I- Tendo a relação entre as partes tido início em 1 de Setembro de 2003 é inaplicável a presunção de laboralidade contida no artigo 12º do Código do Trabalho, pelo que há que recorrer ao método indiciário ou tipológico a fim de se aferir se entre as partes vigorou um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviço;
II- Nestes casos incumbe ao trabalhador, nos termos do artº 342º, n.º1, do Código Civil, provar os factos que permitam concluir que a sua prestação foi executada em regime de subordinação jurídica;
III. Existindo indícios, como sejam o pagamento à hora e em função da natureza do trabalho efectuado, e se o mesmo existisse, a não necessidade de justificar as ausências do Autor, a não demonstração de sujeição a horário de trabalho e ao poder disciplinar da Ré, que não permitem estabelecer, com a necessária segurança e certeza, que o Autor exerceu a sua actividade sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, deve-se considerar que o primeiro não logrou provar que estava ligada à segunda por contrato de trabalho.
Revista
45/22
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
AA intentou acção emergente de contrato de trabalho com processo comum contra Palmela Desporto, Empresa Local de Promoção do Desporto, Saúde e Qualidade de Vida, E.M. Unipessoal Lda., peticionando que:
a) Seja reconhecido que a vinculação do Autor à Ré assenta na celebração de um contrato de trabalho sem termo, com efeitos reportados a 1 de Setembro de 2003, com as legais consequências em matéria de reconstituição do processo retributivo do Autor perante a Segurança Social, e, em consequência, a ilicitude do despedimento promovido pela Ré;
b) A Ré seja condenada a pagar as respectivas contribuições à Segurança Social, bem como a taxa de retenção de IRS, referentes ao período entre 01.09.2003 e 31.08.2019, em virtude da existência do contrato de trabalho sem termo;
c) A Ré seja condenada a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, com efeitos reportados à data do despedimento, sem prejuízo da antiguidade e categoria ou,
d) Em alternativa à reintegração, que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a indemnização a que se reporta o artigo 391.º do Código do Trabalho, no montante global de 27.069,12 €, cuja opção será tomada pelo Autor até ao termo da discussão em audiência final de julgamento;
e) A Ré seja condenada a pagar ao Autor a retribuição mensal desde os 30 dias que antecedem a propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da mesma, no valor mensal de 1.127,88 €, já vencido de 1.127,88 €;
f) A Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia ilíquida de 54.138,24 €, a título de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, correspondentes à relação laboral que vinculou as partes, desde 1 de Setembro de 2003 até 31 de Agosto de 2019;
g) A Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de 809,76 €, a título de retribuição de férias proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho;
h) A Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de 809,76 €, a título de subsídio de férias correspondente;
i) A Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de 751,92 €, a título de subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação do contrato de trabalho;
j) A Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de 4.048,80 €, a título de formação profissional não ministrada;
k) A Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia que vier a ser fixada por este Douto Tribunal, mas nunca inferior a 3.000,00 €, a título de danos não patrimoniais;
l) A Ré seja condenada a pagar juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, sobre todas as quantias reclamadas.
A Ré contestou.
Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento.
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Reconheceu que entre Autor e Ré vigorou um contrato de trabalho sem termo entre 1 de Setembro de 2003 e 4 de Setembro de 2019;
b) Declarou ilícito o despedimento que o Autor foi alvo;
c) Condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de 10.411,20 €, a título de indemnização por antiguidade em substituição da reintegração, quantia calculada desde o despedimento até à data, mas à qual acrescem valores devidos até ao trânsito em julgado da decisão;
d) Condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença a título de compensação pelo despedimento ilícito, quantia calculada desde 30 dias antes da entrada da ação– 30/11/2019 acrescida das quantias que se vencerem a este título até ao trânsito em julgado da sentença, à razão mensal de 1.156,80 €, às quais acrescem os juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, e descontadas as quantias auferidas a título de subsídio de desemprego ou a outro título legalmente estabelecidas no art. 390.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
e) Condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de 61.448,45 € a título de créditos laborais, sendo 385,60 € a título de subsídio de natal vencido em 15 de dezembro de 2003; 17.352,00 € a título de subsídios de natal vencidos entre 2004 a 2018 (no montante de 1.156,80 €, vencido a 15 de dezembro de cada ano; 771,22 € a título de proporcionais do subsídio de natal no ano da cessação; 841,31 € a título de proporcionais de férias e subsídio de férias no ano de admissão; 37.017,60 € a título de férias e subsídio de férias vencidos à razão de 1.156,80 € no dia 1 de janeiro dos anos de 2004 a 2019; 1.682,62 € a título de proporcionais de férias e subsídio de férias vencidos a 4 de setembro de 2019; 3.398,10 € a título de crédito de formação e crédito de horas de formação de 2004 a 2019 vencido a 4 de setembro de 2019.
f) Condenou a Ré a pagar ao Autor a pagar juros de mora vencidos desde a data do vencimento de cada prestação e os vincendos até integral pagamento.
g) Absolveu a Ré do mais peticionado.
A Ré interpôs recurso de apelação.
