RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
PENA DE PRISÃO
PENA CUMPRIDA
DESCONTO
NOVO CÚMULO JURÍDICO
PERDÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
Sumário


I - Quanto à admissibilidade legal de efectuar cúmulo jurídico entre penas parcelares de prisão efectiva e penas parcelares de prisão efectiva extintas (pelo cumprimento ou pela aplicação de perdão), é entendimento da jurisprudência do STJ., que o cúmulo jurídico superveniente deve englobar sempre todas as penas mesmo que cumpridas, prescritas ou extintas, cabendo, em momento posterior ao cúmulo, proceder ao respectivo desconto na pena única fixada.
II - No concurso superveniente de infracções, atentas as regras do concurso fixadas pelos arts. 77.º e 78.º, do CP, tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente à sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente.
III - É que, tendo que se reformular o cúmulo, por força do conhecimento posterior de crimes que estavam em situação de concurso com os anteriores e que, portanto deveriam ter entrado nesse cúmulo, não há nenhuma «obrigação» de respeitar a pena unitária anterior, a que acresceria simplesmente mais «um quantum» relativamente aos crimes posteriormente conhecidos.
IV - A reformulação é um novo cúmulo, em que tudo se passa como se o anterior não existisse. É, de resto, a solução que decorre da lei (art. 78.º n.º 1, do CP), pois o trânsito em julgado não obsta à formação de uma nova decisão para reformulação do cúmulo, em que os factos, na sua globalidade, conjuntamente com a personalidade do agente, serão reapreciados, segundo as regras fixadas no art. 77.º.
V - O perdão previsto no art. 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10-04, incide sobre a pena única, e apenas abrange as penas de prisão aplicadas a reclusos de duração igual ou inferior a 2 anos, ou a penas de prisão de duração superior a essa se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a 2 anos e o recluso tiver cumprido, pelo menos, metade da pena (art. 2.º n.º 3, da citada Lei n.º 9/2020, de 10-04), sendo certo que os condenados em pena única que integre pena aplicada pela prática de crime de tráfico p. e p. pelo art. 21.º do DL n.º 15/93, de 22-01, também não beneficiam do perdão.
VI - Deste modo, bem andou a decisão recorrida ao incluir na operação de cúmulo efectuada, a pena parcelar de prisão efectiva extinta (pelo cumprimento e por aplicação de perdão), do Proc. abreviado n.º 232/19.8GAMIR, com as demais penas de prisão, em concurso superveniente, impostas, nos Proc. n.º 25/19.2GACNT, mas também nos autos de Proc. Abreviado n.º 292/19.1GANIR e de Proc. comum singular n.º 233/19.6GAMIR, e em não aplicar a medida de graça prevista na Lei n.º 9/2020, procedendo, porém, no cumprimento da pena única fixada, ao desconto da pena parcelar já extinta, daquele Proc. n.º 232/19.8GAMIR, determinando que à pena fossem descontados 3 meses e 10 dias de prisão cumpridos neste último processo.
VII - Quanto à medida da pena única aplicada, tendo em conta a personalidade revelada nos factos e as exigências de prevenção geral, mas sem esquecer as específicas exigências de prevenção especial, de modo a obter-se uma pena conjunta mais adequada à globalidade do caso, considera-se perfeitamente adequada e ajustada a pena única de 7 anos e 10 meses de prisão, ficando afastada a possibilidade deste Supremo Tribunal proceder a qualquer redução.

Texto Integral




 Processo 25/19.2GACNT-A.S1

Acordam, em Conferência, na 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça..

I. RELATÓRIO:

I.1. No Tribunal Judicial da Comarca ... Central Criminal ... - Juiz ..., por acórdão cumulatório proferido no dia 31 de janeiro de 2022, foi o arguido AA, condenado na pena única de7 anos e 6 meses de prisão em resultado do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos seguintes processos:

- Nos próprios autos (Processo Comum Coletivo nº 25/19.2GACNT), condenado por Acórdão de 2.04.2021, transitado em5.05.2021, pela prática em 5.09.2019, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art.º 21, n.º 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-A, I-B e I – C, na pena de 4 anos e 10 meses de prisão;

- No âmbito do processo n.º 292/19...., por decisão de 11.02.2020, transitada em julgado em 8.06.2020, foi o arguido condenado, pela prática em 30.09.2019, de um crime de consumo de produtos estupefacientes ao abrigo do art.º 40, n.º 2 da Lei 15/93 de 22 de Janeiro, e um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art.º 3, n.º 1 e 2 do DL2/98, nas penas de 23 meses de prisão e 3 meses, respetivamente.

