APENSAÇÃO DE PROCESSOS
CASO JULGADO FORMAL
Sumário


1 – Existe caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso no próprio processo em que é proferida.
2 – Existindo caso julgado formal esgotou-se o poder jurisdicional quanto à questão decidida.
3 – Tendo um despacho judicial determinado a apensação de um processo a outro, para nessa situação prosseguir os seus termos, não podia posteriormente um novo despacho ordenar que se mantivesse a apensação mas que se considerasse extinto o processo.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


I – RELATÓRIO
Os presentes autos tiveram o seu início no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Central Cível de Santarém, Juiz 1, onde a requerente GG deu entrada ao seu requerimento inicial.
Nesse requerimento a autora peticiona a emenda da partilha realizada no processo de inventário n.º 1713/06.3TBVNO, no qual foram partilhados os bens deixados por óbito de AA e mulher FF e de JJ e mulher MM, por sentença transitada em julgado em 27/10/2014, no que toca à descrição das verbas 40 e 41, com a consequente rectificação registral e matricial.
Todavia, a Meritíssima Sra. Dra. Juíza do Juízo Central Cível de Santarém proferiu despacho, em 28/04/2021, declarando que a "presente acção não é o meio processual próprio para o fim visado pela autora" e declarando em consequência absolvidos os réus da instância, por entender que "apenas por dependência do processo de inventário será possível à A. vir pôr em causa os termos em que foi feita a partilha, nos termos previstos nos artºs 1386.º a 1388.º CPC".
Na sequência desse despacho, e antes do trânsito em julgado de tal decisão, através do seu requerimento de 02/06/2021, a autora requereu, “ao abrigo dos poderes de adequação formal do juiz consagrados no artigo 547.º do CPC e por analogia ao disposto no n.º 2 do artigo 99.º do CPC e do artigo 14.º do CPTA, a remessa da presente acção declarativa ao juízo Local Cível de Ourém, do mesmo Tribunal da Comarca de Santarém, para apensação ao processo de inventário n.º 1713/06.3TBVNO, para aí prosseguir seus termos.
Na sequência desse requerimento da autora, por despacho de 23/06/2021, foi ordenada a remessa “dos autos ao Juízo Local Cível de Ourém, para apensação ao processo de inventário n.º 1713/06.3TBVNO, como requerido” pela autora.
Porém, após remessa do processo ao Juízo Local de Cível de Ourém, e uma vez consumada a apensação referida, veio a ser proferido pelo Senhor Juiz titular o despacho que vem a ser o recorrido, e que passamos a transcrever:
Conforme solicitado pela A., e por tal ser legalmente admissível, apense os presentes autos ao processo de inventário nº 1713/06.3TBVNO, que correu termos neste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém.
No requerimento que juntou aos autos veio a A., para além de solicitar a apensação dos presentes autos ao processo de Inventário nº 1713/06.3TBVNO, requerer ainda que os mesmos prosseguissem os seus termos. Para fundamentar este seu pedido de prosseguimento dos autos, veio a A. invocar o disposto no artigo 99º, do Código de Processo Civil.
Salvo o devido respeito não existe fundamento legal para este pedido da A. de prosseguimento dos presentes autos.
Na verdade, o artigo 99º, do Código de Processo Civil, apenas se aplica às situações em que o Tribunal declara a existência de uma excepção de incompetência absoluta do mesmo para julgar o processo. Em consequência da existência desta excepção de incompetência absoluta, o Tribunal decreta a extinção da instância e absolve o R. dessa instância. Neste caso, caso tal seja solicitado por uma das partes, o processo é remetido ao Tribunal competente. Neste Tribunal competente, a instância será restaurada e poderá prosseguir os seus termos.