Por acórdão do Tribunal da Relação de 26.05.2021, foi decidido: “- Julgar improcedente a impugnação da matéria de facto, nos termos supra mencionados.
- Julgar procedente o recurso e, em consequência, julgar improcedente a acção e revogar a sentença recorrida na parte em que:
-Reconheceu que entre Autor e Ré vigorou um contrato de trabalho sem termo entre 1 de setembro de 2003 e 4 de setembro de 2019;
-Declarou ilícito o despedimento que o Autor foi alvo;
-Condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 10.411,20 a título de indemnização por antiguidade em substituição da reintegração quantia calculada desde o despedimento até à presente data, mas à qual acrescem valores devidos até ao trânsito em julgado da presente decisão;
-Condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença a título de compensação pelo despedimento ilícito, quantia calculada desde 30 dias antes da entrada da ação – 30/11/2019 acrescida das quantias que se vencerem a este título até ao trânsito em julgado da presente sentença, à razão mensal de € 1.156,80, às quais acrescem os juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, e descontadas as quantias auferidas a título de subsídio de desemprego ou a outro título legalmente estabelecidas no art. 390º nº 2 do CT.
-Condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 61.448,45 a título de créditos laborais, sendo € 385,60 a título de subsídio de natal vencido em 15 de dezembro de 2003; € 17.352,00 a título de subsídios de natal vencidos entre 2004 a 2018 (no montante de € 1.156,80, vencido a 15 de dezembro de cada ano; € 771,22 a título de proporcionais do subsídio de natal no ano da cessação; € 841,31 a título de proporcionais de férias e subsídio de férias no ano de admissão; 37.017,60 a título de férias e subsídio de férias vencidos à razão de € 1.156,80 no dia 1 de janeiro dos anos de 2004 a 2019; € 1.682,62 a título de proporcionais de férias e subsídio de férias vencidos a 4 de setembro de 2019; € 3.398,10 a título de crédito de formação e crédito de horas de formação de 2004 a 2019 vencido a 4 de setembro de 2019.
-Condenou a Ré a pagar juros de mora vencidos desde a data do vencimento de cada prestação e os vincendos até integral pagamento, absolvendo-se a Ré dos respectivos pedidos.
- Manter, no mais, a sentença recorrida.”
Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
1. O recorrente entende que o Acórdão recorrido, ao qualificar como prestação de serviços o contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida, errou na interpretação e aplicação do Direito.
2. Assim, através do presente recurso, pretende o recorrente ver modificada a decisão sobre a matéria de Direito, no sentido de ser qualificado como de trabalho o contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida e, em consequência ser revogado o Acórdão recorrido, com a repristinação da sentença proferida em Primeira Instância, nos exactos termos ali exarados. Porquanto:
3. Resulta da matéria de facto dada como provada – a qual foi mantida pelo Venerando Tribunal da Relação - que o recorrente se obrigou a prestar a sua actividade à recorrida (factos n.ºs 2 a 5), nas instalações da recorrida (facto n.º 6), mediante retribuição (factos n.ºs 7 a 17), sendo os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pelo recorrente pertencentes à recorrida (facto n.º 20), encontrando-se o recorrente sujeito a horas de início e de termo da prestação da actividade (facto n.º 22).
4. Também resulta da prova documental junta aos autos - e que serviu para sustentar a matéria da facto dada como provada - que o recorrente se encontrava sob a autoridade, direcção e fiscalização da recorrida.
5. Resultando cabalmente demonstrado nos autos que o recorrente tinha em relação à recorrida subordinação jurídica, existindo uma clara posição de supremacia da recorrida em relação ao recorrente.
6. O recorrente encontrava-se dependente de ordens e instruções emanadas pela recorrida.
7. O recorrente sempre prestou a actividade nas instalações da recorrida ou no exterior no âmbito de actividades promovidas pela recorrida.
8. Ora, ao caso em concreto, aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969 (LCT), o qual, no seu artigo 1.º, define como contrato de trabalho “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”.
9. Resultando demonstrado nos autos o preenchimento de todos os requisitos elencados naquela disposição legal, ou seja, que o recorrente se obrigou, mediante retribuição, a prestar a sua actividade à recorrida, sob a autoridade e direcção desta.
10. Ao não considerar como de trabalho o contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida - considerando, antes, como de prestação de serviços - o Acórdão recorrido violou as seguintes normas jurídicas: artigo 1º do regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969 (LCT), artigo 11.º do Código do Trabalho e artigos 53.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa.
11. Por todas estas razões, não se pode aceitar como justa e plausível a consideração feita pelo Acórdão recorrido de que a circunstância de o recorrente ter formação académica e ter aceitado celebrar, ao longo de 16 anos, denominados contratos de prestação de serviços, queira significar que este sempre teve vontade de celebrar esse tipo de contrato.
12. Na verdade, como é do conhecimento geral e resulta das regras de experiência comum, o trabalhador é sempre o elo mais fraco no seio de uma relação laboral, tendo o recorrente aceitado assinar aqueles contratos por uma questão de necessidade e não por se conformar com a denominação atribuída ao referido contrato.
