DÍVIDA EXEQUENDA
PRAZO PRESCRICIONAL
INTERRUPÇÃO
Sumário


SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade do Relator - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I - No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º, al. e), do CC, em relação ao vencimento de cada prestação.
II – A exigibilidade imediata das prestações, à luz do acordo firmado entre as partes, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros, pelo que o prazo de prescrição se mantém, incindindo o seu termo “a quo” na data da exigibilidade de todas as prestações ainda em dívida.
III - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor não produz efeito contra o fiador, a não ser que o credor interrompa a prescrição contra o devedor e disso dê conhecimento ao fiador.
IV – Não ocorre interrupção da prescrição relativamente ao fiador se, tendo a exequente/embargada/recorrente reclamado créditos no processo fiscal intentado (apenas) contra a devedora, não alegou a data em que tal notificação ocorreu, nem que tivesse dado conhecimento da reclamação de créditos e da notificação da mesma à fiadora.
V – Tendo a exequente reclamado créditos na execução fiscal a 10/04/2013, momento em que as prestações se tornaram exigíveis à luz do acordado e apenas tendo intentado acção executiva contra fiadora a 25/09/2021, a divida exequenda está prescrita à luz do disposto na alínea e) do art.º 310º do CC.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

A 22.09.2021 o Banco ..., SA intentou acção executiva para pagamento de quantia certa, em processo ordinário, contra C. C., A. P. e S. O., para pagamento da quantia de € 17.225,10 invocando para tanto e em síntese que:

- o Banco ..., SA foi incorporado no Banco ..., SA;
- por Deliberação do Banco de Portugal de 03 de Agosto de 2013 foi constituído o Banco ..., SA, para o qual foram transferidos os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BANCO ..., SA;
- por escritura pública, outorgada a 05 de Agosto de 2005, o Exequente, no exercício da sua actividade bancária, concedeu a C. C., um financiamento sob a forma de Contrato de Mútuo com Hipoteca, no valor de € 67.500,00, no regime geral de crédito, pelo prazo de vinte anos, destinado à aquisição de um imóvel para habitação própria e permanente;
- a mutuária obrigou-se a amortizar o capital mutuado e a pagar os respectivos juros e imposto de selo e confessou-se devedora do Exequente da quantia mutuada, entregue;
- a 14.09.2005, o Exequente (refere-se, certamente por lapso, o reclamante) concedeu um empréstimo a C. C., no montante inicial de € 25.000,00;
- para garantia de todas as responsabilidades assumidas a referida C. C. constituiu, a favor do Banco ..., S.A., duas hipotecas voluntárias sobre o imóvel penhorado nos autos, estando as mesmas inscritas na CRPredial;
- para garantia do financiamento, e nas escrituras identificadas supra, constituíram-se como fiadores e principais pagadores A. P. e S. O. por tudo quanto viesse a ser devido ao exequente com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia;
- na sequência da penhora efectuada sobre o prédio sobre que incidiam as hipotecas e tendo sido notificado para o efeito, o Exequente reclamou o seu crédito, no âmbito do processo de execução fiscal que identifica;
- no âmbito do referido processo de execução fiscal, o referido imóvel foi adjudicado ao Banco ..., S.A. pela quantia de € 77.400,00;
- o exequente foi ressarcido de parte do montante por si reclamado, no valor de € 76.055,28;
- esta operação levou à liquidação do empréstimo de € 67.500,00, com afectaçao a este da quantia de € 66 153,61 e à redução dos valores em dívida pelo incumprimento do empréstimo de € 25.000,00, com afetação da quantia de € 11 246,39€, permanecendo em dívida, a título de capital, a quantia de € 12.274,47;
- o Exequente tem direito a juros de mora, calculados à taxa e sobretaxa que indica, desde 10.04.2013 até efectivo e integral, ascendendo os juros vencidos até à data da apresentação do requerimento executivo a € 4.718,30;
- bem como a quantia a título de imposto de selo, no valor de € 158,53 e de 73,80, a título de Despesas e de ISUC.
- o exequente é ainda credor dos juros que se venham a vencer até efetivo e integral pagamento do valor em dívida.

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A 08/10/2021 (como decorre do AR de citação junto aos autos de execução pelo AE a 15/10/2021) foi citada a executada S. O. que veio deduzir embargos de executado (cujo integral teor foi transcrito na sentença recorrida) pedindo que na procedência dos mesmos, se declare extinta a execução, invocando, em síntese que:
- na sequência de uma execução fiscal onde foi penhorada o imóvel hipotecado, a 10/04/2013 o exequente reclamou créditos no valor 85.287,34 e foram calculados juros desde 11/4/2013 até 14/08/2013 no valor de € 1.166,90;
- foi abatida à divida da exequente € 76.055,28, pelo que a 14/08/2013, ficou em dívida a quantia de € 10.398,96,00 e não a quantia referida no requerimento executivo;
- a Embargante não teve qualquer intervenção no referido processo; - a Embargante, na qualidade de fiadora, apenas foi citada a 18/10/20121;
- o exequente peticiona um direito de crédito composto por capital e juros de mora, nomeadamente os vencidos a partir de 10/4/2013;
- decorre dos documentos, que a obrigação de restituição da quantia emprestada nos dois contratos de mútuo, foram fracionadas em prestações mensais, que incluíam capital e juros remuneratórios, prestações pré determinadas e sujeitas a revisão periódica (semestral) em função da taxa Euribor;
- esta materialidade enquadra-se no âmbito da alínea e) do art. 310.º do CC, sendo aplicável o prazo da prescrição de cinco anos ao direito de crédito exigido coercivamente pelo exequente.
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A exequente veio contestar, pedindo a improcedência dos embargos e o prosseguimento da execução até efetivo e integral pagamento de todas as quantias em dívida, invocando, em síntese (a sentença recorrida transcreve a contestação até ao art.º 47º):

