RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PRESSUPOSTOS
ACORDÃO FUNDAMENTO
ACÓRDÃO RECORRIDO
CONTRAORDENAÇÃO
INDEFERIMENTO
Sumário


I - Dispõe o art. 437.º, n.º 1, do CPP, sobre o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que “Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.”.
II - Mais, prevê o n.º 2 do mesmo preceito legal que “É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça”, e de acordo com o n.º 3 do mesmo normativo “Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.”, sendo que, nos termos do n.º 4 “Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado”.
III - Constituem pressupostos de natureza substancial:
(i) a existência de dois acórdãos (o recorrido e o fundamento) que respeitem à mesma questão de direito e a justificação da oposição entre os mesmos que motiva o conflito de jurisprudência (deve resultar explícita os termos em que a contradição se verifica);
(ii) a identidade de legislação do domínio da qual foram proferidas as decisões, ou seja, que, no período compreendido entre a prolação das decisões conflituantes, não exista alteração ou modificação do texto da lei que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão controvertida;
(iii) a existência de soluções opostas, que assentem em decisões de sinal contrário, ou seja, que a questão seja decidida em termos expressamente contraditórios, relevando uma patente posição divergente sobre a mesma questão de direito;
(iv) a identidade das situações de facto, i. e., a identidade de facto respeitante à mesma questão de direito que é, justamente, a tratada no fundamento.
IV - Ou seja, é necessária a existência de duas decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação. Com efeito, exige-se que a questão de direito seja examinada nos dois acórdãos em confronto, com soluções antagónicas e manifestamente opostas, no sentido de revelar, em face da tomada de posição explícita e divergente, uma nítida contradição entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento.
V - Quanto ao último pressuposto, a identidade de situações de facto, não se mostrando expressamente previsto na lei, foi aditado pelo STJ, na medida em que se passou a considerar incontornável a necessidade de identidade de factos, não sendo suficiente apenas a oposição entre as soluções de direito.
VI - A recorrente, considera que o acórdão recorrido está em oposição com o acórdão fundamento, no que se reporta à interpretação do conceito de ordens e instruções expressas, emitidas e divulgadas em termos passíveis de afastar a responsabilidade da pessoa colectiva, nos termos do disposto no art. 11.º, n.º 6, do CP e art. 3.º, n.º 3 da Lei n.º 99/2009, de 04-09.
VII - Em ambos os acórdãos, se dá como provado a existência de um Manual de Procedimentos para o respectivo sector de actividade com instruções para os seus trabalhadores.
VIII - Contudo, no acórdão recorrido, deu-se como assente que tal Manual não estava ao livre e fácil acesso dos trabalhadores. A sua existência era meramente formal e desacompanhada da emissão de ordem ou instrução quanto ao cumprimento pelos seus funcionários das exigências consagradas no DL n.º 156/2005, de 15-09, que instituiu a obrigatoriedade de existência e disponibilização do livro de reclamações a todos os fornecedores de bens ou prestadores de serviços que tenham contacto com o público. De resto, não se provou sequer que tal Manual fosse do conhecimento de todos os trabalhadores da recorrente ou que aqueles soubessem que não podiam deixar de facultar o livro de reclamações a um cliente.
IX - Ao invés, no acórdão fundamento, ficou provado que as instruções ínsitas no Manual de Procedimentos foram explanadas pelos trabalhadores da recorrente, designadamente, através de formação obrigatória para aquelas funções – desde logo, porque as regras nele contidas integravam o conteúdo funcional da sua actividade principal e que a prática da contraordenação deveu-se à conduta de dois funcionários da recorrente que, contrariando tais instruções, prestaram assistência a um voo proveniente do Reino Unido (que não faz parte do espaço Schengen) e não encaminharam os respectivos passageiros para a porta designada para o desembarque dos passageiros provenientes de voos não Schengen.
X - Assim, do confronto dos dois arestos resultam diferenças. É facto que, em ambas as situações, os trabalhadores das recorrentes violaram instruções ínsitas nos respectivos Manuais de Procedimento. No entanto, no acórdão recorrido não há evidência de que os trabalhadores tivessem efectivo conhecimento do seu conteúdo, enquanto no acórdão fundamento tal conhecimento foi dado como provado. E, por essa razão, embora num primeiro momento, se tenha dado como assente no acórdão fundamento, a responsabilidade da recorrente por acto ordenado por quem ocupava uma posição de liderança, tal responsabilidade veio a ser excluída porque o agente (seu funcionário) actuou contra ordens e instruções expressas da recorrente (cf. art. 11.º, n.º 6, do CP, aplicável ex vi do art. 32.º, do RGCO).
XI - Ambos os acórdãos partem de uma narrativa factual divergente, ou, pelo menos, não inteiramente coincidente, e, por essa razão, não se extrai, do confronto dos mesmos, uma contradição ou dissenso no tratamento da questão de direito.
XII - Desta feita, não se vislumbra a existência de soluções opostas, pois esta pressupõe que é idêntica a situação de facto nos dois acórdãos, havendo em ambos uma expressa resolução de direito, sobre situações semelhantes. No caso, são distintas as duas realidades fácticas, o que impede que se considere que possa existir, no acórdão recorrido, uma solução jurídica, expressamente proferida, em oposição com o acórdão fundamento.

Texto Integral




Processo nº 92/21.9YULTR.L2-A.S1.S1

 Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência

I. Relatório

1. CTT - CORREIOS DE PORTUGAL, S.A. ("CTT"), inconformada com o acórdão proferido em 03.02.2022, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado, tirado no âmbito do processo nº 92/21.9YULTR.L2-PICRS, que negou provimento ao recurso interposto pela arguida da sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de 14.10.2021, veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando verificar-se a oposição entre o citado acórdão recorrido proferido no Processo n.º 92/21.9YULTR.L2-PICRS, em 03-02-2022, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado, e o acórdão do Tribunal da Relação de Porto, proferido no Processo n.º 4679/11.0TBMAI.P1, em 06-06-2012, também já transitado em julgado.

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2. No recurso apresentado, extrai as seguintes conclusões:

1. O presente recurso de fixação de jurisprudência vem interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a sentença do Tribunal de Concorrência, Regulação e Supervisão, a qual condenara os CTT pela prática de 16 (dezasseis) contraordenações ("Acórdão Recorrido"), por se encontrar em contradição com o Acórdão da Relação do Porto de 06.06.2012, processo n.º 4679/11.0TBMAI.P1 ("Acórdão Fundamento").
2. O presente recurso está em tempo, uma vez que os CTT foram notificados da Decisão Sumária do Tribunal Constitucional, proferida no recurso de constitucionalidade interposto pela Recorrente, decisão transitada em julgado no dia 31.03.2022, ao abrigo do disposto no artigo 80.- n.º 4 da Lei do Tribunal Constitucional.
3. O Acórdão Recorrido não admite recurso ordinário, por força do disposto no artigo 75.º, n.º 1 do RGCO.
4. Ambos os Acórdãos Recorrido e Fundamento assentam na interpretação da norma que determina a exclusão da responsabilidade de pessoas coletivas, ao abrigo dos artigos 11.º n.º 6 do Código Penal e 3.º n.º 3 da Lei n.º 99/2009, concretamente no que respeita ao conceito de instruções e ordens expressas.
5. O Acórdão Recorrido considera que, apesar da elaboração de um Manual de Procedimentos com comandos dirigidos aos seus trabalhadores, no sentido de evitar comportamentos passíveis de consubstanciar a prática das contraordenações em causa, e apesar de tal Manual ter sido transmitido aos seus colaboradores, ainda que de forma informal:
i. tal Manual "jamais" poderia ser considerado uma ordem ou instrução expressa destinada ao cumprimento das normas aplicáveis; e
ii. mesmo tendo o referido Manual sido divulgado aos trabalhadores, é necessário demonstrar a existência de formação específica com determinadas características ou mesmo a efetiva apreensão do seu conteúdo.
6. É esta interpretação do conceito de ordens e instruções expressas, emitidas e divulgadas em termos passíveis de afastar a responsabilidade da pessoa coletiva, que se encontra em oposição, face à aplicação do mesmo regime pelo Acórdão da Relação do Porto de 06.06.2012, processo n.º 4679/11.0TBMAI.P1, disponível em www.dgsi.pt.
7. Ainda que a questão de direito sob análise seja discutida no âmbito de casos com as suas particularidades, tal não impede que esteja verificada a identidade de factos nem que a questão de direito em apreço nos dois acórdãos seja fundamentalmente a mesma e haja sido decidida de modo oposto.
8. A questão de direito em apreço nos dois Acórdãos é a seguinte: "A elaboração e divulgação de um manual de procedimentos, com comandos expressos, destinados a dar cumprimento às disposições legais aplicáveis, consubstancia uma instrução ou ordem expressa, com o efeito da exclusão da responsabilidade da pessoa coletiva para efeitos do disposto no artigo 3°, n.º 3 da Lei n.º 99/2009 e no artigo 11.º, n.º 6 do C.P?"
9. No Acórdão Recorrido, decide-se que não, porque a existência de tal Manual não configura ordem ou instrução expressa e porque se exigem procedimentos adicionais de divulgação e implementação do referido manual para ser satisfeito o "standard aplicável para efeitos de ordens ou instruções".
10. No Acórdão Fundamento, responde-se que sim, considerando-se que a emissão e a explanação de comandos através de um manual de procedimentos são adequadas para afastar a responsabilidade da pessoa coletiva.
11. Pelo exposto, verifica-se que que estão cumpridos os requisitos impostos pelo artigo 437.º do CPP para que o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência seja admitido.