13. Os Tribunais, que têm sido no Portugal democrático e da Constituição de Abril um esteio na defesa dos direitos dos trabalhadores - que seguramente são o elo mais fraco da relação laboral – têm a perfeita noção dessa relação desigual de forças, uma relação de dependência a todos os níveis por parte do trabalhador.
14. É é nessa fé que radica a confiança do recorrente de que a decisão do Tribunal a quo será revertida.
15. Salvo Douto e melhor entendimento de Vossas Excelências, Egrégios Conselheiros, o Acórdão recorrido deveria qualificar como de trabalho o contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida, porquanto a relação mantida entre ambos entre 01 de Setembro de 2003 e 04 de Setembro de 2019 configura uma verdadeira relação de trabalho subordinado na acepção do artigo 1.º do regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969 (LCT).
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, com a repristinação da sentença proferida em Primeira Instância, nos exactos termos ali exarados
Foram apresentadas contra-alegações.
O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu desenvolvido e douto parecer, no sentido de ser negada a revista.
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Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como única questão em discussão, a de saber se deve reconhecida e qualificada como contrato de trabalho a relação jurídica que existiu entre as partes.
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Está fixada a seguinte factualidade:
Factos provados:
1. A R. é uma sociedade unipessoal de direito privado, com natureza municipal.
2. O A. foi iniciou serviço com a R. em 1 de Setembro de 2003.
3. Celebrando para o efeito o escrito denominado de “contrato de prestação de serviços” de fls.15v, com a validade de um ano, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
4. Autor e Ré celebraram anualmente novo contrato de prestação de serviços sendo o primeiro relativo ao período de 1 de setembro de 2003 a 31 de agosto de 2004, e o último de 1 de setembro de 2018 a 31 de agosto de 2019.
5. Exercendo as funções correspondentes à categoria profissional de ....
6. As funções eram desempenhadas nas instalações da R., sitas na ..., existindo atividades que decorriam em locais externos no âmbito de programas desenvolvidos pela Ré.
7. De acordo com os contratos de prestação de serviços de 2003 e 2004 o Autor auferia o valor de € 7,23 por hora referente a serviços prestados no ensino da atividade desportiva musculação, a que acresce o IVA, e o valor de € 14,80 por hora relativos a serviços prestados no ensino das atividades de grupo, valor a que acresce IVA.
8. Nos contratos de prestação de serviços de 2005 a 2007 é apenas fixado ovalor de € 7,23 por hora referente a serviços prestados no ensino da atividade desportiva musculação, a que acresce o IVA.
9. Nos contratos de prestação de serviços de 2008 a 2010 é apenas fixado o valor de € 8,00 por hora referente a serviços prestados no ensino da atividade desportiva musculação, a que acresce o IVA.
10. Nos contratos de prestação de serviços de 2012 e 2013 é fixado o valor de € 7,23 por hora referente a serviços prestados no ensino da atividade desportiva musculação, a que acresce o IVA, sendo ainda fixado para os serviços prestados na vertente utilização livre a quando de € 5,00 por cada hora de serviço prestado.
11. Nos contratos de prestação de serviços de 2014 a 2016 é fixado o valor de € 7,23 por hora referente a serviços prestados no ensino da atividade desportiva musculação, a que acresce o IVA, sendo ainda fixado para os serviços prestados na vertente utilização livre a quando de € 5,00 por cada hora serviço prestado, e pelos serviços prestados na atividade ... o valor de € 12,00 por cada hora de serviço prestado.
12. No contrato de prestação de serviços de 2017 é fixado o valor de € 7,23 por hora referente a serviços prestados no ensino da atividade desportiva musculação, a que acresce o IVA.
13. No mesmo contrato, e para os serviços prestados na atividade ... é fixada a quantia de € 270,00 por cada semana de serviço e € 30,00 por cada atividade extra, sendo fixada para os serviços como Coordenador da atividade ... de verão o valor de € 200,00.
14. Ainda no contrato de 2017 pelos serviços de Personal Trainer a Ré obriga-se a pagar ao Autor 50% do valor mensal auferido pelos clientes.
15. No contrato de 2018 é fixado o valor de € 7,23 por hora referente a serviços prestados no ensino da atividade desportiva musculação, a que acresce o IVA.
16. No mesmo contrato, e para os serviços prestados na atividade ... é fixada a quantia de € 270,00 por cada semana de serviço e € 30,00 por cada atividade extra, sendo fixada para os serviços como Coordenador da atividade ... de verão o valor de € 200,00, e pelos serviços como Coordenador da atividade ... do Natal e Páscoa o valor de € 130,00.
17. Ainda no contrato de 2018 pelos serviços de Personal Trainer a Ré obriga-se a pagar ao Autor 50% do valor mensal auferido pelos clientes.
18. O A. dava quitação das quantias que auferia, através da emissão dos denominados recibos verdes.
19. No mês de agosto as piscinas da Ré têm a sua atividade encerrada.
20. Os equipamentos e instrumentos utilizados pelo A., na atividade de ..., pertencem à R., com exceção das atividades que ocorriam no exterior, designadamente nos programas de ....