- a redução do montante em dívida verifica-se em relação ao segundo financiamento, permanecendo em dívida, a título de capital, a quantia de € 12.274,47
- o incumprimento das obrigações emergentes do contrato remonta a 10.04.2013 e esta é a data desde a partir da qual deverão ser contabilizados os juros em dívida;
- os créditos do Embargado foram reconhecidos no processo de execução fiscal nos exatos termos em que a reclamação de créditos foi apresentada, o que incluiu o pagamento de juros de mora vincendos;
- em 2013 e em 2021 enviou as cartas que indica à mutuária e fiadora, em que procedeu à denúncia dos contratos e informou a Opoente de que havia dado instruções para a cobrança da dívida, através do recurso a uma ação judicial, com a consequente execução das garantias associadas ao crédito em causa;
- invoca o disposto no art.º 781º do CC e a cláusula vigésima do Documento Complementar anexo à escritura pública dada à execução.
- foi expressamente convencionado o automatismo do vencimento antecipado das responsabilidades assumidas em caso de incumprimento, pelo que não era obrigatória a interpelação do fiador para pôs termo á mora;
- o não pagamento de uma prestação do empréstimo na data do seu vencimento confere, desde logo, ao Exequente, o direito de considerar vencidas todas as outras, pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido, promovendo à sua imediata execução judicial;
- a citação dos Executados, sempre teria a virtualidade substitutiva de tal interpelação;
- o que está em causa é uma obrigação única, ainda que passível de fracionamento e não uma obrigação periodicamente renovável, pelo que não tem aplicação o regime especial previsto no artigo 310.º do CC;
- resulta da cláusula nona do documento complementar resulta que o incumprimento das obrigações emergentes do contrato determinou o vencimento e a exigibilidade imediata de todas as quantias que se encontravam em dívida;
- o plano de amortização inicialmente acordado entre as partes deixou de estar em vigor, no momento em que se deu o incumprimento;
- o montante em dívida readquiriu a sua natureza original com o vencimento antecipado da obrigação, por força do incumprimento definitivo;
- o crédito exequendo não se configura como quotas de amortização do capital pagáveis com juros, mas como uma dívida global proveniente do incumprimento definitivo de uma relação contratual, correspondente ao valor do capital em dívida;
- o artigo 310.º do CC consubstancia uma norma especial, cuja aplicação se circunscreve, exclusivamente, a prestações periodicamente renováveis;
- às obrigações únicas, de valor predeterminado, ainda que repartidas ou fracionadas em várias parcelas, é aplicável a regra geral prevista no artigo 309.º do CC;
- não estando demonstrado que o embargado peticiona quotas de amortização, apenas se poderá concluir que o se reclama é uma dívida global proveniente de uma relação de liquidação, que se revelou incumprida, em abril de 2013.
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O tribunal considerou não haver razões para agendara audiência prévia e ordenou a notificação das partes “para os fins tidos por convenientes”.
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Pronunciou-se a embargante.
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Foi proferido saneador-sentença em que:
- no inicio e sob o titulo “Audiência prévia” se consignou:
“Nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 2, do C.P.C., “… se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para a contestar, (...) seguindo-se depois, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo”.
Neste contexto, é manifesto que qualquer articulado apresentado após esta fase processual, atento o teor da contestação (limitou-se a responder à matéria de exceção), não é legalmente admissível.
(…)
Não existe, portanto, qualquer razão para o agendamento da audiência prévia (…)”
- e que decidiu:
“ Pelo exposto, na ausência de qualquer outra questão de facto e de direito que reclame uma decisão do tribunal, decido:
8.1.- Julgar parcialmente procedente a exceção da prescrição invocada pelo embargante e, em consequência, declaro apenas prescritas as prestações vencidas no âmbito dos dois contratos de mútuo com fiança até ao dia 01 de outubro de 2016 e respetivos juros de mora.
8.2.- Custas pela exequente/embargada, na proporção do decaimento.”
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Inconformada, a embargante interpôs recurso, pedindo a revogação da sentença e seja declarada verificada a prescrição total do crédito exequendo, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil.
B) A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado da notificação do Embargado aqui Recorrido para reclamar créditos no âmbito do processo de execução fiscal nº. ………..56 onde foi penhorado o imóvel hipotecado a seu favor para garantia de cumprimento das obrigações assumidas, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.
C) A adjudicação do imóvel em 14/08/2013 na sequência daquela reclamação e a liquidação de parte dos empréstimos não releva, como facto interruptivo da prescrição em relação aos fiadores, na medida em que não intervieram no respetivo processo, nem o credor lhes deu conhecimento desse facto.
