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EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL
Sumário
I- Não basta um terreno ter acesso rodoviário para poder ser classificado como apto para construção. II- Um solo apto para construção é aquele onde, efectivamente, se pode construir, que apresenta condições materiais e jurídicas que permitam a edificação. III- A inserção de um terreno na RAN acarreta uma falta de aptidão edificativa por via das suas características intrínsecas.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
Nestes autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante “Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P”, pessoa colectiva de direito público número 503 933 813, e expropriados B........... e C............. (que adquiriram por permuta o prédio a que pertenciam as parcelas expropriadas à D............, S.A., primitiva expropriada), foi adjudicada à expropriante, por despacho de fls. 49, a propriedade da parcela de terreno identificada no referido despacho, designada com o número 172 e 172S, do terreno a ocupar com as obras necessárias à empreitada de «Duplicação e electrificação do troço Lousado - Nine (exclusive) e remodelação da estação de Famalicão e dos apeadeiros de Pisão, Barrimau, Mouquim e Louro».
II.
Recorreram da decisão arbitral a primitiva expropriada e a expropriante (cfr. fls. 60 e segs. e 85 e segs.).
Ambas as partes responderam ao recurso interposto pela contraparte (cfr. fls. 95 e segs. e 106 e segs.).
III.
Pelo despacho de fls. 119 procedeu-se à rectificação da área a expropriar, fixando-a em 2.358 m 2.
Nomeados os peritos, procedeu-se à avaliação do imóvel.
Os peritos juntaram os respectivos laudos e as respostas aos quesitos, conforme consta de fls. 143 a 164, que não foram objecto de qualquer reclamação por parte das partes.
As partes apresentaram alegações a fls. 200 e segs. e 205 e segs..
IV.
Foi proferida sentença que:
- Julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados B......... e C..............;
- Julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriante, “Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P”;
- Revogou o acórdão arbitral fixando a indemnização a atribuir aos expropriados em € 59.578,40 (cinquenta e nove mil, quinhentos e setenta e oito euros e quarenta cêntimos), a actualizar, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão de habitação, relativamente ao local da situação dos bens, desde a data da publicação de utilidade pública (24 de Maio de 2001) e o trânsito em julgado da presente decisão; sendo tal montante acrescido de juros legais a partir do momento temporal estabelecido no n.º 1 do art. 71º do Código das Expropriações.
V.
Recorreram os expropriados, formulando as seguintes conclusões:
1.ª. A parcela expropriada só pode ter a classificação de ‘solo apto para construção’, ao invés do que entende a d. sentença.
2.ª. A classificação do solo como apto para construção não depende da existência cumulativa de todas as infra-estruturas referidas quer na disposição do art. 24.º/2-a) do CExp. de 1991, quer no âmbito do art. 25.º/2-a) do actual CExp., de acordo com a mais recente jurisprudência.
3.ª. Sendo que a existência das demais infra-estruturas releva para efeitos do cálculo do valor do solo apto para construção, mas não para a sua qualificação.
4.ª. Pese embora a parcela expropriada não estar dotada com rede de saneamento, a mesma confronta numa extensão de 30 m, na extrema poente, com caminho municipal (CM 1439-1) com pavimento em calçada, dispõe de redes públicas de abastecimento de água, energia eléctrica, telefone e rede de transportes públicos.
5.ª. Acresce que tal parcela possui na sua envolvente, num raio inferior a 300 m, imóveis destinados a habitação, construções unifamiliares que se dispõem ao longo dos caminhos públicos, próxima do aglomerado de Bouça e Linhares, dista cerca de 3,5 km da sede do concelho e cerca de 0,5 km da EN 204, que li8ga as cidades de V.ª N.ª de Famalicão a Barcelos.
6.ª. Existe pois vocação para o processo de urbanização e de edificação, na esteira do novo regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, publicado no DL 380/99, de 22.9.
7.ª. Assim se cumprindo o inserto na al. b) do n.º 2 do art. 25.º do CExp.