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3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa respondeu ao recurso, concluindo:

1 - Ambos acórdãos se encontram transitados em julgado e o recurso foi interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão ora recorrido;

2 - No período de tempo que mediou entre a data em que foi proferido o acórdão fundamento e o acórdão recorrido, não houve lugar a alteração da norma que lhes serve de fundamento;

3 - Contudo, o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento pronunciaram-se sobre situações de facto distintas, e como tal, não estamos perante dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas;

4 - Com efeito, contrariamente ao alegado pela recorrente, a existência, por si só, de um Manual de Procedimentos não é suficiente para que se possa excluir a responsabilidade da pessoa coletiva, quando algum dos procedimentos nele contidos não é cumprido, sobretudo quando não integram o conteúdo funcional principal desenvolvida pelos trabalhadores;

5 - É preciso que seja demonstrado e provado que os trabalhadores conhecem essas regras e procedimentos, o que não se verificou no caso dos autos em que as situações foram diversas e ocorreram em diferentes locais do país;

6 - No acórdão fundamento o conteúdo do Manual foi divulgado no âmbito da formação dada aos trabalhadores e a regra nele contida e não cumprida, (por erro do trabalhador), integra o conteúdo funcional da atividade desenvolvida pelo mesmo;

7 - Não ocorre, assim, a oposição de julgados suscitada pelo Recorrente e, consequentemente, não se verificam os requisitos legais previstos no art. 437° do C. de Processo Penal.

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 4. Distribuído o processo como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência no Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 439.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o processo foi com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no art. 440.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, tendo o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido de que o presente recurso deve ser rejeitado por inexistir oposição de julgados relativamente à mesma situação de facto.

Em suma, considera que, no acórdão recorrido, não se discutiu a aplicação do disposto nos art. 11.º, n.º 6, do CP por ter ficado assente que os funcionários da recorrente, ao incumprirem as regras dos arts. 3.º, n.º 1, als. a) e b), e 5.º, n.º 4, do Dl n.º 165/2005, de 15-09, não o fizeram contra qualquer «ordem ou instrução» expressa da arguida, já que o Manual de Procedimentos tinha uma existência meramente formal, ao passo que na hipótese tratada no acórdão fundamento a arguida «explanou» aos respectivos funcionários as instruções de procedimento aplicáveis ao embarque e desembarque de passageiros aerotransportados e foram aqueles que (por incúria, é certo) as contrariaram (e daí que a arguida fosse absolvida ao abrigo do art. 11.º, n.º 6, do CP).

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5. CTT- CORREIOS DE PORTUGAL, S.A. ("CTT"), notificada do Parecer do Ministério Público, veio apresentar resposta ao mesmo, com os seguintes fundamentos:

«1 - ENQUADRAMENTO PRÉVIO

1. Na sentença proferida em primeira instância pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão ("TCRS") em 14.10.2021 ("Sentença"), foram os CTT condenados no pagamento de uma coima única no montante de € 30.000,00 (trinta mil euros) pela prática de 16 (dezasseis) contraordenações, relacionadas com a alegada:

(i)   não disponibilização imediata do Livro de Reclamações (8 contraordenações);

(ii) inexistência de Livro de Reclamações dos CTT em Juntas de Freguesia (7 contraordenações); e (iii) não disponibilização do duplicado da reclamação (1 contraordenação).

2. No presente recurso, por não estarem em causa questões factuais, os CTT coibiram-se de tecer comentários relativamente aos factos considerados provados na Sentença.

3. No entanto, face às considerações profundamente erradas e injustas contidas no Parecer, no

sentido de que a putativa existência «meramente formal» do manual de procedimentos seria sustentada pelo "número e a dispersão geográfica das infracções cometidas",

4. não podem os CTT deixar de sublinhar, a título prévio, que:

(i) por um lado, estão em causa contraordenações relacionadas com minúcias de um procedimento complexo de atendimento completo, incluindo a relevância da passagem de minutos entre o pedido do livro de reclamações e a sua entrega, em diversos casos contextualizada pela chamada de agentes da polícia face a ameaças graves sofridas por funcionários dos CTT ou a preservação do livro de reclamações em local seguro na sequência de furtos do mesmo;

(ii) por outro lado, os CTT são uma empresa com mais de 2.000 postos espalhados pelo território nacional, empregando acima de 10.000 colaboradores, que disponibilizam diariamente o livro de reclamações e o respetivo duplicado aos clientes que o pedem, pelo que a hipotética existência de falhas pontuais não macularia o histórico de cumprimento reiterado e generalizado da Recorrente e dos seus funcionários ao longo dos anos.

II - DA SUPOSTA INCOINCIDÊNCIA DE PRESSUPOSTOS DE FACTO

5. Em qualquer caso, o Ministério Público emitiu o seu Parecer no sentido de que o presente recurso deveria ser julgado inadmissível, por não coincidirem os pressupostos de facto do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento.

6. Ora, esta conclusão parte de uma equiparação equivocada entre:

(i)   ações de formação específicas - que o TCRS e o Acórdão Recorrido consideraram inexistirem; e (ii) explanação de conteúdos do manual - que é pressuposto de facto tanto do Acórdão Fundamento como do Acórdão Recorrido.

Vejamos.

7. A Sentença do TCRS, de que parte o Acórdão Recorrido, reconhece expressamente o seguinte:

"Os trabalhadores inteiram-se do teor do [Manual] sobre atendimento, através de conversas e

reuniões com o responsável da loja e trocas de ideias quando ocorrem alterações ao Manual",

8. ainda que essa formação não seja ministrada, nas palavras do TCRS, por "formadores capacitados e acreditados" (cfr. pontos 135 e 136 da Sentença).

9. Ora, é igualmente desta premissa factual que parte o TRL no Acórdão Recorrido.

10. Este entendimento é confirmado pela decisão do mesmo TRL no incidente pós-decisório suscitado pelos CTT,

11. no qual o TRL conclui que "não pode a simples existência de um manual [...] e a verificação de genéricas acções deformação constituir o procedimento adequado a evitar as situações que se verificaram".

12. Ou seja, o Acórdão Recorrido admite a existência de sessões de explicação do teor do Manual de Procedimentos perante os trabalhadores, através de sessões que o TCRS qualificara como conversas ou reuniões.

13. Desta forma, não se vê como se possa negar que o Acórdão Recorrido assentou no pressuposto factual de que as normas do Manual de Procedimentos em causa foram explanadas aos funcionários dos CTT, ainda que através de reuniões, conversas ou ações de formação genéricas.

14. De resto, importa notar que a (in)existência de ordem ou instrução não consubstancia um pressuposto factual,

15. mas qualificativos jurídicos que podem ou não incluir uma diversidade de comunicações, incluindo mensagens escritas, e-mails, conversas, reuniões, periódicas ou esporádicas, ações de formação, genéricas e/ou específicas, etc.

16. Assim, o entendimento do TCRS de que, "[n]os CTT, não existia ordem ou instrução atinente ao cumprimento dos preceitos aqui em causa (não disponibilização do livro de reclamações...).", corroborado pelo Acórdão Recorrido,

17. não consiste num pressuposto de facto, mas numa conclusão jurídica que se distancia do Acórdão Fundamento.