D) A Recorrente só com a citação tomou conhecimento do vencimento antecipado das prestações.
E) De todo o modo desde 14/08/2013 até à data da citação da Embargante passaram mais de 8 anos.
F) Ora, o tempo repercute-se na relação jurídica, designadamente através da prescrição, cujo efeito permite ao devedor recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito, depois do titular do direito o ter deixado de exercer durante certo período de tempo (art. 304.º, n.º 1, do CC).
F) O efeito prescritivo fundamenta-se, essencialmente, na negligência do titular do direito que, com a sua inércia, deixa passar o tempo sem o exercer, num aparente desinteresse, para além de, com a sua consagração, se procurar obstar a uma situação de incerteza ou insegurança nas relações jurídicas.
G) Na contagem do prazo, a regra é começar a correr a partir do momento em que o direito pode ser exercido (art. 306.º, n.º 1, do CC).
H) Após a adjudicação do imóvel em 14/08/2013, pelo valor de € 77.400,00 permaneceu em dívida a quantia de € 9.054,00. (€ 86.454,00 - € 77.400,00)
I) A jurisprudência é agora pacifica a entender que as prestações mensais mesmo que convertidas numa única prestação após o seu incumprimento ou vencimento antecipado, estão sujeitas sempre ao prazo previsto no artigo 310º. alínea e) do Código Civil.
J) Assim, repete-se, tendo decorrido o prazo de cinco anos, sem qualquer interrupção, o direito de crédito exequendo encontra-se totalmente prescrito em relação à fiadora, ora Recorrente.
L) Foram erradamente interpretadas os artigos 309º., 310º. alínea e), 627, 634 e 637 e 781 do Código Processo Civil.
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Inconformada, a embargada também interpôs recurso, pedindo a substituição da decisão recorrida por outra que ordene o prosseguimento da execução, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. O presente recurso tem por objeto a sentença proferido pelo Tribunal a quo que julgou os Embargos da Executada parcialmente procedentes, determinando, em consequência apenas prescritas as prestações vencidas no âmbito dos dois contratos de mútuo com fiança até ao dia 01 de outubro de 2016 e respetivos juros de mora.
II. Conforme consta dos autos, a decisão do Tribunal de 1.ª instância fundou-se exclusivamente na excepção peremptória de prescrição invocada pela Embargante, nos termos das alíneas d) e e) do artigo 310.º do CC.
III. Contudo, a obrigação exequenda configura uma obrigação única, à qual será aplicável o prazo geral de prescrição de 20 anos, consagrado no artigo 309º do CC e não o regime especial de prescrição previsto nas alíneas d) e e) do artigo 310º do CC, exclusivamente circunscrito a obrigações periódicas.
IV. Nesta conformidade, o Recorrente entende que a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de erro quanto à determinação da norma legal aplicável.
V. Nestes autos, o que está em causa é o incumprimento de dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança, um deles outorgado em 05 de agosto de 2005, no valor de € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros), destinado à aquisição de um imóvel para habitação própria e permanente e, o outro, celebrado em 14 de setembro de 2005, no montante inicial de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), ambos afiançados pela Recorrida.
VI. Apesar das diversas interpelações a que os mutuários e a fiadora, aqui Recorrida, foram sujeitos, a verdade é que desde 10.04.2013, que as obrigações emergentes daqueles contratos deixaram de ser pontualmente cumpridas, apesar das reiteradas interpelações de que os mutuários e a Recorrida foram alvo.
VII. Na sequência reclamação de créditos apesentada pelo Recorrente, no âmbito do processo de execução fiscal que correu termos no Serviço de Finanças da …, o imóvel que garantia o contrato de mútuo em questão foi adjudicado pela quantia de € 77.400,00, em 14/08/2013.
VIII. Não obstante, o montante recuperado apenas permitiu reduzir a quantia que se encontrava em dívida, relativamente ao contrato em apreço.
IX. Sucede, porém, que, como melhor consta do requerimento executivo apresentado, o Banco Exequente foi ressarcido de parte do montante por si reclamado, no valor de € 76.055,28, conforme decisão de verificação e graduação de créditos já junta aos autos e esta operação levou à liquidação do empréstimo n.º : ……7, com afetação a este financiamento da quantia de € 66 153,61 e à redução dos valores em dívida pelo incumprimento do contrato de financiamento n.º 1076111227, com afetação da quantia de € 11 246,39 a este financiamento.
X. Portanto, o valor recebido, na sequência da adjudicação do imóvel sobre o qual o Embargado detinha garantia real, não mais operou do que a liquidação integral de um dos financiamentos e a redução do montante em dívida, no segundo financiamento, permanecendo em dívida, a título de capital, a quantia de € 12.274,47.
XI. Note-se ainda que a sentença de verificação e graduação de créditos e a Liquidação operada no âmbito do processo de execução fiscal é o momento a partir do qual se determina o valor que cabe ao Exequente após dedução dos valores graduados em lugares prioritários.