Ora, verifica-se que o Tribunal onde correu termos a presente acção, ou seja o Juízo Central Civil do Tribunal da Comarca de Santarém, não veio declarar a existência de uma excepção de incompetência absoluta. Resulta sim da sentença proferida nos autos, que o Tribunal onde o presente processo correu termos, veio declarar a existência de uma excepção inominada de inadmissibilidade da presente acção. Em consequência, aquele Tribunal declarou a extinção do presente processo e absolveu os RR. da instância.
Por outro lado, verifica-se que a norma prevista no artigo 99º, do Código de Processo Civil é especial. Consequentemente, resulta das regras de direito que esta norma apenas se aplicará às situações nela previstas, ou seja quando está em causa a declaração da existência de uma excepção de incompetência absoluta. Não poderá assim a norma prevista naquele artigo 99º ser aplicada a outras situações diferentes daquela que está prevista naquele preceito por analogia, na medida em que tal se encontra vedado para as normas especiais. Designadamente a norma do artigo 99º não poderá ser aplicada às situações em que está em causa uma excepção inominada de inadmissibilidade da presente acção, como acontece nos presentes autos.
Consequentemente, não poderá ser determinado o prosseguimento dos presentes autos, restaurando-se assim a instância, conforme veio requerer a A., na medida em que tal será legalmente inadmissível.
Pelo contrário, com a sentença proferida nos presentes autos, que declarou a existência daquela excepção inominada de inadmissibilidade da presente acção, a presente instância extinguiu-se em definitivo não podendo assim ser restaurada, conforme pretende a A.
Caso a A. pretende que o Tribunal aprecie o mérito do pedido por si formulado no presente processo, de emenda da partilha realizada nos autos principais de inventário, terá que instaurar nova acção autónoma para o efeito. Já não poderá obter a apreciação desse pedido nos presentes autos, na medida em que a instância dos mesmos se extinguiu em definitivo, conforme se referiu.
Consequentemente, a pretensão da A. em que vem solicitar o prosseguimento dos presentes autos deverá ser indeferida.
DECISÃO:
Em conformidade, pelo exposto, e por falta de fundamento legal, indefere-se o pedido da A. para que fosse ordenado o prosseguimento dos presentes autos.”

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II – O RECURSO
Não se conformando com o decidido, a autora interpôs então o presente recurso, cuja motivação terminou com as seguintes conclusões:
“1 - Por decisão de 28/04/2021, foi verificada a excepção dilatória de inadmissibilidade da presente acção, por a mesma não ter sido proposta por apenso ao processo de inventário n.º 1716/06.3TBVNO, que correu termos no Tribunal da Comarca de Santarém, Instância Local de Ourém, Secção Cível, J1, e foram os réus absolvidos da instância.
2 - Antes do trânsito em julgado dessa decisão, a Autora requereu a remessa da presente acção ao Juízo Local Cível de Ourém, para apensação ao dito processo de inventário, para a mesma aí prosseguir seus termos, o que foi deferido por despacho de 23/06/2021, já transitado em julgado e que, assim, sanou a irregularidade da falta da apensação verificada na decisão de 28/04/2021, que, por isso, se não consolidou.
3 - No despacho em apreço, o Tribunal a quo aceitou o decidido no anterior despacho de 23/06/2021 e ordenou a apensação da presente acção ao processo de inventário, ao qual já se encontra apensada, porém, acto contínuo, indeferiu o prosseguimento dos autos.
4 - O despacho recorrido violou o caso julgado formal formado pelo despacho de 23/06/2021, na parte que deferiu a remessa dos autos ao Juízo Local de Ourém, para apensação ao citado processo de inventário, “como requerido pela autora”, para aí prosseguir seus termos.
5 - E conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, por a mesma já ter sido decidida no processo, o que determina a nulidade da decisão recorrida.
6 - Por outro lado, o despacho recorrido é ambíguo e ininteligível e, consequentemente, nulo, uma vez que, ordena a apensação da presente acção ao referido processo de inventário, por “tal ser legalmente admissível”, mas indefere o prosseguimento dos autos, por entender que isso não é admissível.
