SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Sumário


1 – Para decretamento da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais é necessário demonstrar a qualidade de sócio/condómino, a ilegalidade da deliberação (por contrariedade à lei, aos estatutos ou ao pacto social), e a probabilidade séria da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação.
2 – Não se vislumbrando essa probabilidade séria de resultar dano apreciável para o requerente da execução da deliberação em causa, improcede o pedido da sua suspensão por via do procedimento cautelar.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO

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A) Os requerentes, AA e outros, todos melhor identificados nos autos, deduziram o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação de assembleia geral de proprietários, nos termos previstos nos artigos 380.º e seguintes do Código de Processo Civil, contra os requeridos: Administração das Partes Comuns do Aldeamento do Palmela Village, Pelicano Hotel & Resorts, Lda., e Pelicano – Investimento Imobiliário, S.A., também devidamente identificadas no processo.
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B) Peticionam os requerentes que:
a) seja ordenada a imediata suspensão das deliberações tomadas em assembleia de proprietários (referem-se a uma assembleia realizada a 2 de Abril de 2022), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 380.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1433.º n.º 5 do C.C, subsidiariamente aplicável pelo disposto no artigo 53.º do DL 39/2008;
b) Seja determinado que, enquanto o presente pedido de suspensão não for julgado em 1.ª instância, a Requerida APCATPV não pode executar nenhuma das deliberações impugnadas;
c) Seja julgado procedente o pedido de inversão do contencioso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 369.º do C.P.C.
Para tanto, sustentam os Requerentes, em síntese, que todos são proprietários de fracções imobiliárias integrantes do Aldeamento Turístico do Palmela Village, titulado pelo alvará n.º 254, emitido pela Câmara Municipal de Palmela em 12 de Janeiro de 2004, e cujo título constitutivo do Aldeamento Turístico foi depositado em 17-11-2004, na Direcção Geral do Turismo, aldeamento este que incluía 1366 fracções imobiliárias, das quais parte destinada a exploração turística e outra parte para habitação (pese embora ulteriormente todas afectas a exploração turística por subsequente rectificação ao referido alvará de loteamento n.º 254), sendo que vários dos proprietários destinam os imóveis não à exploração turística mas à sua própria habitação.
Pese embora a existência de subsequentes alterações ao título constitutivo, o referido aldeamento manteve-se afecto em exclusivo à exploração turística, apesar de se encontrar inacabado (encontrando-se completa apenas a 1.ª fase, a única que tem um Alvará de Licença de utilização, que abrange 389 fracções imobiliárias, sendo que as restantes 1179 fracções que compõem o Aldeamento Turístico não estão abrangidas pelo referido Alvará de utilização turística, nem por outra qualquer licença de utilização válida num aldeamento turístico).
A partir de Janeiro de 2009, a entidade promotora do Aldeamento Turístico começou a exigir de todos os proprietários o pagamento da prestação periódica, apesar de nenhuma das fracções estar apta para fazer exploração turística.
Neste contexto, a 2.ª Requerida, Pelicano Hotel & Resorts, Lda., passou então a ter intervenção junto dos proprietários enquanto entidade exploradora e gestora das partes/infra-estruturas comuns do Aldeamento Turístico, e a coordenar todo o processo de cobrança das prestações periódicas imputadas aos proprietários, apesar de assim só ser configurada no título constitutivo em 02 de Maio de 2013, tendo sido esta mesma entidade que constituiu, em 02 de Maio de 2009, a 1.ª Requerida, Administração das Partes Comuns do Aldeamento Turístico do Palmela Village, sem que os proprietários (re)conheçam o fundamento legal para tanto.
Entretanto, a 2.ª Requerida mandatou em 20 de Julho de 2017, a Associação de Moradores em Aldeamento Turístico, então constituída, para a prática de determinados actos de gestão e administração das “partes comuns” que compõem o Aldeamento Turístico, deixando a 2.ª Requerida de intervir no Aldeamento, passando em seu lugar a intervir a Associação de Moradores em Aldeamento Turístico e a 1.ª Requerida.