XII. Nas execuções fiscais, o Credor garantido deposita o valor em dívida para o receber posteriormente deduzido dos valores graduados à sua frente, logo, a quantia em dívida continua a vencer juros, em função da mora na transferência dos valores recuperados.
XIII. Apesar de a sentença de verificação e graduação de créditos ter sido proferida em 15/11/2013, e de a transferência da quantia que coube ao Embargado só poder ter ocorrido a partir dessa data, o Banco contabilizou a adjudicação do bem imóvel ainda em Setembro de 2013.
XIV. Neste hiato temporal, o incumprimento não cessou, sendo certo que o Embargado nada recebia, por conta destes contratos, desde 10/04/2013 e não sabia SE e QUANDO iria receber o montante que tinha reclamado em sede de execução fiscal.
XV. Persistindo o incumprimento, o Recorrente viu-se obrigado a instaurar o competente requerimento executivo de forma a recuperar o remanescente do crédito em dívida.
XVI. Os intervenientes nos financiamentos em causa nos autos, mutuária e fiadores, foram interpelados por cartas enviadas em 15 de Maio de 2013, de acordo com as CARTAS juntas que demonstram ter sido esta a interpelação relativa à predita prestação de 10.04.2013, conforme o teor das mesmas.
XVII. Citada para contestar, a Recorrida defendeu-se, em sede de embargos, invocando a exceção de prescrição prevista no artigo 310.º, alíneas d) e e) do CC, que foi julgada parcialmente procedente pelo Tribunal de 1.ª instância.
XVIII. Salvo o devido respeito, nos presentes autos, o que está em causa é uma obrigação única, ainda que passível de fracionamento e não uma obrigação periodicamente renovável.
XIX. De acordo com a cláusula 9.ª do documento complementar que faz parte integrante da escritura pública que titula o contrato em análise, o incumprimento das obrigações emergentes do aludido contrato determina o vencimento e a exigibilidade imediata de todas as quantias em dívida.
XX. Ou seja, o plano de amortização inicialmente acordado entre as partes deixou de estar em vigor, no momento em que se verificou o incumprimento.
XXI. O que significa que a dívida readquiriu a sua natureza original com o vencimento antecipado da obrigação, por força do incumprimento definitivo.
XXII. Do supra exposto resulta que o crédito exequendo não se configura como quotas de amortização do capital pagáveis com juros, mas como uma dívida global proveniente do incumprimento definitivo de uma relação contratual, correspondente ao valor do capital em dívida, pois, conforme disposto no artigo 781.º CC: “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
XXIII. A doutrina e a jurisprudência têm entendido que às obrigações únicas, de valor predeterminado, ainda que repartidas ou fracionadas em várias parcelas, é aplicável a regra geral prevista no artigo 309.º do CC e não o regime especial de prescrição consagrado nas diversas alíneas do artigo 310.º do CC.
XXIV. Segundo MENEZES CORDEIRO e ANA FILIPA MORAIS ANTUNES, o encurtamento do prazo de prescrição consignado no artigo 310.º do CC apenas se justifica quando estão em causa direitos que têm por objeto prestações periódicas, concluindo-se, assim, que os prazos previstos no mencionado preceito legal serão aplicáveis a cada uma das prestações que se vai vencendo, mas não à obrigação no seu todo.
XXV. No plano jurisprudencial, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12.04.2018, processo n.º: 2483/15.5T8ENT-A.E1, disponível em www.dgsi.pt determina que “O vencimento imediato das prestações restantes imposto pelo art. 781.º do Código Civil, tornando o capital imediatamente exigível e assim fazendo cessar o regime de pagamentos conjuntos de capital e juros que justificava o prazo curto de prescrição a que se refere o art. 310.º, al. e), implica que a dívida de capital fique sujeita, apenas, ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos (…)”.
XXVI. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 26.04.2016, no âmbito do processo n.º 525/14.0TBMGR-A.C1, disponível em www.dgsi.pt esclarece que “Se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.”
XXVII. E para que dúvidas não restem, o Acórdão de 27 de Março de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), proferido no âmbito do processo n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt concretiza que: “…na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração.” (assinalado nosso).
XXVIII. Torna-se forçoso concluir que o Tribunal a quo aplicou erradamente as normas contidas nas alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil, porque, in casu, não se verificam os pressupostos de aplicação dos pressupostos de aplicação da prescrição de 5 anos, prevista nas várias alíneas do artigo 310.º do CC.
XXIX. Na verdade, a regra que encontra aplicação no caso concreto que ora nos ocupa é aquela que se encontra prevista no artigo 309.º do CC e que consagra o prazo prescricional ordinário de 20 anos.
XXX. Pelo que se requer a substituição da sentença recorrida por outra que aplique ao caso sub judice o prazo prescricional previsto no artigo 309.º do CC.
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2. Questões a apreciar

