2022, que prova apenas que nesse mês teve necessidade de recorrer a esses serviços e não prova que os mesmos fossem contínuos (conclusão 9 a 11).
A recorrida defendeu a decisão recorrida, considerando genericamente que esta é «isenta dos vícios e falhas que lhe aponta a Recorrente» e declarando que o juiz conferiu pessoalmente o alegado mediante a inquirição da testemunha que lhe empresta a casa a título precário.
Examinando a motivação do facto provado na sentença e a prova produzida, verifica-se, apesar da sentença ser também lacunar na fundamentação deste facto provado (indicando apenas a consideração da fatura de fisioterapia): que duas das testemunhas referiram que a ré fazia fisioterapia- a testemunha M. L. referiu que a ré fazia fisioterapia e que de vez em quando tinha que o fazer e a testemunha A. M. referiu que a mãe fazia fisioterapia/pilates para ajudar na sua saúde, com custo de € 50, 00 por mês, depoimentos estes que não sofreram contraprova; que se encontra junto aos autos o recibo de janeiro de 2022, documentador do pagamento deste mês.
Ora, estes meios de prova permitem suportar o facto provado, quer quanto à atualidade da realização de fisioterapia (independentemente da leitura que do mesmo possa ser feita juridicamente), quer quanto ao valor gasto em janeiro de 2022.
Pelo exposto, indefere-se a impugnação.

2.2. A reapreciação de direito:
O recorrente, neste recurso, pediu a revogação da sentença e a cessação da pensão alimentar fixada em 2017 (um dos pedidos formulados na sua petição inicial de 04.01.2022, referida em I supra), defendendo: que o atual modelo de alimentos entre ex-cônjuges assenta no princípio da auto- suficiência de cada um dos ex-cônjuges, devendo os alimentos ter um caráter temporário e subsidiário, que o facto da recorrida ter deixado a casa da irmã em 2015, altura em que não recebia sequer pensão de alimentos, colide com a consideração pelo Tribunal a quo que na nova casa é forçoso que a ré gaste mais do que enquanto acolhida em casa da irmã, em que tem que fazer compras em vez de beneficiar de ajuda da família; que se provou a superveniência da receção da pensão de reforma após a fixação da pensão de alimentos, o que determina a cessação da pensão alimentar e a recorrida não provou que tem despesas mensais superiores à referida pensão (conclusões 15 a 21).
A recorrida defendeu a decisão, face: à decisão do Supremo Tribunal de Justiça; à falta de prova da existência e da superveniência da melhoria do nível de vida e rendimentos da ré; ao aumento recente e “astronómico” dos índices da inflação, que se faz sentir na presente conjuntura económica e que se prevê que seja duradouro.
Apreciar-se-á a sentença na parte impugnada, face ao regime do direito aplicável e face aos factos provados enquadrados no contexto da sua alegação.

