USO INDEVIDO DA INJUNÇÃO
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário

A utilização indevida do procedimento de injunção é de conhecimento oficioso e configura exceção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 576º, nº 2 e 577º do Cód. do Proc. Civil.

Texto Integral

Processo n.º 2370/19.8YIPRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.RELATÓRIO:
.M.... que foi a sociedade incorporante da S... LDA, instaurou no Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção contra AA, residente na Rua ..., N.º ..., R/C, Direito, Frente – ... ... ..., pedindo a condenação do réu no pagamento à autora no montante de €8.404,56, sendo que €8.109,78, corresponde ao capital, €192,78 corresponde aos juros e €102,00 de taxa de justiça.
.A autora alega, em síntese, que detém sobre o réu o seguinte conjunto de créditos relativamente ao “contrato de 10-01-2017”:
«1) €189,00 correspondentes ao valor de reparação do display do telemóvel ..., cedido pelo Requerente à Requerida, sobre os quais acrescem juros de mora desde 11/12/2018;
2) €972,29 correspondentes ao custo suportado pela Requerente com a reposição do material de demonstração solicitado pelo Requerido, mas que até ao momento não foi devolvido à Requerente, devidamente identificados pela Factura ..., sobre a qual acrescem juros de mora desde 30/12/2018;
3) €784,51 correspondentes ao valor total do custo suportado pela Requerente, relativamente a material fornecido por diversos clientes ao Requerido e que até ao momento não foi pago pelo mesmo (nomeadamente, pelos clientes “A... Unipessoal, Lda”, C..., Lda” e “X...”), identificado pelas seguintes Notas de Crédito:
a) ... no valor de 256,63 €, a que acrescem juros de mora desde 16/03/2018;
b) ... no valor de 413,40 €, a que acrescem juros de mora desde 09/06/2018; c) ... no valor de 114,48 €, a que acrescem juros de mora desde 09/03/2018;
4) €222,71, correspondentes ao "Fundo de Maneio" colocado à disposição pelo Requerente e ainda não devolvido pelo Requerido, a que acrescem juros de mora desde 28/02/2018;
5) €4.215,22, correspondentes ao custo suportado pela Requerente com a reparação dos danos da viatura automóvel com a matrícula ..-SL-.., da total responsabilidade do Requerido, identificado pela Factura ..., sobre a qual acrescem juros de mora desde 03/08/2018;
6) €1 726,05 correspondente ao valor do material adquirido pelo Requerido à Requerente e até ao momento não liquidado, identificado pelas Factura ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ... e ..., sobre os quais acrescem juros de mora desde 10/10/2017.».
Mais alega que o réu, apesar de interpelado para o efeito, seja pessoalmente, bem como, através de email ou de carta, não procedeu ao pagamento, total ou parcial, da dívida.
Conclui pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de €8 302,56, sendo €8 109,78, a título de capital, € 192,78 de juros.
.Em face da frustração da notificação ao réu do requerimento de injunção, procedeu-se à sua citação.
.O réu deduziu oposição. Excecionou a prescrição nos termos do artigo 317.º do Código Civil. Mais, impugna motivadamente a alegação da autora: alegando que «desconhece que o telemóvel, que a Requerida lhe facultou para utilizar enquanto esteve ao serviço desta, necessitasse de qualquer reparação, visto que aquando da entrega estava a funcionar perfeitamente e sem qualquer problema. Aliás, nunca tal lhe foi comunicado […] e nunca lhe foi pedido o pagamento de qualquer valor relacionado com o telemóvel. […] Relativamente ao valor de 972,29€, não é devido pelo simples motivo de que todo o material foi entregue à Requerente, razão pela qual esta apenas emitiu a referida factura a 30/12/2018, quando o Requerido deixou de trabalhar para a Requerente em Fevereiro de 2018, sendo que nesta data nenhum material lhe foi pedido nem qualquer factura lhe foi apresentada. Razão pela qual desconhece a factura ....»
Mais alega o réu relativamente aos 784,51€ correspondente ao material fornecido por vários clientes ao réu e que este não pagou, que desconhece qualquer material que os clientes terão fornecido, sendo que se for o caso de material devolvido pelos clientes, tal entrega não era feita através do réu dado que a própria política da autora não permitia que o réu o fizesse; desconhecendo o réu as notas de crédito.
Relativamente aos 222,71€, correspondente ao “Fundo de Maneio” colocado à disposição do Requerido, tal valor foi devolvido no seu último dia de trabalho, sendo que nunca a Requerente lhe pediu o pagamento do mesmo após ter terminado o seu vínculo laboral
[…] no que ao arranjo do carro diz respeito, o Requerido entregou o carro à Requerente tendo esta realizado uma peritagem, não tendo sido comunicado a existência de qualquer dano ao Requerido. […] o carro tinha seguro contra todos os riscos, pelo que tais danos teriam que estar cobertos pelo seguro. Sendo que ainda por cima, qualquer dano que o carro pudesse ter teria sido provocado ao serviço da Requerente.
[…] relativamente ao valor de 1.726,05€, correspondente ao montante do material adquirido pelo Requerido, e titulado pelas facturas referidas pela Requerente, tal montante foi compensado pelo valor dos prémios que o Requerido tinha a receber e que não lhe foram pagos pela Requerente, pelo que deverá considerar-se pago.»
.Exercendo o contraditório (cfr. despacho com a referência 411549285) a autora veio dizer que não pode operar a compensação de créditos entre o montante que lhe é devido a título de material adquirido à autora e não liquidado, com o valor de prémios que alega não lhe terem sido pagos pela S..., porque o réu não demonstra a eventual correspondência de créditos ou, sequer, a existência do seu, mas sendo os alegados prémios créditos laborais e tendo o contrato de trabalho cessado a 10 de janeiro de 2018, os mesmos já se encontram prescritos (cfr. artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho) e, ainda que assim não fosse, esta ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, na qual se converteu a presente acção, não é o meio processual adequado para que o réu pudesse peticionar tais montantes, sob pena de incompetência em razão da matéria do Tribunal.