- No âmbito do processo n.º 233/19...., por decisão de 17.11.2020, transitada em julgado em 23.04.2021, foi o arguido condenado pela prática, em 19.07.2019, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido no art.º 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01, com referência ao artº121º, nº 1 do Código da Estrada, na pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão e pela prática de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo artº 348º-A, nº 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) meses.

- No âmbito do processo Abreviado nº 232/19.8GAMIR, por decisão de 7.11.2019, transitada em julgado em 16.12.2019, foi o arguido condenado pela prática, em 5.08.2019, de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art.º 3.º,n.º 1 e 2 do DL 2/98, na pena de 23 meses de prisão efetiva. Desta pena cumpriu três meses e dez dias, sendo que por decisão de 14.04.2020, transitada em julgado em 14.05.2020, foi perdoada o remanescente da pena.

*

O acórdão cumulatório determinou ainda que à pena do cúmulo fossem descontados 3 meses e 10 dias de prisão já cumpridos no âmbito do processo 232/19...., nos termos do disposto no art.º 78.º, n.º 1, parte final do C.P.

*

I.2. Inconformado, o arguido interpôs recurso para o STJ, defendendo que a pena do processo 232/19.... deve ser excluída do cúmulo jurídico ou, se assim não se entender, que a pena única deve ser reduzida para 5 anos de prisão e ficar suspensa na execução por igual período.

Da motivação do recurso, retira o recorrente as seguintes conclusões:

1.º O presente recurso vem interposto do acórdão proferido em tribunal coletivo que em cúmulo jurídico aplicou ao recorrente a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, com a qual não se pode conformar.

2.º Para a elaboração da pena única por cúmulo jurídico, foram consideradas as penas de 4 anos e 10 meses de prisão - processo comum coletivo n.º 25/19.2GACNT; 23 meses e três meses de prisão - Processo Abreviado n.º 292/19.1GAMIR; 24 meses e três meses de prisão -Processo comum singular n.º 233/19....; 23 meses de prisão - Processo Abreviado n.º 232/19.8GAMIR.

3.º No âmbito do processo abreviado n.º 232/19.8GAMIR, cumpriu 3 meses e 10 dias de prisão e foi-lhe perdoado o remanescente da pena de prisão, por despacho transitado em julgado à data do cúmulo, pelo que com este cumprimento e perdão ocorreu a extinção da pena de prisão.

4.º Na elaboração do cúmulo jurídico, o tribunal coletivo considerou a pena de 23 meses de prisão aplicada no âmbito do processo abreviado n.º 232/19.8GAMIR e descontou na pena única os 3 meses e 10 dias de prisão cumpridos.

5.º Salvo o devido respeito, o tribunal recorrido errou na interpretação e aplicação do direito ao incluir na elaboração do cúmulo a pena (parcelar) extinta do processo abreviado n.º 232/19.8GAMIR e ao descontar na pena única a parte da pena de prisão cumprida no âmbito deste processo.

6.º O Tribunal coletivo não interpretou nem aplicou o n.º 1 do artigo 78.º quando conjugado com o n.º 3 do artigo 128.º e o n.º 1 do artigo 127.º, do Código Penal, no sentido de que quando há cumprimento parcial da pena de prisão e perdão do remanescente desta pena se considera extinta na sua totalidade, pelo que a pena parcelar não pode ser considerada para efeitos de elaboração de cúmulo jurídico e aplicação de pena única, porque uma vez extinta deixa de produzir efeitos; deveria tê-lo interpretado e aplicado com este sentido; devendo por isso a decisão impugnada ser revogada e substituída por outra que não inclua esta pena.

7.º Sem prescindir, mas por mera cautela jurídica e ser hipoteticamente admissível entendimento diferente, considerando o teor do relatório social, que o tribunal coletivo não pôs em causa, e o descrito no acórdão sob a epígrafe “Impacto da situação jurídico-penal” desde “O arguido mantém um comportamento institucional...” até “... expressões mobilizadoras para a mudança.”, a pena única de 7 anos e 10 meses mostra-se inadequada e desproporcionada e, assim, excessiva, no caso dos autos, sendo mais adequada e proporcional e, por isso, mais justa, a pena única de 5 anos, suspensa na sua execução por igual período.

Nestes termos e nos mais e melhores de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser concedido provimento ao presente recurso, decretando-se a revogação do acórdão impugnado e a sua substituição por outro que não inclua a pena parcelar respeitante ao processo abreviado n.º 232/19.8GAMIR na elaboração do cúmulo jurídico para aplicação da pena única.

Quando assim não se entender, o que só por mera cautela jurídica e hipótese se admite, a pena única deve ser reduzida para 5 anos de prisão suspensa na sua execução, por se afigurar mais adequada e proporcional e, por conseguinte, mais justa.