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

No caso dos autos foram interpostos dois recursos independentes:
- a embargante defende que o prazo prescricional que se aplica à divida exequenda é de 5 anos, defende previsto no art.º 310º, alínea e) do CC;
- a embargada defende que é o prazo de 20 anos, previsto no art.º 309º do CC.
Portanto a questão é só uma: qual o prazo prescricional que se aplica à divida exequenda.
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3. Fundamentação de facto

3.1. A sentença recorrida considerou:
- Factos provados com relevância para a decisão da causa:

1- Por escritura pública, outorgada em 05 de agosto de 2005, o Banco ..., SA., no exercício da sua atividade bancária, concedeu à Executada C. C., ora Executada, um financiamento sob a forma de Contrato de Mútuo com Hipoteca, no valor de € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros), no regime geral de crédito, pelo prazo de (20) vinte anos a contar daquela data, na modalidade de prestações constantes, destinado à aquisição de um imóvel para habitação própria e permanente.
2- Por escritura pública de 14 de setembro de 2005, o Banco ..., SA., concedeu outro empréstimo à Executada C. C., no montante inicial de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), no regime geral de crédito, pelo prazo de (50) cinquenta anos a contar daquela data, na modalidade de prestações constantes, destinado exclusivamente a obras de beneficiação da referida habitação própria e permanente.
3- Resulta, ainda, que para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos dos contratos supra identificados, juros e todas as demais despesas inerentes, a Executada C. C. constituiu, a favor do mesmo banco duas hipotecas voluntárias sobre o seguinte bem imóvel penhorado nestes autos, e aí melhor identificado: Fração designada pelas letras “..”, do prédio urbano, sito no Lugar da ..., freguesia de ..., concelho da Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o número mil e cem e inscrito na matriz urbana sob o artigo ....
4- Também para garantia do financiamento, e nas escrituras identificadas supra, constituíram-se ainda como fiadores e principais pagadores o Executado A. P. e a aqui Embargante S. O. por tudo quanto viesse a ser devido àquele Banco ..., SA..
5- Na sequência de uma execução fiscal onde foi penhorado a fração autónoma designada pelas letras “…” acima identificada o Banco Exequente em 10/04/2013 reclamou créditos no valor 85.287,34.
6- Mais consta do referido processo de execução fiscal, que foram calculados juros desde 11/4/2013 até 14/08/2013 no valor de € 1.166,90 no total de € 86.454,00, conforme documentos 5 e 6 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
7- No âmbito do processo referido, o imóvel hipotecado a favor do Banco ... foi-lhe adjudicado em 14/08/2013, pelo valor de € 77.400,00.
8- A Embargante não teve intervenção processual nesse processo de Reclamação e adjudicação de bens
9- A ação executiva apensa deu entrada no passado dia 25-09-2021.
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- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes.
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3.2. Impõe-se aditar aos factos provados os seguintes:
10 – O Banco ..., SA foi integrado, por fusão, no Banco ..., SA. (consulta da certidão do Registo Comercial do BANCO ...). (consulta da certidão do registo comercial do BANCO ...);
11 – A 03 de Agosto de 2014, o Conselho de Administração do Banco de Portugal, deliberou o seguinte:
«Ponto Um
Constituição do Banco ..., SA
É constituído o Banco ..., SA, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.
Ponto Dois
Transferência para o Banco ..., SA, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco ..., SA
São transferidos para o Banco ..., SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, conjugado com o artigo 17.º-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco CC, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A a presente deliberação». ( esta Deliberação pode ser consultada in https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexo3_deliberacao_3ago2014_medida_resolucao.pdf)
12 - No art.º 1º dos Estatutos do “Banco ..., SA” e que constituem o Anexo 1 à deliberação referida no ponto anterior consta que o mesmo é constituído nos termos do n.º 3 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("RGICSF"), aprovado pelo Decreto-Lei n. º 298/92, de 31 de Dezembro”. (estes Estatutos podem ser consultados in https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexo3_deliberacao_3ago2014_medida_resolucao.pdf)
13 - E no art.º 3º dos mesmos Estatutos, consta que “o Banco ..., SA, tem por objeto a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco ..., SA, para o Banco ..., SA, e o desenvolvimento das atividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145.º-A do RGICSF, e com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito”.
14 - No Anexo 2 à referida deliberação constam os critérios de identificação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco ... objeto de transferência para o Banco ..., SA e nomeadamente consta o seguinte:
“a) Todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do BANCO ... serão transferidos na sua totalidade para o Banco ..., SA com excepção dos seguintes: “(…)” (este Anexo 2 pode ser consultado in https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexo3_deliberacao_3ago2014_medida_resolucao.pdf)
15 - No documento complementar à escritura pública de 14 de setembro de 2005, também subscrito pela fiadora consta sob a cláusula:
- Quarta – (…) Durante o período de reembolso, capital e juros serão pagos em prestações mensais e sucessivas…
- Sétima: “Todas as prestações são de reembolso de capital e pagamento de juros, são mensais e mantêm-se constantes, com os ajustamentos que vierem a justificar-se por efeito da aplicação das cláusulas desta escritura”.
- Vigésima: A execução, arresto, penhora ou outra qualquer forma de oneração ou alienação do bem ora hipotecado, assim como a falta de pagamento dos respectivos vencimentos, de qualquer das responsabilidades agora garantidas, importarão a imediata exigibilidade de todas as responsabilidades garantidas e, consequentemente, a imediata exequibilidade desta escritura” (o documento complementar em referência está junto com o requerimento executivo)
16- A quantia referida em 7 pagou integralmente o montante em dívida do empréstimo referido no ponto 1 supra e parcialmente o empréstimo referido no ponto 2 supra. (estamos perante uma confissão da embargada feita no ponto 21 do requerimento executivo. A embargante, no art.º 10º dos embargos de executado alega que é falso o alegado no ponto 21 do requerimento executivo. Mas face ao que alega no art.º 9º - que a 14/08/2013, ficou em dívida a quantia de € 10.398,96, e não a indicada no requerimento executivo – o que coloca em causa é o montante que ficou em divida e não o facto de a quantia referida em 7 ter pago integralmente o montante em dívida do empréstimo referido em 1 e parcialmente o empréstimo referido em 2.)
17- A embargada foi citada no âmbito da acção executiva a 08/10/2021. (o AR junto aos autos pelo AE a 15/10/2021)
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4. Direito
4.1. Enquadramento jurídico

Como referido, ambas as partes recorreram, mas, em essência, a questão é apenas saber qual o prazo prescricional que se aplica à divida exequenda: o prazo de 5 anos previsto no art.º 310º alínea e) do CC, como defende a embargante ou o prazo de 20 anos, previsto no art.º 309º, ambos do CC, como defende a embargada.