7 - A apensação da acção ao inventário é admissível, mas o seu prosseguimento não o é? Então qual é a utilidade da apensação ordenada?
8 - A apensação da acção ao dito processo de inventário sem o prosseguimento da acção configurará uma actividade processual inconsequente, o que contraria a proibição legal da prática no processo de actos inúteis, consagrada no artigo 130.º do CPC.
9 - Ainda que assim se não entenda, sempre a presente acção é de prosseguir.
10 - A presente acção é a própria ao fim visado de emenda da partilha, mas não foi proposta por apenso ao processo de inventário de que depende.
11 - Com a remessa da presente acção ao tribunal recorrido e a sua apensação ao processo de inventário no qual foi feita a partilha que a autora pretende que seja emendada, ficou sanada a irregularidade decorrente da falta da apensação.
12 - Não se pode, assim, concluir como verificada a excepção dilatória de inadmissibilidade da acção, nem os réus estarem absolvidos da instância, nada impedindo, portanto o prosseguimento dos termos da presente acção, por apenso, ao processo de inventário de que é dependência.
13 - Os poderes de suprimento oficioso das irregularidades e os poderes de adequação formal do juiz, previstos nos artigos 6.º, n.º 2 e 547.º do CPC, permitem e impõem ao juiz suprir a falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação e “adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.”
14 - A aplicação, por analogia, do previsto no n.º 2 do artigo 99.º do CPC e do artigo 14.º do CPTA, permite, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, no caso, por apenso ao processo de inventário n.º 1713/06.3TBVNO, para aí prosseguir seus termos.
15 - Na parte do despacho recorrida, fez o tribunal a quo incorrecta interpretação dos factos e da lei, tendo violado o disposto nos artigos 6.º, n.º 2, 99.º, n.º 2, 130.º, 278.º, n.ºs 2 e 3, 547.º, 607.º, n.º 4, 608.º, n.º 2, 1.ª parte, 615.º, n.º 1 als. c) e d) e 620.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, no artigo 1387.º n.º 2 do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei 41/2013, de 26/06, aplicável ao inventário dos autos principais, no artigo 14.º do CPTA e nos artigos 9.º e 11.º do Código Civil.
Nestes termos, deve a parte do despacho recorrido ser declarado nulo com as legais consequências ou, se assim se não entender, ser o mesmo revogado e substituído por outra que determine o prosseguimento da presente acção, por apenso ao processo de inventário de que é dependência.”
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III – DOS FACTOS
A factualidade com relevância para efeitos da apreciação do recurso é a que ficou exposta no relatório inicial, complementado com o conteúdo das conclusões acima transcritas, onde se encontram todos os elementos processuais necessários.
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IV – OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Nessa tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, a questão fundamental colocada ao tribunal de recurso consiste em saber se devem os autos prosseguir os seus trâmites, ao contrário do decidido na decisão impugnada, tal como requerido pela autora agora recorrente, ou se pelo contrário deve considerar-se extinta a instância.
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V – DA DECISÃO SINGULAR
Vistos os autos, afigura-se que é possível conhecer de imediato do recurso interposto.
Diz o art. 652º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, sobre as funções do relator nos recursos de apelação, que compete ao relator, além do mais, “julgar sumariamente o objeto do recurso, nos termos previstos no artigo 656º”.
E estabelece o art. 656º do CPC, com a epígrafe “decisão liminar do objeto do recurso” que “quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia.
Ficaram assim previstas pelo legislador situações em que não se justifica a intervenção da conferência, considerando a simplicidade da questão a decidir, apontando-se nomeadamente, a título exemplificativo, os casos em que essa questão já esteja suficientemente esclarecida pela jurisprudência existente, ou por o que vem pedido no recurso se apresentar manifestamente infundado.
Por outras palavras: a lei processual pretende que nas situações em que surja como claro e pacífico que o recurso não pode proceder, ou em que a decisão se apresente notoriamente simples, seja isso dito pelo relator em decisão sumária, sem as delongas que implicaria a intervenção do colectivo no tribunal superior.