21. O Autor exercia as suas funções num horário previamente acordado com a Ré considerando o horário e de encerramento do ginásio.
22. O Autor desempenhava as suas funções no período de tarde e final de dia, sendo inicialmente entre 17h00 e as 22h00, e no decurso do último ano: das 14h45m às 21h45m, de segunda a sexta-feira, e aos sábados, das 8h30m às 13h00 e das 16h00 às 18h30m
23.O Autor preenchia fichas de horas que eram utilizadas pela Ré para calcular e processar o valor a pagar ao Autor.
24. As retribuições auferidas pelo A. variavam em função do número de horas trabalhadas, sendo pagas com periodicidade mensal.
25. No período entre 25/07/2011 a 31/12/2017 o Autor auferiu as quantias constantes dos recibos juntos de fls.80v a 111v, que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
26. De 2003 a 2019 houve períodos nos quais o Autor prestou serviço por períodos diários 5 horas e períodos nos quais trabalhou 8 horas diárias.
27. A Ré não pagava ao Autor férias, subsídio de férias ou subsídio de natal.
28. O Autor coordenava com a Ré o período no qual desenvolvia a atividade no ginásio.
29. O Autor era responsável pela elaboração de planos de treino aos utentes do ginásio e acompanhamento do respetivo treino.
30. Função exercia com autonomia técnica.
31. A partir de, pelo menos, 2014 ao Autor cabia propor as atividades a desenvolver no programa da Ré das ....
32. O Autor assegurava as suas substituições com os demais profissionais de desporto indicando para o efeito quem o substituía.
33. Em caso de substituição o valor da remuneração horária era pago ao técnico que assegurava a substituição.
34. Em junho de 2019 a Ré anunciou o recrutamento, em regime de contrato de trabalho a termo certo, de dois técnicos profissionais de desporto, conforme anuncio de fls.117, e que se dá aqui por integralmente reproduzido.
35. O Autor candidatou-se ao recrutamento supra mencionado tendo sido selecionado para celebrar contrato.
36. Ré apresentou como proposta a celebração com o Autor um contrato de trabalho a termo certo, conforme modelo junto a fls.46v e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
37. O Autor recusou a celebração de um contrato de trabalho nos termos que lhe foram propostos.
38. A Ré propôs a celebração de contrato de trabalho sem termo e com exclusão do período experimental.
39. O Autor recusou a celebração do referido contrato de trabalho.
40. A Ré celebrou contrato de trabalho com outro candidato.
41. No dia 4 de setembro de 2019 a Ré comunicou ao Autor o seu impedimento de continuar a exercer funções nas suas instalações.
42. No período entre 1 de setembro de 2003 e 4 de setembro de 2019 o Autor desempenhou ainda as seguintes funções:
i) 2004/2005 – ... de Educação Física – Grupo ..., no agrupamento de Escolas ..., ...;
ii) 2006/2010 – Professor de ... e coordenador de ... – Escola Profissional ...;
iii) 2011/2012 - Professor de ... e coordenador de ... – Centro Social e ...;
iv) 2012/2017 - Professor de ... e coordenador de ... e ... – Associação ....
43. O A. tem uma filha menor.
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Factos não provados:
1. A retribuição não era paga pela R. ao A. no mês de Agosto.
2. A Ré pressionou o A. no sentido de este ter de prescindir dos seus direitos laborais – nomeadamente ver-lhe reconhecido o vínculo laboral, a antiguidade de 16 anos e os créditos inerentes - foi reiterada em reunião havida entre o A. e o Presidente do Conselho de Gestão da R., Sr. BB, que ocorreu no dia 09 de setembro de 2019.
3. Onde foi transmitido ao A. que este só veria a sua situação resolvida – no sentido de ser estabelecido um vínculo laboral entre o A. e a R. – se este abandonasse a pretensão de ver reconhecido o seu vínculo laboral à data em que o mesmo efetivamente teve início, a saber, no dia 1 de setembro de 2003, com todos os efeitos daí decorrentes, nomeadamente, o pagamento de todos os meses de agosto que ficaram por liquidar, assim como os subsídios de férias e de Natal.
4. O A., após o seu despedimento, tem vivido angustiado e profundamente desanimado, tendo perdido o gosto pelo convívio social, refugiando-se em casa, envolto em sentimentos de medo e angústia pelo seu futuro.
5. O Autor está obrigado a pagar uma pensão de alimentos de € 150,00 (cento e cinquenta euros), mas que não tem conseguido pagar.
6. O A. prestou serviços como fisioterapeuta
7. E, ainda, prestou o seu auxílio na manutenção de equipamentos
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Cumpre apreciar e decidir:
Tendo em conta as considerações acertada e incisivamente expendidas no Ac. da Rel. de Lisboa de 16/01/2008, in www.dgsi.pt, temos que a questão da qualificação contratual é uma das que mais se discute nos nossos tribunais de trabalho, porque, efectivamente, na prática, é muitas vezes extremamente difícil estabelecer a fronteira entre as duas espécies contratuais que se caracterizam pela prestação de trabalho intelectual ou manual de uma pessoa em benefício de outra (contrato de trabalho / contrato de prestação de serviços).