Agendada assembleia de proprietários, pela 1.ª Requerida, para 02 de Abril de 2022, a mesma realizou-se com a seguinte ordem de trabalhos:
“1. Eleição do Presidente da Assembleia Geral;
2. Discussão e aprovação das contas a 31 de dezembro de 2021, incluindo proposta de aplicação de resultados transitados;
3. Discussão e deliberação de proposta para a forma de convocação das Assembleias Gerais no futuro;
4. Discussão e deliberação de proposta para a forma de envio das deliberações das Assembleias Gerais;
5. Quota extra – Estrutura das caixas de correio de apartamentos e townhouses;
6. Quota extra – Caixas do correio de townhouses e apartamentos;
7. Substituição da Pelicano Hotel & Resorts, Lda. como entidade exploradora do Aldeamento Turístico Palmela Village, de acordo com a carta recebida;
8. Nomeação de nova entidade exploradora do Aldeamento Turístico Palmela Village;
9. Alteração do Título Constitutivo do Aldeamento Turístico Palmela Village, em conformidade com os pontos anteriores;
10. Explicação das alterações ao Código de Processo Civil, introduzidas e aprovadas com entrada em vigor em 10 de Abril de 2022.”
Alegam os requerentes que tal convocatória foi feita por entidade sem poderes para o efeito, pretendendo que se delibere sobre matérias que excedem largamente o escopo dos poderes que lhe foram conferidos por procuração e sobre temas como a substituição da entidade exploradora, ou como o pagamento de quotas extra sobre partes que nem sequer compõem as alegadas “partes comuns”, sendo este um dano verdadeiramente irreparável e que se manterá no futuro.
Defendem ainda que as contas não poderiam ter sido aprovadas porque não foram explicadas de forma clara, contribuindo para um crescente empobrecimento dos proprietários que contribuem para uma administração ilegal, e, ainda para mais, para contribuir para o pagamento de entidades que há muito abandonaram o empreendimento turístico, deixando-o desprovido de quaisquer condições para uma correcta e eficiente exploração turística e rentabilidade sustentada.
Neste contexto, reputam de ilegal a deliberação tomada por maioria simples dos proprietários para o pagamento de uma comparticipação extra para colocação de uma estrutura de caixas de correio nos apartamentos e nas townhouses, visto que é uma estrutura que não se encontra prevista no título constitutivo nem no regulamento, até porque em qualquer Aldeamento Turístico, não faria sentido colocar uma estrutura de caixas de correio, configurando-se desde modo como uma verdadeira inovação, ou uma obra nova e extraordinária que se pretende executar no Aldeamento Turístico, carecendo assim de uma maioria qualificada de 2/3 do valor total do Aldeamento Turístico.
Além do mais, a 2.ª Requerida comunicou não ter condições para continuar a fazer a exploração do Aldeamento, ficando os proprietários sem esclarecimentos adicionais – até porque não esteve representada na assembleia – e sem indicação de sugestões ou alternativas para outras entidades assumirem a exploração do Aldeamento Turístico, sendo os proprietários surpreendidos com a apresentação de candidaturas de outras entidades, sendo igualmente certo que desconhecem cumprir com as exigências legalmente previstas para que possam assumir a posição de entidade exploradora do Aldeamento Turístico.
Mais sustentam que a 1.ª Requerida submeteu à votação dos proprietários, a alteração ao Título Constitutivo sem que, no entanto, desse a conhecer aos proprietários a nova redacção do Título Constitutivo.
Neste contexto, defendem os Requerentes que ocorre dano apreciável decorrente da aprovação ilegal do pagamento de uma quota extra para instalação de estrutura de caixas de correio que abrange apenas uma parte dos proprietários é, em larga escala, uma deliberação que irá encarecer as comparticipações de todos os proprietários e que não visa, de todo, assegurar o funcionamento dos equipamentos de uso comum e, por outro lado, da substituição imposta da entidade exploradora sem conferir aos proprietários a possibilidade para analisar as candidaturas e respectivas propostas de exploração do Aldeamento Turístico.
Pedem, em consequência, que seja ordenada a imediata suspensão das deliberações tomadas na assembleia de proprietários de 02 de Abril de 2022, e que seja determinado que enquanto o presente pedido de suspensão não for julgado em 1.ª instância, a 1.ª Requerida não execute nenhuma das deliberações impugnadas.
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C) Citadas as requeridas, as mesmas contestaram, defendendo a improcedência das pretensões dos requerentes e invocando também a ilegitimidade passiva das 2ª e 3ª requeridas.
Alegam as requeridas que o Aldeamento Turístico Palmela Village está parcialmente afecto à habitação e parcialmente à exploração turística, sendo que mesmo a parcela afecta à exploração turística não impede que os respectivos proprietários aí residam, ainda que com respeito pelas regras que regulam os empreendimentos turísticos.