18. Com efeito, o Acórdão Fundamento, ao verificar que a Arguida "explanou as instruções dadas aos funcionários responsáveis pelo embarque e desembarque de passageiros no Manual de Passageiros para o Aeroporto ..." [item 4], cujos procedimentos, se seguidos pelos trabalhadores em causa, permitiriam inviabilizar a conduta que deu causa à contraordenação verificada",

19. conclui pela existência de ordens ou instruções expressas para efeitos de exclusão de responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva.

20. Assim, como se referiu no presente recurso, o Acórdão Recorrido estabelece um standard

aplicável para efeitos de ordens e instruções significativamente mais exigente que o Acórdão

Fundamento,

21. Em particular, o Acórdão Recorrido adota o entendimento de que a falta de formação específica, conduzida por formadores capacitados e acreditados, preclude que normas contidas em políticas internas e transmitidas aos colaboradores sejam vistas como ordens ou instruções,

22. Ao invés, o Acórdão Fundamento sustenta que a existência de comandos expressos num manual pode permitir a exclusão da responsabilidade contraordenacional da Recorrente, designadamente quando explanados aos funcionários, ainda que o não sejam através de formações específicas e acreditadas.

III - DA APLICAÇÃO NORMATIVA NO ACÓRDÃO RECORRIDO

23. No mais, entendeu o Parecer o seguinte: "No acórdão recorrido não se discutiu a aplicação do disposto nos art. 11.º, n.º 6, do Código Penal por ter ficado assente que os funcionários dos CTT, ao incumprirem as regras dos arts. 3.º, n.º 1, als. a) e b), e 5.º, n.º 4, do Dec. Lei 165/2005 de 15.09, não o fizeram contra qualquer «ordem ou instrução» expressa da arguida."

24. Ora, de acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 6 do Código Penal - aplicável a processos contraordenacionais por remissão do artigo 41.º do RGCO - "[a] responsabilidade das pessoas coletivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver atuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito."

25. Estando expressamente plasmado no Acórdão Recorrido que:

(i)   o "Manual jamais pode ser considerado uma concreta ordem ou instrução"; e

(ii) "A existência do Manual significa apenas que a Recorrente formulou um conjunto de normas próprias para a regulação da atividade dos seus empregados, mas não mais que isso",

26. não se compreende, salvo melhor opinião, como se possa sustentar que a questão jurídica relativa à exclusão da responsabilidade da pessoa coletiva por emanação de ordens ou instruções não foi objeto da decisão,

27. Em qualquer caso, sublinhe-se que, para efeitos do presente recurso, o que importa é que haja coincidência do ponto jurídico sob discussão, não da disposição concretamente aplicável (cfr., a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.01.2021, processo n.º 109/12.8GDARL.E3-A.S1, disponível em www.dgsi.pt).

28. Motivo pelo qual a diversidade de disposições aplicáveis no âmbito contraordenacional, no que respeita à questão subjudice, não deve obstará admissibilidade do presente recurso.

Termos em que deve ser admitido e dado provimento ao presente recurso extraordinário de fixação jurisprudência, por estarem verificados os pressupostos dos quais o mesmo depende, nos termos do artigo 437.3, n. 2, 3 e 4 do CPP, devendo ser fixada jurisprudência no sentido que, oportunamente, se avançará em sede de alegações».

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6. Efectuado o exame preliminar, remeteu-se o processo a vistos legais e de seguida à conferência, de acordo com o disposto no art. 440.º do Código de Processo Penal, pelo que cumpre apreciar e decidir.

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II Fundamentação

II. 1. Dispõe o art. 437.º, n.º 1, do CPP, sobre o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que “Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.”.

Mais, prevê o n.º 2 do mesmo preceito legal que “É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça”, e de acordo com o n.º 3 do mesmo normativo “Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.”, sendo que, nos termos do n.º 4 “Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado”.

De acordo com o n.º 5 do mesmo preceito legal, têm legitimidade para interpor este recurso extraordinário, o arguido, o assistente e as partes civis, sendo o mesmo obrigatório para o Ministério Público.

Por outro lado, esta disposição liga-se com o n.º 3 do art. 445.º do CPP que prevê que “[…] A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão. […]”. Entende-se, pois, que incumbe ao tribunal que não acate tal jurisprudência, um particular dever de fundamentação (aduzindo uma nova argumentação) de modo a convencer da razoabilidade da divergência sustentada, havendo recurso nos termos do art. 446.º, do CPP, para permitir uma reponderação que atenda aos novos argumentos não abrangidos no acórdão que fixou jurisprudência.

Quanto ao regime de interposição, efeito e processamento do recurso, este mostra-se previsto no capítulo "Da fixação de jurisprudência" (Capítulo II, do Título II "Dos recursos extraordinários", do Livro IX "Dos recursos") - cf. art. 437.º e ss, do CPP.

E, sendo assim, tem assumido a jurisprudência que, para a admissibilidade deste recurso extraordinário, impõe-se a verificação de determinados pressupostos de natureza formal e substancial (cf. arts. 437.º e 438.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).

Seguindo de perto o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11-03-2021, diremos que:

“[…] Entre os pressupostos de natureza formal, contam-se: (1) a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido; (2) a invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso; (3) a identificação do acórdão fundamento, com o qual o recorrido se encontra em oposição; (4) o trânsito em julgado de ambas as decisões; (5)a legitimidade do recorrente, restrita ao Ministério Público, ao arguido, ao assistente e às partes civis.

Constituem pressupostos de natureza substancial: (1) a justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência; e (2) a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões. 

A exigência de oposição de julgados deve considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente de modo expresso, sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação: (1) Os dois acórdãos em conflito do STJ e/ou do tribunal da Relação se refiram à mesma questão de direito; (2) Os dois acórdãos em conflito do STJ e/ou da Relação sejam proferidos no âmbito da mesma legislação; (3) Haja entre os dois acórdãos em conflito “soluções opostas “; (4) A questão decidida em termos contraditórios tenha sido objecto de decisão expressa em ambos os acórdãos, não bastando que a oposição se deduza de posições implícitas; (5) As situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos. […]”.[1]

Assim, contam-se como pressupostos de natureza formal:

(i) a interposição de recurso no prazo de 30 dias após o trânsito da decisão proferida em último lugar;

(ii) a identificação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso, com o qual se encontra em oposição e, se estiver publicado o lugar da publicação;

(iii) o trânsito em julgado, de ambas as decisões, pois deverá estar esgotada a possibilidade de recurso ordinário;

(iv) a legitimidade do recorrente (sendo esta restrita ao Ministério Público, ao arguido, ao assistente e às partes civis), devendo existir, ainda, interesse em agir destes últimos, pois para o Ministério Público o recurso é obrigatório.

O prazo para interposição do recurso mostra-se previsto no art. 438.º, n.º 1 do CPP, sendo que a sua violação, ou seja, a interposição de recurso fora de tempo, implica, nos termos do art. 414.°, n.° 2, do CPP, subsidiariamente aplicável ao recurso extraordinário de decisão proferida para fixação de jurisprudência, por força do art. 448.° do CPP, a sua não admissão.

Como bem se explica no acórdão deste Tribunal de 31-01-2012, o tempo do recurso é o definido naquele artigo que não se limita a prescrever a duração do respectivo prazo (30 dias), mas define igualmente o facto que determina o início da contagem desse prazo, que é o trânsito em julgado do acórdão recorrido. Antes desse trânsito em julgado, não começa a correr o prazo, pelo que é intempestivo o requerimento de interposição de recurso extraordinário de revisão que seja entretanto apresentado.[2].

O trânsito em julgado, por seu turno, encontra-se definido no art. 628.º, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP, e conta-se a partir da notificação da decisão, sendo que no caso da sentença, tal prazo é contado a partir da data do seu depósito na secretaria. Deste modo, a decisão estará transitada em julgado quando já não for susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.

Assim, apenas será de admitir o recurso extraordinário quando se mostre esgotada a via ordinária.