Dos conceitos vazados nos artigos 1152º e 1154º do Código Civil decorre que as diferenças entre ambos são estabelecidas através, por um lado, da obrigatoriedade da retribuição (presente no contrato de trabalho, mas não necessariamente no contrato de prestação de serviços, embora na realidade também nele exista retribuição, na maior parte dos casos); por outro, na prestação objecto do contrato - uma obrigação de meios (actividade, no contrato de trabalho) ou de resultado (no contrato de prestação de serviços) - e, por último, na existência ou não de subordinação jurídica do prestador de trabalho ao respectivo credor.
Os dois primeiros elementos distintivos são pouco relevantes porque, por um lado, como se disse, serão actualmente muito raros os casos de contratos de prestação de serviços sem retribuição, face à total desadequação da gratuitidade do trabalho, no contexto de uma sociedade com as características da contemporânea; por outro lado, porque, mesmo quando o objecto da prestação é a actividade, em última análise, pretende-se sempre retirar dessa actividade uma utilidade, um resultado, que não é indiferente e, por outro lado ainda, em muitos contratos de prestação de serviços cuja qualificação não oferece quaisquer dúvidas, como seja, por exemplo, o estabelecido entre o médico e o seu paciente ou entre o advogado e o seu cliente, o que aquele tem de prestar é apenas a sua actividade, não o resultado, que é aleatório.
Decisivo para a distinção acaba, pois, por ser o elemento "subordinação jurídica" que consiste na circunstância de o prestador do trabalho desenvolver a sua actividade sob a autoridade e direcção do empregador, o que significa a possibilidade de o credor do trabalho determinar o modo, o tempo e o lugar da respectiva prestação. A prestação de trabalho nesses casos é heterodeterminada (pelo empregador), contrapondo-se ao trabalho autodeterminado em que, em princípio, cabe apenas ao próprio trabalhador a definição do modo, tempo e lugar da prestação. No trabalho heterodeterminado o grau de dependência do prestador do trabalho da autoridade e direcção do empregador pode ser maior ou menor, sobretudo no que se refere ao modo da prestação, diminuindo, sensivelmente à medida que aumenta a especificidade técnica exigida para o desempenho da actividade. O contrato de trabalho não é incompatível com a salvaguarda da autonomia técnica do trabalhador, sendo possível o desempenho de funções de elevada craveira técnica e intelectual em regime de subordinação jurídica.
A crescente flexibilização das formas de emprego tem contribuído para um aumento exponencial dos casos nebulosos, de fronteira, em que se torna por vezes extremamente difícil ajuizar se estamos perante uma situação de trabalho subordinado ou de trabalho autónomo.
É certo que estamos no domínio da autonomia da vontade, pelo que haverá que ter em conta o acordo das partes. Sendo, em regra, escassos os elementos que permitam identificar a vontade comum das partes no momento da celebração do contrato (frequentemente reduzida a uma expressão mínima) e dando ele início a uma relação duradoura, esses elementos terão de ser colhidos através do modo como as partes desenvolveram, na prática, essa relação
No caso concreto, e da análise dos factos fixados pelas instâncias, resulta que as partes iniciaram a sua relação em 1 de Setembro de 2003, relação essa que veio a cessar em 4 de Setembro de 2019, por iniciativa da Ré.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem entendido de forma consolidada que, para efeitos da qualificação de uma relação jurídica entre as partes, deve atender-se ao regime jurídico que vigorava à data em que se iniciou/consolidou a relação em causa.
Neste sentido, entre outros o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 04/07/2018 proferido no processo nº 1272/16.4T8SNT.L1. S1[1] no qual se decidiu que:
“ I. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça está consolidada de forma uniforme no sentido de que estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade, e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes.
II. A presunção de laboralidade é um meio facilitador da prova a favor de uma das partes, pelo que a solução de aplicar a lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória pode conduzir a um desequilíbrio no plano processual provocado pela impossibilidade de se ter previsto no momento em que a relação se estabeleceu quais as precauções ou diligências que deviam ter sido tomadas para assegurar os meios de prova, o que poderia conduzir à violação do direito a um processo equitativo e causar uma instabilidade indesejável em relações desde há muito constituídas.
III. Estando em causa uma relação jurídica estabelecida entre as partes em 2 de novembro de 1995, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, não tendo aplicação as presunções previstas no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 e de 2009.”.
In casu, tendo a relação sido estabelecida em 1 de Setembro de 2003 e não se extraindo da restante factualidade provada uma alteração dos termos essenciais de tal relação, consideramos que, seguindo a referida jurisprudência e tal como fizeram as instâncias, deve aplicar-se ao caso concreto o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969 (LCT), não sendo, consequentemente, aplicáveis as presunções previstas nos artigos 12º do Código do Trabalho de 2003 e de 2009.