Quanto às questões suscitadas, dizem que a constituição da 1.ª Requerida, em 2009, nunca causou “celeuma” a seja quem for, tendo sido até ao momento aceite por todos os proprietários (com excepção dos Requerentes), para os quais foi sempre claro o motivo da sua constituição, ligado à gestão dos activos dos proprietários já que seria vantajoso que a 2.ª Requerida (enquanto proprietária) não fosse também ela a administradora do Aldeamento, pelo que inexiste qualquer ilegalidade na constituição da 1.ª Requerida, a qual carece de administrar e gerir a manutenção das instalações e dos equipamentos de uso comum, bem como dos serviços de utilização turística de uso comum, razão de ser das participações periódicas que são pagas para o orçamento da 1.ª Requerida.
Por outro lado, o Aldeamento está devidamente licenciado e nenhum proprietário está impedido de explorar ou habitar o imóvel que lhe pertença, existindo espaços comuns cujos encargos condominiais, na proporção das respectivas permilagens, são da responsabilidade dos respectivos proprietários e servem pagar suportar as despesas geradas por essas partes comuns do Aldeamento.
Defendem que não existe no caso fumus boni iuris por inexistir qualquer ilegalidade ou vício apontado pelos Requerentes, tanto mais que a convocação da assembleia foi realizada pela 2.ª Requerida que inequivocamente conserva legitimidade para o efeito, sendo a 1.ª Requerida a beneficiária dessa convocatória, por ser esta a entidade (equiparada a um condomínio) que concentra as receitas e as despesas da referida administração; as contas não foram concretamente postas em causa, nem alegaram terem pedido elementos concretos sobre as contas, nem que a sua consulta lhes tenha sido negada e nem pediram elementos após, não lhes sendo lícito alegarem que se encontram insuficientemente esclarecidos para anular a deliberação em apreço, que foi aprovada em assembleia e devidamente escrutinadas pelo ROC; a implementação de uma estrutura para acomodar todas as caixas de correio visa dar resposta a uma legítima pretensão dos proprietários dos apartamentos e das townhouses (bem como de alguns proprietários de moradias), pois actualmente, por causa da referida falta de caixas de correio, o correio é deixado na recepção do ATPV e assim esses proprietários apenas podem recolher o seu correio no horário de expediente da referida recepção, ou seja, entre as 8.00 horas e as 19.00 horas dos dias úteis, construção a suportar por todos por ter a ver com uma estrutura que irá albergar a totalidade das caixas de correio, com um custo de €29,00 para uma moradia de 220 m2 e de € 9,50 para um apartamento T0 (sendo de €30,00 para quem não tem caixa de correio actualmente), que não constitui inovação, já que está em causa a substituição de um equipamento por outro previamente existente, por desadequação do mesmo ao fim que se destina, não se aplicando a maioria qualificada de 2/3; e não é indicada qualquer violação de lei quanto à substituição da 2.ª Requerida como entidade exploradora, a qual foi prévia e atempadamente comunicada aos proprietários; por fim, não houve deliberação quanto à alteração ao título constitutivo do ATPV.
Defendem ainda as requeridas que não existe dano apreciável ou concreto que importe acautelar, pois a eventual (alegada) ilegitimidade da 1.ª Requerida não é, em si mesma, susceptível de causar dano, pois prende-se com questões de natureza formal e que existe há vários anos, não existindo razões de cariz cautelar, sendo tal dano uma questão de facto; não é alegado qualquer dano quanto à deliberação de aprovação de contas; as quotas extra para pagamento das caixas de correio configuram valor diminuto (sendo que os requerentes nem alegaram o valor), que nunca excederá os €30,00 (para o proprietário que não tenha caixa de correio, variando para os demais proprietários, os valores situados entre os €9,50 e os €29,00), que em caso algum é reconduzível a “danos apreciáveis”, inexistindo também periculum in mora; por fim, inexiste qualquer dano concreto (alegado) quanto à substituição da entidade exploradora, até porque são os próprios que confessam que a 1.ª Requerida não tem condições para continuar a exercer o cargo, sendo que a ser procedente a providência requerida, a mesma violaria o princípio da proporcionalidade, pois estaria em causa o funcionamento do Aldeamento, com prejuízo para todos os proprietários.