E, só, após esgotados todos os meios ordinários ao seu dispor, poderá tal decisão ser objecto de recurso extraordinário nos termos do disposto no art. 437.º, do CPP: “[…] O trânsito em julgado de uma decisão desempenha um papel fulcral na segurança jurídica. Conforme jurisprudência uniforme deste STJ, uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (art. 628.º, CPC, ex vi art. 4.º, CPP, ac. STJ 11-03-2021, http://www.dgsi.pt). E deixa de ser suscetível de reclamação transcorrido o respetivo prazo ou se, em momento anterior, os sujeitos processuais com legitimidade para tal renunciarem expressamente a arguição de nulidades e o despacho a reconhecer o trânsito em julgado ocorrer antes da interposição do recurso para fixação de jurisprudência (art. 107.º, n.º 1, CPP, ac. STJ 21-04-2010, http://www.dgsi.pt).

Concluindo: Interposto recurso de fixação de jurisprudência antes do trânsito em julgado da decisão proferida no acórdão recorrido, leva à rejeição (art. 441.º, n.º 1, do CPP), porque não se verificam os fundamentos do recurso extraordinário exigidos pelo arts. 437.º, n.ºs 2 e 4 e 438.º, n.º 1, do CPP. […]”.[3]

A este respeito, refere Pereira Madeira que “[…] Obviamente que a possibilidade de recurso extraordinário não afasta possibilidade de esgotamento dos recursos ordinários, seja porque a eles se lançou mão sem êxito, seja porque não importa o motivo, se deixou precludir o direito a recorrer, mormente por trânsito em julgado da decisão recorrida. Porém, se o recurso é interposto antes do trânsito em julgado da decisão, ele deverá seguir o rumo do recurso ordinário, já que, por essa via bem pode acontecer que seja posto termo à impugnada violação de jurisprudência, não se justificando, por isso, o recurso ao meio extraordinário, que justamente porque o é, só deve ser usado quando [já] não seja possível lançar mão dos meios ordinários de solução do litígio. […]”[4].

A identificação do acórdão fundamento impõe ao recorrente o ónus de concretizar os seus elementos, com indicação do tribunal onde foi proferido, a data da prolação da decisão, o local e a data da sua publicação se ela tiver ocorrido, devendo juntar preferencialmente cópia legível da publicação.

Decorre, pois, da letra da lei, como condição necessária ao recurso para fixação de jurisprudência - e sob pena de rejeição do mesmo - a necessidade de indicação de um único acórdão fundamento, não havendo lugar a formulação de convite à correcção da motivação e conclusões do recurso quando sejam indicados vários.

Este entendimento é o único que dá viabilidade prática a este recurso extraordinário e constitui jurisprudência pacífica do STJ: “[…] O recorrente interpôs recurso extraordinário de fixação jurisprudência, e ao invés de indicar como fundamento um acórdão anterior em relação ao qual o acórdão recorrido se encontrava em oposição, indicou dois acórdãos fundamento do STJ para fundamentar o seu ponto de fixação de oposição, contudo a verificação da oposição de julgados só pode ter por objecto duas decisões concretas, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, os quais irão permitir que se proceda a uma comparação dos respectivos pressupostos de facto, de forma a aferir se se está perante uma mesma situação, que irá constituir a base da decisão da mesma questão de direito. O STJ tem entendido que não lhe cabe a obrigação de formular um qualquer “convite” ao recorrente, no sentido de proceder ao cumprimento daquela obrigação, conforme resulta do art. 440.º do CPP, que regula a tramitação do recurso extraordinário de fixação jurisprudência, o qual reveste natureza excepcional, devendo proceder-se a uma interpretação rigorosa das respectivas normas, de forma a obstar a que o mesmo se transforme em mais um recurso ordinário. […]”.[5]

Quanto à legitimidade, pressuposto previsto no art. 437.º, n.º 5, do CPP, impõe-se dizer que o recorrente deverá ter interesse em agir que se traduz na possibilidade de a decisão que resolver o conflito ter uma repercussão favorável ao recorrente no processo em que foi interposto (cf. art. 445.º, n.º 1, do CPP).

Por seu lado, os pressupostos de natureza substancial são os seguintes:

(i) a existência de dois acórdãos (o recorrido e o fundamento) que respeitem à mesma questão de direito e a justificação da oposição entre os mesmos que motiva o conflito de jurisprudência (deve resultar explícita os termos em que a contradição se verifica);

(ii) a identidade de legislação do domínio da qual foram proferidas as decisões, ou seja, que, no período compreendido entre a prolação das decisões conflituantes, não exista alteração ou modificação do texto da lei que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão controvertida;

(iii) a existência de soluções opostas, que assentem em decisões de sinal contrário, ou seja, que a questão seja decidida em termos expressamente contraditórios, relevando uma patente posição divergente sobre a mesma questão de direito;

(iv) a identidade das situações de facto, i. e., a identidade de facto respeitante à mesma questão de direito que é, justamente, a tratada no fundamento.

Ou seja, é necessária a existência de duas decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação.

Com efeito, exige-se que a questão de direito seja examinada nos dois acórdãos em confronto, com soluções antagónicas e manifestamente opostas, no sentido de revelar, em face da tomada de posição explícita e divergente, uma nítida contradição entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento.

Por outro lado, os preceitos legais em causa num e noutro processo devem ser os mesmos e devem ter sido interpretados e aplicados de forma dissonante a factos idênticos em ambos os acórdãos – no domínio da mesma legislação.

Segundo Pinto de Albuquerque os acórdãos são proferidos “[…] “no domínio da mesma legislação” quando não se tenha registado qualquer modificação substantiva do parâmetro legislativo relevante para a resolução da questão controvertida entre a prolação de um e do outro acórdão. A relevância da lei não tem que ser directa, bastando que seja indirecta para a resolução da questão controvertida. […][6]

A este respeito, esclarece Pereira Madeira: “[…] soluções jurídicas opostas implicam: que em ambas tenha sido objecto de discussão a mesma ou as mesmas questões de direito, proferidas no domínio da mesma legislação, ou seja, que ambos tenham aplicado as mesmas normas jurídicas e que entre a prolação de uma e outra, não tenha havido qualquer alteração que directa ou indirectamente tivesse implicações na solução respectiva. […][7]

Ou seja, “[…] A expressão “no domínio da mesma legislação” constante do n.º 3 do art. 437, do CPP, não deve ser entendida em termos rígidos e absolutos. O que importa, é que tendo embora ocorrido durante o intervalo da prolação dos acórdãos em confronto modificação legislativa, essa modificação não interfira directa ou indirectamente na resolução da questão de direito controvertida. Não se verificando tal interferência, a mera circunstância formal e objectiva de haver sucedido uma modificação de normas, é irrelevante para, por si só, afastar ou excluir o pressuposto do recurso para fixação de jurisprudência consubstanciado na oposição de julgados. […]”.[8]

Além disso, devem assentar em julgados explícitos ou expressos (e não apenas implícitos ou tácitos), sendo “[…] necessário que a questão decidida em termos contraditórios seja objecto de decisão expressa, isto é, as soluções em oposição têm de ser expressamente proferidas […]”.[9]

Quanto ao último pressuposto, a identidade de situações de facto, não se mostrando expressamente previsto na lei, foi aditado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que se passou a considerar incontornável a necessidade de identidade de factos, não sendo suficiente apenas a oposição entre as soluções de direito. Dito de outro modo, impõe-se que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambos os acórdãos, i.e., a mesma norma ou segmento normativo tem de ser aplicado com sentidos opostos a situações fácticas iguais ou equivalentes.

E, mesmo que a diferença factual de ambos os processos, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, seja inelutável por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, para que a oposição releve, terão que ser diferenças factuais inócuas que não interfiram com o aspecto jurídico do caso, como se explica no Acórdão deste STJ de 08-06-2017[10]“[…] Na verdade, a mesmidade pretendida serve apenas o interesse específico de evitar que a falta de identidade dos factos pudesse explicar, por si, a prolação de soluções jurídicas díspares, e assim se concluirá que os factos terão que ser idênticos nos dois processos, com o sentido de equivalentes.

Por sua vez a equivalência aferir-se-á, a partir de uma resposta positiva à questão de saber se, ficcionando que o(s) julgador(es) de um processo, tivessem sido colocado(s) perante a ocorrência de proceder a julgamento no outro, fosse de concluir que, com a maior das probabilidades teria(m) decidido no mesmo sentido em que se decidiu. E vice-versa. […]”.

Conclui-se, pois, que tal identidade factual de ambos os processos, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, não é absoluta, contudo, para que a oposição releve, tais factos terão de ter sentido equivalente ou ser idênticos nos dois processos. Pretende-se, pois, evitar que a falta de identidade dos factos, quando não seja inócua, possa interferir com o aspecto jurídico do caso e seja justificação para a prolação de decisões jurídicas opostas.