Assim, face à inaplicabilidade das referida presunções, há que recorrer ao método indiciário ou tipológico a fim de se aferir se entre as partes vigorou um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviço, sem esquecer que incumbia ao Autor, nos termos do artº 342º, nº 1, do Código Civil, provar os factos que permitam concluir que a sua prestação foi executada em regime de subordinação jurídica, por serem constitutivos do direito que invoca- Acórdão do STJ de 08/07/2020, proferido no processo n. º 4220/15.5T8VFX.L1. S1.
Ora, e como já se adiantou, o único critério incontroversamente diferenciador entre os dois tipos de contrato reside na subordinação jurídica, típica do contrato de trabalho, a qual implica uma posição de supremacia do empregador e uma correlativa posição de subordinação do trabalhador.
A autonomia ou subordinação é que permite, em última análise, estremar a locatio operis ou contrato de prestação de serviço da locatio operarum ou contrato de trabalho.
A este respeito é assaz esclarecedor o ensinamento de Galvão Teles (B.M.J. 83º,165):
"Promete‑se (no contrato de trabalho) a actividade na sua raiz, como processo ou instrumento posto dentro dos limites mais ou menos largos à disposição da outra parte para a realização dos seus fins, não se promete este ou aquele efeito a alcançar mediante o emprego de esforço, como a transformação ou transporte de uma coisa.
Mas como se pode verdadeiramente saber se se promete o trabalho ou o resultado? Todo o trabalho conduz a algum resultado e este não existe sem aquele. O único critério legítimo está em averiguar se a actividade é ou não prestada sob a direcção da pessoa a quem ela aproveita, que dela é credora."
Para Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho) verificam‑se duas diferenças essenciais entre os dois contratos: na prestação de serviços trata‑se de proporcionar certo resultado do trabalho, enquanto no contrato de trabalho se refere o prestar uma actividade; e na definição legal do primeiro contrato não há qualquer referência à autoridade e direcção de outrem. Assim, e ainda segundo este autor, o critério último da distinção reside na sujeição à autoridade e direcção de outrem.
A subordinação jurídica traduz-se no poder do empregador conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou; é ao credor que cabe programar, organizar e dirigir a actividade do devedor; a ele incumbe não apenas distribuir as tarefas a realizar, mas ainda definir como, quando, onde e com que meios as deve executar cada um dos trabalhadores.
Sendo a subordinação jurídica um conceito integrado por um conjunto de características reveladoras dos poderes de autoridade e direcção atribuídos à entidade patronal, a sua determinação há de fazer-se através de uma maior ou menor correspondência entre aquelas características e as da situação concreta.
Não esquecendo, todavia, que o valor de qualquer desses índices de subordinação não pode deixar de considerar-se relativo, quer pela insuficiência de cada um deles, isoladamente considerado, quer porque podem assumir significado muito diverso de caso para caso.
Assim, para a determinação da subordinação jurídica deve ter-se como decisivo um juízo de apreciação global sobre os elementos indiciários fornecidos pela sua situação concreta em correspondência com aquelas características do conceito-tipo.
Por sua vez, o Acórdão do STJ de 13/11/2002, disponível em www.dgsi.pt, defende que é “a natureza da prestação acordada o ponto de partida diferenciador entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço, embora depois o contrato de trabalho subordinado exija ainda a retribuição (subordinação económica) e a sujeição à autoridade e direcção da contra-parte (subordinação jurídica). E embora se possa argumentar que a valia daquele critério diferenciador é diminuta pois toda a actividade produz, em regra, um resultado e a obtenção de qualquer resultado pressupõe o desenvolvimento de alguma actividade, o certo é que em muitas situações se torna claro qual é o interesse do credor: nuns casos é que o devedor coloque à sua disposição o desenvolvimento de determinada actividade, enquanto noutros unicamente lhe interessa o resultado final da actividade desenvolvida, sendo-lhe indiferente o modo seguido pelo devedor para obter esse resultado”.
A qualificação da situação de facto, em termos de a subsumir a um contrato ou a outro, dependerá das circunstâncias concretas de cada caso, já que estamos perante uma das actividades em que nem sempre é fácil operar a distinção. O factor decisivo será, como se disse, a existência do elemento subordinação jurídica, um juízo de apreciação global sobre os elementos fornecidos pela situação concreta.
Como se escreveu no recente acórdão deste STJ de 17/03/2022, proc. 251/18.1T8CSC.L2.S1, para resolver as dificuldades que vão surgindo em cada caso concreto a doutrina e a jurisprudência têm enumerado determinados traços distintivos com vista a facilitar a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, traços distintivos, esses, que devem ser utilizados como tópicos indiciadores de subordinação jurídica.