Por fim, insurgem-se contra a inversão do contencioso na medida em que os Tribunais comuns não são competentes para conhecer as questões da acção principal, cujo título constitutivo defere à arbitragem necessária, além de se tratar de matéria de complexidade que não se compagina com a prova de primeira aparência inerente à urgência com que se regulam os processos de natureza cautelar.
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D) Responderam ainda os requerentes para defender a legitimidade das requeridas que excepcionaram a sua ilegitimidade passiva, mantendo a posição expressa no requerimento inicial.
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E) Por último, foi proferido despacho final que julgou improcedentes os pedidos dos requerentes, deles absolvendo as requeridas, e considerou prejudicadas as restantes questões suscitadas.
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II – O RECURSO
Os requerentes interpuseram então o presente recurso de apelação, indicando no final as seguintes conclusões:
“A) Em causa na presente providência cautelar está o pedido de suspensão de deliberações tomadas em assembleia de proprietários do Aldeamento Turístico do Palmela Village, designadamente, da legitimidade da 1.ª Requerida para convocar e promover a tomada de decisões de interesse geral dos proprietários, da aprovação do pagamento de uma quota-extra para instalação de uma estrutura de caixas do correio que, no fundo, irá apenas beneficiar parte dos proprietários do Aldeamento Turístico, da aprovação e nomeação de uma nova entidade exploradora, sem que, para tal, os proprietários tivessem sido previamente informados e sem apresentação de um plano de exploração do Aldeamento Turístico, da aprovação de contas injustificadas e as quais o próprio ROC desconhece, da aprovação das alterações ao título constitutivo, sem que os proprietários tivessem tido acesso ao respetivo texto final para apreciação.
B) De acordo com a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, não se encontra preenchido um dos pressupostos essenciais para a fundamentação da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, nomeadamente, o terceiro pressuposto, traduzido na demonstração de uma probabilidade séria de ocorrência de dano apreciável decorrente da execução inválida que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação.
C) Por outro lado, os efeitos de uma deliberação social – no caso tomada em assembleia de proprietários – podem produzir efeitos futuros, duradouros e prolongados, sendo uma das principais finalidades desta providência cautelar paralisar esses mesmos efeitos jurídicos na esfera jurídica dos interessados.
D) No caso vertente, concluiu-se na douta sentença proferida que os Requerentes não lograram demonstrar a probabilidade séria de ocorrência de danos prováveis por falta de alegação de factos concretos.
E) Contrariamente à posição assumida pelo Tribunal “a quo”, os Requerentes demonstraram no requerimento inicial a existência de danos apreciáveis, alguns dos quais facilmente alcançáveis tão e somente pela própria qualidade de proprietários do Aldeamento Turístico do Palmela Village.
F) Os Requerentes, enquanto proprietários do Aldeamento Turístico, detêm interesses diretos e imateriais, traduzidos na forma como o Aldeamento se encontra a ser explorado, no presente e no futuro, na forma como as suas comparticipações estão a ser geridas e aplicadas nas infraestruturas concluídas e não concluídas, que compõem o Aldeamento, e, fundamentalmente, na legalidade das decisões que são tomadas e implementadas.
G) Os interesses imateriais, naturalmente não quantificáveis, sempre traduzirão, em caso de incumprimento ou violação da legalidade – como foi o caso – um dano apreciável, na medida em que, qualquer ato promovido no desrespeito pela legalidade e qualquer decisão tomada e imposta ao proprietário que possa ter implicações diretas e negativas na forma como o Aldeamento Turístico, onde se insere o imóvel, é explorado, é, em si mesmo, um dano apreciável, que deverá ser acautelado, apreciado, até para evitar danos ou prejuízos futuros.
H) Nessa medida, a decisão de pagamento de uma Quota- Extra para instalação de infraestruturas que irão apenas beneficiar parte dos proprietários que compõem o Aldeamento Turístico é um dano apreciável, uma vez que, beneficiam-se apenas alguns proprietários à custa e pelo empobrecimento de todos, sendo igualmente certo que, a regra de votação foi igualmente violada, constituindo esta uma ilegalidade.