Vejamos
Dispõe o art.º 298º n.º 1 do CC que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
E nos termos do art.º 304º n.º 1 do CC completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
Não cabe aqui dissertar sobre o instituto da prescrição – para uma recensão da doutrina e jurisprudência, Ana Filipa Morais Antunes, in Prescrição e caducidade, máxime pág. 21 e segs., Coimbra Editora.
A ideia comum que preside ao instituto é, como referia Dias Marques, in Prescrição extintiva, Coimbra, 1953, pág. 4, a existência de “uma situação de facto que se traduz na falta de exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou porventura devendo actuar para a realização do direito, se abstém de o fazer”.
Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 445-446, sobre o instituto noa vigência do CC de 1867, considerava que o fundamento essencial (assinala fundamentos secundários) da “prescrição” extintiva era a negligência do titular de determinado direito em exercitá-lo durante período de tempo indicado na lei, negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou, pelo menos, o tornava aquele indigno de protecção jurídica.
Na jurisprudência e a título meramente exemplificativo, assinale-se o Ac. STJ de 19.06.2012, consultável in www.dgsi.pt/jstj pelo proc. 4944/08.3TBGDM.P1.S1, onde se refere que a prescrição, tal como a caducidade e o não uso, exprimem a relevância do tempo (do seu decurso sobre as relações jurídicas), visando a certeza e a segurança do tráfego jurídico, tendo como fundamento a consideração de que não merece a protecção do ordenamento jurídico quem descura o exercício dos direitos que lhes assistem, porque a paz social não se compadece com a inércia, para lá de limites temporais impostos pelo legislador
Á prescrição não subjaz uma razão unitária, mas diversas razões, como refere Ana Filipa Morais Antunes, ob. cit. pág. 29-30: a probabilidade de ter sido feito o pagamento; a presunção de renúncia do credor; a sanção da negligência do credor; a consolidação de situação de facto; a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; a exigência de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; a promoção do exercício oportuno dos direitos
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Dispõe o art.º 310º alínea e) do CC que prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com juros.
O CC de 1867 não previa de forma autónoma a prescrição das quotas de amortização do capital pagáveis com juros.
Mas, como refere Ana Filipa Morais Antunes, in ob. cit, pág. 127, poder-se-ia aplicar às quotas de amortização do capital pagáveis com juros, o preceituado no art.º 543º n.º 1 quando previa a prescrição de 5 anos para “quaisquer prestações vencidas, que se costumam pagar em certos e determinados tempos”.
Ora, relativamente ao art.º 543º n.º 1 do CC de 1867, referia Manuel de Andrade, in ob. cit. pág. 452, que “a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar”.
Quanto á prescrição de curto prazo, Vaz Serra, in Prescrição extintiva e caducidade, BMJ, 106, 119, dizia: “evitar que, pela acumulação de prestações periódicas, se produza a ruína do devedor”.

Retomando Ana Filipa Morais Antunes, na ob. cit. pág. 126-127, refere:
“A previsão normativa é aplicável às prestações de capital repartidas no tempo, a que se soma juros – a pagar conjuntamente -, e que representam quotas correspondentes á amortização do capital e ao rendimento do capital disponibilizado.”

E mais adiante refere:
“Só estão contempladas as quotas de amortização que devem ser pagas como adjunção aos juros. A previsão normativa abrange, pois, as hipóteses de obrigações pecuniárias, com natureza de prestações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondem a duas fracções distintas entre si: uma, de capital e, outra, de juros, com proporção variável, a pagar conjuntamente. Cada quota de amortização corresponde, assim, ao valor somado do capital e dos juros correspondentes, pagáveis de forma conjunta”.

E a seguir distingue [sublinhado nosso]:
“Na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordi­nário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amor­tização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diver­sas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em presta­ções autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida. As quotas de amortização representam assim pagamentos parciais do capital devido.”

E acrescenta pág. 128):
“A estipulação de um plano de amortização do capital, de forma periódica, assente na individualização de duas fracções, uma relativa ao capital em dívida e outra relativa aos juros devidos a título de remuneração do capital – a pagar conjuntamente – indicia o preenchimento da situação prevista na referida alínea e) do artigo 310º do CC e prejudica a aplicação do prazo ordinário de prescrição, de vinte anos. A teleologia, que justifica a razão de ser das quotas de amortização, aconselha, pela mesma ordem de ideias, a existência de um prazo prescricional de curta duração, aplicável a cada prestação que se vença considerada individualmente, como obrigação autónoma”
E reforçando (pág.128-129) refere:
O preenchimento da situação contemplada na alínea e) obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular, é relevante o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada qual sujeita a um prazo prescricional privativo, de cinco anos.
Constituem, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.

Quanto á jurisprudência e depois de alguma divergência jurisprudencial, o STJ, através do AUJ n.º 6/2022, publicado no DR n.º 184/2022, I.ª SÉRIE DE 22-09-22, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:
I - No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art. 310.º, al. e), do CC, em relação ao vencimento de cada prestação.
II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art. 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incindindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
Importa, no entanto, ver o caminho percorrido pelo Acordão em referência.
Assim e em primeiro lugar e quanto à questão de saber se a imediata exigibilidade tem implicações no prazo prescricional, considerou-se (sublinhados nossos):
“A considerar-se, como em diversas decisões das Relações (…), que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artº 309º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol.107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant).
Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam.
Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.”