Como bem se explica no acórdão deste Supremo de 04-04-2019 “[…] A estes requisitos legais, o STJ, de forma pacífica, aditou a incontornável necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito entendida esta, contudo, não como uma identidade absoluta entre dois acontecimentos históricos mas que eles se equivalham para efeitos de subsunção jurídica a ponto de se poder dizer que, pese embora a solução jurídica encontrada num dos processos assente numa factualidade que não coincide exactamente com a do outro processo, esta solução jurídica continuaria a impor-se para o subscritor mesmo que a factualidade fosse a do outro processo. A respeito desde último requisito é abundante e uniforme a jurisprudência deste STJ salientando que o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência tem de assentar em julgados explícitos ou expressos que abordem de modo oposto a mesma questão de direito. Determinada questão de direito tem de ser debatida nos acórdãos tidos como opostos com soluções diferentes; tem de haver uma tomada de posição explícita, divergente, quanto à mesma questão de direito não bastando que a oposição se deduza de posições implícitas. […].[11]

Se ocorrer motivo de inadmissibilidade ou o tribunal concluir pela não oposição de julgados, o recurso é rejeitado; se concluir pela oposição, o recurso prossegue (cf. art. 441.º, n.º 1, do CPP).

Uma vez elencados os traços gerais sobre a admissibilidade do recurso para fixação de jurisprudência, analisemos o caso em apreço.

*

II. 2. Começando pelos pressupostos formais.

Verifica-se no caso em apreciação, que a recorrente CTT – Correios de Portugal, S.A. tem a qualidade de arguida, pelo que tem legitimidade para a interposição de recurso, nos termos do n.° 5 do art. 437.°, do CPP.

Tem, ainda, interesse em agir, na medida em que o acórdão recorrido foi proferido contra a recorrente, julgou improcedente o seu recurso e manteve a sua condenação pela prática de 16 contra-ordenações, sendo certo que a fixação da jurisprudência, no sentido por si equacionado, poderá culminar na sua absolvição.

Por outro lado, a recorrente delimitou de forma explícita, cabal e compreensível o motivo pelo qual, no seu entendimento, os acórdãos são conflituantes, justificando a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

Tanto o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos presentes autos (Proc. n.º 92/21.09YUSTR.L2-A.S1.S1) - acórdão recorrido, como o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (Proc. n.º 4679/11.0TBMAI.P1) - acórdão fundamento, transitaram em julgado, encontrando-se este último publicado e acessível na internet, na localização devidamente identificada pela recorrente.

Acresce que, o presente recurso foi interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido (acórdão proferido em último lugar), conforme impõe o art. 438.º, n.º 1, do CPP.

Em conclusão, encontram-se assim preenchidos todos os pressupostos formais de admissibilidade do presente recurso.

*

II. 3. Quanto aos pressupostos substanciais.

A recorrente considera que o acórdão recorrido está em oposição com o acórdão fundamento, no que se reporta à interpretação do conceito de ordens e instruções expressas, emitidas e divulgadas em termos passíveis de afastar a responsabilidade da pessoa colectiva, nos termos do disposto no art. 11.º, n.º 6, do CP e art. 3.º, n.º 3 da lei n.º 99/2009 de 04-09.

Revisitemos as suas conclusões:
“[…] 4. Ambos os Acórdãos Recorrido e Fundamento assentam na interpretação da norma que determina a exclusão da responsabilidade de pessoas coletivas, ao abrigo dos artigos 11.º n.º 6 do Código Penal e 3.º n.º 3 da Lei n.º 99/2009, concretamente no que respeita ao conceito de instruções e ordens expressas.
5. O Acórdão Recorrido considera que, apesar da elaboração de um Manual de Procedimentos com comandos dirigidos aos seus trabalhadores, no sentido de evitar comportamentos passíveis de consubstanciar a prática das contraordenações em causa, e apesar de tal Manual ter sido transmitido aos seus colaboradores, ainda que de forma informal:
i. tal Manual "jamais" poderia ser considerado uma ordem ou instrução expressa destinada ao cumprimento das normas aplicáveis; e
ii. mesmo tendo o referido Manual sido divulgado aos trabalhadores, é necessário demonstrar a existência de formação específica com determinadas características ou mesmo a efetiva apreensão do seu conteúdo.
6. É esta interpretação do conceito de ordens e instruções expressas, emitidas e divulgadas em termos passíveis de afastar a responsabilidade da pessoa coletiva, que se encontra em oposição, face à aplicação do mesmo regime pelo Acórdão da Relação do Porto de 06.06.2012, processo n.º 4679/11.0TBMAI.P1, disponível em www.dgsi.pt.
7. Ainda que a questão de direito sob análise seja discutida no âmbito de casos com as suas particularidades, tal não impede que esteja verificada a identidade de factos nem que a questão de direito em apreço nos dois acórdãos seja fundamentalmente a mesma e haja sido decidida de modo oposto.
8. A questão de direito em apreço nos dois Acórdãos é a seguinte: "A elaboração e divulgação de um manual de procedimentos, com comandos expressos, destinados a dar cumprimento às disposições legais aplicáveis, consubstancia uma instrução ou ordem expressa, com o efeito da exclusão da responsabilidade da pessoa coletiva para efeitos do disposto no artigo 3°, n.º 3 da Lei n.º 99/2009 e no artigo 11.º, n.º 6 do CP?"
9. No Acórdão Recorrido, decide-se que não, porque a existência de tal Manual não configura ordem ou instrução expressa e porque se exigem procedimentos adicionais de divulgação e implementação do referido manual para ser satisfeito o "standard aplicável para efeitos de ordens ou instruções".
10. No Acórdão Fundamento, responde-se que sim, considerando-se que a emissão e a explanação de comandos através de um manual de procedimentos são adequadas para afastar a responsabilidade da pessoa coletiva. […]”

Segundo a recorrente, está em causa o mesmo circunstancialismo fáctico. Contudo, s.m.o., labora em equívoco.

De facto, a identidade das situações de facto subjacente aos dois acórdãos é pressuposto inultrapassável para que se conclua pela oposição de julgados.

Mas, no caso presente, como adiante veremos, não é possível concluir por uma coincidência fáctica, o que, por seu turno, inviabiliza que se considere existir entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento uma solução jurídica, expressamente proferida, que seja conflituante. E tal resulta, desde logo, patente, do teor da factualidade assente em cada um deles.

No acórdão recorrido, resulta da matéria de facto assente (diga-se, a este respeito, que estando em causa recurso de contra-ordenação, nos termos do art. 75.º, do RGCO, o Tribunal da Relação não pode reapreciar a matéria de facto julgada pelo Tribunal recorrido, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 127.º, do CPP), o seguinte:

“[…] III. FUNDAMENTAÇÃO.

III.1. Na decisão recorrida considerou-se que, com interesse para a boa decisão da causa, resultaram provados, de entre outros, os seguintes factos: […]

[…] 109. A arguida sabia, pois, que estava obrigada a possuir o livro de reclamações em formato físico em todos os estabelecimentos e locais em que os seus serviços sejam prestados ao público, inclusive, desde 01.07.2017, nos Postos de Correios que funcionem nos locais dos serviços e organismos da Administração Pública, como é o caso das Juntas de Freguesia.

110. Tal como sabia que estava obrigada a facultar imediatamente o livro de reclamações a qualquer utente que o solicitasse naqueles estabelecimentos e locais, o que se mostra incompatível com a imposição de ser outro funcionário ou apenas o responsável do estabelecimento a facultar o referido livro, assim, como com a imposição de deslocação a outro estabelecimento postal, e ainda com a imposição ou sugestão de utilização de qualquer meio alternativo de formalização da reclamação – não podendo, deste modo, o livro de reclamações ser recusado nesses termos (ou noutros).

111. A arguida sabia ainda que estava obrigada a entregar os duplicados das reclamações aos utentes após o preenchimento das folhas de reclamação – sem que tal entrega esteja dependente de qualquer pedido do reclamante.

112. Assim como sabia, também, que a violação dessas obrigações constituía contraordenação, uma vez que tal se encontra previsto no mencionado diploma, que é, inclusivamente, divulgado no sítio da ANACOM na Internet – para além de que já fora punida no âmbito de processos de contraordenação por inobservância de obrigações do citado diploma.