Alega a autora que, ao pugnar pela compensação, o réu confessa a existência desse mesmo crédito no montante de € 1.726,05 (mil setecentos e vinte e seis euros e cinco cêntimos). E, em face desta tomada de posição não pode ver operar a prescrição invocada.
.Foi realizado o julgamento e foi proferida sentença, na qual, foi decidido não se admitir a dedução da compensação no âmbito da matéria de excepção (peremptória), julgar improcedente a invocada prescrição dos créditos da autora e julgar parcialmente procedente o pedido formulado e, consequentemente, condeno o réu a pagar à autora, o montante de €1.948,76 (€1.726,05+€222,71) – mil novecentos e quarenta e oito cêntimos e setenta e seis cêntimos –, acrescido dos juros vencidos e nos vincendos, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
.Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação e formulou as seguintes Conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da Sentença que condenou o Réu a pagar à Autora, aqui Recorrente, a quantia de € 1.948,76, acrescida dos juros vencidos e nos vincendos, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamentoe que absolveu o Réu de tudo o mais peticionado pela Autora;
2. A aqui Recorrente não pode conformar-se com o teor da referida decisão, a qual, ressalvado o devido respeito, não teve em consideração a concreta prova produzida pela Autora nos presentes autos (quer a prova documental, quer a prova testemunhal), em violação dos normativos legais consagrados para a apreciação da prova produzida (cfr. artigos 412.º, n.º 1, 413.º e 414.º do CPC, bem como, artigo 342.º do Código Civil), requerendo-se a sua reapreciação, que, a final, deverá levar à condenação do Réu em montante superior ao que consta da Decisão proferida e que aqui está em crise;
3. A dissidência com a Sentença proferida prende-se, sobretudo, com a factualidade dada como não provada que, no entender da Recorrente, desconsidera a prova produzida;
4. Aqui chegados, a Recorrente manifesta a sua discordância quanto à falta de certos segmentos condenatórios e quanto à fundamentação trazida pelo Tribunal a quo para a não condenação do Réu ao pagamento dos valores ademais peticionados – i.e., € 972,29, correspondente ao custo suportado pela Autora com a reposição do material de demonstração solicitado pelo Réu e por este não devolvido; € 784,51, correspondente ao valor do custo suportado pela Autora, relativamente a material devolvido por diversos clientes ao Réu e que não foi entregue por este à Autora; e €4.215,22,correspondenteaocustosuportado pela Autora com a reparação dos danos da viatura automóvel, de matrícula ..-SL-.., da total responsabilidade do Réu –, impugnando, desde já, a Decisão proferida nesta matéria, que, salvo devido respeito, também viola as regras relativas ao cumprimento de obrigações (cfr. artigos 762.º e 763.º, 799.º, 804.º e 805.º do Código Civil).
5. A Autora requer que deixe de constar como facto provado, o Ponto E) (cfr. Sentença, pág. 11), dando-se antes como provado que o Réu tinha conhecimento dos danos na viatura que motivaram a reparação ainda em dívida, dado que foi o Réu quem embateu com a viatura provocando tais danos.
6. Os meios de prova que impõem tal decisão são:
−Prova documental junta aos autos, nomeadamente, o e-mail enviado pelo Réu à testemunha BB, com data de 2 de novembro de 2017, acompanhado de notificação emitida pela Polícia de Segurança Pública (como Documento n.º 3 junto em Audiência de Julgamento, a 13 de abril de 2021, que consta dos autos com ref.ª citius: 423627894); a Carta de interpelação, enviada ao Réu, a 12 de dezembro de 2018 (como Documento n.º 1 do Requerimento Probatório, com refª. citius: 25084172); e a Circular interna n.º 1, assinada pelo Réu (como Documento n.º 8 do Requerimento Probatório, com refª. citius: 25084172).
−Depoimento da testemunha BB, na Audiência de Julgamento de 14 de outubro de 2021, constante do ficheiro 20211014113157_15612055_2871621, entre os minutos 2:13 a 5:39; 5:41 a 6:22; 6:54 a 7:13; 7:38 a 8:38; 10:16 a 10:48; 11:32 a 11:49.
−Depoimento da testemunha CC, na Audiência de Julgamento de 14 de outubro de 2021, constante do ficheiro 20211014110927_15612055_2871621, em especial, minutos 18:46 a 19:20.
7. Mais, deve deixar de constar do acervo de matéria de facto dada como não provada o Ponto i) (cfr. Sentença, pág. 12), passando a constar como provado, propondo-se a seguinte redação: o carro tinha seguro contra todos os riscos, mas os danos reparados não estavam cobertos pelo seguro, pois tais danos foram provocados pelo Réu, em contexto de infração rodoviária, o que exclui a cobertura do seguro.
8. Os meios de prova que impõem tal decisão são:
−Prova documental junta aos autos, nomeadamente, o e-mail enviado por DD, do Serviço de Apoio da L... à testemunha CC, com data de 1 de junho de 2018 (como Documento n.º 4 junto em Audiência de Julgamento, a 13 de abril de 2021, que consta dos autos com ref.ª citius: 423627894);
−Depoimento da testemunha BB, na Audiência de Julgamento de 14 de outubro de 2021, constante do ficheiro 20211014113157_15612055_2871621, entre os minutos 4:11 a 5:12.
9. Deve também deixar de constar do acervo de matéria de facto dada como não provada o Ponto e) dos factos não provados (cfr. Sentença, pág. 12), dando-se como efetivamente provado e propondo a seguinte redação: o Réu deve à Autora o valor de € 4.215,22, correspondente ao custo pago por esta com a reparação dos danos da viatura automóvel, de matrícula ..-SL-.., da total responsabilidade do Réu, identificado pela Fatura ... e faturas anexas.