8.ª. O actual CExp. eliminou qualquer referência à equiparação do solo ‘para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção’, assim se permitindo a interpretação jurídica que consagra a solução (mais acertada) que vai no sentido de concluir que basta o solo a expropriar reunir alguma das características definidas no actual art. 25.º do CExp. para ser classificado como apto para construção ainda que integrado na RAN/REN.
9.ª. Assim, deve ser definido o terreno expropriado no que respeita à totalidade da sua área de 2.358 m2, atribuindo-se aos expropriados um valor indemnizatório não inferior a € 72.084,06 (2.358 m2 x € 30,57/m2) de acordo com o preço referenciado pelo laudo pericial maioritário.
10.ª. Sem conceder, no mínimo, deverá atender-se à conclusão dos peritos nomeados pelo tribunal e indicado pelos expropriados, de que a parcela expropriada numa área de 780 m2 deverá ser valorizada como de construção, ao preço de € 30,57/m2, e o restante terreno (1.578 m2) deverá ser classificado como solo para outros fins – agrícola a € 10,00/m2.
11.ª. Atribuindo aos expropriados um montante global não inferior a € 39.624,60.
12.ª. Atendendo a que a parte sobrante da parcela expropriada não se acha vedada nem regada – atento o expresso pelos sobreditos peritos – já que era na área expropriada que se situavam os poços, os reservatórios de água, as minas e os poços de vigia, há efectiva depreciação daquela, o que implica a atribuição de uma indemnização aos expropriados em quantia não inferior a € 10.000,00.
A expropriante contra-alegou, pedindo a confirmação da sentença.
VI.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Factos considerados provados na sentença:
1. A parcela expropriada designada com os números 172 e 172S encontra-se identificada na respectiva planta cadastral do empreendimento de duplicação e electrificação do troço Lousado-Nine (exclusive) e remodelação da estação de Famalicão e dos apeadeiros de Pisão, Barrimau, Mouquim e Louro, da Linha do Minho, conforme documento constante de fls. 7 a 9.
2. A declaração de utilidade publica das expropriações, com caracter de urgência, bem como a autorização para a tomada de posse administrativa foram objecto do Despacho n.º 10 916/2001 (2. série), de 19 de Abril de 2001, do Secretário de Estado Adjunto e dos Transportes, publicado no Diário da Republica n.º 268, II Série, de 24 de Maio de 2001, conforme documento constante de fls. 5 e 6.
3. A parcela expropriada com os números 172 e 172S tem uma forma alongada irregular e a área total de 2.358 m 2 (que inclui uma parte sobrante com a área de 42 m2).
4. Foi destacada de um prédio misto de muito maiores dimensões, o qual se encontra inscrito na matriz predial da freguesia do ...... sob os artigos rústico n.º 126 e urbano n.º 285 e descrito na Conservatória do Registo Predial de V. N. de Famalicão sob o n.º 00580/241002, conforme documento constante de fls. 10 a 15.
5. De acordo com a descrição na Conservatória, o prédio de onde a parcela foi destacada possuía a área coberta de 506 m2 e descoberta de 75.851 m2, conforme documento constante de fls. 10 a 13.
6. O prédio de onde a parcela expropriada foi destacada situa-se no Lugar da ......., freguesia de ........., concelho de Vila Nova de Famalicão e possui as seguintes confrontações:
Norte - Caminho de Ferro (Linha do Minho) e E.............
Sul - Estrada Camarária
Nascente - Limite da freguesia / Herdeiros de F...............
Poente - Caminho Municipal n.º 1439-1. – cfr. laudos periciais.
7. A parcela expropriada confronta do norte com caminho de ferro, do sul e nascente com o restante prédio e do poente com caminho municipal 1439-1. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161;
8. A parcela expropriada confrontava com o C.M. 1439-1, o qual era pavimentado a calçada à portuguesa e dispunha de redes públicas de abastecimento de água, energia eléctrica, telefónica e rede de transportes públicos. - cfr. laudos periciais.
9. Trata-se de uma expropriação parcial, sendo a parcela constituída por terreno de cultivo, de boa qualidade agrícola. - cfr. laudos periciais.