Em segundo lugar e quanto ao âmbito de aplicação da alínea e) do art.º 310º considerou-se:
“Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o art.º 310.º al. e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis.
“Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artº 310º”.
Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.”
Finalmente colocou-se a questão de saber “se a prescrição incide sobre cada uma das prestações de capital (tendo como termo inicial o vencimento dessas mesmas prestações de acordo com o plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes) ou, no reverso, se a prescrição se reporta à integralidade da obrigação em dívida (tendo como termo inicial a data do incumprimento pelo devedor, enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido – art.º 306.º n.º1 1.ª parte do Código Civil).”

E depois da recensão de várias posições jurisprudenciais, considerou-se:
“Pode, todavia, apontar-se unanimidade nas apontadas decisões, em vista de afastar a aplicação do prazo prescricional ordinário, do art.º 309.º do Código Civil, à quantia resultante do vencimento antecipado das prestações, por via do exercício do direito a que se reporta o art.º 781.º do Código Civil.

Nesse sentido, pode também dizer-se que o Supremo Tribunal de Justiça tem aceite que:
- No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
- Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”

4.2. Da situação dos autos
Previamente impõe-se observar que a divida exequenda, como confessado pela exequente/embargada/recorrente diz respeito, apenas, ao contrato de mutuo celebrado a 14 de setembro de 2005 tendo por objecto a quantia de € 25.000,00.

Como decorre da factualidade provada, no documento complementar à escritura pública de 14 de setembro de 2005, consta sob a cláusula:
- Quarta – (…) Durante o período de reembolso, capital e juros serão pagos em prestações mensais e sucessivas…
- Sétima: Todas as prestações são de reembolso de capital e pagamento de juros, são mensais e mantêm-se constantes, com os ajustamentos que vierem a justificar-se por efeito da aplicação das cláusulas desta escritura”.
Decorre desta factualidade que o reembolso da dívida foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.

Estamos, portanto, no caso dos autos e à luz do supra exposto, perante uma situação enquadrável na alínea e) do art.º 310º do CC, como defende a executada/embargante/recorrente e não perante uma situação enquadrável no art.º 309º do CC, como defende a exequente/embargada/recorrente.
Avançando
Para garantia do referido empréstimo foi constituída hipoteca sobre a Fração designada pelas letras “…”, do prédio urbano, sito no Lugar da ..., freguesia de ..., concelho da Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o número … e inscrito na matriz urbana sob o artigo ....
E, além, disso, a embargante constitui-se fiadora e principal pagadora por tudo quanto viesse a ser devido no âmbito do referido empréstimo.
No âmbito de uma execução fiscal foi penhorada a fração autónoma acima referida.
A 10/04/2013 o exequente reclamou créditos no valor 85.287,34, a que vieram a acrescer juros calculados entre 11/4/2013 até 14/08/2013 no valor de € 1.166,90.
A factualidade provada não especifica os créditos reclamados.
Mas considerando ter ficado provado que a quantia porque foi adjudicado o imóvel pagou integralmente o montante em dívida do empréstimo referido no ponto 1 dos factos provados e parcialmente o empréstimo referido no ponto 2 dos factos provados, podemos concluir que a exequente/embargada/recorrente quando reclamou créditos no processo fiscal, fê-lo considerando exigíveis todas as responsabilidades.
O que, aliás, está em conformidade com a cláusula 20ª do documento complementar á escritura pública de mutuo de 14/09/2005 ( não cláusula 9ª como refere a exequente/embargada/recorrente, a qual respeita á variação da taxa de juro), onde consta: A execução, arresto, penhora ou outra qualquer forma de oneração ou alienação do bem ora hipotecado, assim como a falta de pagamento dos respectivos vencimentos, de qualquer das responsabilidades agora garantidas, importarão a imediata exigibilidade de todas as responsabilidades garantidas e, consequentemente, a imediata exequibilidade desta escritura”
Resulta desta cláusula que em consequência, nomeadamente, da penhora do imóvel, as responsabilidades que estiverem em dívida nesse momento tornar-se-ão imediatamente exigíveis, ou seja, devem ser cumpridas de modo imediato, incondicional e sem necessidade de interpelação, o que ademais decorre do facto de se conferir exequibilidade à escritura.
A referida cláusula está inserida no documento complementar anexo á escritura, o qual foi subscrito pela fiadora/embargante/recorrente ao abrigo da liberdade contratual e que, assim, é vinculativo para a mesma.
Mas como decorre do como decorre do AUJ n.º 6/2022, para efeitos de prescrição, exigibilidade imediata das prestações não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.
Neste conspecto improcede a alegação da exequente/embargada/recorrente de que o que está em causa nos autos é uma obrigação única a que se aplica o disposto no art.º 309º do CC.
A factualidade provada não nos diz quando é que o imóvel foi penhorado na execução fiscal.
Mas sabe-se que a exequente/embargada/recorrente reclamou créditos a 10/04/2013.
Destarte, pelo menos desde a referida data que a exequente podia exercer o seu direito de crédito contra a aqui fiadora (art.º 306º n.º 1 do CC).
Ficou provado que a executada/Embargante/recorrente não teve intervenção processual no processo de execução fiscal e de Reclamação de créditos.
E como dispõe o art.º 636º n.º 1 do CC a interrupção da prescrição relativamente ao devedor não produz efeito contra o fiador, a não ser que o credor interrompa a prescrição contra o devedor e disso dê conhecimento ao fiador.
Está provado que a exequente/embargada/recorrente reclamou créditos no processo fiscal intentado contra C. C..
A notificação dessa reclamação de créditos à devedora C. C. constitui facto interruptivo da prescrição quanto a ela, como decorre do disposto no art.º 323º n.º 1 do CC.
Porém, não só não foi alegada a data em que tal notificação ocorreu, como, além disso, a exequente/embargada/recorrente não alegou tivesse dado conhecimento dessa reclamação de créditos e da notificação da mesma à ali executada, à aqui embargante, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 636º n.º 1 do CC.
A exequente invocou que enviou diversas cartas à aqui executada.
Porém em nenhuma delas consta a comunicação da reclamação de créditos e da notificação da ali executada à aqui embargante.
Assim na carta de 15 de maio de 2013 a aqui exequente/embargada/recorrente informa que o contrato com o n.º ……..8 está em incumprimento no valor total de € 99,81 e reclama o pagamento até 23/05/2013.
A carta de 17/05/2013 informa que o mesmo contrato de financiamento está em dívida no valor de € 53,65 e solicita o pagamento.
A carta de 22 de Maio de 2013 comunica que contrato se encontra em fase de contencioso e que, a menos que seja paga a quantia em dívida - € 52.12 – o contrato se considera denunciado.
A carta de 21 de Junho de 2013 comunica que o contrato já se encontra em fase de contencioso e considera-se denunciado ou declarado o seu vencimento antecipado e que a exequente vai recorrer á via judicial.
Finalmente a carta de 29/07/2021 comunica o contrato foi denunciado e que foram dadas instruções para se proceder á cobrança da divida.
Não houve assim qualquer interrupção da prescrição quanto ao fiador.
A acção executiva contra, também, a fiadora, deu entrada a 25-09-2021.
Desde 10/04/2013 a 25/09/2021 decorreram 8 anos e 5 meses.
Neste conspecto, na data em que a exequente instaurou a execução, há muito que havia decorrido o prazo de 5 anos estabelecido na alínea e) do art.º 310º do CC, pelo que o direito de crédito reclamado pela exequente na acção executiva de que os presentes são apenso - a totalidade desse direito - está prescrito.
E isto é assim mesmo que se considere a data da adjudicação do imóvel – 14/08/2013.
Ou se considere a data da notificação da graduação de créditos que a exequente alega ser de 15/11/2013, facto que não está minimamente comprovado, mas que se considera apenas para efeito de raciocínio.

