– O artigo 3º, n.º 3 da Lei da Nacionalidade deve ser interpretado no sentido de consignar como pressuposto da aquisição da nacionalidade o reconhecimento da existência da união de facto atestado em sentença proferida por tribunal judicial, cabendo a competência para tal acção na competência especializada atribuída ao juízo de família e menores, nos termos do art. 122º, n.º 1, g) da Lei de Organização do Sistema Judiciário.
I–RELATÓRIO:
A, solteiro, portador do cartão de cidadão n.º ........ 0..1, válido até ...-...-...., NIF ........., residente em Rua ..... ...... n.º 68 r/chão ..., em L____ e B, solteiro, portador do passaporte n.º ........ emitido pelo Estado de ......., NIF ........., residente em Rua ..... ..... n.º ...-r/chão ..., em L____ vieram intentar contra ESTADO PORTUGUÊS a presente acção declarativa de simples apreciação positiva, com processo comum formulando o seguinte pedido:
a)-A declaração de reconhecimento da união de facto entre A e B, com todos os efeitos jurídicos, como uma situação análoga à dos cônjuges, para efeitos de aquisição da nacionalidade, nos termos do art.º 3º, n.º 3 da Lei n.º 37/81 de 3 de Outubro.
Alegam que o autor A é solteiro, nasceu em Israel, em 15-04-1970, e adquiriu nacionalidade portuguesa e, por sua vez, o autor B, também solteiro, nasceu em Israel, em 29-05-1980, tendo passado a viver um com o outro, maritalmente, desde o ano de 2010, partilhando a mesma casa e cama, relacionando-se afectiva e sexualmente, viajam com os filhos e contribuem para as despesas da casa
O Ministério Público, em representação do Estado Português contestou a acção aceitando os factos provados por documentos e impugnando os demais, por não serem do seu conhecimento (cf. Ref. Elect. 30227555).
Em 29 de Março de 2022 foi proferido despacho que, atendendo aos factos alegados, a causa de pedir e o pedido formulado e o disposto no art.º 122º, n.º 1, g) da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto[1], convidou as partes a se pronunciarem, querendo, quanto à eventual verificação da excepção dilatória de incompetência material do Juízo Local Cível para conhecer os termos da acção (cf. Ref. Elect. 414404663).
Os autores vieram fazê-lo, por requerimento de 11 de Abril de 2022, pugnando pela não verificação de tal excepção, com base no estatuído no art.º 3º, n.º 3 da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade[2], considerando que dele decorre a competência do tribunal cível (cf. Ref. Elect. 32257115).
Em 15 de Maio de 2022 foi proferida a seguinte decisão (cf. Ref. Elect. 415635355):
“Da Competência Material
Os Autores apresentam a presente acção declarativa, peticionando “o reconhecimento da união de facto”, para efeitos de aquisição da nacionalidade.
Temos admitido ser o tribunal cível competente para as acções de reconhecimento da situação de união de facto para efeito de aquisição da nacionalidade; no entanto, após melhor estudo e ponderação, entendemos não ser este o Tribunal materialmente competente para tais acções.
No plano interno, a competência divide-se pelos diversos tribunais em função da matéria, da hierarquia, do valor, da forma do processo e do território – artigo 60.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e artigo 37.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Conforme disposto no artigo 65.º do Código de Processo Civil, as leis da organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos Tribunais e Secções dotados de competência especializada.
São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (artigos 64.º do Código de Processo Civil, 130.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário; vd., ainda, o artigo 209.º e seguintes da Constituição da República Portuguesa).
De acordo com a Lei da Organização do Sistema Judiciário, aos Juízos de Família e Menores compete, quanto à competência relativa ao estado civil das pessoas e família, preparar e julgar (artigo 122.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário):
“1– Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar:
a)-Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges;
b)-Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum;
c)-Ações de separação de pessoas e bens e de divórcio;
d)-Ações de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil;
e)-Ações intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966;
f)-Ações e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges;
g)-Outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família.
2– Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.”
Na anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro) não estava prevista qualquer atribuição de competência aos tribunais de família e menores quanto a questões relativas à união de facto, a que não será alheia a circunstância de a Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio (medidas de protecção das uniões de facto) ser posterior, sem que tenha sido prevista a respectiva competência em razão da matéria.
Por Acórdão de 08/10/2019, no Processo n.º 2998/19.6T8CBR.C1, disponível na Base de Dados da DGSI, in www.dgsi.pt, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu “I– A acção intentada com vista à obtenção do reconhecimento judicial da situação de união de facto, nos termos e para efeitos dos nos 2 e 4, do art. 14º, do DL nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro [“REGULAMENTO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA”], integra a previsão do art. 122º, nº1, al.g), da “LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO” [Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto - LOSJ]. II– É que, ao aludir a referida al.g) do nº 1 do art. 122º da LOSJ, a acções relativas ao “estado civil” das pessoas, o legislador utilizou tal expressão - na sua acepção mais restrita - atendendo ao seu significado na linguagem corrente e apenas para se reportar a situações em que esteja em causa o posicionamento das pessoas relativamente ao casamento, união de facto ou economia comum, mas sempre com o sentido e desiderato de abranger toda e qualquer acção que se relacione com essas situações e cuja inclusão nas demais alíneas pudesse, eventualmente, suscitar algum tipo de dúvida.”
No mesmo sentido, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-2018, no Processo n.º 590/18.1T8CSC.L1-6.
Atenta a sua natureza e características e as próprias normas aplicáveis, entendemos que efectivamente as acções de reconhecimento da situação de união de facto para efeito de aquisição da nacionalidade se incluem na competência material dos Tribunais de Família e Menores e não nos Tribunais Cíveis, cuja competência é residual.
Assim, a competência para apreciar e julgar a presente acção é do Tribunal de Família e Menores, nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º 1, al. g) da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
A incompetência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que pode ser arguida ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final (artigos 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).