10. A parcela expropriada possui na sua envolvente, num raio inferior a 300 metros, imóveis destinados a habitação, construções unifamiliares que se dispõem ao longo dos caminhos públicos, próximo do aglomerado de Bouça e Linhares. - cfr. laudos periciais.
11. No prédio no seu todo considerado, com a área de 6,77 hectares, está incluído um prédio urbano constituído de casa de habitação de rés-do-chão e andar. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161;
12. A parcela expropriada dista cerca de 3,5 km da sede do concelho. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161;
13. E cerca de 0,5 km da Estrada Nacional n.º 204 que liga as cidades de Vila Nova de Famalicão a Barcelos. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161;
14. A mesma parcela possui razoáveis acessibilidades, razoável qualidade ambiental e exposição solar. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161;
15. O muro de vedação existente a norte da parcela expropriada era em pedra, com 1 m de altura e 6 m de extensão. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161;
16. Na parcela expropriada existem dois reservatórios de água elevados em manilhas de betão, com 1,50 m de diâmetro x 7 m de altura cada um. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161;
17. Aí existe também um poço circular em manilhas de betão, com 1,20 m de diâmetro e 10,00 m de profundidade. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161;
18. E um poço rectangular, com 2 m de largura, 3 m de comprimento e 9 m de profundidade, todo em pedra aparelhada e a parte inferior em saibro. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161;
19. De acordo com o PDM de Vila Nova de Famalicão, o terreno da parcela expropriada está incluído na Reserva Agrícola Nacional (RAN) e faz parte integrante de uma vasta área circundante que se classifica também como RAN. - cfr. laudos periciais e informação de fls. 181 e segs.
20. À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam a parcela possuía as seguintes benfeitorias:
- Muro de vedação, em pedra, com a extensão de cerca de 6 metros e altura de 1,00 metro;
- 2 reservatórios de água elevados, m manilhas de betão de 1,20 m de diâmetro e 7 metros de altura.
- 1 poço circular em manilhas de betão com 1,20 m de diâmetro e 10 m de profundidade;
- 1 poço rectangular de 2,0 m x 1,0 m, com a profundidade de 10 m e com a parte superior em pedra aparelhada;
- 2 diospireiros de grande porte;
- 1 nogueira de grande porte;
- 1 nogueira de porte médio;
- 3 choupos com DAP de 0,20 m – cfr. vaprm constante de fls. 16 a 18.
21. Por escritura pública lavrada de fls. 5 a fls. 12, do Livro 266-D, de "Escrituras Diversas", do Segundo Cartório da Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, a "D.............., S.A." permutou com o B.......... e C.......... o prédio misto denominado "G..............", sito no lugar da ..........., da freguesia do ............, desta comarca, inscrito na matriz sob os artigos 285 urbano e 126 rústico, descrito, à data, na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º 32.880, através da qual aquela cedeu ao B.......... e C............ este mesmo referido prédio, conforme documento constante de fls. 6 a 23 dos autos de habilitação apensos.
22. Ao aludido prédio, então descrito na competente Conservatória sob o n.º 32.880 (a fls. 125 - B 92), corresponde o actual número de descrição 00580/241002.
23. Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública foi adjudicada à "Rede Ferroviária Nacional - Refer, E.P.", como entidade expropriante, uma parcela de terreno, sita em ........., freguesia do ......., do concelho de Vila Nova de Famalicão, a destacar do prédio rústico inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 126 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00580/241002, conforme despacho de fls. 49.
24. Que é parte do prédio adquirido por permuta pelos B......... e C............ Requerentes à "D..............., S.A.".
VII.
As questões suscitadas no recurso são:
a) Classificação do solo da parcela expropriada como apto para construção, ao menos parcialmente;
b) desvalorização da parcela sobrante.
VIII.
Na sentença qualificou-se a parcela expropriada como ‘solo para outros fins’, isto é, sem aptidão construtiva.
Pensamos que se decidiu bem, pelo que se remete para os fundamentos explanados na d. decisão impugnada.