10. Os meios de prova que impõem tal decisão são:
−Prova documental junta aos autos, nomeadamente, a Fatura ... (como Documento n.º 6 do Requerimento Probatório, com refª. citius: 25084172) e este documento vem acompanhado de outras duas faturas, que comprovam os pagamentos feitos pela Autora para efetiva reparação do veículo: (i) Fatura ..., emitida pela L... à Autora, referente à reparação do sinistro excluído das condições da apólice, no montante de € 3.163,57 e, (ii) Fatura ..., emitida pela da P... à Autora, no valor de € 1.051,65.
11. Da alteração do acervo de matéria provada e da matéria de facto não provada, nos termos requeridos, só poderá levar à alteração da decisão proferida pela 1.ª instância por outra que condene o Réu pelo pagamento do valor de € 4.215,22, correspondente ao custo suportado pela Autora com a reparação dos danos da viatura automóvel, de matrícula ..-SL-.., titulado pela Fatura ... e faturas anexas, que a Autora, aqui Recorrente, exige nos autos principais.
12. Prossegue a Autora, aqui Recorrente, denotando que deve deixar de constar dos factos não provados o Ponto b) (cfr. Sentença, pág. 11), dando-se antes como provado e propondo-se a seguinte redação: o Réu deve à Autora, aqui Recorrente, a quantia de € 972,29, que corresponde ao custo suportado pela Requerente (Autora) com a reposição do material de demonstração solicitado pelo Requerido (Réu), mas que, até ao momento, não foi devolvido à Requerente (Autora), identificado pela Fatura ..., sobre a qual acrescem juros de mora.
13. Os meios de prova que impõem tal decisão são:
-Prova documental junta aos autos, nomeadamente, o Orçamento ..., junto pela Autora (como Documento n.º 3 do seu Requerimento Probatório, com refª. citius: 25084172) e a Circular interna n.º 6, assinada pelo Réu, que este juntou (como Doc. 2 do seu Requerimento Probatório, com refª. citius: 25049603);
−Depoimento da testemunha CC, na Audiência de Julgamento de 14 de outubro de 2021, constante do ficheiro 20211014110927_15612055_2871621, nomeadamente, minutos 2:22 a 3:36.
14. E, assim sendo, tem o Réu de ser condenado ao pagamento do valor do custo do material de devolução que a Autora provou não ter sido devolvido, no valor de € 972,29, acrescido de juros de mora, calculados, pelo menos, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento.
15. Avança a Autora, aqui Recorrente, que deve também deixar de constar dos factos não provados o Ponto h) da matéria de facto dada como não provada (cfr. Sentença, pág. 11), dando-se também como provado e propondo-se a seguinte redação: a entrega dos materiais pelos clientes foi feita através do Réu.
16. Os meios de prova que impõem tal decisão são:
−Prova documental junta aos autos, nomeadamente, os e-mails trocados por colaboradores da Autora, nos quais reportam as conversações tidas com os diversos clientes sobre entrega de produtos ao Réu (como Documento n.º 2 junto em Audiência de Julgamento, a 13 de abril de 2021, que consta dos autos com ref.ª citius: 423627894);
−Depoimento da testemunha CC, na Audiência de Julgamento de 14 de outubro de 2021, constante do ficheiro 20211014110927_15612055_2871621, em especial, minutos 3:47 a 6:25.
17. Por fim, deverá deixar de constar do acervo de matéria dada como não provada Ponto c) do acervo de matéria de facto provada (cfr. Sentença, pág. 11), dando-se antes como provado e propondo-se a seguinte redação: o réu deve à autora €784,51 correspondentes ao valor total do custo suportado pela Requerente, relativamente a material fornecido por diversos clientes ao Requerido e que até ao momento não foi pago pelo mesmo (nomeadamente, pelos clientes “A... Unipessoal, Lda”, C..., Lda” e “X...”), identificado pelas seguintes Notas de Crédito: a) ... no valor de 256,63 €; b) ... no valor de 413,40 €; c) ... no valor de 114,48 €, a que acrescem juros de mora.
18. Os meios de prova que impõem tal decisão são:
−Prova documental junta aos autos, nomeadamente, o extrato de conta de Clientes completo, referente aos clientes A... Unipessoal, Lda., C..., Lda. e X... (como Documento n.º 1 junto em Audiência de Julgamento, a 13 de abril de 2021, que consta dos autos com ref.ª citius: 423627894).
19. Em face do supra exposto, não se concebe que possa haver outra decisão que não a substituição da decisão da 1.ª instância ora em crise por outra que condene o Réua o pagamento à Autora do valor de €784,51, acrescido dos juros de mora, calculados, pelo menos, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
20. Ao não dispor nestes termos, a Sentença proferida pela 1.ª instância incorreu em clara violação das normas dispostas nosartigos412.º a415.º do CPC, muito, em especial, do artigo 413.º.
Termos em que, e nos melhores de direito doutamente supridos por V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o Réu a pagar à Autora, aqui Recorrente, as quantias de € 972,29, correspondente ao custo suportado pela Autora com a reposição do material de demonstração solicitado pelo Réu e por este não devolvido; de € 784,51, correspondente ao valor do custo suportado pela Autora, relativamente a material devolvido por diversos clientes ao Réu e que não foi entregue por este à Autora; e de € 4.215,22, correspondente ao custo suportado pela Autora com a reparação dos danos da viatura automóvel, de matrícula ..-SL-.., da total responsabilidade do Réu, acrescidas de juros de mora, calculados, pelo menos, desde a data de citação para a ação declarativa até efetivo e integral pagamento.
Não foram apresentadas contra – alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
As questões que estão colocadas referem-se:
. impugnação da decisão de facto.
.do mérito da sentença recorrida.
III.FUNDAMENTAÇÃO.
3.1 O enunciado fático julgado provado e não provado na sentença recorrida é o seguinte:
Factos provados
A) O réu deve à autora o montante de €222,71, correspondentes ao "Fundo de Maneio" colocado à disposição pelo Requerente e ainda não devolvido pelo Requerido.