113. Acresce que a uma empresa com a dimensão, organização e capacidade económica e financeira, bem como com o know how da arguida, é exigível o cumprimento escrupuloso das normas que impendem sobre si e a que cuja observância se encontra adstrita no exercício da respetiva atividade, designadamente as normas que respeitam à obrigatoriedade de existência e de disponibilização do livro de reclamações.

114. Assim, ao adotar as condutas descritas, não tendo facultado imediatamente aos utentes o livro de reclamações quando estes o solicitaram, não dispondo de livro de reclamações em formato físico nos estabelecimentos comerciais onde presta os seus serviços postais e não tendo entregue o duplicado da reclamação ao utente após este ter preenchido a folha de reclamação, bem sabendo que a isso estava legalmente obrigada e que essas condutas constituíam contraordenação, a arguida agiu de forma livre e consciente. […]

[…] 116. A Recorrente registava, à data destes factos, anterior condenação, prolatada pela Recorrida, sobre a mesma matéria objecto dos autos.

117. Nos CTT, não existia ordem ou instrução atinente ao cumprimento dos preceitos aqui em causa (não disponibilização imediata do Livro de reclamações, inexistência de livro de reclamações, não entrega de duplicado das folhas de reclamação ao utente).

118. Os CTT são compostos por uma rede com mais de 2000 postos espalhados pelo território nacional, incluindo mais de 1800 postos de correio, empregando mais de 10.000 colaboradores.

119. No Manual de Procedimentos do Atendimento de 2017, aprovado em 27-09-2017, composto por 193 páginas, estão abordados genericamente temas como imagem e funcionalidade das lojas, ciclo operativo, ciclo operativo aceitação, ciclo operativo – entrega de serviços postais, gestão, qualificação e formação de trabalhadores, tratamento de reclamações/pedidos de informação, avaliação da satisfação dos clientes, metodologia de controlo interno, auditoria interna, não conformidade/acções corretivas/ações preventivas, características certificadas e detalhe, pastas de certificação de serviços. Controlo de documentos e dados de e para clientes.

120. Na página 146 daquele Manual, no ponto 2.1. pode ler-se:

«Deve existir e estar visível na sala de público, a folha A4 com indicação de existência de “Livro de Reclamações”.

A disponibilização do Livro de reclamações é obrigatória, devendo este ser fornecido, de imediato, após a conclusão do atendimento de eventual cliente que possa estar a ser atendido e sem necessidade do Cliente tirar senha de atendimento.»

121. O Livro de Reclamações encontra-se no Gabinete do responsável da estação/loja.

122. O Manual de procedimento encontra-se no Gabinete do responsável da estação/loja disponível para consulta, quando necessário ou solicitado por algum trabalhador.

123. De acordo com a instrução da gestão operacional da rede, a propósito do assunto «nova edição do Manual de Procedimentos do atendimento – edição 18 – setembro 2017, de 6 de Outubro de 2017

«Recorda-se que:

1. Não devem imprimir o Manual de procedimentos, a nova edição vai também estar disponível para consulta em NAVe. seguindo as opções abaixo a partir do ecrã principal;

2. Conforme previsto no Capítulo VI. Qualificação e formação de colaboradores, no ponto 5. Reuniões mensais, sempre que exista divulgação de novas edições do Manual, será tema obrigatório da próxima reunião de Equipa, ficando devidamente registado em ata. Anexamos documento com resumo das alterações para comunicação à Equipa e juntar à ata da reunião.

124. O Manual pode ser consultado através do NAVe, para o que o trabalhador terá que selecionar, no seu computador, a opção «suporte de utilizador” do Menu principal, seguindo-se a opção «apoio à venda» e por fim a opção “desafios/novos Produtos”.

125. O Manual não é objecto de formação específica e autónoma, ministrada por formadores capacitados e acreditados, assim como o não são as regras específicas sobre o livro de reclamações.

126. Os trabalhadores inteiram-se do teor do Manuel sobre atendimento, através de conversas e reuniões com o responsável da loja e trocas de ideias quando ocorrem alterações ao Manual. […]”.

Por seu turno, pode, ainda, ler-se, relativamente aos factos não provados:

“[…] III.2. Na decisão recorrida considerou-se que com interesse para a boa decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente:

A) Com reporte às infrações aqui em causa, os CTT asseguraram formação inicial e periódica dos seus recursos humanos, totalizando mais de 180.000 horas anuais.

B) Os funcionários dos CTT recebem formação específica relativamente às regras aplicáveis às reclamações, incluindo Livro de Reclamações e é utilizado cliente mistério para verificação dos procedimentos.

C) Todos os trabalhadores dos CTT sabem que não podem negar o livro de reclamações a um cliente que o solicite.

D) O Manual de procedimentos é do conhecimento de todos os funcionários que exercem funções nos estabelecimentos. […]”

Daqui resulta que, pese embora tenha sido dado como provado a existência de um Manual de Procedimentos onde se previa, de entre outras instruções, a existência do livro de reclamações, a forma como deveria ser disponibilizado ao público, o local onde o mesmo se encontrava na estação/loja da recorrente, também se provou que não existia ordem ou instrução atinente ao cumprimento dos preceitos referentes à não disponibilização imediata do Livro de reclamações, à inexistência de livro de reclamações, à não entrega de duplicado das folhas de reclamação ao utente.

Do mesmo passo, não resultou provado, com reporte às infracções em causa, que a recorrente tivesse assegurado formação inicial e periódica dos seus recursos humanos ou que os funcionários da recorrente tivessem recebido formação específica relativamente às regras aplicáveis às reclamações, que soubessem que não podiam negar o livro de reclamações a um cliente que o solicitasse, ou sequer que o Manual de Procedimentos fosse do conhecimento de todos os funcionários que exercem funções nos estabelecimentos.

E, foi com base nesta factualidade provada que no acórdão recorrido se decidiu que “[…] Diversamente do entendido pela Recorrente, nenhuma contradição se surpreende entre os pontos 127 e 130 dos factos provados, porquanto o primeiro se refere à (in)existência de uma concreta ordem ou instrução, relativas ao concreto cumprimento das normas em causa e aos procedimentos a observar relativamente à disponibilização do Livro de Reclamações, e o segundo apenas consigna o conteúdo do Manual de Procedimentos ali previsto.

Ora, este Manual jamais pode ser considerado uma concreta instrução ou ordem. Da sua simples existência nada decorre quanto à efectiva implementação do seu conteúdo junto dos funcionários ao serviço da Recorrente. A existência do Manual significa apenas que a Recorrente formulou um conjunto de normas próprias para a regulação da actividade dos seus empregados, mas não mais que isso. Ficou por demonstrar, como resulta à exaustão da sentença recorrida, que tivesse procedido a acções de formação com vista a transmitir aos seus funcionários as instruções que deveriam cumprir a este respeito, no exercício da sua actividade, não se podendo dizer que a letra do Manual tivesse chegado a ser posta em prática.

Também nenhuma incoerência lógica se surpreende em considerar que a Recorrente ao actuar como actuou, esforçando-se, num primeiro momento, por resolver o motivo subjacente ao pedido de disponibilização do livro de reclamações (naturalmente com o objectivo de vir, afinal, a não ter de o disponibilizar), e retardando conscientemente a sua disponibilização, conformou-se com a prática do resultado típico, ou seja, com a não disponibilização imediata do livro de reclamações, tendo actuado dolosamente. […]”

Ora, o substracto factual é totalmente distinto daquele que se deu como assente no acórdão fundamento. Aqui, considerou-se provado, além do mais, que:

“[…] 1. A recorrente B..., S.A., é uma sociedade comercial anónima, com o NIF ………,matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., com sede no …, …, ..,….-… ....

2. O objecto social da recorrente é a prestação de serviço de assistência em escala ao transporte aéreo.

3. No dia 30.04.2009, o Sr. E…, sob a indicação da Supervisora D…, ambos funcionários e ao serviço da recorrente B..., S.A., prestaram, no âmbito de um contrato de handling celebrado entre as recorrentes, assistência ao voo …, proveniente do Reino Unido.

4. A recorrente explanou as instruções dadas aos funcionários responsáveis pelo embarque e desembarque de passageiros no Manual de Passageiros para o Aeroporto ..., o qual contém, no respectivo Capítulo C, intitulado "Embarques/Desembarques", secção …. "Assistência nos Desembarques", os seguintes procedimentos:

"Âmbito - TTAE's (Acolhimento)

I. Procedimentos de desembarque

1.1. Verificar, através do check-list de desembarque (…-mod.104), a existência de assistências especiais (UM's, Macas, WCH, INAD 's, etc.).