Aí se refere:
«Por todos estes factores enunciados tudo aponta no sentido de a parcela expropriada dever ser classificada como integrando “solo para outros fins”, nos termos do disposto nos nºs 1 e 3 do art. 25º, uma vez que a situação de facto da parcela de terreno em causa não preenche nenhum dos requisitos do n.º 2 do mesmo artigo, para que o solo da mesma seja tido como apto para construção.
Particularizando.
Não cumpre o estabelecido:
- na alínea a) do n.º 2 do art. 25º porque, não obstante confrontar numa extensão de 30 metros, na extrema poente, com caminho municipal (C.M. 1439-1), com pavimento em calçada e dispor de redes públicas de abastecimento de água, energia eléctrica, telefónica e rede de transportes públicos, não está dotada com rede de saneamento;
- na alínea b) do citado preceito legal porque, não obstante possuir na sua envolvente, num raio inferior a 300 metros, imóveis destinados a habitação, construções unifamiliares que se dispõem ao longo dos caminhos públicos, próximo do aglomerado de Bouça e Linhares, dista cerca de 3,5 km da sede do concelho e cerca de 0,5 km da Estrada Nacional n.º 204 que liga as cidades de Vila Nova de Famalicão a Barcelos, não se inserindo em núcleo urbano, sendo que a área circundante da parcela é de Reserva Agrícola Nacional.
Daí que não seja possível concluir pela sua inserção num “núcleo urbano existente”.
- na alínea c) do mesmo dispositivo porque, de acordo com o Plano Director Municipal (P.D.M.) de Vila Nova de Famalicão, ratificado pela R.C.M. n.º 82/94, de 14/07/94, publicado no DR n.º 215, I Série – B, de 16/09/94, (e, por isso, em vigor à data da declaração de utilidade pública), está classificado como Reserva Agrícola Nacional (RAN);
- na alínea d) porque a expropriada não dispunha de licença de construção emitida para a área a expropriar ou alvará de loteamento em vigor.
Recentemente, o Tribunal Constitucional, mediante Acórdão n.º 275/2004, decidiu “julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da constituição, as normas contidas no n.º 1 do artigo 23º e no n.º 1 do artigo 26º do Código das Expropriações (1999), quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de «solo apto para a construção» e, consequentemente, de como tal indemnizar o solo integrado em Reserva Agrícola nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação”.
Daí que se refira que, nem sequer em função do destino dado à parcela expropriada – melhoria ou remodelação duma via de comunicação ferroviária -, é possível afirmar que a mesma tivesse uma "muito próxima ou efectiva aptidão edificativa". Melhor dizendo, também para a entidade expropriante, o prédio em causa não constitui "solo apto para a construção". Salienta-se, aliás, que, no caso, o fim da expropriação é precisamente uma das formas lícitas de utilização de solos integrados na RAN (artigo 9º, n.º 2, alínea d), do Dec. Lei n.º 196/89, de 14 de Junho), e que não revela qualquer aptidão edificativa do solo.
Resta, porém, aquilatar da eventual verificação da estatuição prevista no n.º 12 do art. 26º, como fizeram os peritos nomeados pelo Tribunal e o indicado pelo expropriado no seu laudo.
Como é sabido, as potencialidades edificativas ou construtivas resultam, antes de mais, dos planos municipais e são concretizados pelas licenças de loteamento e de construção.
No caso de os terrenos se destinarem a zonas verdes, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos previstos nos planos municipais eficazes, não se poderão considerar as suas potencialidades construtivas, pois, de acordo com os regulamentos em vigor, neles não será possível construir.
Nesta linha e para evitar as chamadas classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais, o n.º 12 do art. 26º estipula que:
“Sendo necessário explorar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”.
O citado preceito legal corresponde, com alterações, ao n.º 2 do art. 26º do Código das Expropriações de 1991, aprovado pelo Decreto Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro. Todavia, o seu âmbito foi por um lado alargado aos solos classificados para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território eficaz e, por outro, restringido às aquisições anteriores à entrada em vigor daquele.
Esta norma coloca em situação de igualdade os cidadãos que, por força dos instrumentos de gestão territorial, tenham sido alvos de sacrifícios relativamente aos quais não hajam sido compensados.