B) O réu deve à autora o montante de €1 726,05 correspondente ao valor do material adquirido pelo Requerido à Requerente e até ao momento não liquidado, identificado pelas Factura ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ... e ..., sobre os quais acrescem juros de mora desde 10/10/2017.
C) O réu foi interpelado pela autora, por carta e por email.
D) O réu não foi informado previamente à reparação do telemóvel ou durante o processo do seu diagnóstico prévio à reparação.
E) O réu não foi informado previamente à reparação do veículo automóvel, nem previamente comunicado da existência de qualquer dano.
Mais se provou:
Entre a autora e o réu existiu vínculo laboral, entretanto cessado, que se regulava, nomeadamente, pelas circulares n.º 1 e n.º 1 (aditamento) e n.º 6.
Factos não provados
a) O réu deve à autora €189,00 correspondentes ao valor de reparação do display do telemóvel ..., cedido pelo Requerente à Requerida, sobre os quais acrescem juros de mora desde 11/12/2018.
b) O réu deve à autora €972,29 correspondentes ao custo suportado pela Requerente com a reposição do material de demonstração solicitado pelo Requerido, mas que até ao momento não foi devolvido à Requerente, identificados pela Factura ..., sobre a qual acrescem juros de mora desde 30/12/2018.
c) O réu deve à autora €784,51 correspondentes ao valor total do custo suportado pela Requerente, relativamente a material fornecido por diversos clientes ao Requerido e que até ao momento não foi pago pelo mesmo (nomeadamente, pelos clientes “A... Unipessoal, Lda”, C..., Lda” e “X...”), identificado pelas seguintes Notas de Crédito: a) ... no valor de 256,63 €, a que acrescem juros de mora desde 16/03/2018; b) ... no valor de 413,40 €, a que acrescem juros de mora desde 09/06/2018; c) ... no valor de 114,48 €, a que acrescem juros de mora desde 09/03/2018.
d) O réu deve à autora €222,71, correspondentes ao "Fundo de Maneio" colocado à disposição pelo Requerente e ainda não devolvido pelo Requerido, a que acrescem juros de mora desde 28/02/2018.
e) €4.215,22, correspondentes ao custo suportado pela Requerente com a reparação dos danos da viatura automóvel com a matrícula ..-SL-.., da total responsabilidade do Requerido, identificado pela Factura ..., sobre a qual acrescem juros de mora desde 03/08/2018.
f) Aquando da entrega do telemóvel este estava a funcionar perfeitamente e sem qualquer problema.
g) Todo o material foi entregue à Requerente.
h) A entrega dos materiais pelos clientes não era feita através do réu.
i) O carro tinha seguro contra todos os riscos, pelo que tais danos teriam que estar cobertos pelo seguro.

3.2. Importaria agora apreciar e decidir da impugnação da al. E ) dos fatos provados, bem como, da impugnação dos factos julgados não provados vertidos nas als i),e),b),h) e c), conforme ordem de impugnação vertida nas conclusões de recurso, assinalando-se aqui que a al E) dos fatos provados na qual está vertido facto alegado pelo réu na contestação traduzido na alegação de que não foi informado previamente à reparação do veículo automóvel, nem previamente comunicado da existência de qualquer dano, apenas releva na medida em que merecer provimento a impugnação das alíneas e) e i) dos fatos julgados não provados relativos à reparação do veículo automóvel ali identificado.
Avançando.
Em termos factuais, no requerimento de injunção, consta o seguinte:
«1) €189,00 correspondentes ao valor de reparação do display do telemóvel ..., cedido pelo Requerente à Requerida, sobre os quais acrescem juros de mora desde 11/12/2018;
2) €972,29 correspondentes ao custo suportado pela Requerente com a reposição do material de demonstração solicitado pelo Requerido, mas que até ao momento não foi devolvido à Requerente, devidamente identificados pela Factura ..., sobre a qual acrescem juros de mora desde 30/12/2018;
3) €784,51 correspondentes ao valor total do custo suportado pela Requerente, relativamente a material fornecido por diversos clientes ao Requerido e que até ao momento não foi pago pelo mesmo (nomeadamente, pelos clientes “A... Unipessoal, Lda”, C..., Lda” e “X...”), identificado pelas seguintes Notas de Crédito:
a) ... no valor de 256,63 €, a que acrescem juros de mora desde 16/03/2018;
b) ... no valor de 413,40 €, a que acrescem juros de mora desde 09/06/2018; c) ... no valor de 114,48 €, a que acrescem juros de mora desde 09/03/2018;
4) €222,71, correspondentes ao "Fundo de Maneio" colocado à disposição pelo Requerente e ainda não devolvido pelo Requerido, a que acrescem juros de mora desde 28/02/2018;
5) €4.215,22, correspondentes ao custo suportado pela Requerente com a reparação dos danos da viatura automóvel com a matrícula ..-SL-.., da total responsabilidade do Requerido, identificado pela Factura ..., sobre a qual acrescem juros de mora desde 03/08/2018;
6) €1 726,05 correspondente ao valor do material adquirido pelo Requerido à Requerente e até ao momento não liquidado, identificado pelas Factura ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ... e ..., sobre os quais acrescem juros de mora desde 10/10/2017.».
E dessa alegação resulta apenas que a requerente do procedimento de injunção transformado numa ação especial de cumprimento de obrigação, conforme DL 269/98, se limitou a alegar que detém sobre o requerido determinados créditos, no total de seis, com os seguintes fundamentos:
1. (€189,00) com fundamento na alegação de ter procedido ao pagamento desses valores para pagar a reparação de um telemóvel entregue pelo requerido;
2. €972,29, correspondente ao custo suportado pela autora na reposição de material de reposição que o requerido não devolveu após ter cessado o vínculo laboral que tinha com a autora;
3. €784,51 correspondentes ao valor total do custo suportado pela Requerente após ter cessado o vínculo laboral que tinha com o réu, relativamente a material fornecido por diversos clientes ao Requerido e que até ao momento não foi pago pelo mesmo (nomeadamente, pelos clientes “A... Unipessoal, Lda”, C..., Lda” e “X...”), identificado pelas referidas Notas de Crédito:
4. €222,71, correspondentes ao "Fundo de Maneio" colocado à disposição pelo Requerente (quando vigorava entre as partes a relação laboral) e ainda não devolvido pelo Requerido, a que acrescem juros de mora desde 28/02/2018;
5.€4.215,22, correspondentes ao custo suportado pela Requerente com a reparação dos danos da viatura automóvel com a matrícula ..-SL-.., afirmando a autora que é da total responsabilidade do Requerido o pagamento desses danos, valor identificado pela Factura ..., sobre a qual acrescem juros de mora desde 03/08/2018;
6.€1 726,05 correspondente ao valor do material adquirido pelo Requerido à Requerente e até ao momento não liquidado, identificado pelas Factura ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ... e ..., sobre os quais acrescem juros de mora desde 10/10/2017.