2.2.1. Enquadramento jurídico:
2.2.1.1. Constituem alimentos, de acordo com o princípio geral, tudo o que é necessário ao sustento, à habitação e ao vestuário do alimentando, que deles careça (vide arts.2003º/1 e 2004º do Código Civil).
Estão vinculados à prestação de alimentos, nomeadamente, numa primeira ordem de obrigados, o cônjuge e o ex-cônjuge (vide arts.2009º/1-a), 2015º e 2016º do Código Civil).
Se no âmbito da sociedade conjugal emerge para os cônjuges o dever conjugal de assistência, que compreende a obrigação de prestar alimentos que onera qualquer dos cônjuges, mantendo-se durante a separação de facto e até ao trânsito em julgado da sentença que dissolver o casamento nas condições previstas por lei (vide arts., 2009º/1-a) e 2015º e 1577º, 1672º, 1675º do Código Civil), após a dissolução da sociedade conjugal por divórcio, os alimentos entre ex-cônjuges alicerçam-se num dever de solidariedade não extinto com o casamento, no qual, todavia, é reforçado, em referência ao regime geral do art.2004º/2 do C. Civil (que prevê que na fixação de alimentos atender-se-á «à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência»), que «1 - Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.», é previsto que «3 - Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.»(art.2016º do C. Civil) e que «3 — O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.» (art.2016º-A/3 do C. Civil).
Os alimentos: de acordo com a regra geral, devem ser «proporcionados aos meios daqueles que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los» (art.2004º do C. Civil); de acordo com o regime específico do art.2016º-A do C. Civil «Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e a possibilidade do que os presta.».
A fixação de alimentos, ou a sua cessação ou alteração nos termos referidos em 2.1.2. infra, produzem efeitos desde a proposição da ação (art.2006º do C. Civil).
2.2.1.2. Apesar de uma sentença transitada em julgado que haja reconhecido o direito e a obrigação de prestar alimentos ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, com os limites da identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, a pensão fixada por sentença pode ser julgada cessada ou ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação, supervenientes ao caso julgado (vide arts.619º/ 1 e 2 e 282º do C. P. Civil; arts.2012º e 2013º do C. Civil).
De facto, a obrigação de alimentos cessa, nomeadamente, «Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aqueles que os recebe deixar de precisar deles» (art.2013º/1-b) do C. Civil), e a obrigação de alimentos pode ser alterada, mediante ampliação ou redução ou mediante a responsabilização de outros obrigados, quando «as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem» (art.2012º do C. Civil).
Assim, cabe ao requerente que pretende a cessação ou a alteração da ordem jurídica existente e reconhecida por sentença transitada em julgado, alegar e provar o circunstancialismo de facto existente na data da fixação da pensão de alimentos e aquele que foi alterado após, no que se refere aos ou algum dos fatores de necessidade de alimentos e da possibilidade de prestação de alimentos do obrigado (podendo defender, nomeadamente: a falta de necessidade do ex- cônjuge alimentando, nomeadamente, por aumento de rendimentos ou da possibilidade concreta dos obter, por capacidade de trabalho e por disposição de património novo; a impossibilidade do obrigado continuar a prestá-los, nomeadamente por diminuição ou ausência de rendimentos e/ou da capacidade de prover aos mesmos, através do seu património ou trabalho, e/ou aumento de despesas necessárias inelásticas).
Por sua vez, cabe ao requerido, que invocou a manutenção do direito de alimentos, alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito contra si invocado (vide arts.2012º e 2013º do C. Civil, art. 5º do C. P. Civil e art.342º/1 e 2 do Código Civil).

2.2.1.3. Constituindo a obrigação de alimentos uma obrigação de valor, substitutiva do objeto inicial da prestação, e sendo a desvalorização ou a valorização da moeda uma das causas do aumento ou da redução das necessidades do alimentando para os efeitos do art.2012º do C. Civil, a pensão de alimentos poderá ser atualizada, na falta de outro critério, face aos índices de preços no consumidor (vide art.551º do Código Civil), de forma a manter constante a prestação alimentar.
No sentido de evitar a modificação a posteriori da obrigação alimentar, como consequência da desvalorização monetária, poder-se-á, de forma preventiva, fixar esta atualização automática. Todavia, a adoção de cláusulas estabilizadoras ou de salvaguarda monetária não impede o direito de requerer ao tribunal a modificação da decisão, com fundamento da alteração das circunstâncias distintas da inflação (vide art.2012º do Código Civil).
2.2.2. Situação em análise:
2.2.2.1. Examinando os factos considerados pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 30 de março de 2017 que fixou a pensão de alimentos de € 400, 00, referente a pedido de 2015, fixação essa que as partes mantiveram no acordo de divórcio de dezembro de 2017, verifica-se o seguinte:

Por um lado, o acórdão atendeu quanto à credora, cônjuge mulher beneficiada com o direito de alimentos (para além de que tinha 20 anos em 1974):
a) Em relação à sua capacidade de prover:
a1) A falta de trabalho («14. A A não tem trabalho…»).
a2) Uma situação de saúde («4. A autora padece “sob o ponto de vista cardiovascular, de cardiopatia hipertensiva, mantendo HTA de difícil controlo. Apresenta também dislipidémia com LDL elevado. Sofre também de quadro depressivo com acompanhamento por psiquiatria. 5. E padece de uma ligeira rigidez articular do polegar esquerdo permanente (anquilose da articulação interfalângica) que não desfeia nem altera de forma grave a função do mesmo sequela compatível com o exercício da actividade habitual, com esforço suplementar»), que a impede de trabalhar sem limitações («15. O estado de saúde física da A descrito nos pontos 4 e 5 supra impedem-na de trabalhar sem limitações»).
a3) O benefício de rendimento próprio único de € 157, 07 («6. A A. é beneficiária do RSI de 157, 07 mensais.» e «A A…não aufere qualquer rendimento para além do referido no ponto 6»).
b) Em relação às necessidades e despesas do cônjuge mulher:
b1) Que habita na casa de uma irmã gratuitamente («16. A A vê-se sem meios para conseguir subsistir ou custear habitação própria, vivendo na casa de uma sua irmã, a título de mero favor») e beneficia de apoio de familiares e amigos («13. A A vive da ajuda que a sua irmã AL. e os restantes membros que integram o seu agregado familiar (a sua sobrinha CA. e o respectivo marido) e demais familiares lhe possam dar, seja em dinheiro ou em géneros.»).
b2) Que tem despesas mensais de vestuário, transportes e saúde no valor global de € 145, 00 («7. A A gasta em fármacos essenciais para a sua saúde a quantia mensal de € 45.00. 8. Em despesas de deslocação em viatura automóvel, a A. gasta a quantia mensal média de € 50, 00. Em vestuário € 50, 00.»)

Por outro lado, o acórdão atendeu quanto ao devedor de alimentos:
a) Em relação aos seus rendimentos e capacidade de prover, que aufere reformas no valor global de € 1 953, 68 («9. O requerido tem o rendimento de cerca de € 1.230, 00 mensal da Segurança Social Francesa. 10. Aufere ainda um complemento de reforma mensal de € 48 pago por ...; e ainda € 675, 68 mensal pago por ..., ambos sistemas contributivos privados franceses;»).
b) Em relação às suas necessidades e despesas:
b1) Que vive na casa de morada de família («12. O R. reside na casa que foi morada do casal.».
b2) Que tem necessidades e despesas mensais de € 500, 00 («11. O R suporta as normais despesas de alimentação (€ 300), vestuário (€ 50), eletricidade (€ 50), deslocações (€ 50) e aquecimento (€ 50) no montante global de € 500»).
2.2.2.2. Examinando a posição assumida pelas partes em relação à alteração de facto da situação de 2.2.1. supra e os factos provados, verifica-se o seguinte.
Por um lado, o autor, na sua petição inicial: alegou como fundamento do pedido de cessação de alimentos, para além dos fatores julgados não atendíveis na sentença (e dos quais este não recorreu), o aumento dos rendimentos da requerente, que passou a auferir pensão de reforma em valor superior a € 300, 00 em 2021, matéria esta que se provou quanto ao valor mensal de € 340, 16 recebido pela ré desde 2021 (facto 7), depois de ter cessado o seu rendimento social de inserção desde 2018 (facto 6); não invocou uma redução de necessidades da credora face àquelas despesas atendidas na sentença, nem, quanto a si/devedor, uma diminuição da sua capacidade de prover e o aumento das suas despesas pessoais.