Como ensina Alves Correia, a sua interpretação correcta deve ser a seguinte: “... quando o solo expropriado for classificado pelo plano municipal como “zona verde ou de lazer” ou reservado para a construção de infra-estruturas ou para a implantação de equipamentos públicos, o seu valor é determinado com base no valor médio das construções existentes ou que for possível erigir nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m de cada um dos pontos limite da parcela expropriada”.
Como refere Pedro Elias da Costa, o n.º 12 do art. 26º tem sido mal aplicado, sendo correntemente usado para atribuir aptidão construtiva a solos que não preenchem os requisitos mencionados nas alíneas do art. 25.
Esta interpretação é incorrecta, estando em desacordo com a sua inserção no referente aos critérios de cálculo dos solos aptos para construção.
Um dos pressupostos da aplicação desta norma é, por conseguinte, que os solos sejam previamente classificado como aptos para construção.
De igual modo defende Alípio Guedes que o n.º 12 do art. 26º apenas se aplica a solos integrados em zonas classificadas no PDM como urbanas ou urbanizáveis.
No caso em apreço, como vimos já, está apurado que, na carta de ordenamento do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão (PDMVNF), a área do terreno da parcela está assinalada como Reserva Agrícola Nacional (RAN) fazendo parte integrante de uma vasta área circundante que se classifica também como RAN.
Pois bem, considerando que a parcela expropriada se destina a ser afectada a uma via de comunicação (rede ferroviária) – no caso, às obras necessárias à empreitada de «Duplicação e Electrificação do troço Lousado - Nine (exclusive) e Remodelação da Estação de Famalicão e dos apeadeiros de Pisão, Barrimau, Mouquim e Louro» -, somos levados a concluir que a mesma se destina à instalação duma infra-estrutura pública.
Sucede que, embora a parcela expropriada se destine ao melhoramento de uma infra-estrutura ferroviária já existente, é de concluir não ser subsumível à previsão do n.º 12 do art. 26º, na medida em que a parcela em causa não está integrada em zona classificada no PDM como urbana ou urbanizável, mas sim em zona de Reserva Agrícola Nacional (RAN), sendo essa também a natureza dos prédios envolventes».
Os apelantes insurgem-se contra o que consideram ser o entendimento veiculado na sentença de se ter como necessária a verificação cumulativa da existência das infra-estruturas mencionadas na alínea a) do n.º 2 do art. 25.º do CExp.
Vejamos.
Da análise das alíneas a) e b) do n.º 2 desse preceito decorre que, para a qualificação de um solo como apto para construção ao abrigo da 1.ª é, efectivamente, necessário que existam cumulativamente todas essas infra-estruturas. O que não significa que da inexistência de alguma delas tenha forçosamente de resultar a qualificação do solo como para outros fins.
Na verdade, as alíneas seguintes prevêem situações em que não existem todas essas infra-estruturas, ou até nenhumas, mas ainda assim a qualificação adequada é de solo apto para construção. Basta que tenha algumas e se integre em núcleo urbano existente (b), ou que não tenha nenhuma, mas de acordo com instrumento de gestão territorial esteja destinado a adquiri-las (c), ou possua alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública (d).
Assim, não se defendeu na sentença a imprescindibilidade da existência cumulativa dos requisitos da alínea a) em qualquer circunstância, mas apenas para ser possível qualificar o terreno como apto para construção ao abrigo da respectiva previsão.
Como refere Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, Almedina, 2.ª ed., 278, “não basta um terreno ter acesso rodoviário para poder ser classificado como apto para construção. De acordo com o disposto nesta alínea (refere-se à alínea b)), ou o terreno dispõe de um conjunto de infra-estruturas básicas para a edificação, ou se encontra inserido em núcleo urbano”. Acrescentamos, como atrás se disse, a hipótese de estar destinado a adquirir as características da alínea a), ou de ter alvará de loteamento ou licença de construção anterior à declaração de utilidade pública.
Ainda defendem os expropriados que a parcela se inclui em núcleo urbano existente.