I) Da mesma forma que, a nomeação (imposição) de uma nova entidade exploradora – que passará a conduzir a exploração do Aldeamento Turístico nos quais se inserem os imóveis dos proprietários – sem que os proprietários tivessem sido previamente informados e sem a apresentação de um plano de exploração, é em si um dano apreciável futuro, uma vez que os proprietários desconhecem como o espaço onde estão inseridas as suas residências irá ser explorado, desconhecem a forma como isso se vai refletir nas suas comparticipações e, bem assim, se a própria entidade exploradora tem plena capacidade técnica material para preencher os requisitos legalmente exigíveis para ocupar esta mesma posição.
J) É igualmente um dano apreciável, decorrente da realização da própria assembleia de proprietários, a promoção de decisões de relevância geral a todos os proprietários por uma entidade – 1.ª Requerida – cuja legitimidade e legalidade se desconhece, podendo esta atuação ter consequências na vida dos proprietários, não só pelo não reconhecimento legal da mesma junto das entidades competentes, mas também pelo simples facto de estarem a ser cobradas comparticipações por esta entidade e as mesmas estarem a ser utilizadas para pagamento a outras entidades, sem qualquer justificação atendível ou compreensível.
K) O mesmo sucede quanto à alteração do título constitutivo – de resto comum a todos os proprietários – o qual foi alterado sem prévio conhecimento dos proprietários, sendo que, o dano apreciável consiste, tão simplesmente, na forma como será executada esta decisão (com absoluto desconhecimento dos proprietários) e as consequências a mesma poderá trazer, já que não se sabe quais as alterações efetuadas, qual o título constitutivo que será depositado no Turismo de Portugal e/ou se o mesmo será sequer autorizado.
L) Todos os danos apreciáveis – na configuração e aceção acima descrita – foram devida e objetivamente fundamentados pelos factos amplamente descritos no requerimento inicial, não se podendo concordar, portanto, com a douta sentença ora proferida.
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, admitido o presente Recurso e julgado procedente o mesmo, revogando a sentença ora em crise, em conformidade com as precedentes conclusões, será feita uma verdadeira e sã justiça.”
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III – DA OPOSIÇÃO
Responderam as requeridas, para defender a improcedência da apelação e a manutenção da sentença recorrida, e concluindo da seguinte forma:
“1ª - No requerimento inicial, os Apelantes não alegaram, com o mínimo de consistência, existir dano concreto e, muito menos, apreciável, que pudesse decorrer da execução das deliberações cuja suspensão requereram.
2.ª - Não está em causa, nessas deliberações, a questão da legitimidade para a convocatória ou legitimidade para exercer o cargo de entidade gestora/exploradora/responsável pelo Aldeamento, pois tal legitimidade não foi conferida pela Assembleia de 2.04.2022.
3.ª - A apreciação do pressuposto do dano apreciável constitui sempre uma questão de facto.
4.ª - A suspensão de uma deliberação só pode ser decretada se se alegar e provar que há dano (e qual) e se o Tribunal o reputar como apreciável.
5.ª - Quanto à deliberação de aprovação de contas, os Apelantes não alegaram, no requerimento inicial, qualquer dano, quanto mais apreciável, sendo que nas alegações de recurso se limitam a tecer considerações genéricas sobre esse putativo dano.
6.ª - Quanto ao pagamento de quotas extra para a colocação de estrutura para caixas de correio e para aquisição de caixas de correio está, em suma, em causa, como bem se refere na douta decisão recorrida, o pagamento de contribuições de valor manifestamente diminuto para as partes comuns, mas em valor superior àquele que os Apelantes gostariam que fosse.
7.ª - É manifesto que não haveria nunca periculum in mora no caso concreto.
8.ª - Uma eventual decisão de suspender as deliberações em causa, designadamente a da substituição da entidade exploradora, traduzir-se-ia na impossibilidade de se assegurar a exploração turística do Aldeamento.
9.ª - O prejuízo da suspensão desta deliberação é manifestamente superior ao prejuízo que a execução da mesma pudesse porventura causar aos Apelantes (e que não se vislumbra aliás qual seria), sendo certo que estes não concretizaram qualquer dano que esta deliberação lhes pudesse causar.
10.ª - No caso concreto, os Apelantes não alegaram quaisquer factos susceptíveis de se concluir que a imediata execução das deliberações impugnadas lhes causa dano apreciável.
Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta decisão recorrida, assim se fazendo justiça.”
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IV – DOS FACTOS
A factualidade a considerar na apreciação do recurso é a que ficou exposta no relatório inicial, onde constam as posições em litígio.