Desta descrição resulta à saciedade que o requerimento de injunção enfermava de deficiência na alegação da causa jurídica dos alegados créditos, ou seja, a requerente não expôs minimamente os factos que fundamentam cada um dos créditos reclamados (não cumpriu devidamente o art. 552º,/1/d) do CPC), e, por conseguinte, o requerimento de injunção, por vício de deficiente de alegação da(s) concreta(s) fonte(s) jurídica(s) dos alegados créditos, deveria ter sido, pelo menos, objeto de despacho de convite ao aperfeiçoamento após ser apresentada a oposição.
É preciso nunca perder de vista que o que se alega tem que encerrar a exposição/alegação de factos que permitam qualificar juridicamente a concreta fonte da obrigação, via de regra, o contrato, e permitir afirmar ser a autora titular dos direitos de crédito sobre o Réu- nos montantes que peticiona.
Sendo que estamos, repete-se, no domínio do princípio/regra, supra referido, segundo o qual, quem se dirige ao tribunal, a exigir o cumprimento dum direito de crédito, tem que expor a fonte/causa de tal crédito.
Assim que, como regra, para que haja o dever de prestar e o correlativo poder de exigir a prestação, fora dos casos em que a obrigação nasce directamente da lei (gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil, etc.), é necessário o acordo (contrato) entre o devedor e o credor; é o chamado “princípio do contrato”, que significa que só a convenção bilateral, no domínio das obrigações assentes sobre a vontade das pessoas, pode (em regra e fora das situações excepcionais referidas) criar o vínculo obrigacional.
Ora, no requerimento de injunção em apreço existe deficiência na alegação da origem ou relações subjacentes das alegadas dívidas que a recorrente alega serem da responsabilidade do recorrido, o que, é essencial, desde logo para apreciar e decidir sobre a competência do tribunal perante o qual é apresentado o pedido e ainda para apreciar e decidir se estão verificadas as condições legais exigidas para lançar mão do requerimento de injunção.
Significa isto que, no requerimento de injunção a autora-recorrente deveria ter feito uma alegação minimamente circunstanciada dos factos constitutivos das relações materiais subjacentes aos créditos que alega ser titular activa e cujo titular passivo alegadamente é o réu.
Todavia, no caso dos autos, uma vez que o procedimento de injunção era de valor inferior a € 15.000,00 frustrada a notificação do requerido, o processo foi remetido à distribuição nos termos previstos nos arts. 10º, nº 2, al. j), e 16º, nº 1, do diploma anexo ao Decreto-Lei preambular nº 269/98 de 1/09, após o que passaram os autos transmutaram-se em ação especial para cobrança de obrigações pecuniárias de valor inferior à alçada da Relação.
E realizado o julgamento veio a ser proferida sentença, que decidiu não admitir a dedução da compensação no âmbito da matéria de exceção (peremtória), julgar improcedente a invocada prescrição dos créditos da autora e julgar parcialmente procedente o pedido formulado e, consequentemente, condenou o réu a pagar à autora, o montante de €1.948,76 (€1.726,05+€222,71) – mil novecentos e quarenta e oito cêntimos e setenta e seis cêntimos –, acrescido dos juros vencidos e nos vincendos, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, abrangendo os créditos a que se referem os nºs 4 (€ 222,71) e 6 (€ 1.726,05) do requerimento de injunção reclamados a título de devolução do “Fundo de Maneio” que foi colocado à disposição do requerido e não foi devolvido após cessação do vínculo laboral e pagamento do valor do material adquirido pelo requerido à requerente.
E como resulta da peça recursória o objeto do recurso contende com o segmento decisório da sentença recorrida que absolveu o réu do pagamento dos valores reclamados nos nºs 1, 2, 3 e 5 do requerimento de injunção.
A significar, que neste momento a deficiência de alegação atrás apontada ao requerimento de injunção continua a viciar a decisão de facto que está impugnada, o que, em princípio, implicaria que nesta sede e com esse fundamento fossem retiradas as devidas consequências.

Todavia, afigura-se-nos que antes de tudo o mais, impõe-se analisar e decidir a questão prévia por nós colocada às partes por despacho proferido nestes pelo relator no dia 2.06.2022, traduzida em aferir e decidir, relativamente aos créditos que são objeto do presente recurso, se o procedimento injuntivo constitui o iter ou o procedimento processual adequado a peticionar o pagamento daqueles valores, sendo certo que o uso indevido do procedimento de injunção inquina na totalidade a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que se se transmutou, consubstanciando exceção dilatória inominada (art. 577º, do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância, impedindo qualquer apreciação de mérito.
E desde logo importa convocar a legislação atinente ao procedimento de injunção e respectiva evolução.
Transcreve-se aqui parte do Ac da Relação de Lisboa de 17.12.2015 que fez um elaborada resenha histórica da legislação que a propósito foi publicada e subsequentes alterações através de diplomas subsequentes:
«(..) A injunção, enquanto «providência que permite que o credor de uma prestação obtenha de uma forma célere e simplificada um título executivo (…) quando se consubstancie no cumprimento de uma obrigação pecuniária», nasceu com o DL 404/93 de 10/12 (cfr preâmbulo desse diploma). Nele previa-se, que inexistindo oposição, fosse aposta no requerimento injuntivo uma imediata fórmula executória, “Execute-se”, o que era realizado pelo próprio secretário judicial do tribunal territorialmente competente e não era previsto como acto jurisdicional. A existência de oposição, pelo contrário, implicava a apresentação obrigatória dos autos ao juiz (art 6º/2), passando a observar-se a tramitação prevista para o processo sumaríssimo, com a designação imediata do dia para julgamento.