A incompetência absoluta do Tribunal é uma excepção dilatória insuprível e constitui fundamento para indeferimento liminar ou absolvição do Réu da instância, nos termos conjugados dos artigos 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 99.º, 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, al. a), todos do Código de Processo Civil.
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Nestes termos e pelo exposto, julgo este Juízo Local Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente acção.
Valor da Acção: 30.000,01€ (trinta mil Euros e um cêntimo).
Custas do incidente a cargo dos Autores, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Registe e Notifique.”
Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respectivas alegações (cf. Ref. Elect. 32745069):
1.ª–O presente recurso vem interposto do despacho judicial, em que o Tribunal a quo, oficiosamente, se declarou incompetente em razão da matéria, para a tramitação e apreciação do mérito da presente acção de simples apreciação positiva de reconhecimento judicial da alegada situação de união de facto com nacional português – o Autor O...L... – tendo em vista a aquisição da nacionalidade portuguesa pelo Autor R... (R...) L... (M...L...) - este de nacionalidade estrangeira - por entender que esta acção, se enquadra na competência especializada do Tribunal de Família e Menores (e não na dos tribunais cíveis de competência meramente residual) com fundamento no disposto nos artºs 122º , nº 1, al. g), da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) (Lei 62/2013 de 26 de Agosto).
2.ª–Contudo, não lhe assiste razão.
3.ª–Entendimento diferente do supra enunciado é sufragado pelo Acórdão do S.T.J., proferido no Processo 286/20.4T8VCD.P1. S1. de 17/06/2021, em que é relator o Exm.º Senhor Juiz Conselheiro João Cura Mariano, acessível em www.dgsi.pt (cujos excertos mais relevantes se transcreveram em sede de alegação) em que se decidiu que a competência, em razão da matéria, para o julgamento das acções em que se pretende o reconhecimento de situação de união de facto com nacional português é dos tribunais civis.
4.ª–E concorda-se integralmente com o decidido no mencionado acórdão e respectivos fundamentos.
5.ª–Na verdade, conforme, ali, melhor se refere face à atribuição de competência (material) específica constante do n.º 3 do art.º 3º da Lei da Nacionalidade (Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril) aos tribunais cíveis para o reconhecimento da situação de união de facto com nacional português para o efeito de aquisição de nacionalidade portuguesa por cidadão estrangeiro ainda no período de vigência da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais aprovada pela Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro, de cujas regras gerais não resultava atribuição de competência material diversa da da Lei da Nacionalidade, norma aquela que foi mantida com a aprovação da Lei Orgânica do Sistema judiciário (por LOSJ) - em que as acções sobre o estado civil das pessoas e famílias passaram a ser da competência dos tribunais de Família e Menores - haverá que concluir que a norma constante do art.º 3.º nº 3 da Lei da Nacionalidade é norma especial relativamente às regras gerais de distribuição de competência dos tribunais judiciais.
6.ª–Não pode, por isso, considerar-se que, a identificada norma da Lei da Nacionalidade, foi tacitamente revogada pela regra geral do art.º 122 n.º 1 al g) constante da LOSJ já que a norma especial derroga a norma geral.
7.ª–Pelo que que ao excepcionar a sua incompetência material nos termos já enunciados o despacho recorrido padece de erro de julgamento, na determinação da norma aplicável, na medida em que o Tribunal a quo não aplicou o artigo 3º, nº 3, parte final, da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03/10, na redacção dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04) que é especial face norma de atribuição de competência inserta no art.º 122.º, n.º 1, al. g) da L.S.O.J., norma esta relativamente à que no despacho recorrido foi feita errada interpretação e aplicação, tendo, deste modo, sido violadas as mencionadas normas legais.
Pugna pela procedência do recurso e consequente revogação do despacho recorrido, devendo os autos prosseguirem no Juízo Local Cível.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II–OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[3], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não podendo o tribunal ad quem pronunciar-se sobre questões novas - cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 97.
Assim, perante as conclusões da alegação do apelante, o objecto do presente recurso consiste na apreciação da questão atinente à competência absoluta do tribunal, em razão da matéria, para conhecimento do objecto da causa.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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III–FUNDAMENTAÇÃO
3.1.–FUNDAMENTOS DE FACTO
Com relevo para a apreciação do recurso relevam as ocorrências processuais acima descritas.
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3.2–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A única questão que cumpre apreciar neste recurso é da competência para a apreciação das acções em que, como nesta, os autores pretendem o reconhecimento da situação de união de facto para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de um deles.
Trata-se de questão que não tem recebido resposta unânime por parte da jurisprudência, sendo que, se até meados do ano de 2021 os tribunais superiores pareciam propender para o entendimento de que caberia ao juízo de família e menores a competência para a apreciação deste tipo de acções, atento o estatuído no art.º 122º, n.º 1, g) da LOSJ, após a prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-06-2021, no processo 286/20.4T8VCD.PISI[4][5],constata-se uma inversão nessa jurisprudência que, aderindo aos fundamentos aduzidos em tal aresto, vêm entendendo que a competência para uma tal acção pertence aos juízos cíveis e não aos juízos de família e menores.
A ora relatora e primeira adjunta tiveram já oportunidade de tomarem posição nesta discussão, no contexto do acórdão proferido em 15 de Dezembro de 2020, no processo º 370/20.8T8MFR.L1, desta Relação e secção, cuja orientação aqui se seguirá, adiantando, desde já, não se descortinarem razões bastantes para modificar tal entendimento não obstante as razões aduzidas no mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
Os tribunais judiciais no exercício da sua função jurisdicional de administração da justiça têm a sua competência regulada primacialmente pela Constituição da República Portuguesa, de acordo com a sua categoria e as suas instâncias, podendo estas ser especializadas por matérias – cf. art.ºs 202º, n.º 1, 209º, 210º e 211º da Constituição da República Portuguesa e ainda pela lei ordinária, sobremaneira a LOSJ, e pelo CPC, de onde decorre a repartição atenta a matéria, o valor, a hierarquia e o território (cf. art.ºs 64º, 66º, 67º a 69º e 70º a 95º do CPC), com primazia da LOSJ no caso de infracção das regras de competência material (cf. art. 65º do CPC).