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V – OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Nessa tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, as questões colocadas ao tribunal de recurso sintetizam-se em saber se a matéria apresentada ao tribunal no requerimento inicial é idónea a sustentar o pedido deduzido ou se ao contrário determina o indeferimento do procedimento cautelar tal como foi decidido.
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VI – APRECIANDO E DECIDINDO
Em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes, confessamos alguma dificuldade em compreender os fundamentos do recurso (dificuldade esta que se estende ao próprio requerimento inicial atento o conteúdo do articulado, os pedidos deduzidos e as normas legais pertinentes).
Assentamos, porém, em que os recorrentes sustentam que a factualidade por eles alegada no requerimento inicial, e que não surge questionada pela impugnação das requeridas, é de molde a preencher todos os requisitos necessários à procedência das suas pretensões.
Defendem assim que está demonstrada por eles a existência indiciária do direito que invocam, a iminência de uma lesão grave ao seu direito, e que a execução das deliberações sociais em referência lhes causará “dano apreciável”.
Entendem em suma que preencheram todos os pressupostos gerais comuns às providências cautelares e os específicos necessários a esta providência que requereram.
Vistas as suas razões, afigura-se francamente que não é assim.
Como dispõe o artigo 362.º do Código de Processo Civil “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
Conjugando este preceito com o disposto no artigo 368.º do Código de Processo Civil, verifica-se que os pressupostos gerais dos procedimentos cautelares são os seguintes:
- A probabilidade séria da existência do direito tido por ameaçado, o chamado comummente fumus boni juris;
- O receio justificado de que outrem cause lesão grave e irreparável ao direito do requerente;
- Que a providência seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado; e
- Que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.
Como resulta expressamente do art.º 364.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, os procedimentos cautelares, exceptuados aqueles em que é decretada a inversão do contencioso, tal como aqui vem pedido, são dependentes de uma causa principal que tenha por fundamento o direito acautelado, da qual o procedimento constitui preliminar ou incidente, consoante já tenha sido ou venha a ser instaurada.
Os procedimentos cautelares funcionam assim como um meio expedito de garantia da eficácia e do efeito útil da decisão a proferir na acção principal, de modo a evitar prejuízos graves ou a antecipar a realização do direito, de modo a assegurar o direito fundamental de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e artigo 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Segue-se que, consoante a ameaça e o direito a proteger, os requerentes podem propor um procedimento cautelar comum, previsto nos art.ºs 362.º a 376.º do CPC, ou um procedimento cautelar especificado, previstos nos art.ºs 377.º a 409.º do CPC, ou ainda outros procedimentos cautelares especiais previstos em leis avulsas.
É importante sublinhar que para decretamento das providências cautelares requeridas terão que estar reunidos os pressupostos genéricos, comuns a todos os procedimentos cautelares, e aqueles especificamente previstos para o concreto procedimento que esteja em causa.
No caso presente, estamos perante um procedimento cautelar específico, a suspensão de deliberações sociais, cujo regime processual se encontra regulado nos art.º 380.º a 383.º do CPC.
Estabelece o aludido art. 380º do CPC:
1 - Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.
2 - O sócio instrui o requerimento com cópia da acta em que as deliberações foram tomadas e que a direcção deve fornecer ao requerente dentro de vinte e quatro horas; quando a lei dispense reunião de assembleia, a cópia da acta é substituída por documento comprovativo da deliberação. (…).
Por sua vez, o n.º 1 do art.º 383.º do Código de Processo Civil determina que “o disposto nesta secção é aplicável, com as necessárias adaptações, à suspensão de deliberações anuláveis da assembleia de condóminos de prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal.
Constituem, desde modo, pressupostos gerais cumulativos da suspensão das deliberações da assembleia, para além dos pressupostos gerais do procedimento comum, os seguintes:
a) A ilegalidade da deliberação (por contrariedade à lei, aos estatutos ou ao pacto social);
b) A qualidade de sócio/condómino;
c) A probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação.
Aqui chegados, diremos que se nos afiguram inteiramente pertinentes os considerandos expostos na douta sentença recorrida.
Entendeu o julgador da primeira instância que, indagando pelo preenchimento dos pressupostos necessários a sustentar o pedido, ressaltava desde logo a falta da atrás referida “probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação”.