*

I.3. A Magistrada do Ministério Público veio apresentar resposta ao recurso, concluindo:

1- No concurso superveniente de infracções, atentas as regras do concurso fixadas pelos artigos 77.º e 78.º do Código Penal (na redacção a este último preceito, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4/09), tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente à sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente.

2- Isto porque o nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes, instituindo a pena única, como a sanção ajustada à unidade relacional de ilícito e de culpa, numa ponderação do conjunto dos crimes e da relação da personalidade com o conjunto dos factos.

3- Sendo as próprias regras do concurso que excepcionam nessas situações o caso julgado e as penas já extintas (pelo cumprimento, ou pelo perdão).

4- A realização do cúmulo jurídico de penas em concurso é efectuada em audiência, tratando-se de um verdadeiro julgamento de mérito em que o tribunal profere uma nova decisão final.

5- Essa decisão final sobrepõe-se às decisões anteriormente proferidas por cada crime que foi objecto das penas parcelares, as quais são englobadas na pena única resultante da efectivação do cúmulo.

6- Decidindo o tribunal do cúmulo, reavaliados em conjunto os factos e da personalidade do agente, a pena única que deve ser aplicada, descontando-se no cumprimento desta a pena parcelar que já estiver extinta total ou parcialmente, por perdão (neste sentido Acórdãos do STJ de 21-04-1999, Proc. n.º 593/98 - 3.ª, SASTJ n.º 30, pág. 77; de 24-05-2000, Proc. n.º 28/00 - 3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 204)

7- A pena única de sete (7) anos e seis (6) meses de prisão (a que foi descontado, no seu cumprimento a pena já declarada extinta de três (3) meses e dez (10) dias), resultante de cúmulo jurídico de penas aplicadas ao recorrente, de entre uma moldura que tem, por limite mínimo, 4 anos e 10 meses de prisão e, por limite máximo, 11 anos e 2 meses de prisão, mostra-se ajustada à gravidade dos factos em ponderação e a uma personalidade que evidencia propensão para o crime, desprezo pelas sanções criminais antes impostas, total indiferença pelas regras jurídicas que disciplinam a vida em sociedade e por elevados bens jurídicos merecedores de tutela do direito penal e ausência de determinação para uma alteração de padrão de vida em normatividade e socialmente adequado.

6- O douto acórdão recorrido fez correcta interpretação dos preceitos legais que havia a aplicar, não se mostrando ofendido qualquer normativo, apontado na motivação da recorrente

Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros, segura e sabiamente            não deixarão de suprir,          negando-se provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmando-se o acórdão condenatório proferido, far-se-á Justiça.

*

I.4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer também a seguir transcrito, na parte que interessa:

Partilhamos do entendimento do MP na 1.ª instância.

Permitimo-nos, apenas, acrescentar o que se segue.

(i) Diz o arguido que da pena de 23 meses de prisão imposta no processo 232/19.... cumpriu 3 meses e 10 dias e que o tempo remanescente foi perdoado, por despacho transitado à data da realização do cúmulo, pelo que, tendo ocorrido, com o cumprimento e o perdão, a extinção total da pena, deve a mesma ser descartada da pena conjunta (conclusões 3.ª a 6.ª).

Sem razão.

Actualmente as penas parcelares que estejam numa relação de concurso, nos termos definidos no art. 77.º, n.º 1, do CP, que só a posteriori seja conhecida, ainda que se mostrem cumpridas, prescritas ou extintas (com excepção das penas de prisão suspensas na execução já declaradas extintas nos termos do art. 57.º, n.º 1, do CP), são obrigatoriamente incluídas no cúmulo jurídico (compare-se a redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP, na versão do DL 48/95, de 15.03, com a que foi introduzida pela Lei 57/2009, de 04.09, que substituiu o segmento mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta por sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes – cf. o acórdão do STJ de 18.10.2017, processo 8/15.1GAOAZ.P1.S1, com abundante apontamento de jurisprudência, em www.dgsi.pt,).

Nesta decorrência, como, por um lado, o perdão previsto no art. 2.º da Lei 9/2020, de 10.04, incide sobre a pena única, quer nos casos de cúmulo inicial, quer nos de cúmulo superveniente (ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet), e apenas abrange as penas de prisão aplicadas a reclusos de duração igual ou inferior a dois anos ou as penas de prisão de duração superior a essa se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos e o recluso tiver cumprido, pelo menos, metade da pena [n.os 1, 2 e 3], condições que não se mostram reunidas no caso sub examine, e por outro lado, ainda que assim não fosse, os condenados em pena única que integre pena aplicada pela prática de crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21.º do DL 15/93, de 22.01, também não beneficiam do perdão [n.º 6, al. k)], bem andou o tribunal colectivo em não amputar da pena única a pena do processo 232/19.... e em não aplicar a medida de graça prevista na Lei 9/2020.