1.2. Desembarcar os passageiros, de acordo com o tipo de voo, utilizando as seguintes portas e mangas:

Portas

A — Schengen

B — Não Schengen

Mangas

10 - Não Schengen

11, 12, 30 e 31-Mista

32, 33, 34 e 35 – Schengen

2. Acolhimento

2.1. Desembarque por Autocarro

2.1.1. O acompanhamento do desembarque é garantido pelos TTAE's de Acolhimento. Sempre que estes não possam ir a bordo, o Coordenador informará o seu homólogo da Placa, quais os voos sem Acolhimento, bem como a porta por onde os passageiros desembarcarão.

2.1.2. O Condutor só abre aporta da viatura quando recebe o "OK" do TTAE que se encontra a coordenar o desembarque.

2.2. Desembarque por manga

Contactar o pessoal de cabina, à porta do avião, de modo a poder receber informações para o correcto desembarque dos passageiros.

2.2.1. Em casos pontuais e apenas por decisão superior, poderá proceder-se ao desembarque de passageiros pela porta de trás do avião.

3. Fecho das portas de Desembarque

3.1. Fechar as portas, imediatamente após o desembarque de todos os passageiros.

3.2. Contactar, de imediato o SOA (Serviço de Operações Aeroportuárias) sempre que se verifique qualquer anomalia na abertura/fecho das portas.

4. Assistências Especiais

4.1. Todos os voos com assistências especiais a desembarcar em manga ou autocarro têm Acolhimento à chegada.

4.2. Sempre que à chegada, um passageiro tenha necessidade de cadeira de rodas e precise de a utilizar até junto do seu transporte no exterior da Aerogare e não seja possível o seu acompanhamento por pessoal C…, o elemento do Acolhimento deverá facilitar-lhe um documento identificativo (BI ou outro oficial), para posterior devolução aquando da entrega da cadeira, tendo o cuidado de o informar, que o seu documento será entregue, no Lost and Found, pelo OAE ali em serviço.

4.2.1. O TTAE de Acolhimento após deixar o passageiro, e em posse do documento de identificação, terá que dirigir-se ao Lost-Found, onde o entregará ao OAE.

4.2.2. Este, só devolverá o documento ao familiar do passageiro contra a entrega da Cadeira de Rodas

5. Classificação dos Voos

5.1. Voos Schengen - Todos os efectuados entre os Países signatários do Acordo (Portugal, Espanha, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Áustria, Itália, Grécia, Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e Islândia).

5.2. Voos da União Europeia Não Schengen - Todos os que têm proveniência num dos Países que embora fazendo parte da União Europeia, não assinaram o acordo de Schengen (Reino Unido e Irlanda).

5.3. Voos de Países Terceiros - todos aqueles com origem, escala ou destino em todos os outros Países do Mundo.

5.4. Voos Mistos - Todos aqueles provenientes de Países Terceiros com destino a Países Schengen e vice-versa."

5. No dia 30 de Abril de 2009, todos os passageiros do voo …, com proveniência do Reino Unido não passaram pela área de controlo documental de entrada em Território Nacional, efetuado pelo SEF do Posto de Fronteira ….

6. O respectivo desembarque foi efectuado fora do posto de fronteira qualificada para o efeito.

7. O encaminhamento dos passageiros desembarcados do voo … foi efectuado por funcionários da recorrente.

8. Os passageiros não foram encaminhados para a porta designada para o desembarque dos passageiros provenientes de voos Não Schengen, entre o mais, por falta de confirmação da proveniência do Voo em sistema … e consequente indicação ao motorista do autocarro para desembarcar na área destinada aos voos Shengen. […]”.

Neste caso, a recorrente invocou, na sua motivação, por um lado, o facto de que as pessoas colectivas ou equiparadas apenas podem ser responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções [art. 7.º, n.º 2, do RGCO e, por outro, que, nesta situação, a sua responsabilidade deveria ser excluída porque o trabalhador actuou contra ordens e instruções expressas emanadas pela respectiva chefia [art. 11.º, n.º 6, do CP], o que mereceu provimento.

A este respeito, pode ler-se no acórdão fundamento:

“[…] 16. Revertendo para o caso concreto, temos como certo que os factos dados como provados apontam no sentido da responsabilização da recorrente, uma vez que o acto ilícito [desembarque de passageiros efetuado fora do posto de fronteira qualificado para o efeito] foi praticado pelo trabalhador E … mas por indicação da supervisora D … – ou seja, por indicação de quem tem autoridade para exercer o controlo da sua actividade [n.º 4 do cit. artigo 11.º].

17. (ii) A questão, porém, não fica por aqui. De acordo com o artigo 180.º, da Lei n.º 23/07 de 4 de Julho, “As pessoas colectivas e entidades equiparadas são responsáveis, nos termos gerais (…)”. O que nos remete para o diploma que institui o ilícito de mera ordenação social [DL 433/82, de 27 de Outubro]. E este, por sua vez, define o Código Penal como direito subsidiário “no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações” [artigo 32.º, do RGCO].

18. Pois bem: no esforço de estabelecer regras (regular) em função das especificidades do funcionamento dos entes coletivos, o referido artigo 11.º, do Cód. Penal, alonga-se em vários outros critérios, entre os quais, o da exclusão da responsabilidade das pessoas coletivas e entidades equiparadas “quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito” [n.º 6].

19. Ora, está demonstrado que a arguida “explanou as instruções dadas aos funcionários responsáveis pelo embarque e desembarque de passageiros no Manual de Passageiros para o Aeroporto ...” [item 4], cujos procedimentos, se seguidos pelos trabalhadores em causa, permitiriam inviabilizar a conduta que deu causa à contraordenação verificada. […]

[…] 21. Ou seja: assente, num primeiro momento, a responsabilidade da arguida por acto ordenado por quem ocupava uma posição de liderança, o certo é que tal responsabilidade vem a ser excluída por o agente ter actuado contra ordens e instruções expressas da recorrente. E se bem que se admita ser este um dos aspectos que justifica um tratamento diferenciado consoante o acto seja crime ou contraordenação, com a previsão de um regime menos protector para o caso das contra-ordenações, o certo é que a lei não expressa a mínima indicação nesse sentido, uma indicação que pudesse justificar decisão diferente daquela que tomamos ao aplicar a disciplina prevista pelo n.º 6 artigo 11.º do Cód. Penal, ex vi, do artigo 32.º, do RGCO, declarando excluída a responsabilidade contraordenacional da recorrente. […]”.

Veja-se que, em ambos os acórdãos, se dá como provado a existência de um Manual de Procedimentos para o respectivo sector de actividade com instruções para os seus trabalhadores.

Contudo, no acórdão recorrido, deu-se como assente que tal Manual não estava ao livre e fácil acesso dos trabalhadores (não tinha existência física, não podia ser impresso, era apenas consultável através de uma plataforma electrónica, não era objecto de formação e difusão pelos trabalhadores, estava guardado no gabinete do gerente, sendo objecto de conversas de teor genérico entre o gerente e a sua equipa, quando sobrevinham alterações ao seu teor e quando surgia um novo trabalhador). A sua existência era, como bem assinala o Senhor Procurador-Geral Adjunto, meramente formal e desacompanhada da emissão de ordem ou instrução quanto ao cumprimento pelos seus funcionários das exigências consagradas no DL n.º 156/2005, de 15-09, que instituiu a obrigatoriedade de existência e disponibilização do livro de reclamações a todos os fornecedores de bens ou prestadores de serviços que tenham contacto com o público.

De resto, não se provou sequer que tal Manual fosse do conhecimento de todos os trabalhadores da recorrente ou que aqueles soubessem que não podiam deixar de facultar o livro de reclamações a um cliente.

E foi neste contexto factual que a recorrente impugnou, sem sucesso, o acórdão recorrido, pela via dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.

Ao invés, no acórdão fundamento, ficou provado que as instruções ínsitas no Manual de Procedimentos foram explanadas pelos trabalhadores da recorrente, designadamente, através de formação obrigatória para aquelas funções – desde logo, porque as regras nele contidas integravam o conteúdo funcional da sua actividade principal e que a prática da contraordenação deveu-se à conduta de dois funcionários da recorrente que, contrariando tais instruções, prestaram assistência a um voo proveniente do Reino Unido (que não faz parte do espaço Schengen) e não encaminharam os respectivos passageiros para a porta designada para o desembarque dos passageiros provenientes de voos não Schengen.