Os indícios que podem conduzir à qualificação de um contrato de trabalho são os seguintes:
- A vinculação do trabalhador a um horário de trabalho;
- A execução da prestação em local determinado pelo empregador;
- A existência de controlo externo do modo da prestação;
- A obediência a ordens;
- A sujeição do trabalhador à disciplina da empresa;
- O pagamento da retribuição em função do tempo;
- O pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal;
- Pertencerem ao empregador os instrumentos de trabalho e serem por ele disponibilizados os meios complementares da prestação;
- Inscrição do trabalhador na segurança social como trabalhador por conta de outrem;
- Estar o trabalhador inscrito numa organização sindical;
- Não recair sobre o trabalhador o risco da inutilização ou perda do produto;
- Inexistência de colaboradores;
- A prestação da atividade a um único beneficiário.
Identificados estes indícios, há que confrontar a situação concreta com o modelo tipo de subordinação, através não de um juízo de mera subsunção, mas de um juízo de aproximação que terá de ser também um juízo de globalidade.
Como refere Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, pág. 148) “Cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta e comparação dela com o tipo trabalho subordinado”.
Acrescenta ainda o citado autor que “Não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos vários índices, desde logo porque cada um deles pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso”.
Face à dificuldade da distinção a doutrina de origem britânica avançou com um critério baseado na existência ou inexistência de incorporação na empresa ou organização técnico-laboral alheia (organisation test), ao qual se confere um alcance complementar no âmbito do método tipológico (cfr. Monteiro Fernandes, obra citada, nota 2 da pág. 148).
De qualquer forma, como adverte o citado autor, temos de ter sempre presente que o contrato de prestação de serviço pode harmonizar-se com a inserção funcional dos resultados da atividade no metabolismo da organização empresarial.
Passando ao caso em apreço, após exaustivo enquadramento teórico da distinção contrato de trabalho / contrato de prestação de serviço e sua aplicação ao caso concreto, o acórdão recorrido, não acolhendo a qualificação feita na sentença de 1ª instância, conclui da seguinte forma:
“Em suma, sopesando a factualidade provada e independentemente da autonomia técnica que caracteriza as funções exercidas pelo Recorrido, impõe-se concluir que ficaram por provar os elementos integrantes da sua sujeição à autoridade da Recorrente, ao seu poder de direcção, ao seu poder disciplinar mesmo que em potência. E não se aplicando a presunção de laboralidade, era ao Recorrido que incumbia carrear para os autos esses factos.
Por isso, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, consideramos que não é de afirmar a existência de um contrato de trabalho entre o Recorrido e a Recorrente, não sendo, pois, devidas ao Recorrido as quantias que reclama nesta acção e que decorrem dos alegados contrato de trabalho e despedimento”.
Não obstante se deva reconhecer que a questão não é isenta de dúvidas, concordamos com tal conclusão.
Estabelecida a inegável subordinação económica (pese embora o Autor exercesse actividade remunerada para outras entidades), não suficiente para se considerar a existência de um contrato de trabalho, o certo é que, se por um lado, aparecem indícios relevantes que apontam no sentido da laboralidade da relação contratual, por outro lado estamos perante indícios não menos relevantes, antes pelo contrário, no sentido de estarmos perante um contrato de prestação de serviço.
Dentro desse primeiro conjunto de indícios, temos que o Autor exerceu a sua actividade, de natureza intelectual e técnica (ainda que exercida com autonomia), nas instalações da Ré e com meios e equipamentos por esta fornecidos. Contudo isso está longe de ser decisivo para a pretendida qualificação, pelos motivos apontados pela Relação:
“Considerando as características da actividade que o Recorrido prestava e que, necessariamente, teria de ocorrer nos equipamentos da Recorrente ou noutros locais quando necessário, mas tudo no âmbito de programas desta última (cfr. contratos de prestação de serviços juntos aos autos) e com os meios pertencentes à Recorrente, é de concluir que os referidos indícios revelam-se de diminuta relevância e não são suficientes para caracterizar a relação como laboral. Com efeito, também um prestador de serviços contratado pela Recorrente realizaria a sua prestação nas instalações desta e com os meios a ela pertencentes”.
Com efeito, tal só por si nada revela, por não se ver o modo, independentemente da qualificação do contrato, como o poderia ser de forma diferente.
O mesmo se passa com a factualidade vertida nos pontos 29 e 31, reveladora de uma integração do Autor na estrutura organizativa da Ré. Tal não se apresenta como decisivo, dados os dúbios contornos da situação de facto, geradora de dúvidas inultrapassáveis quanto à qualificação do contrato, como se desenvolverá mais adiante.
E a não exclusividade de exercício de funções para a Ré também não é incompatível com a celebração de um contrato de trabalho.
Por outro lado, temos aquilo que se aproximava de um horário de trabalho- ficou provado que o Autor exercia as suas funções num horário previamente acordado com a Ré, considerando o horário de abertura e de encerramento do ginásio (facto 21) e que o Autor desempenhava as suas funções no período de tarde e final de dia, sendo inicialmente entre 17h00 e as 22h00, e no decurso do último ano: das 14h45m às 21h45m, de segunda a sexta-feira, e aos sábados, das 8h30m às 13h00 e das 16h00 às 18h30m.
Ou seja, esse horário estava inelutavelmente ligado ao período de funcionamento do ginásio, sendo que as partes acordaram no horário em que aquele prestaria a sua actividade. Como acertadamente acentua o acórdão recorrido, se o horário foi encontrado por acordo, obviamente que foram consideradas as disponibilidades do Autor, tanto mais que este não exercia as suas funções em exclusividade para a Ré.