Por outro lado, a ré: na contestação (em que defendeu a necessidade de manter a pensão mensal de € 400, 00, a acrescer agora ao valor novo recebido de € 340, 16, o que se computa no valor global de rendimentos de € 740, 16), alegou carecer da pensão de alimentos, por, quanto às necessidades, ter alojamento precário e ter as despesas que elenca (integradas: pelas despesas de € 100, 00 de vestuário e calçado da sentença anterior, que julgou sem alterações significativas para além da inflação; por valores de despesa que indicou e referidos em I-3-d) supra- € 97, 93 de farmácia; € 36, 00 de água, gás e eletricidade; € 30, 00 de telecomunicações; € 200, 00 de alimentação, produtos de higiene pessoal e limpeza e bens essenciais de uso corrente; € 50, 00 de fisioterapia e pilates); na sentença, logrou provar as necessidades qualitativas a que se referem as despesas (factos provados em 7 a 14 da sentença), mas com valores apenas provados parcialmente (€ 37, 21 de despesas de água, eletricidade e gás em dezembro; € 50,00 de despesas de fisioterapia em janeiro de 2022).
2.2.2.3. A sentença recorrida, face ao aumento de rendimentos e às despesas, discutidas neste recurso, defendeu, com base em presunções:
«O que nos traz de novo o A, e com utilidade para a causa: após a condenação a prestar alimentos à R, esta passou a receber pensão de velhice, acima de 300. Esta esclareceu e quantificou: desde 2021 recebe a reforma por velhice no montante mensal de €340,16. Facto comprovado.
Acrescenta a R que até 2018 beneficiou do RSI (€157,07 mensais) cessando aquele nesse ano. Facto comprovado.
Encontra-se, após a decisão, a cessação de uma mensalidade (RSI) e o início de outra (pensão de velhice) com uma diferença a favor da R no valor de €183.
E comprovaram-se também vicissitudes que sobrevieram no sentido de maiores gastos. A R deixou o agregado da irmã, onde vivia de favor, com ajudas recebidas em dinheiro e géneros e passou para casa alheia, ainda que emprestada, com despesas relativas aos consumos domésticos (água, etc…) que num mês lhe levam €36. Gasta ainda €50, em fisioterapia. Continua com despesas de farmácia e com saúde debilitada e a idade aumentou, com a diminuição normal de aptidão para produzir e a crescente necessidade de cuidados de saúde.
Vivendo autonomamente, é forçoso que gaste mais do que enquanto acolhida em casa da irmã, tem que fazer compras em lugar de beneficiar da ajuda da família. E tem, ou terá, com grande probabilidade que enfrentar despesas com habitação e renda, ou compensação informal pelo uso de casa alheia.
Até à partilha (estão identificados muitos bens, saldos, vários prédios rústicos e dois urbanos em Riba de Âncora) não parece razoável que se possa considerar cessada a necessidade da mensalidade a que o A foi condenado. Os gastos efectivos da R aumentaram e a necessidade de suportar despesas com habitação pode surgir a qualquer momento, seja por ter que arrendar casa, seja por ter de compensar de alguma forma os donos da casa que lhe foi emprestada, informalmente.
Não se aceita que a substituição do RSI pela pensão de velhice justifique ter-se a R como não carecida dos alimentos. (…)
O alegado nunca careceu de alimentos é infundado, nenhum fundamento se encontrando para devoluções, art. 473º CC.
As modificações na vida da R não permitem concluir pela actual desnecessidade dos alimentos, art. 2013º CC.».