Nos termos do artigo 211º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
Dispõe o art. 64º do CPC que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Sobre a extensão e limites da competência estatui o art. 37.º da LOSJ nos seguintes termos:
“1–Na ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território.
2–A lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais.”
Em consonância, art. 60.º do CPC dispõe:
“1.–A competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código.
2.– Na ordem interna, a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, o valor da causa, a hierarquia judiciária e o território.”
Quanto à competência em razão da matéria, o regime regra está consagrado no art. 40.º da LOSJ:
“1–Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
2– A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada.”
Este regime encontra correspondência na previsão dos art.ºs 64º e 65º do CPC.
A competência do tribunal em razão da matéria determina-se por referência à data da instauração da acção e afere-se em razão do pedido e da causa de pedir tal como se mostram estruturados na petição inicial – cf. art. 38º, n.º 1 da LOSJ.
“O requisito da competência resulta do facto de o poder jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por numerosos tribunais. Cada um dos órgãos judiciários, por virtude da divisão operada a diferentes níveis, fica apenas com o poder de julgar num círculo limitado de acções, e não em todas as acções que os interessados pretendem submeter à sua apreciação jurisdicional. A competência abstracta de um tribunal designa a fracção do poder jurisdicional atribuída a esse tribunal. A competência concreta do tribunal, ou seja, o poder de o tribunal julgar determinada acção, significa que a acção cabe dentro da esferade jurisdição genérica ou abstractado tribunal.”–cf. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Actualizada, 1985, pág. 195.
A competência em razão da matéria distribui-se por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia entre si (de subordinação ou dependência).
A infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, como decorre do estatuído no art. 96º, a) do CPC.
Para que o tribunal possa decidir sobre o mérito ou fundo da questão é necessário que seja competente. Daí que a competência, sobremaneira a competência em razão da matéria, constitua um pressuposto processual cuja apreciação deve necessariamente preceder a questão do mérito da causa.
Constitui também entendimento estabilizado que tal pressuposto se afere pela forma como o autor configura a acção, sendo esta definida pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes, sem prejuízo de não estar o tribunal adstrito, neste domínio, às qualificações que autor e/ou réu tenham atribuído à definição do objecto da acção.
É assim que, na fixação da competência do Tribunal, em razão da matéria, se deve atender à natureza da relação jurídica material em debate na perspectiva apresentada em juízo, para o que haverá que considerar os termos em que a acção se encontra proposta – seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes), seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se reclama a tutela judiciária, o acto ou o facto de onde terá dimanado esse direito e, enfim, a qualificação dos bens em disputa) – cf. Manuel de Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1956, páginas 88 e 89 apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-04-2015, processo n.º 197/14.2TTALM.L1.S1.
O Tribunal recorrido – Juízo Local Cível de Lisboa (J21) - julgou-se incompetente para conhecer do mérito da presente acção por entender que, nos termos do art. 122º, n.º 1, g) da LOSJ, competirá aos juízos de família e menores conhecer das questões relativas à união de facto, sendo que na anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais[6], aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, não se encontrava previsão idêntica à constante da norma supra mencionada, o que se justifica, desde logo, pela circunstância de a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que aprovou medidas de protecção das uniões de facto, ser, como é evidente, posterior àquela LOFTJ, daí que não pudesse ter previsto essa competência.
O art. 130.º, n.º 1, da LOSJ estipula que “os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada.”
Assim, tal como sucede na delimitação entre a competência dos tribunais judiciais perante outra ordem jurisdicional, também a competência dos juízos locais cíveis e de competência genérica é definida por via residual, isto é, cabendo-lhes a competência material caso a acção não seja da competência dos juízos especializados.
Com efeito, a competência material é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual, e, segundo este último critério, serão da competência dos juízos cíveis e de competência genérica todas as causas que não sejam legalmente atribuídas a juízo especializado.
Assim, a questão de saber se o Juízo Local Cível de Lisboa detém ou não competência para preparar e julgar a presente acção, reconduz-se à questão de saber se este tipo de acção não está legalmente atribuído a qualquer juízo ou tribunal de competência territorial alargada e, mais concretamente, aos juízos de família e menores.
Os juízos de família e menores são de juízos de competência especializada (os tribunais de comarca), conforme o disposto nos art.ºs 40º, n.º 2 e 81º, n.ºs 1 e 3, alínea g) da LOSJ, dispondo o art.º 122º deste diploma legal (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro), sob a epígrafe de “Competência relativa ao estado civil das pessoas e família”, o seguinte:
“1–Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar:
a)- Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges;
b)-Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum;
c)-Ações de separação de pessoas e bens e de divórcio;
d)-Ações de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil;
e)-Ações intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966;
f)-Ações e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges;
g)- Outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família.
2–Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.”
Impõe-se, assim, determinar se a presente acção pode ser integrada em alguma das alíneas do n.º 1 do art. 122º da LOSJ (não se cogitando que possa estar abrangida na competência atribuída aos juízos de família e de menores enunciada nos art.ºs 123º e 124º dessa lei).
Os autores/apelados afirmam expressamente na sua petição inicial que pretendem obter o reconhecimento judicial da situação de união de facto para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa pelo autor A, com nacionalidade israelita e búlgara.
A nacionalidade constitui um vínculo jurídico-político que expressa uma ligação entre um determinado indivíduo e uma dada nação.