Pressupunham-se, no entanto, obrigações pecuniárias decorrentes de contrato, cujo valor não excedesse metade do valor da alçada do tribunal de 1ª instância – que, na altura, era a de 500 contos – pelo que estavam em causa obrigações pecuniárias até 250.000$00.
A pequena aceitação e as dificuldades constitucionais que esta figura determinou, vieram a implicar a revogação do DL 404/98, mas não o abandono daquela figura processual, que foi retomada pelo DL 269/98 de 1/9.
Este diploma, destinado, segundo o seu art 1º, a aprovar o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, afirmou-se no seu preâmbulo como especialmente vocacionado para as “acções de baixa densidade”, entendendo-se por tais, as que têm por objecto a cobrança de dívidas por parte dos “grandes utilizadores”, os ditos credores institucionais (bancos, seguradoras, operadoras telefónicas, instituições financeiras…).
Estava, pois, em causa com o mesmo, o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, contratos esses que não excedessem o valor da alçada do tribunal de 1ª instância, e foi designado por RPCOP.
O diploma em causa alterou o art 222º do CPC, criando na espécie 3ª, ao lado do processo sumaríssimo, uma outra modalidade, “acções especiais para o cumprimento de obrigações emergentes de contratos”.
Comporta dois capítulos – um primeiro, referente à “acção declarativa”, e um segundo, referente à “injunção”.
O espírito deste diploma era o do credor poder utilizar um destes dois mecanismos à escolha - acção declarativa, ou injunção - de forma facultativa e alternativa, num caso e noutro, independentemente do próprio valor do contrato em causa, desde que o montante da prestação exigida fosse igual ou inferior ao valor da alçada do tribunal de 1ª instância e desde que declarasse haver renunciado à outra parte do crédito.
A injunção foi configurada como providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (art 7º) e, sendo deduzida oposição, ou frustrada a notificação do requerido, os autos iam à distribuição e seguiam os termos da referida acção declarativa especial para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (arts 16º e 17º).
Surgiu, entretanto, o DL 32/2003 de 17/2, que pretendeu transpor a Directiva nº 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho para a ordem jurídica interna, com a finalidade de «combater os atrasos de pagamento nas transacções comerciais» (art 1º).
Alargou a possibilidade de recurso às injunções a todos os pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais (art 2º), e definiu “transacção comercial” (art 3º al a), como «qualquer transacção entre empresas, ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração», e, “empresa” (art 3º al b)), como «qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular».
E determinou, que, estando em causa o “atraso de pagamento” em tais “transacções comerciais”, o credor teria direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida (art 7º/1 do DL 32/2003 e art 7º RPCOP na redacção do DL 32/2003).
A dedução de oposição nestas injunções, desde que as mesmas tivessem valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância, determinaria a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma do processo comum (art 7º/ 1 e 2 deste DL).
Por isso, eram susceptíveis de virem a ser processadas em processo sumário, ou mesmo ordinário.
O DL 107/2005 de 1/7, que não revogou nenhum dos outros anteriores, apenas deu nova redacção a muitos dos preceitos do DL 269/98 e ao art 7º do DL 32/2003 de 17/2, veio introduzir alterações nesta matéria de formas processuais.
Sob a motivação de descongestionar os tribunais de processos destinados ao cumprimento de obrigações pecuniárias, elevou a possibilidade de utilização dos dois já referidos mecanismos (a injunção por um lado, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, por outro) para a exigência do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior ao da alçada do tribunal de Relação.
No caso da injunção (que não seja decorrente de transacções comerciais), sendo deduzida oposição, ou frustrando-se a notificação do requerido, transmuta-se a mesma em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
Quando decorrente de transacções comerciais, tais como previstas no DL 32/2003, e que como se viu, se podem fazer valer do disposto nesse diploma legal independentemente do valor, estipulou-se neste DL 107/05 que, quando o valor fosse superior à alçada do tribunal da Relação, a dedução de oposição ou a frustração da notificação do procedimento de injunção determinavam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum, que seria o processo ordinário - portanto a acção transmutava-se de injunção, em acção ordinária – art 7º/2 do DL 32/2003 17/2 na redacção do DL 107/2005 de 1/7.
Mas, quando o valor da dívida resultante da tal transacção comercial, fosse inferior à alçada do tribunal da Relação, a oposição e a não notificação do procedimento da injunção já dão lugar à acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato - art 7º/4 do DL 32/2003 17/2, na redacção do DL 107/2005 de 1/7.»

E como se escreveu naquele acórdão, dos diplomas acima elencados resulta que desde que o art 8º do DL 32/2003 alterou a redacção do art 7º do DL 269/98, o procedimento da injunção passou a ser utilizável no caso do cumprimento das obrigações a que se refere o art 1º do diploma preambular – obrigações pecuniárias emergentes de contrato – e a obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17/2, aqui independentemente do valor.
Mais recentemente, o DL 62/2013 de 10/5, cujo objectivo foi o de transpôr para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 2011/7/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/2/2011, também ela a estabelecer medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, revogou o DL 32/2003 de 17/2, embora com excepção dos respectivos arts 6º e 8º, mas manteve-o relativamente aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor.
Deste DL 62/2013 e do seu art 10º resulta manter-se a injunção independentemente do valor da dívida quando esteja em causa o atraso de pagamento em transacções comerciais, e resulta também que, havendo oposição à injunção, se a obrigação for de valor não superior a metade da alçada da Relação, o processo é remetido à distribuição, seguindo-se a tramitação prevista na acção declarativa especial – nº 4 desta norma – e se a obrigação for de valor superior a metade da alçada da Relação, o processo é remetido ao tribunal competente e distribuído como acção declarativa na forma comum - nº 2 da mesma – referindo o respectivo nº 3 que, «recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais».