2.2.2.4. Importa reapreciar a sentença recorrida referida em III- 2.2.2.3. supra, com os limites do objeto do recurso (em que é colocado apenas à consideração as consequências da receção de pensão de reforma da autora de 2021), face aos fundamentos do acórdão que fixou os alimentos e referido em III- 2.2.2.1. supra, aos fundamentos do pedido de cessação do autor e da defesa da ré referidos em III- 2.2.2.2. supra.
De facto, reconhece-se, tal como o fez a sentença recorrida, que o autor alegou e provou um facto superveniente em relação ao acórdão que fixou o regime alimentar de € 400, 00 em março de 2017: no acórdão do STJ provou-se que a autora recebia apenas o rendimento social de inserção de € 157, 00 (rendimento precário que veio depois a cessar em 2018); na sentença recorrida de 2022 provou-se que a autora passou a receber em 2021 o rendimento definitivo de pensão de reforma, no valor mensal de € 340, 16.
Todavia, para decidir quais as repercussões deste facto superveniente na satisfação das despesas alimentares da autora, importa apreciar quais as despesas alimentares que este rendimento pode suportar.
Para este efeito, e numa primeira abordagem, importa atender que o acórdão do STJ de março de 2017 referido em III- 2.2.2.1. supra, quando fixou a pensão de alimentos no valor € 400, 00 no contexto factual apurado e atendido- quer dos rendimentos de que dispunha o cônjuge mulher (que dispunha de € 157, 07 de rendimento social de inserção), quer das suas necessidades e despesas (necessidades que eram notórias quanto à habitação, alimentação e higiene, ainda que habitando gratuitamente na casa de irmã e dispondo de ajudas de família, e despesas que provara apenas no valor líquido de € 145, 00 quanto a saúde, vestuário e transportes, ainda que estas acrescessem), acabou por tutelar e acautelar necessidades alimentares do cônjuge mulher até ao valor global de € 557, 07 por mês, a satisfazer pelo valor da pensão e do rendimento social (€ 400, 00 + € 157, 07).
Ora, as despesas alimentares gerais acauteladas pelo acórdão em 2017 até ao valor de € 557, 07 por mês sofreram notoriamente (art.412º do C. P. Civil), pelo menos, o aumento de custos de consumidor, expressos pelas taxas médias de inflação de conhecimento público geral: de 1,4% em 2017; de 1% em 2018; de 0,3% em 2019; de 1,3% em 2021 (1); de 7, 42% entre janeiro e outubro de 2022 (achada pela média das taxas mensais de inflação crescentes de 3,34% de janeiro, de 4, 19% de fevereiro, de 5,33% de março, de 7,20% de abril, de 8, 00% de maio, de 8,73% de junho, de 9,06% de julho, de 8,94% de agosto, de 9, 28% de setembro e de 10, 11% de outubro), sendo que a taxa de aumento estrito da alimentação e das bebidas não alcoólicas correspondeu uma média de € 11, 56% neste período (integrada por taxas mensais de aumento destes produtos correspondentes a 3,71% em janeiro, 4, 67% em fevereiro, 7,24% em março, 10, 25% em abril, 12,33% em maio, 13,20% em junho, 13,89% em julho, 15,34% em agosto, 16,42% em setembro e 18,58% em outubro) (2).
A aplicação destas taxas de inflação ao orçamento de necessidades alimentares acautelado em março de 2017, implica um aumento do valor de € 557, 07 para o valor de € 579, 65 no final de 2021 e para o valor de € 622, 66 em outubro de 2022.
Numa segunda abordagem, importa atender, face ao referido em III-2.2.2.2. supra: que o autor não alegou, como fundamento do seu pedido de cessação de alimentos, que a ré tenha diminuído necessidades alimentares atendidas explicita e implicitamente no acórdão de março de 2017; que a ré também não quantificou, como fundamento da sua defesa, as despesas decorrentes das suas necessidades alimentares em valor superior àquele atendido no acórdão de março de 2017 (sendo que na quantificação por si feita nos valores relatados supra, já integrou as despesas de alimentação e consumos domésticos da nova casa e não integrou despesas de renda de casa atual ou futura, por viver em casa emprestada, sem alegação de contexto de mudança), ónus de alegação e prova que lhe cabia se quisesse prevalecer-se de valor superior de despesas em relação àquelas protegidas no acórdão.
Desta forma, atendendo à referência das necessidades alimentares atendidas pelo acórdão de março de 2017, atualizadas com a inflação para o valor de € 622, 66 em outubro de 2022, verifica-se que a pensão de reforma de € 340, 16 que a ré passou a auferir desde 2021: paga despesas no valor de € 340, 16; não paga despesas no valor de € 282, 50.
Neste contexto estrito de ponderação de matéria superveniente, passível de realizar por este Tribunal da Relação, verifica-se que a matéria superveniente não admite uma cessação da pensão alimentar mas exige a sua redução.
Esta redução far-se-á, tendo em conta esta referência, tal como a duração do casamento das partes (38 anos), a idade da ré (68 anos) e sua situação débil de saúde (arts. 2004º, 2012º e 2016º-A/1 do C. Civil), para o valor de € 300, 00, a atualizar anualmente, desde janeiro de 2024, com a taxa de inflação publicada pelo INE para o ano anterior, atualizações sucessivas estas que terão o limite neste acórdão do valor global de pensão de € 400, 00 (por se tratar do valor fixado em 2017, sem atualização, e em relação ao qual a ré não pediu qualquer ampliação do regime alimentar).

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, julgando parcialmente procedente o recurso de apelação, acordam:

1. Revogar a decisão recorrida.
2. Reduzir a pensão de alimentos, a pagar pelo ex-cônjuge marido ao ex-cônjuge mulher, desde 04.01.2022, para o valor mensal de € 300, 00, atualizável em janeiro de cada ano, desde janeiro de 2024, mediante a aplicação da taxa média de inflação publicada pelo INE em relação ao ano anterior, com o limite total de pensão de € 400, 00.

*
Custas pelo recorrente na proporção de ¾ e pela recorrida na proporção de ¼ (art.527º do C. P. Civil).
*
Guimarães, 17.11.2022

Assinado eletronicamente pelas Juízes Desembargadoras Relatora, 1ª Adjunta e 2ª Adjunta

Alexandra Viana Lopes
Rosália Cunha
Lígia Venade


1. Vide https://www.pordata.pt/portugal/taxa+de+inflacao+(taxa+de+variacao+do+indice+de+precos+no+consumidor)+total+e+por+consumo+individual+por+objectivo-2315
2.https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=540172974&DESTAQUESmodo=2