Como refere Paulo Manuel Costa, in Oposição à aquisição da nacionalidade: A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional, pág. 45, “Na lógica do Estado-nação, em que o aparelho estadual concretiza a aspiração da nação ao exercício do poder político soberano, a nacionalidade resultará numa ligação exclusiva com um determinado Estado em concreto, a qual fundamentará, por exemplo, a atribuição de um determinado conjunto de direitos e deveres de cidadania”[7]
Para além da previsão dos casos de nacionalidade originária, a lei prevê diversos modos de aquisição da nacionalidade, dando prevalência, consoante as situações, aos critérios usualmente considerados nesta matéria e a que subjazem as opções legislativas: “ius sanguinis” (que atende aos laços de descendência comum existentes entre os membros da nação) ou “ius solii” (que valoriza a relação estabelecida entre o indivíduo e o território através do nascimento, residência).
Neste âmbito, o art.º 3º da LN prescreve:
“1–O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio. […]
3– O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após acção de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.”
Afere-se, pois, uma diferença quanto à aquisição da nacionalidade portuguesa quando esta se baseie no casamento ou na união de facto, pois que no primeiro caso basta a declaração de vontade do cônjuge estrangeiro casado com português há mais de três anos e no segundo, para além da declaração de vontade nesse sentido e da vivência, à data da declaração, em situação de união de facto há mais de três anos com nacional português, é também necessário que tal situação seja comprovada por “acção de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível”.
O art. 14º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro[8], sob a epígrafe “Aquisição em caso de casamento ou união de facto mediante declaração de vontade” estatui nos seus números 2 e 4:
“[…] 2- O estrangeiro que coabite com nacional português em condições análogas às dos cônjuges há mais de três anos, se quiser adquirir a nacionalidade deve igualmente declará-lo, desde que tenha previamente obtido o reconhecimento judicial da situação de união de facto. […]
4- No caso previsto no n.º 2, a declaração é instruída com certidão da sentença judicial, com certidão do assento de nascimento do nacional português, sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do artigo 37.º, e com declaração deste, prestada há menos de três meses, que confirme a manutenção da união de facto.”
Assim, apenas em caso de união de facto e para efeitos de aquisição da nacionalidade é exigido o reconhecimento de tal situação por via judicial, pois que, quanto ao casamento, o próprio assento actua como prova documental bastante.
O art. 1º, n.º 2 da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adoptou medidas de protecção da união de facto, define-a como sendo “a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”.
Deste modo, o propósito da presente acção intentada pelos apelados é o de cumprirem com a exigência do art. 14º, n.º 2, parte final do RNP, relacionada com o reconhecimento judicial da situação de união de facto, o que está em consonância com o disposto no art. 2º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio[9], sendo necessário o recurso à acção judicial de simples apreciação positiva.
A questão é, pois, a de saber se esta acção é susceptível de integrar a alínea b) ou g) do n.º 1 do art. 122º da LOSJ (pois que com nenhuma outra dessas alíneas a causa de pedir apresenta qualquer conexão).
Na alínea b) alude-se aos processos de jurisdição voluntária atinentes a situações de união de facto ou de economia comum, relativamente à qual vem sendo entendido que a sua previsão pressupõe a tramitação de acção com a natureza de processo de jurisdição voluntária[10].
Os processos de jurisdição voluntária estão regulados no Título XV do Livro V (Dos processos especiais) do CPC (art.º 986º e seguintes), não se descortinando em nenhum dos ali previstos ou em qualquer outra legislação avulsa, um procedimento de jurisdição voluntária que vise a apreciação e o reconhecimento judicial, por si só, de uma situação de união de facto, para além do que sempre careceria de razoabilidade a sujeição da acção a critérios de oportunidade, que não de legalidade (cf. art. 987º do CPC) ou que a respectiva decisão fosse passível de alteração (cf. art.º 988º do CPC).
Assim, cumpre indagar se esta acção pode ser entendida como uma acção relativa ao estado civil das pessoas e família.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-2018, processo n.º 590718.1T8CSC.L1, a jurisprudência tem-se revelado de alguma forma consensual, quanto ao conceito de estado civil mencionado naquela norma ter sido empregue no seu sentido restrito, isto é “atendendo ao seu significado na linguagem corrente e apenas para se reportar a situações em que esteja em causa o posicionamento das pessoas relativamente ao casamento, união de facto ou economia comum, introduzindo a citada alínea, de carácter mais genérico e abrangente, no sentido de abranger toda e qualquer acção que se relacione com essas situações e cuja inclusão nas demais alíneas pudesse, eventualmente, suscitar algum tipo de dúvida”.
Mais se refere nesse mesmo aresto, que o Supremo Tribunal de Justiça já deu nota no sentido de que os tribunais de família foram criados como sendo vocacionados para o conhecimento de acções que abordem o ramo do Direito da Família (dentro do Direito Civil), ou seja, tais tribunais terão competência especializada relativamente às acções em que há lugar à aplicação de normas de Direito da Família, como sucede no âmbito das acções relativas às situações de união de facto, em que se aplicam normas como a do art. 1793º do Código Civil (atribuição da casa demorada de família) ex vi art. 4º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio e do art. 2020º daquele Código, pelo que esta acção estaria abrangida pela aludida alínea g) do n.º 1 do art. 122º da LOSJ.
Como se refere na decisão recorrida, essa vinha sendo a jurisprudência seguida pelos Tribunais da Relação, de que é exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-06-2020, desta mesma secção, processo n.º 23445/19.8T8LSB.L1-7, onde se explanaram de modo amplamente fundamentado as razões da integração do conhecimento desta acção na competência do juízo especializado de família e menores, do seguinte modo:
“O conceito de «estado civil» costuma ser utilizado, tanto em sentido restrito, como em sentido lato.
Para Ana Prata «estado civil» é «uma situação integrada pelo conjunto das qualidades definidoras do estado pessoal que constam obrigatoriamente de registo civil, sendo o estado pessoal a situação jurídica da pessoa, no que toca, entre outras, à idade (menoridade, maioridade, emancipação), relações familiares (casado, solteiro, divorciado, viúvo), relações com o Estado (nacional, estrangeiro, naturalizado, etc.), à situação jurídica (interdito, inabilitado).»