Afigura-se que é essa a situação do presente recurso, já que, atento o teor da decisão recorrida, e vistos os factos a considerar e o direito aplicável, o recurso se apresenta como manifestamente procedente.
Assim passaremos a conhecer do recurso, apreciando e decidindo como se segue.
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VI - APRECIANDO E DECIDINDO
Como se pode verificar, a questão que se discute resume-se em saber se os autos devem prosseguir, para apreciação do pedido de emenda da partilha formulado pela autora.
Porém, essa questão já tinha sido objecto de despacho judicial, proferido antes daquele que aqui é recorrido.
Com efeito, a autora, na sequência do despacho proferido no Juízo Central Cível de Santarém que declarou, nos termos da lei, que a acção para emenda da partilha teria que correr como dependência daquela em que foi feita a partilha, portanto por apenso a esta, veio de imediato requerer a solução que logicamente decorria como a solução necessária e suficiente para sanação do vício apontado pelo tribunal.
A autora requereu, através do seu requerimento de 02/06/2021, que “ao abrigo dos poderes de adequação formal do juiz consagrados no artigo 547.º do CPC e por analogia ao disposto no n.º 2 do artigo 99.º do CPC e do artigo 14.º do CPTA, a remessa da presente acção declarativa ao juízo Local Cível de Ourém, do mesmo Tribunal da Comarca de Santarém, para apensação ao processo de inventário n.º 1713/06.3TBVNO, para aí prosseguir seus termos.
Em resposta, o julgador, ainda no Juízo Cível de Santarém, deferiu o requerimento em apreço.
Na verdade, por despacho de 23/06/2021, foi ordenada a remessa “dos autos ao Juízo Local Cível de Ourém, para apensação ao processo de inventário n.º 1713/06.3TBVNO, como requerido” pela autora.
O significado desta decisão judicial tem que ser entendido como qualquer declaratário normal o entenderia. Lembremos que o Código Civil, regulando a matéria dos negócios jurídicos e sua interpretação, consagra a teoria da impressão do destinatário, de cariz objectivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia (cfr. n.º 1 do art. 236.º do Código Civil).
Tal é a orientação a ter em conta também nesta sede de interpretação das decisões judiciais.
Assim sendo, é insofismável que o despacho proferido no Juízo Cível de Santarém sobre o requerimento da autora datado de 02/06/2021 resolveu em definitivo, em termos processuais, a questão colocada pelo requerimento em apreço – e não pode ter outro significado, para um declaratário normal, que não seja o de determinar o prosseguimento da causa.
O despacho de 23/06/2021 consignou claramente, em relação à pretensão apresentada pela autora, de que os autos fossem remetidos “ao juízo Local Cível de Ourém, do mesmo Tribunal da Comarca de Santarém, para apensação ao processo de inventário n.º 1713/06.3TBVNO, para aí prosseguir seus termos”, que deferia essa mesma pretensão.
Ordenou a remessa do expediente para o Juízo Local de Ourém, para apensação ao processo onde havia sido feita a partilha, para que aí fosse prosseguida a sua tramitação, “como requerido”.
Facilmente se compreenderá, como resulta do senso comum, que não fazia sentido nenhum remeter o processo para a dita apensação se não fosse para prosseguir os seus termos, caso em que a remessa seria evidentemente inútil.
Repetimos, o requerimento de 02/06/2021 foi apreciado e decidido pelo despacho de 23/06/2021, cujo sentido não oferece dúvidas, e não podia por isso ser objecto de nova decisão, em sentido oposto, uma vez efectuada a remessa e a apensação em Ourém.
Na verdade, o Senhor Juiz de Ourém ao despachar nos autos veio pronunciar-se sobre o requerimento da autora de 02/06/2021 e tomar uma decisão em contrário do que estava decidido pelo despacho citado.