Assim, do confronto dos dois arestos resultam diferenças. Estas diferenças não são de pouca importância, já que não se pode concluir que não influenciaram a decisão dos acórdãos.

É facto que, em ambas as situações, os trabalhadores das recorrentes violaram instruções ínsitas nos respectivos Manuais de Procedimento. No entanto, no acórdão recorrido não há evidência de que os trabalhadores tivessem efectivo conhecimento do seu conteúdo, enquanto no acórdão fundamento tal conhecimento foi dado como provado.

E, por essa razão, embora num primeiro momento, se tenha dado como assente no acórdão fundamento, a responsabilidade da recorrente por acto ordenado por quem ocupava uma posição de liderança, tal responsabilidade veio a ser excluída porque o agente (seu funcionário) actuou contra ordens e instruções expressas da recorrente (cf. art. 11.º, n.º 6, do CP, aplicável ex vi do art. 32.º, do RGCO).

Ora, tal entendimento em nada se opõe ao consignado no acórdão recorrido, pelo que não se antevê em que medida o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão, contrariou aquele acórdão da Relação do Porto.
No acórdão recorrido não se discutiu a aplicação do disposto nos art. 11.º, n.º 6, do C.P, porque ficou assente que os funcionários da recorrente, ao incumprirem as normas referentes à disponibilização do livro de reclamações, não o fizeram contra qualquer «ordem ou instrução» expressa da arguida.

Na verdade, ambos os acórdãos partem de uma narrativa factual divergente, ou, pelo menos, não inteiramente coincidente, e, por essa razão, não se extrai, do confronto dos mesmos, uma contradição ou dissenso no tratamento da questão de direito.

Desta feita, não se vislumbra a existência de soluções opostas, pois esta pressupõe que é idêntica a situação de facto nos dois acórdãos, havendo em ambos uma expressa resolução de direito, sobre situações semelhantes. Conforme se destaca no acórdão deste STJ, de 02-12-2021[12] , não se exigindo uma identidade total ou absoluta entre os dois “pedaços de vida” (na conhecida expressão de Figueiredo Dias) que conduziram às soluções de direito em oposição, eles têm de se equivaler de modo a permitir constatar que se está a resolver de modo antagónico um mesmo problema de direito.

No caso, são distintas as duas realidades fácticas, o que impede que se considere que possa existir, no acórdão recorrido, uma solução jurídica, expressamente proferida, em oposição com o acórdão fundamento. Como se expressa no sumário do acórdão citado, “[…] Inexistindo uma identidade de situações de facto que permita concluir pela existência, em concreto, de uma oposição de soluções de direito, não é possível afirmar a oposição de julgados para os efeitos do disposto no art. 437.º, n.º 2, do CPP, mesmo que se constate que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, nas considerações que teceram na sua fundamentação, se pronunciaram sobre um tema de direito de modo dissonante.[…]”.

Dito por outra palavras, não podemos concluir que os alicerces factuais do acórdão recorrido e fundamento são idênticos. Aliás, é a sua diversidade que terá motivado decisões díspares, inexistindo, no acórdão recorrido, qualquer oposição expressa ou explícita, traduzida numa solução jurídica de situação de facto idêntica à tratada no acórdão fundamento, que tenha sido ali decidida de forma dissonante.

Situações de facto distintas levam a conclusões divergentes, como bem se esclarece no, de entre outros, Acórdão do STJ de 10-03-2021: “[…] I - Como tem sido entendimento deste STJ, um dos fundamentos de ordem substancial para que haja oposição de julgados, para os efeitos do art. 438.º, n.º 2, do CPP, é que haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito, pois só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas.

II - No acórdão recorrido, o arguido era o proprietário, detentor do produto estupefaciente e destinava-o ao seu consumo e à cedência a um companheiro de cela. No acórdão fundamento o produto estupefaciente era pertença de dois arguidos, que decidiram adquiri-lo, cada um e com o seu próprio dinheiro, para consumo próprio de cada um.

III - Ou seja, no acórdão fundamento do que realmente se tratava era de dividir o produto estupefaciente que haviam adquirido em comum e «em partes iguais», com o dinheiro de ambos.

IV - Assim sendo, estamos perante situações de facto diferentes, que chegaram a conclusões diferenciadas, não se verificando a necessária oposição, inexistindo decisões opostas sobre a mesma questão jurídica. 

V - A discrepância das situações de facto inviabiliza a similitude da consequência jurídica. Inexistindo identidade de situações de facto, conclui -se pela não oposição de julgados. […]”[13]

Assim, e s.m.o., o decidido no acórdão recorrido, para além de não ter identidade da situação de facto com o circunstancialismo do acórdão fundamento, também não apresenta para a mesma questão de direito uma solução jurídica oposta ao decidido no mesmo.

Em face destes considerandos, somos levados a concluir que não se verifica oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, pelo que será de rejeitar o presente recurso, por falência dos pressupostos substanciais da sua admissibilidade.

*

III. Conclusão

 

Termos em que, pelo exposto, acordam os juízes da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Rejeitar o presente recurso de fixação de jurisprudência, nos termos do disposto no art. 441.º, n.º 1 do Código de Processo Penal;

b) Condenar a recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) unidades de conta, nos termos dos arts. 420.º, n.º 3, ex vi art. 448.º, ambos do Código de Processo Penal e ainda, na taxa de justiça de 3 (três) unidades de conta, nos termos dos arº 8º, nº 9 e Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais (DL 34/2008, de 26/02).

Lisboa, 14 de Julho de 2022

Cid Geraldo (Relator)

Leonor Furtado

Eduardo Loureiro (Presidente) 

 

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[1] Acórdão relatado no Proc. n.º 65/17.6PASTS.P1-A.S1 - 5.ª Secção, Relatora: Margarida Blasco, disponível em www.dgsi.pt. 
[2] Sic. Acórdão do STJ, Proc. n.º 272/11.5TBLGS.E1-A.S1 – 3.ª Secção, relator: Santos Cabral, a propósito do art. 438.º, n.º1, do CPP, com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2012.
[3] Acórdão do STJ de 27-05-2021, Proc. n.º 105/20.1SHLSB-A.L1-A.S1 - 5.ª Secção, relator: António Gama, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes e Pires da Graça, in ‘Código de Processo Penal Comentado’, 2ª edição revista, Almedina, 2014, a propósito do art. 446.º, p. 1599.
[5] Acórdão do STJ de 02-12-2021, Proc. n.º 344/19.8JABRG-C.S1 - 5.ª Secção, relatora: Adelaide Sequeira, disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, cf. os acórdãos de 29-09-2021, Proc. n.º 3/17.2JABRG.G1.S1-A - 3.ª Secção, relator: Sénio Alves; com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2021; de 17-06-2021, Proc. n.º 701/16.1T9MTJ.L1-A.S1 - 5.ª Secção, relatora: Margarida Blasco, disponível em www.dgsi.pt.
[6] In ‘Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem’, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2008, em anotação ao art. 437.º, pg. 1181.
[7] In ob. cit. supra,, em anotação ao art. 437.º , pg. 1554.
[8] Acórdão do STJ de 21-10-1999, Proc. n.º 545/96 - 5.ª Secção, Relator: Oliveira Guimarães, publicado in SASTJ – Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secções Criminais, Boletim n.º 34 (Outubro de 1999), pg. 82.
[9] Acórdão do STJ de 30-01-2020, Proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1 - 5.ª Secção, relator: Francisco Caetano, com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2020.
[10] Proc. n.º 875/14.6PECSC.L1-A.S1 - 5.ª Secção, Relator: Souto de Moura, com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2017.
[11] Neste sentido, o Acórdão do STJ de 28-02-2019, Proc. n.º 2027/17.4TXLSB-A.L1-A.S1 - 5.ª Secção, relator; Nuno Gomes da Silva, com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/ Criminal – Ano de 2019.

[12] Processo n.º 17648/08.8TDPRT-J.P1-A.S1 - 3.ª Secção, Relatora: Ana brito, disponível em www.dgsi.pt.
[13]  Proc. n.º 240/19.9JELSB.L1-A.S1 - 3.ª Secção, Relatora: Conceição Gomes, disponível em www.dgsi.pt.