Para Pedro Pais de Vasconcelos, define esse mesmo conceito como a expressão da condição jurídica da pessoa, enquanto maior ou menor, capaz ou incapaz.
Para Neves Ribeiro, as ações sobre o estado das pessoas pressupõem um facto registado, que tem subjacente uma declaração de vontade capaz de ter eficácia modificativa, extintiva ou constitutiva de estado civil.
O Assento nº 1/92 entende as ações sobre o estado das pessoas como aquelas cuja procedência se projeta sobre o estado civil de alguém – divórcio, separação de pessoas e bens, investigação de paternidade, impugnação de legitimidade, interdição, impugnação de impedimentos para o casamento, autorização para o casamento (…).
Por sua vez, João de Castro Mendes, refere-se ao conceito de estado pessoal ou civil, num sentido global que abrange o conjunto de qualidades das pessoas que revistam as características que se inscrevem no registo civil ou que a doutrina repute de relevância jurídica igual à dessas.
O referido conceito pode ainda ser usado numa aceção mais particularizada em que se chama estado a cada uma dessas qualidades (estado de filho legítimo, estado de maior, etc.), ou seja, abrangendo apenas as qualidades que resultam da posição face ao matrimónio.
Este Autor refere como exemplo de um estado civil, o de interdito, porque consta obrigatoriamente do registo civil.
Temos, assim, que na sua aceção mais restrita o conceito de estado civil abrange a posição da pessoa face ao matrimónio (solteiro, casado, divorciado, separado, viúvo) e está usado nomeadamente nos arts. 7º, nºs 1 e 2; 69º, al. n), 220º-A, 126º, nº 1 als. a) e b), 132º, nº 2, e 136º, nº 2 al. a), todos do Código de Registo Civil.
Já o seu conceito mais amplo abrange os factos sujeitos a registo, e está usado no art. 211.º do mesmo Cód. de Registo Civil.
Sem embargo do que acaba de expor-se, constata-se que nos diplomas que têm regulado a competência especializada dos Tribunais de Família, nomeadamente a Lei n.º 52/2008, de 28/02, e a atual LOSJ, sempre se previu como requisito da competência dos mesmos, o conhecimento de ações que versassem sobre o Direito da Família enquanto ramo do Direito Civil.
Tal como afirmado no Ac. da R.C. de 24.04.2016, […] ao aludir, na al. g) do nº 1 do art. 122º da LOSJ, a propósito das ações relativas ao estado civil das pessoas, o legislador utilizou tal conceito na sua aceção mais restrita, considerando o seu significado na linguagem corrente e apenas para se reportar a situações em que esteja em causa o posicionamento das pessoas relativamente ao casamento, união de facto ou economia comum, introduzindo a citada alínea, de carácter mais genérico e abrangente, no sentido de abranger toda e qualquer ação que se relacione com essas situações e cuja inclusão nas demais alíneas pudesse, eventualmente, suscitar algum tipo de dúvida.
Mais significativo ainda é o entendimento do S.T.J., no citado Ac. de 13.11.2012, ao constatar que os Tribunais de Família, desde o momento inicial da sua criação, pela Lei n.º 4/70, de 29.04, sempre se mostraram pensados ou vocacionados para o conhecimento de ações que versem o ramo do Direito Civil do Direito da Família.
Ou seja, a longa tradição, que de há muito se mostra sedimentada, é a de atribuir àqueles tribunais, de competência especializada, a competência para a preparação de julgamento em que há lugar à aplicação de normas de direito da família.
Ora, a realidade jurídica portuguesa revela que, presentemente, a união de facto integra o Direito da Família.
A este propósito refere Jorge Duarte Pinheiro que «falar de turbulência para exprimir o estado actual do Direito da Família é capaz de ser, afinal, um eufemismo. Já não é correcta a ideia de que se está perante um ramo que regula a instituição “família”, entendida como o grupo de pessoas unidas por relações jurídicas familiares. O objecto do Direito da Família alargou-se de forma a englobar as relações familiares nominadas, ditas parafamiliares, v.g., a união de facto.».
Mais categórica é ainda Rossana Martingo Cruz, ao afirmar que o conceito de família «não é estanque daí que esteja sempre recetivo a fenómenos que pela sua evidência social mereçam o seu abrigo. (...)
A união de facto atingiu uma proeminência tal que a sua aceitação social como entidade familiar não parece posta em causa. Já a aceitação jurídica ainda não logrou, na nossa ótica, o ponto ótimo de equilíbrio que poderia atingir. Contudo, não deixa de se salientar alguma inclinação do legislador ordinário para considerar a união de facto como família quando, no disposto no n.º 2 do art. 46.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, exara que para efeitos de acolhimento familiar, “(...) considera-se que constituem uma família duas pessoas casadas entre si ou que vivam uma com a outra há mais de dois anos em união de facto (...)”. Ou seja, para a integração de uma criança numa família, a união de facto cumpre o modelo exigido. Pois, para o seu saudável e harmonioso desenvolvimento uma família é indiferente se esta é unida pelo casamento ou se é uma vivência em condições análogas a este. A sua essência é a mesma e, como tal, está igualmente apta a favorecer a realização pessoal de quem a integra.
Na maioria das vezes, a realização do cidadão ocorre (também) no seio da família, por isso a vida familiar deve ser enaltecida e protegida. Nesta senda o art. 16.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que “A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado.”. Cabe ao Estado fomentar diferentes formas de vivência em família, sem a fazer depender unicamente de conceitos jurídicos espartilhados que a realidade vai ultrapassando.».
Ainda segundo a mesma Autora, «(...) em Portugal a qualificação da união de facto como relação familiar era questão controvertida. Não se ignora que a taxividade do art. 1.576.º [do Código Civil] cria alguns embaraços, uma vez que esta convivência não consta do elenco das relações jurídico-familiares.