A este propósito provou-se o que consta do facto 10:
“A parcela expropriada possui na sua envolvente, num raio inferior a 300 metros, imóveis destinados a habitação, construções unifamiliares que se dispõem ao longo dos caminhos públicos, próximo do aglomerado de Bouça e Linhares”.
Como refere o mesmo autor, local citado, ‘para se considerar a existência de um aglomerado urbano, não basta a existência de habitações nas proximidades’.
O DL 794/96, de 5.11, define aglomerado urbano como o “núcleo de edificações autorizadas e respectiva área envolvente, possuindo vias públicas pavimentadas e que seja servido de rede de abastecimento domiciliário de água e de drenagem de esgotos, sendo o seu perímetro definido pelos pontos distanciados 50 m das vias públicas onde terminam aquelas infra-estruturas urbanísticas”.
O autor citado refere que tem vindo a consolidar-se a tese jurisprudencial que defende a irrelevância do requisito da existência de rede de drenagem de esgotos quando a mesma não existe na respectiva localidade.
No entanto, o que o facto atrás transcrito nos diz é que a menos de 300 m, em linha recta da parcela, existem casas dispersas, estas por sua vez próximas de um aglomerado urbano.
Assim, duvida-se que se possa defender que a parcela se integra em núcleo urbano existente.
No entanto, o óbice definitivo a que o terreno expropriado seja considerado apto para construção, é a sua inclusão na RAN e o facto de ter sido expropriado para alargamento de uma via férrea.
Como refere o mesmo autor, pág. 265, não devem aplicar-se as regras de classificação dos solos previstas no art. 25.º, quando tal resultar na valorização do bem de acordo com um destino material ou juridicamente impossível. Assim, não poderão ser classificados como aptos para construção solos que apesar de preencherem os requisitos do n.º 2 do mencionado preceito, não possuam capacidade edificativa efectiva.
O art. 9.º/2-a) da Lei 48/98 (Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo) estabelece que «o plano director municipal, que, com base na estratégia de desenvolvimento local, estabelece a estrutura espacial, a classificação básica do solo, bem como parâmetros de ocupação, considerando a implantação dos equipamentos sociais, e desenvolve a qualificação dos solos urbano e rural».
Segundo o art. 18.º/2-b) do DL 380/99, de 22.9 (regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial), os planos municipais de ordenamento do território estabelecem, no quadro definido pelos instrumentos de gestão territorial cuja eficácia condicione o respectivo conteúdo, os parâmetros de ocupação e de utilização do solo adequados à concretização do modelo de desenvolvimento urbano adoptado.
O art. 69.º/2 do mesmo diploma afirma que os planos municipais de ordenamento do território estabelecem o regime de uso do solo, definindo modelos de evolução previsível da ocupação humana e da organização de redes e sistemas urbanos e, na escala adequada, parâmetros de aproveitamento do solo e de garantia da qualidade ambiental.
Assim, ambos os diplomas consideram solo urbano aquele para o qual é reconhecida vocação para o processo de urbanização e de edificação, nele se compreendendo os terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada – ibidem, 280.
Por isso, sempre que um solo, apesar de não dispor de todas as infra-estruturas urbanísticas, se encontrar em zona classificada como urbana ou urbanizável, por instrumento de gestão territorial, deve ser classificado e valorizado como apto para construção – ibidem.
Ou, dito de outra forma, um solo apto para construção é aquele onde, efectivamente, se pode construir, que apresenta condições materiais e jurídicas que permitam a edificação – ibidem, 281.
No caso em análise, o solo expropriado não tem condições materiais para nele se construir, por estar incluído na RAN, de acordo com o PDM – art. 25.º/2-c) a contrario.
Apesar de o CExp. actual não conter norma equivalente ao art. 24.º/5 do de 1991, deve entender-se que os solos onde não seja possível construir devido a proibição legal ou regulamentar, continuam a ter-se como para outros fins – ibidem, 284.
O jus aedificandi só deve considerar-se factor de valoração dos solos nas situações em que os respectivos bens possuam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa, só então integrando o núcleo do direito de propriedade privada – ibidem, 285.