Neste conspecto:
a) a apelação da executada/embargante/recorrente deve ser julgada procedente e, por isso, a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare a prescrição da totalidade do direito de crédito reclamado pela exequente na acção executiva de que os presentes são apenso e, em consequência, extinta a execução na sua totalidade quanto à executada S. O..

E apenas quanto à executada/embargante porque, como refere José Lebre de Freitas, in Acção Executiva e Caso Julgado, acessível em http://www.oa.pt/upl/%7Bd7d8c8e7-0470-4607-9c33-4fea041db89f%7D.pdf, pág.s 233 e 234 ( sublinhado nosso):
“Um dos corolários da autonomia estrutural dos embargos de executado relativamente à acção executiva é a possibilidade de não serem as mesmas partes num e noutro processo. (…)
Em tal caso, a sentença proferida nos embargos de executado só é vinculativa entre o embargante (ou embargantes) e o exequente, não sendo os restantes executados abrangidos pela eficácia do caso julgado. Consequentemente, se os embargos forem julgados procedentes, só perante o embargante se produzirá, consoante o caso, o efeito directo de caso julgado da decisão da oposição de mérito ou de caso julgado formal (estendido apenas ao processo executivo) da decisão sobre pressupostos processuais. Os restantes executados, terceiros relativamente ao processo de embargos, não são abrangidos pela eficácia directa do caso julgado que nele se forma, pelo que as situações jurídicas de que são titulares se limitam a registar, se for caso disso, as repercussões indirectas que lhes possam caber segundo o direito substantivo, em nada mais lhe aproveitando a dedução dos embargos (…).”
b) a apelação da exequente/embargada/recorrente deve ser julgada totalmente improcedente.
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As custas em ambas as instâncias e em ambos os recursos devem ficar a cargo da exequente/embargada/recorrente, por vencida – art.º 527º n.º 1 do CPC.
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6. Decisão

Termos em que acordam os juízes que compõem a 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães em julgar:
- procedente a apelação da executada/embargante/recorrente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e declara-se a prescrição da totalidade do direito de crédito reclamado pela exequente na acção executiva de que os presentes são apenso e, em consequência extinta a execução na sua totalidade quanto à executada S. O.;
- improcedente a apelação da exequente/embargada/recorrente.
*
Custas em ambas as instâncias pela exequente/embargante/recorrente.
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Notifique-se
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Guimarães, 20/10/2022
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Juiz Desembargador Relator
- José Carlos Pereira Duarte
Juízes Desembargadores Adjuntos
- Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais
- José Fernando Cardoso Amaral