(...) Entendemos que a união de facto é uma relação familiar mesmo não constando do elenco das fontes jurídico-familiares do art. 1.576..
(...) A partir do momento em que a Constituição passa a proteger a união de facto, no n.º 1 do art. 36.º, dever-se-á considerar igualmente familiar.».
À luz do que antecede, não parece que subsistam grandes dúvidas no sentido de que o tribunal a quo, o Juízo de Família e Menores […] é o materialmente competente para preparar e julgar a presente ação.
É o Juízo de Família e Menores de […], enquanto tribunal de competência especializada, o materialmente competente para preparar e julgar ações em que há lugar à aplicação de normas de Direito da Família.
Conforme vertido no Ac. da R.P. de 05.02.2015, Proc. n.º 13857/14.9T8PRT.P1 (Joaquim Correia Gomes), […], por certo o legislador pretendeu abranger o «carácter fluído e flexível que hoje caracteriza a vida familiar, uma vez que esta não se restringe ao laços decorrentes do casamento, como sucede quando os progenitores não estão casados entre si, podendo essa relação ser ou não estável (…)», sabendo-se que se está «perante uma diversidade constitutiva da família e de distintos níveis de relacionamento da vida em família, que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) tem vindo a reconhecer a partir do artigo 8.º da CEDH», razão porque «a leitura mais consistente do segmento normativo em causa ao referir-se a “outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família” se reporta às condições ou qualidades pessoais que têm como fonte as relações jurídicas familiares, incluindo as resultantes das uniões de facto (…) de modo a individualizar ou a concretizar a situação jurídica pessoal familiar, tendo em atenção a natureza complexa e multinível que actualmente tem a família.»
Reiterando, não subsistem, pois, quaisquer dúvidas no sentido de que a situação sub judice se enquadra na previsão da al. g) do n.º 1 do art. 122.º da LOSJ […]”
Perante a construção jurídica delineada e fazendo apelo à natureza das questões familiares cujo conhecimento vem sendo integrado no âmbito da competência dos juízos de família e menores, não se descortinam razões para divergir deste entendimento no que à questão aqui em apreço diz respeito, pois que ao se reportar ao “estado civil das pessoas e família”, o legislador terá pretendido abranger, em toda a sua amplitude e nuances, o contexto da vida familiar, não se restringido aos laços decorrentes do casamento, mas sim a todos os tipos de relacionamentos que podem caber no conceito de família, em conformidade, aliás, com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por referência ao artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem[11] [12].
Ora, se a união de facto deve hoje ser integrada na categoria de instituição familiar, cujo âmbito se mostra alargado em consequência da transformação da realidade sociológica, a que o legislador não ficou indiferente ao aprovar as leis extravagantes que extravasaram do prescrito no art.º 1576º do Código Civil[13], não se afigura admissível uma interpretação desactualizada e desconforme com a realidade social vigente, que retirasse a união de facto do âmbito das relações jurídicas familiares e, por consequência, do manto do Direito da Família.
Isto por um lado.
Por outro, a circunstância de os recorridos pedirem o reconhecimento da existência de uma situação de união de facto unicamente com vista a adquirir a nacionalidade portuguesa, fim que não contende com as relações de família, não afasta a afirmada natureza familiar da união de facto, pelo que tal característica não se modifica em função da finalidade com que o seu reconhecimento judicial é formulado. Assim, estará sempre em discussão, neste tipo de acção, uma matéria relativa ao estado civil e à família, pelo que se tende a afirmar a competência material para preparar e julgar a acção como competindo a um juízo de família e menores, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea g), da LOSJ.
Tem sido este o entendimento seguido em diversa jurisprudência dos tribunais superiores de que são exemplo os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-2018, processo n.º 590/18.1T8CSC.L1-6; do Tribunal da Relação de Coimbra de 8-10-2019, processo n.º 2998/19.6T8CBR.C1, de 31-03-2020, processo n.º 136/20.1T8CBR.C1, de 23-06-2020, processo n.º 610/20.0T8CBR-B.C1 e de 15-07-2020, processo n.º 160/20.4T8FIG.C1; do Tribunal da Relação do Porto de 26-04-2021, processo n.º 12397/20.1T8PRT.P1 e de 28-10-2021, processo n.º 5202/21.3T8PRT.P1; e do Tribunal da Relação de Évora de 9-09-2021, processo n.º 2394/20.2T8PTM-A.E1.
Embora já anteriormente existisse alguma jurisprudência no sentido de que a competência para esta acção cabia ao juízo cível e não ao juízo de família e menores[14], seguro é que a modificação do entendimento que vem sendo adoptado pelos tribunais superiores[15] assenta na fundamentação aduzida pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 17 de Junho de 2021, no processo n.º 286/20.4T8VCD.P1.S1, onde se concluiu que decorre do disposto no art.º 3º, n.º 3 da LN a atribuição de competência específica ao juízo cível, pelo que os tribunais de família e menores não são competentes para julgar as acções de reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa, para o que aduziu a seguinte ordem de razões:
Mais do que isso, não sendo a LN a sede legal própria para delimitar a competência material dos juízos dos tribunais judiciais, afigura-se mais plausível admitir que a alusão a “tribunais cíveis”, não visa regular tal matéria, quando o local próprio para o efeito é a LOSJ e, além do mais, não sendo crível que, sabendo-se que a alusão a “outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família” não deve ser restringida em termos de nela não se incluir a apreciação da existência de união de facto, porque, no contexto actual, à luz do princípio da igualdade e do direito fundamental a constituir família, também esta deve ser considerada fonte de relações familiares[16], não pode aceitar-se, face à delimitação actual da competência material dos juízos de família e menores operada pela LOSJ, uma interpretação que retira a estes juízos a competência para conhecer de uma questão que implica a aplicação das regras do Direito da Família, estritamente pela singela razão de a finalidade última ser a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Em abono desta tese, veja-se, com pertinência, o voto de vencido proferido pelo Exmo. Sr. Desembargador Pedro Martins, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-04-2022, processo n.º 26016/21.5T8LSB.L1[17]:
“Se os autores tivessem pedido, sem mais, que o Estado fosse condenado a reconhecer que eles viviam em união de facto (e esta pretensão, só por si, preenche o pressuposto do interesse em agir), o tribunal materialmente competente para o efeito seria o tribunal de família, por força do artigo 122/1-g da LOSJ, já que a união de facto é uma das formas que as pessoas têm de constituir família [várias posições doutrinárias neste sentido são referenciadas em (P) do acórdão do TRL de 24/10/2019, processo 2403/19.8YRLSB].