Tudo para dizer que se não pode falar de um horário de trabalho fixado unilateralmente pela Ré, o que - e embora o horário possa ser fixado por acordo, só acontecendo aquela fixação na falta deste - acontece na esmagadora maioria das relações de trabalho subordinado.
No segundo conjunto de índices relevam:
O Autor era remunerado por cada hora de serviço prestada e era pago mensalmente, sendo que o valor/hora variava consoante o tipo de actividade prestada (por exemplo: musculação, actividades de grupo, utilização livre, serviços prestados na actividade ...).
Como refere o acórdão recorrido, não se mostra fixado um valor/hora que tivesse por base a actividade do Autor considerada no seu conjunto, como seria de esperar no contrato de trabalho. O que se nota é que, ao longo dos anos, foram fixados diferentes valores por referência à natureza das diversas valências que o Recorrido desenvolvia.
Por outro lado, sendo o contrato de trabalho intuitu personae, não é típico do mesmo que o trabalhador se faça substituir indicando ele próprio o substituto, como acontecia no caso dos autos- em caso de impossibilidade transitória de exercer a sua actividade, o Autor podia fazer-se substituir por outros profissionais com as mesmas habilitações e qualificações, cabendo-lhe indicar o substituto, sabendo-se, também, que ele próprio assegurava as ditas substituições com os demais profissionais de desporto. Era o Autor quem indicava o substituto e não a Ré, o que seria curial na relação laboral subordinada, como corolário do exercício do poder de direcção desta. E era o substituto que era remunerado, em vez do Autor.
Não ficou provada qualquer obrigação do Autor de permanecer na instalações da Ré durante o período temporal da respectiva prestação.
Não está provado que o Autor comunicasse as férias à Ré ou que integrasse os seus mapas de férias. As suas férias coincidiam com o mês – Agosto- em que as piscinas estavam encerradas.
Para além das mencionadas substituições, não está demonstrado que qualquer ausência, pontual ou prolongada, tivesse qualquer consequência que não a da perda da contrapartida financeira, nomeadamente reacção disciplinar, nem está minimamente provado que a Ré exercesse, sobre qualquer forma, o poder disciplinar, típico da relação subordinada, sobre o Autor.
E se a emissão de recibos verdes pelo Autor, a inscrição como trabalhador independente, a não realização de contribuições para a Segurança Social por parte da Ré e o não pagamento de subsídio de férias e de Natal são não raras vezes meios utilizados pelos empregadores para se subtraírem ao cumprimento de obrigações fiscais e contributivas, no caso em análise não podem deixar de ser contextualizados juntamente com os restantes aspectos mencionados, no sentido de fazer duvidar seriamente da existência do contrato de trabalho reclamado pelo Autor.
Ou seja, tudo considerado, não estamos perante um situação de facto que permita, com a necessária segurança, qualificar a relação dos autos como constituindo um contrato de trabalho.
Como se escreveu no citado Ac. deste STJ de 08/07/2020, verificada “a ausência de horário de trabalho ou período de trabalho diário ou semanal, a ausência de um controlo de assiduidade, e do registo de faltas e da necessidade da sua justificação, a ausência de obrigação de exclusividade, o não pagamento de subsídios de férias ou de Natal, bem como de quaisquer outros benefícios pagos aos trabalhadores, como subsídio de refeição, subsídio infantil e outros, o pagamento da remuneração contra a entrega de recibos de trabalho independente”, dever-se-á entender que o Autor não logrou demonstrar nos autos, como lhe competia, que o seu desempenho configurava a existência de um acordo pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta, isto é, um contrato de trabalho.
Não sendo para tal, porque desacompanhadas do necessário reforço factual probatório, as menções constantes dos contratos de “prestação de serviços” celebrados entre as partes.
Afigura-se-nos, assim, adequado o entendimento acolhido no acórdão recorrido, no sentido de que os indícios apurados e conjuntamente avaliados não são suficientes para se poder concluir pela existência de uma relação de subordinação jurídica, devendo concluir-se que o Autor/Recorrrente não logrou demonstrar, como lhe competia, nos termos do artigo 342.º, n.º1 do Código Civil, que a relação contratual em causa configura um contrato de trabalho.
x
Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 12/10/2022
Ramalho Pinto (Relator)
Domingos Morais
Mário Belo Morgado
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[1] No mesmo sentido, a título de exemplo, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça:
- Acórdão de 26-10-2017, proferido no processo n.º 1175/14.7TTLSB.L1. S1
- Acórdão de 21-09-2017, proferido no processo n.º 2011/13.7LSB.L2. S1
- Acórdão de 15-04-2015, proferido no processo n.º 329/08.0TTCSC.L1. S1
- Acórdão de 18-09-2013, proferido no processo n.º 2775/07.7TTLSB.L1. S1
- Acórdão de 08-01-2013, proferido no processo n.º 176/10.9TTGRD.C1. S1