Isto posto, na situação dos autos, estando em causa o valor de € 8.302,56 (capital e juros vencidos, cfr art 18º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro), a aqui apelante, em10.01.2019, instaurou requerimento de injunção destinada a exigir o cumprimento de pagamento de vários créditos com diversas fontes jurídicas e “arriscou” o mecanismo da injunção, com o que a mesma implica de facilitação na obtenção de titulo executivo.
Esse foi o meio processual que escolheu, e será à luz dele que se deverá analisar a questão dos autos – ser ou não, a injunção, procedimento processual adequado para peticionar os créditos que descreveu no requerimento de injunção.
Ora, a adequação do procedimento de injunção, ou do procedimento declarativo especial previstos no DL 269/98, de 1/9, para a cobrança de valores em dívida em resultado de determinado tipo de negócios jurídicos está definida no respectivo art. 1º, que dispõe: “É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma.”
Nos termos desta norma, só é admissível a utilização de tais formas processuais quando a causa de pedir seja o incumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00€.
Nem o DL 404/93 de 10/12, que, como se viu, introduziu na nossa ordem jurídica as injunções, nem subsequentemente o DL 269/98 de 1/9, definem obrigação pecuniária, pelo que se tem de lançar mão ao que genericamente resulta para as mesmas do Código Civil, arts 550º a 558º, bem como ao disposto nos arts 774º e 806º desse mesmo diploma legal que as referem.
Diversa doutrina e jurisprudência têm sido produzidas sobre a matéria, não deixando já dúvidas sobre o conteúdo de tal conceito de “obrigações pecuniárias emergentes de contratos”.
Assim, das disposições legais referidas e da elaboração doutrinal a seu respeito, é possível dizer-se que as obrigações pecuniárias são uma modalidade de obrigações genéricas em que a prestação consiste numa quantia em dinheiro; e podem configurar-se como obrigações de quantidade – quando têm por objecto uma pura e simples quantia pecuniária, dizendo a seu respeito o art 550º CC que o seu cumprimento se «faz em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário» - e obrigações de moeda específica - quando, além do montante da prestação, é especificada a moeda nacional em que o pagamento da dívida deve ser feito, podendo especificar-se a própria moeda ou o metal da moeda, art 552º e ss CC
Exigência que é também válida para as transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17/2 e, após, pelo DL 62/2013 de 10/5, quando se pretendam cobráveis pela via das injunções – essas injunções têm, também, que ter na sua base um contrato, que envolvendo fornecimento de bens ou prestação de serviços, seja gerador de obrigações pecuniárias, e essas obrigações pecuniárias hão-de também de ter emergido directamente desse contrato.
Das considerações expostas, em primeiro lugar, importa afirmar, convocando aqui o Ac da Relação de Lisboa de 17.12.2015 e o Ac desta Relação de 15.01.2019, atrás citados na nota 1 que “É (…) pressuposto objetivo genérico do procedimento da injunção, a presença de obrigações pecuniárias geradas por um contrato, melhor, por um negócio jurídico plurilateral de natureza onerosa, apenas nos interessando para o efeito pretendido - de determinação do conceito de obrigação pecuniária actuável pela via da injunção - as obrigações pecuniárias acima referidas, como obrigações de quantidade (aquelas que têm por objecto uma prestação em dinheiro a qual é destinada a proporcionar ao credor o valor da quantia devida e não de determinada espécie monetária).
É, no entanto, em função da contraposição destas obrigações pecuniárias às obrigações de valor que se obtém o conceito operante na matéria em causa, e que é, afinal, o de obrigação pecuniária em sentido estrito. Enquanto que obrigação pecuniária em sentido estrito é aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objecto da prestação[2], já as obrigações de valor não têm originariamente por objecto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação.[3]»
«Será pois o conceito de obrigação pecuniária em sentido estrito o que está pressuposto nos diplomas referidos [Decretos–Leis nºs 404/93, 269/98, 32/2003, 107/2005 e 62/2013], de tal modo que se poderá dizer que «quando o dinheiro funcionar como substituto do valor económico de um bem ou da reintegração do património, não estará preenchido o pressuposto objectivo de admissibilidade do processo de injunção»
Em sentido idêntico se pronuncia Salvador da Costa[5], afirmando que “o regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, …”.
Adoptando este entendimento, podem ver-se, entre outros, os Acs. citados na nota de rodapé nº 1, entre outros.
No caso em apreço, os alegados créditos, pese embora a deficiência de alegação atrás apontada, correspondem, não ao cumprimento de obrigações pecuniárias stricto sensu, mas ao exercício da responsabilidade civil, subsequente à cessação de um vínculo de cariz laboral que vinculou a recorrente e o recorrido.
Efectivamente, da descrição desses créditos que foi vertida no requerimento de injunção resulta que o réu deixou de ter vínculo de cariz laboral com a autora e que esta veio nesta ação responsabilizar o réu pelo pagamento de quantias que entende serem-lhe devidas pelo réu, tudo a revelar, que através desta ação a autora pretende reclamar valores cuja fonte não é o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, mas sim obrigações derivadas de responsabilidade civil que a recorrente imputa ao réu-recorrido, irrelevando aqui o rigor ou falta dele, daquela descrição .
Isso mesmo está refletido na descrição dos vários créditos reclamados, na contestação, no requerimento da autora que se seguiu ao despacho com a referência 411549285) no qual a autora afirma que o contrato de trabalho cessado a 10 de janeiro de 2018 e ainda na sentença recorrida (na qual a questão decidenda não foi sequer referenciada) na parte em que aí se afirma:
«Nos termos do disposto nas alíneas b) e f) do n.º 1 artigo 126º, da LOSJ, compete aos tribunais da jurisdição laboral a apreciação das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho e emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho, por isso, este JLCVNG não conhece da relação laboral que ligou a autora e o réu.