Se os autores juntassem essa sentença numa acção de aquisição de nacionalidade de forma a, com ela, preencherem o requisito de sentença judicial resultante de uma acção de reconhecimento da união de facto (artigo 3/3, da Lei 37/81, de 03/10, na redacção já de 2006), não haveria qualquer razão aceitável para que o tribunal recusasse a sentença.
Só haveria uma razão formal, qual seja, a de que a norma da lei da nacionalidade diz que a sentença teria de ser proferida numa acção interposta no tribunal cível. Mas isto não tem qualquer justificação material, antes pelo contrário: é o tribunal de família que, naturalmente, tem mais competência (no sentido de saber especializado) para aplicar as normas de direito de família, entre elas as que estabelecem os requisitos para que haja uma união de facto protegida.
Aliás, entender que a norma do art. 3/3 da Lei da nacionalidade, exige (para preencher o requisito da sentença de reconhecimento) uma sentença de um tribunal cível, recusando a de um tribunal de família, no âmbito de uma acção que tem de aplicar normas do direito de família, para além de contrariar as normas que visam uma maior especialização dos tribunais, é fazer dela uma interpretação inconstitucional, porque teria o resultado de discriminar entre as várias formas de constituir família, contra o disposto na primeira parte do n.º 1 do art. 36 da CRP. Seria o mesmo que dizer que a união de facto é uma forma menos boa de constituir família ou que dá origem a uma família de menor qualidade, que não merece sequer que as acções que lhe digam respeito sejam tratadas pelo tribunal mais competente para o efeito, ao contrário das famílias constituídas por casamento.
De resto, o art. 3/3 da Lei da nacionalidade pode ser interpretada em conformidade com a Constituição, como indicando qual o tribunal onde a acção de reconhecimento deve ser proposta, mas sem permitir a recusa de uma sentença judicial que reconhecesse a união de facto e tivesse sido proferida num tribunal de família. De resto, até bastaria interpretar aquela norma de forma correctiva, pondo-a também de acordo com a Constituição, pois que a lei terá querido apenas afastar a competência dos tribunais administrativos, tendo querido dizer que os tribunais judiciais seriam os competentes, apesar de ter escrito tribunais cíveis (neste sentido, repare-se que o art. 14/4 do regulamento da lei da nacionalidade, fala só numa sentença judicial, não numa sentença cível).
Pelo que, seguiria a posição […] de que o tribunal de família é competente para a acção em causa, mesmo que os autores digam que ela visa preencher um dos requisitos da lei da nacionalidade.”
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-12-2021, processo n.º 12142/20.1T8LSB.L1-2 (que seguiu o entendimento plasmado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2021) afastou-se o argumento de que o legislador não poderia pretender atribuir a juízos de natureza diversa a competência material para preparar e julgar acções de reconhecimento da existência de uma situação de união facto consoante tivessem por finalidade adquirir a nacionalidade portuguesa ou outra qualquer finalidade, sendo que estas últimas sempre cairiam no âmbito de aplicação da alínea g) do n.º 1 do art.º 122º da LOSJ, afirmando que “atenta a específica finalidade das presentes ações – destinadas a impor um reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista ao escopo de atribuição da nacionalidade portuguesa – encontra-se plenamente justificada a opção normativa seguida pelo legislador”.
Não se descortina, contudo, qual a evidência de tal justificação pela singela razão de os autores pretenderem com o reconhecimento da união de facto obter o efeito de aquisição da nacionalidade, nem se vislumbra que tal finalidade específica justifique, por si só, a opção pelo tribunal cível. Aliás, estando subjacente à exigência do reconhecimento judicial da situação de união de facto um interesse nacional e público, pois que através daquela se adquire também a cidadania europeia e os benefícios correspectivos e, bem assim, outros de natureza social, política ou civil, dir-se-ia que o juízo de família, enquanto tribunal especializado, está directamente vocacionado para o apuramento de questões dessa natureza, cujas regras aplicáveis não divergem pela simples circunstância de se pretender, em última instância, obter a aquisição da nacionalidade.
Também não se afigura justificável entender que um tribunal especializado, como é o juízo de família, estará menos apetrechado para salvaguardar o interesse nacional e público, sempre subjacente às exigências legais inerentes ao procedimento para aquisição de nacionalidade.
Não se questiona que o legislador pode contrariar as regras gerais da competência dos diferentes tribunais judiciais, estipulando uma competência específica para um determinado tipo de acção. Mas tê-lo-á querido fazer neste caso? Numa situação e num contexto legislativo em que nem sequer se colocava a possibilidade de integrar na competência do tribunal de família a concreta questão em referência?
Por outro lado, para além do elemento literal (cf. art.º 9º do Código Civil), o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a lógica, entre eles: o elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; o elemento sistemático, que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; o elemento racional ou teleológico, que atende ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, a sua razão de ser (ratio legis).