A inserção de um terreno na RAN acarreta uma falta de aptidão edificativa por via das suas características intrínsecas, porquanto, segundo o art. 8.º/1 do DL 196/89 (regime jurídico da RAN), “os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas”.
Daí que todos os licenciamentos de construção, alvarás de loteamentos e todos os actos administrativos que violem os regimes da RAN ou da REN sejam nulos, de acordo com os art.s 34.º do DL 196/89 e 15.º do DL 93/90.
Trata-se da actuação do princípio da vinculação situacional do solo, que não viola nem o princípio da justa indemnização, nem os da igualdade e proporcionalidade, porquanto atinge todos os proprietários e outros interessados que estão, concreta ou abstractamente, na mesma situação.
No acórdão da RC de 22.6.2004 citado pelos apelantes, para justificar a capacidade edificativa de terreno incluído na RAN lançou-se mão, analogicamente, do art. 26.º/12, que prevê para solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas ou equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território pleanamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor.
Mas, como se diz na sentença, o autor citado, a pág. 291, afirma que um dos pressupostos de aplicação desta norma é que os solos sejam, previamente, classificados como aptos para construção.
Pensamos, assim, que não há fundamento para lançar mão dessa norma.
Quanto à desvalorização da parcela sobrante, entendeu-se na sentença que a mesma manterá os mesmos cómodos que usufruía antes da expropriação, não havendo, assim, que atribuir qualquer indemnização a esse título.
Os expropriantes consideram que desapareceu a vedação a norte com características iguais às existentes ao longo do prédio, e que não se encontra assegurada a rega da parte sobrante com o mesmo caudal anteriormente existente, dado que a área expropriada era aquela onde se situavam os poços, reservatórios e minas e os poços de vigia, sendo que essa falta comporta uma depreciação. Por tudo pretendem que lhes sejam pagos € 10.000,00.
Provou-se:
«15. O muro de vedação existente a norte da parcela expropriada era em pedra, com 1 m de altura e 6 m de extensão. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161;
16. Na parcela expropriada existem dois reservatórios de água elevados em manilhas de betão, com 1,50 m de diâmetro x 7 m de altura cada um. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161;
17. Aí existe também um poço circular em manilhas de betão, com 1,20 m de diâmetro e 10,00 m de profundidade. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161;
18. E um poço rectangular, com 2 m de largura, 3 m de comprimento e 9 m de profundidade, todo em pedra aparelhada e a parte inferior em saibro. – cfr. resp. aos quesitos de fls. 160 e 161.
20. À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam a parcela possuía as seguintes benfeitorias:
- Muro de vedação, em pedra, com a extensão de cerca de 6 metros e altura de 1,00 metro;
- 2 reservatórios de água elevados, em manilhas de betão de 1,20 m de diâmetro e 7 metros de altura.
- 1 poço circular em manilhas de betão com 1,20 m de diâmetro e 10 m de profundidade;
- 1 poço rectangular de 2,0 m x 1,0 m, com a profundidade de 10 m e com a parte superior em pedra aparelhada;
- 2 diospireiros de grande porte;
- 1 nogueira de grande porte;
- 1 nogueira de porte médio;
- 3 choupos com DAP de 0,20 m – cfr. vaprm constante de fls. 16 a 18».
Na sentença atribuiu-se pelas benfeitorias identificadas no facto 20 uma indemnização de € 16.998,00.
Mas também se considerou que apesar de isso não constar do relatório da v.a.p.r.m., tendo a expropriante reconhecido a existência na parcela expropriada de minas/poços de vigia, que foram destruídos na sequência da obra que deu causa à expropriação, aderiu-se ao parecer unânime dos peritos, concedendo o valor de € 19.000,00 como indemnização.
Ora, como se refere no laudos dos peritos, em especial no maioritário, esse valor é atribuído para a construção de novos poços de vigia e o restabelecimento das minas destruídas, isto é, para repor a situação do abastecimento da água – cfr. fls. 149, 159 e 186.
Assim, não há que considerar qualquer outro dano.
IX.
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença.
Custas pelos expropriados.
Porto, 23 de Junho de 2005
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Fernando Baptista Oliveira