Portanto, só há um instituto que serve para os factos provados supra: o enriquecimento sem causa.»
Por conseguinte, cumpre afirmar, que o procedimento de injunção é um expediente processual impróprio para obter satisfação dos pedidos da autora, já que estes não são subsumíveis ao conceito de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato.
Esta conclusão conduz-nos de imediato para a análise da seguinte: no caso em apreço, por não ter sido conseguida a notificação do requerido o processo foi distribuído e passou a seguir os termos de um processo declarativo, deixaram de se verificar os obstáculos referidos à tramitação da pretensão do autor sob a forma de injunção, uma vez que a distribuição do processo como acção declarativa especial fez nascer toda uma nova tramitação processual, à qual não podem ser opostos os condicionamentos que impediam o recurso ao processo de injunção?
Afigura-se-nos que não.
Efectivamente, conforme foi decidido em situações idênticas nos recentes acórdãos desta Relação do Porto, 15-01-2019 e de 15 de Dezembro de 2021, (em que o valor do procedimento de injunção era inferior a 15.000,00€), a distribuição deste processo, consequente à frustração de notificação do requerido, deu azo a que o mesmo tivesse passado a tramitar como acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, nos termos do nº 4 do art. 1º e dos arts. 3º e 4º do regime anexo ao DL. 269/98, em cumprimento do disposto no art. 17º. E, para esta forma de processo, ali se estabelece um regime processual expedito, com prazos, actos e provas restringidos ao essencial, em homenagem a interesses de agilidade e celeridade.
Ora, esse regime processual, nos termos do art. 1º do D.L. 269/98, continua reservado à mesma espécie de obrigações que as injunções: obrigações pecuniárias decorrentes do incumprimento de contratos de valor inferior a 15.000,00€. E, como já vimos anteriormente, esse não é o caso das obrigações decorrentes de responsabilidade civil que integra as causas de pedir alegadas pela autora -recorrente para os créditos que estão em causa e que acima foram descritos.
Por consequência, diferentemente do que aconteceria no caso de a distribuição do processo de injunção se executar em cumprimento do art. do nº 2 do art. 10º do DL 62/2013, de 10 de Maio, por o pedido ser superior a 15.000,00€ (o que exigiria a verificação de outros pressupostos, que aqui não interessa discutir), originando a sua tramitação como processo comum, sem restrições especiais, na situação sub judice a distribuição do processo levou a que o mesmo observasse a tramitação célere e aligeirada especificamente prevista para um tipo de casos diferente daquele que os autos consubstanciam.
É, por isso, impossível afirmar que, com a transmutação do processo injuntivo em acção declarativa, desapareceram as razões e as consequências que justificavam a inadmissibilidade do processo injuntivo para a tutela da pretensão do requerente. Pelo contrário, essas razões, constituídas pelas especificidades da tramitação deste processo declarativo especial, mantêm-se, justificando que não se possa aplicar o respectivo regime a outro tipo de obrigações para além das previstas no art. 1º do D.L. 269/98, designadamente às decorrentes de responsabilidade civil, como é o caso dos autos.
Concluímos assim pela inadmissibilidade do conhecimento dos créditos reclamados e que eram objeto do presente recurso, pelo que em relação a nenhum deles poderia o tribunal a quo proferir decisão de mérito, sendo que este tribunal da Relação está limitado a esses créditos, uma vez que dois deles foram conhecidos pelo tribunal recorrido por sentença que nessa parte já transitou em julgado[6], ficando prejudicados o conhecimento e decisão sobre o recurso interposto.

Sumário.
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IV – DELIBERAÇÃO.
Pelo exposto, relativamente aos créditos objecto do presente recurso e que foram reclamados no requerimento injuntivo inicial, entretanto transmutado em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, nos termos do nº 4 do art. 1º e dos arts. 3º e 4º do regime anexo ao DL. 269/98, em cumprimento do disposto no art. 17º, consideramos que a autora-recorrente usou de forma indevida o procedimento de injunção, situação que configura uma exceção dilatória inominada de uso indevido/inadequado da providência de injunção que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição do réu-recorrido da instância, nos termos dos arts. 576º, nº 2 e 577º do Cód. do Proc. Civil, ficando prejudicadas as questões que constituíam objeto do presente recurso.
Custas do recurso a cargo da autora-recorrente.

Porto, 13.07.2022
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Isabel Silva
_________________
[1] Neste sentido, Ac STJ de 14.02.2012 (Revista Excecional); Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.04.2022, de 08.02.2022, 09.09.2021, 17.12.2015, Acs do Tribunal da Relação do Porto, de 15.01.2019, 15.12.2021, entre outros, todos disponíveis em www.dgsi.pt.,
[2] Cfr João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, p 15, que aqui citam o Ac RL 27/5/2010 que a refere como aquela em que «a prestação debitória consiste numa quantia em dinheiro que se toma pelo seu valor propriamente monetário» «a prestação debitória consiste numa quantia em dinheiro que se toma pelo seu valor propriamente monetário»
[3] Paulo Duarte Teixeira, “Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção», em “Themis”, VII, nº 13, pág. 184.
[4] Paulo Duarte Teixeira, ob citada, p 184.
[5] (Injunções e as Conexas Ação e Execução, 5ª ed. atual. e ampl., 2005, pág. 41),
[6] Cfr. os acórdãos do STJ de 14.02.2012-proc. 319937/10.3YIPRT.L1.S1, da RC de 24.01.2012-proc. 546/07.0TBCBR.C1, da RP de 18.12.2013-proc. 32895/12.0YIPRT.P1, de 15.01.2019, proc nº 141613/14.0YIPRT.P1 e de 15.12.2021, proc. 17463/20.0UIPRT.P1 e da RL de 17.12.2015. proc. 122528/14.9 YIPRT.L1-2, todos disponíveis in www.dgsi.pt..