Com efeito, sem esse requisito não pode proceder a pretensão dos requerentes, e no caso apresenta-se como líquido que ele não se encontra preenchido. Não se descortina a existência de “dano apreciável” resultante da execução das deliberações em questão e afigura-se que tal suspensão implicaria para o conjunto do aldeamento prejuízo muito superior ao que o grupo de requerentes pretende evitar.
Como sublinhou a sentença impugnada, “em processo cautelar de suspensão de deliberação, os Requerentes – para obterem a tutela pretendida – têm necessariamente de alegar, por meio de factos concretos, os pressupostos gerais cumulativos da suspensão das deliberações da assembleia supra elencados (a sua qualidade de sócio/condómino; ilegalidade da deliberação e o dano apreciável).”
Por esta razão, é unânime a jurisprudência que sustenta a evidência da necessidade de “alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade, o que acarreta a certeza ou, pelo menos, a probabilidade muito forte e séria de que a execução da deliberação poderá causar prejuízo apreciável”, não se prescindindo, deste modo, da demonstração, em concreto, de um certo perigo de ocorrência de consequências prejudiciais que impliquem a verificação de um dano e a sua influência na esfera jurídico-patrimonial dos Requerentes, permitindo-se assim perspectivar a emergência da tutela requerida ao Tribunal.”
“Um dano apreciável será assim, sempre, num conceito carecido de densificação através da alegação e comprovação de factos, de onde possa extrair-se a conclusão de que a execução da deliberação acarretará um prejuízo significativo, relevante ou de “aparente dignidade, estimável, mas não o dano irreparável, insusceptível de compensação”.
“Neste contexto, a jurisprudência portuguesa já tem decidido que:
a) Não configura um dano apreciável o aumento de 10% no valor da prestação anual de condomínio (em valores líquidos mensais situados entre os €14,00 e os €21,00)5;
b) Nem configura um dano apreciável uma quota anual de €530,71, quanto ao Requerente da providência (mesmo que a execução da deliberação em causa envolva a verba global de €436.050,00)6;
c) Configura dano apreciável a expulsão de um sócio”.
E conclui por isso a sentença impugnada:
“Na situação dos autos, os Requerentes não alegam ou de modo aproximado especificam, quais os possíveis montantes de prejuízos que para si advieram e/ou poderiam advir das deliberações tomadas na assembleia de 02 de Abril de 2022.”
Recordamos que os Requerentes, depois de enquadrarem historicamente a situação jurídica do aldeamento turístico Palmela Village, alegam que no dia 02 de Abril do corrente ano de 2022 foi realizada uma assembleia onde foram tomadas várias deliberações que reputam de ilegais, designadamente:
a) Deliberação de aprovação das contas (que não foram devidamente esclarecidas);
b) Deliberação referente ao pagamento de quotas extraordinárias, para colocação de caixas de correio (porque não é imputável aos comproprietários nem foi reunido quórum para o efeito);
c) Deliberação de substituição da entidade explorada do aldeamento turístico (porque foi uma decisão «surpresa» e sem que se conheçam as credenciais da futura entidade exploradora); e
d) Deliberação de alteração do título constitutivo (sem comunicação prévia aos comproprietários, não tendo sido enviada a proposta com a convocatória).
Não se encontra depois na argumentação dos recorrentes qualquer explicação ou concretização ou quantificação sobre qual o dano que resultará da execução destas deliberações, de modo a que o tribunal possa ajuizar se há ou não “dano apreciável”.
Nem se descortina porque não poderão tais ilegalidades, a existirem, ser conhecidas em acção própria, como é de regra, e terão que ser feitas valer em procedimento cautelar.
Os Apelantes, no requerimento inicial ou nas alegações de recurso, não alegaram sequer qual é o valor que em decorrência das deliberações que pretendem ver suspensas, lhes causaria o suposto “dano apreciável”.
Ora, como se fez notar na douta sentença recorrida, se a construção da estrutura para os receptáculos de correio implica o pagamento único de um valor que varia entre €9,50 e €29,00 por proprietário, eventualmente acrescido de €30,00, caso o concreto proprietário em causa careça de caixa de correio (por dela não dispor), o pagamento de valores desta ordem de grandeza não é evidentemente reconduzível a “danos apreciáveis”.
Muito menos é aceitável a contraposição entre esse eventual “dano” e os prejuízos resultantes da suspensão de deliberações de uma assembleia onde os interessados correspondem a um aldeamento que inclui 1366 fracções imobiliárias.