Se a razão de ser da menção a tribunais cíveis é a de afastar a competência dos tribunais administrativos para a apreciação desta questão, como se tem admitido, e se se tiver em conta que a norma do art.º 3º, n.º 3 da LN se insere no capítulo atinente à “Aquisição da nacionalidade”, conforme a respectiva epígrafe, integrado no TÍTULO I (“Atribuição, aquisição e perda da nacionalidade”), onde não mostra propriamente regulado o procedimento para a aquisição da nacionalidade (vertido no RNP), tal menção não impressiona em ordem a nela configurar uma norma de atribuição de competência específica, tanto mais que, como se referiu, não se afigura plausível que o legislador, em face do interesse público subjacente, tenha entendido o tribunal cível como o melhor vocacionado para a apreciação da existência e reconhecimento de uma situação de união de facto.
Assim, aderindo às razões supra referidas e à pertinente argumentação do voto de vencido supra transcrito, crê-se que é de manter o entendimento de que o art.º 3º, n.º 3 da LN deve ser interpretado de modo a admitir como pressuposto da aquisição da nacionalidade o reconhecimento da existência da união de facto atestado em sentença proferida por tribunal judicial, cabendo a competência para tal acção na competência especializada atribuída ao juízo de família e menores, nos termos do art. 122º, n.º 1, g) da LOSJ.
Importa, assim, julgar improcedente o presente recurso e confirmar a decisão recorrida, que julgou o Juízo Local Cível de Lisboa incompetente, em razão da matéria, para a apreciação da causa.
*
Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais[18] considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O recorrente decai em toda a extensão quanto à pretensão que trouxe a juízo.
No entanto, nos termos do art.º 4º, n.º 1, a) do RCP, o Ministério Público está isento de custas nos processos em que age em nome próprio na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei, como é o caso.
Assim, não há lugar a custas.
*
IV–DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Sem custas.
*
Lisboa, 11 de Outubro de 2022[19]
Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Alexandra Castro Rocha
[1]Adiante designada pela sigla LOSJ.
[2]Adiante designada pela sigla LN.
[3] Adiante designado pela sigla CPC.
[4]Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[5]Com o seguinte sumário: “Face à atribuição específica de competência constante do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, os tribunais de família e menores não são competentes para julgar as ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa.”
[6]Adiante designada pela sigla LOFTJ.
[7]In Contencioso da Nacionalidade, 2ª Edição, Novembro de 2017, em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=FWE5al4-3ug%3D&portalid=30.
[8] Adiante designado pela sigla RNP.
[9] “Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.”
[10]Neste sentido, cf. António José Fialho, in “Competências das secções de família e menores nas uniões de facto e na economia comum”, acessível em https://blogippc.blogspot: “com excepção das questões relativas à casa de morada de família dos unidos de facto ou daqueles que vivem em economia comum (art.ºs 3º, al. a), e 4º, da Lei n.º 6/2001 e art.º 4º, al. d), e 5º da Lei n.º 7/2001), o exercício de outros direitos previstos nos diplomas que regulam as medidas de protecção da união de facto e da economia em comum não se integram em nenhum dos procedimentos de jurisdição voluntária previstos no Código de Processo Civil ou noutros diplomas estabelecendo procedimentos a que sejam aplicáveis as regras do processo civil previstas para os processos de jurisdição voluntária”.
[11]Cf. Art. º, n.º 1 – “Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.”
[12]Neste sentido, Rita Lobo Xavier, in O “Estatuto Privado” dos Membros da União de Facto - RJL B, Ano 2 (2016 ), nº 1, pp. 1506-1507, acessível em
https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2016/1/2016_01_1497_1540.pdf consultado em 7-12-2020- “A Declaração Universal dos Direitos do Homem não refere expressamente a união de facto, dedicando dois preceitos às relações familiares: o art. 12.º, que tutela o respeito pela vida familiar, e o art. 16.º, que estabelece o direito a casar e a constituir família e à proteção desta pela sociedade e pelo Estado. Por seu turno, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem também contempla dois preceitos dedicados à família: o art. 8.º (respeito pela vida privada e familiar) e o art. 12.º (direito de casar e constituir família). O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a interpretar o art. 8.º da Convenção no sentido de nele se incluir, não só as famílias constituídas com base no casamento – como sucede no art. 12.º – mas também, as situações familiares de facto, assumindo, como critério relevante, a “efetividade de laços interpessoais”.
[13]“São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção.”
[14]Nesse sentido, cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-10-2014, processo n.º 5187/10.1TCLRS.L1-8; quanto ao acórdão de 25-10-2018, proferido no processo n.º 25835/17.1T8LSB.L1-6, referido como sustentando a competência do juízo local cível para o conhecimento desta acção, atente-se que tal aresto não se pronunciou, em concreto, sobre a competência material mas sim sobre a competência internacional, questão que no caso se suscitava.
[15]Vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 2-12-2021, processo n.º 398/21.7T8BRR-A.L1-6, de 23-06-2022, processo n.º 2380/21.5T8VFX.L1-6 e de 7-07-2022, processo n.º 258/22.4T8FNC.L1-2; do Tribunal da Relação do Porto de 22-03-2022, processo n.º 34/22.4T8PRD.P1.
[16]Cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Volume I 2ª Edição Revista, pag. 589 – “[…] a Constituição, ao consagrar, no artigo 36º, n.º 1, o direito de constituir família e de contrair casamento […] ao inverter a formulação tradicional (direito de casar e de constituir família), acolhida, por exemplo, no artigo 16º, n.º 1, da DUDH, ao proibir a discriminação dos filhos nascidos fora do casamento e ao fazer uma referência autónoma à adoção, o legislador constitucional, no artigo 36º, parece inviabilizar uma leitura que faça depender a constituição de família da celebração de um casamento, revelando assim abertura à pluralidade e diversidade das relações familiares no nosso tempo.”
[17]Acessível em https://outrosacordaostrp.com/2022/04/28/voto-de-vencido-no-ac-do-trl-de-28-04-2022-proc-26016-21-5t8lsb-l1-tribunal-competente-para-o-reconhecimento-da-uniao-de-facto-tribunal-de-familia-art-122-1-g-da-lossj/.
[18]Adiante designado pela sigla RCP-
[19]Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.