Resumidamente, o Sr. Juiz de Ourém, no despacho impugnado, veio declarar que conforme solicitado pela A. os autos ficariam apensados ao processo de inventário nº 1713/06.3TBVNO, que correu termos neste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém, mas que ao contrário do requerido pela A. os mesmos não prosseguiriam os seus termos.
Julgamos que não podia tomar esta decisão, por a mesma versar sobre matéria já decidida (mal ou bem, diga-se).
Com efeito, quanto à questão concreta sobre a qual recaiu a decisão impugnada, estamos perante a figura do caso julgado formal, já que está em causa uma questão já conhecida no processo, e que assim foi ressuscitada.
Como é comummente aceite, gera-se caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso no próprio processo em que é proferida, com o consequente esgotamento do poder jurisdicional do juiz.
Esta figura visa precisamente evitar a repetição de decisões judiciais sobre a mesma questão e foi consagrada pelo legislador no art. 620º do Código de Processo Civil, o qual dispõe no seu n.º 1 que “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.
O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito. Refere-se portanto, no essencial, às decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade.
Como esclarecia incisivamente João Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, A.A.F.D.L, 1980, III vol. pág. 276, o “caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo”.
Não ignoramos os limites ao alcance do caso julgado formal (ele pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação pro­cessual dentro do mesmo processo, para além do trânsito em julgado da primeira decisão, mas obviamente também pressupõe que se mantenham os respectivos pressupostos).
Porém, no caso, não tendo surgido novos fundamentos para diferente apreciação do pedido (nos factos ou no direito) a decisão anterior obstava a que o tribunal decidisse o mesmo de forma diferente. Estava vinculado pela decisão anterior.
Existindo agora duas decisões opostas sobre a mesma questão, obviamente que terá sempre que prevalecer a primeira (assim acontece mesmo nas situações em que ambas as decisões transitam, por delas não ser interposto recurso, diferentemente do que acontece no caso presente, em que a nova decisão foi atempadamente impugnada).
Lembremos neste ponto o disposto no art. 625º do Código de Processo Civil:
1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.
Concluindo, no respeitante à questão concreta sobre a qual recaiu a decisão impugnada (o prosseguimento dos autos, como apenso do processo onde ocorreu a partilha cuja emenda vinha pedida), existia já decisão que vinculava intraprocessualmente. Não podia um novo despacho recusar o que fora antes deferido (mal ou bem, repete-se).
Consequentemente, impõe-se revogar a decisão impugnada, determinando o prosseguimento dos autos, tal como requerido pela autora.
Assim sendo, ficam prejudicadas as restantes questões suscitadas em relação ao despacho recorrido, designadamente a respectiva nulidade, que julgamos não existir, como aliás frisou o tribunal recorrido ao pronunciar-se sobre tal matéria no despacho que admitiu o recurso.
Diremos a este propósito, tendo presente o art. 615º, n.º 1, als. c) e d), do CPC, que não se nos afigura existir qualquer ambiguidade ou contraditoriedade na decisão (o seu sentido é facilmente apreensível) nem ela recaiu sobre matéria estranha aos poderes jurisdicionais do juiz (o excesso de pronúncia tem sido vulgarmente interpretado como significando que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, o que não se identifica com a presente situação em que a decisão recaiu sobre questão que efectivamente tinha sido submetida à apreciação do tribunal, e que se situava dentro dos poderes de cognição deste, mas em que esses poderes já estavam esgotados pelo normal exercício dos mesmos, pelo que existia caso julgado formal).
Deste modo julgamos procedente o recurso em apreciação, nos termos expostos.
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VII - DECISÃO
Pelo que fica dito, decide-se julgar procedente o recurso, ao qual se concede provimento, revogando-se a decisão recorrida, e determinando o prosseguimento dos autos nos termos expostos.
Sem custas, dado o vencimento e a ausência de oposição (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC),
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Évora, 28 de Outubro de 2022
O Desembargador Relator
José Lúcio