Os requerentes baseiam as suas pretensões exclusivamente na imputação das ilegalidades que alegam existir “no decorrer de todos estes anos, na prática de atos que (…) desprotegem os proprietários que, ainda hoje, desconhecem o regime legalmente aplicável às suas frações, e as suas obrigações, no que diz respeito à exploração turística do Aldeamento (…)” sendo daqui que essencialmente resulta – segundo alegado – o “dano verdadeiramente irreparável e que se manterá no futuro.”
Porém, nada nessas considerações fundamenta especificamente a suspensão das deliberações tomadas na assembleia de 2 de Abril de 2022. E essas é que estariam em causa no procedimento.
Na verdade, em relação a essas os requerentes pretendem a sua suspensão por discordarem delas, colocando desse modo em crise a maioria dos proprietários, que as votaram. No fundo o que os apelantes pretendem é que o Tribunal suspenda as deliberações tomadas na Assembleia de 02.04.2022, não por as mesmas serem ilegais mas sim por não concordarem com as mesmas.
Como muito bem considerou a sentença revidenda:
“Há que ser claro que não estão em causa outras ou diferentes deliberações que não a de 02 de Abril de 2022, donde a questão da legitimidade para a convocatória ou legitimidade para exercer o cargo de entidade gestora/exploradora/responsável pelo Aldeamento, não foi conferida por tal assembleia. O processo cautelar de suspensão de deliberação visa atalhar questões imediatas e prementes que possam causar prejuízo apreciável e não a outras já consolidadas (daí um curto prazo de caducidade de 10 dias).”
“De facto, a alegação de insuficiência ou deficiente explicação das contas apresentadas (e aprovadas) não é suficiente para conjecturar daí um dano (que, a existir, não é quantificado ou delimitado de modo a poder considerar-se ser apreciável ou não).”
“Também no que concerne às quotas aprovadas para suporte de construção de estrutura para acolher caixas de correio não é alegado qualquer prejuízo concretamente quantificável, sendo as requeridas quem enquadra o custo que varia entre os €29,00 para uma moradia de 220 m2 e de € 9,50 para um apartamento T0 (sendo de €30,00 para quem não tem caixa de correio actualmente), o que não custa aceitar, sabendo-se da experiência comum que um receptáculo de caixa do correio (ou a construção de uma estrutura, com custos a repartir por mais de 1500 fracções) não implica um valor expressivo ou significante, apto a justificar a necessidade de tutela cautelar, o qual – a existir – será facilmente reparável por meio da acção de mérito que venha a existir.”
“Por último, apesar de se alegar que a alteração da exploração do Aldeamento, da 2.ª Requerida para terceiros – ficando os proprietários sem esclarecimentos adicionais da razão de tal alteração e sem indicação de sugestões ou alternativas para outras entidades assumirem a exploração do Aldeamento Turístico –, também não conforma (porque não alegado) um dano apreciável, o mesmo se podendo dizer em relação à deliberação de alteração do título constitutivo.”
“Importa atentar que a delimitação dos danos apreciáveis constitui matéria de facto de que depende uma concreta e circunscrita alegação de facto, não cabendo neste âmbito despacho de aperfeiçoamento, já que este apenas se dirige a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (art.º 590.º n.º 4 do CPC), e não em situações de total omissão de factos constitutivos da pretensão (ou seja, factos essenciais), como é a alegação dos concretos danos apreciáveis que se visam evitar”.
“Desta forma, é possível afirmar, com segurança, que os elementos constantes da alegação de facto que estrutura o requerimento inicial, não permite – mesmo a demonstrar-se a integralidade da factualidade narrada – que se conclua pela verificação dos pressupostos necessários a decretar a providência requerida, sendo por isso desnecessário, porque inútil, prosseguir com a acção para a fase de produção de outra prova, razão pela qual deve ser liminarmente indeferido o pedido de tomada de providência cautelar de suspensão de deliberação social requerida, em conformidade com o disposto no art.º 226.º, n.º 4, alínea b) do Código de Processo Civil.”
Concordamos inteiramente com o decidido, pelo que, sem outros considerandos, acordamos em confirmar a sentença apelada.
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VII - DECISÃO
Por tudo o exposto, julgamos improcedente a apelação, mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas a cargo dos requerentes (cfr. art. 539.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Évora, 29 de Setembro de 2022
José Lúcio
Manuel Bargado
Albertina Pedroso