(ii) Diz ainda o recorrente que, face ao teor do relatório social reproduzido na factualidade provada, a pena única de 7 anos e 6 meses [e não 10 meses, como por manifesto lapso consta da conclusão 7.ª] «mostra-se inadequada e desproporcionada e, assim, excessiva (…) sendo mais adequada e proporcional e, por isso, mais justa, a pena única de 5 anos, suspensa na sua execução por igual período» (conclusão 7.ª).

Novamente sem razão.

Nos termos do art. 77.º do CP, na determinação da medida da pena única, dentro de uma moldura que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (n.º 2), são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (n.º 1).

Como observa Tiago Caiado Milheiro, a «pena única assenta numa apreciação conjunta de todos os factos, dos quais emerge um ilícito global, a interligar com a personalidade do agente, de modo a aferir-se se estamos perante uma pluriocasionalidade de crimes, sem qualquer relação com uma tendência e atitude pessoal de predisposição para a prática daquele tipo de ilícitos, ou se, pelo contrário, a gravidade do ilícito global, conjugada com a projecção na personalidade que daí emerge, aponta para uma desvaliosa personalidade ético-jurídica, com total indiferença por regras basilares de vivência em comunidade, destarte dos bens jurídicos que foram violados. Se assim for tal circunstância será elemento agravante na definição da pena única. (…) Na escolha da pena única deverá pois atender-se ao ilícito e culpa global que emergem da análise unificada dos factos, a personalidade que tal é susceptível de revelar, sem descurar as necessidades de prevenção geral ou especial» (Cúmulo Jurídico Superveniente, Noções Fundamentais, Almedina, 2016, páginas 47-49).

In casu, a moldura abstracta do cúmulo tem um mínimo de 4 anos e 10 meses de prisão e um máximo de 11 anos e 2 meses de prisão.

O ilícito global, com excepção do crime de tráfico de estupefacientes, que integra a categoria de criminalidade altamente organizada (art. 1.º, al. m), do CPP), é constituído por crimes de menor relevância criminal, a saber, consumo de estupefacientes, conduções sem habilitação legal e, directamente interligado a um destes, falsas declarações quanto à identidade perante militar da GNR em acção de fiscalização de trânsito.

Para a caracterização da personalidade do recorrente há a referir que os seus antecedentes criminais, que remontam ao ano de 1999, além das condenações abrangidas pelo cúmulo, incluem condenações por crimes de deserção (processo 22/09...., correspondente aos anteriores processos 33/98 e 7/99 do Tribunal Militar Territorial ...), de ofensa à integridade física (processo 139/00....), de receptação (processo 407/01....), de roubo e de falsificação (processo 8/02....), de desobediência qualificada (processo 50/03....), de condução perigosa de veículo (processo 2669/09....) e, sobretudo, de condução sem habilitação legal (processos 230/00, 32/01...., 383/10...., 414/10...., 169/10...., 34/10...., 95/10...., 533/10...., 169/11...., 335/10...., 2669/09...., 2586/09...., 150/11...., 2192/11.... e 1510/10....), sendo estes últimos os únicos ilícitos em relação aos quais o arguido evidencia uma clara propensão criminosa que as várias condenações, inclusive em penas de prisão efectiva, não lograram travar.

O relatório social a que o recorrente apela, se é verdade que comprova «os progressos que o mesmo tem feito desde que recolheu ao estabelecimento prisional» (sic penúltimo parágrafo das motivações que antecede as conclusões do recurso), desvela igualmente alguns factores pouco auspiciosos quanto ao seu comportamento futuro, nomeadamente, a fraca escolaridade («concluiu o 6.º ano de escolaridade»), a reduzida experiência laboral («poucas experiências profissionais, caracterizadas como curtas e pontuais»), os hábitos de consumo de estupefacientes (embora actualmente esteja a ser acompanhado pelo CRI ... e se encontre abstinente «sem necessidade de toma de medicação») e o insuficiente suporte familiar («tem apoio precário dos pais (…) bem como da restante família, que parecem demonstrar-se pouco envolvidos e com parca esperança da [sua] efectiva ressocialização»).

Sopesando este circunstancialismo no seu conjunto, estamos, assim, convictos de que a pena conjunta de 7 anos e 6 meses de prisão, insusceptível de suspensão de execução (art. 50.º, n.º 1, do CP), não deixa de ser equilibrada e de respeitar os critérios emergentes do art. 77.º, n.º 1, parte final, do CP.

Acompanhando em tudo o mais as considerações vertidas no acórdão recorrido e na resposta do MP emite-se parecer no sentido da total improcedência do recurso.

*

I.5. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP nada tendo sido requerido.

*

I.6. Não tendo sido requerida a audiência, o processo prossegue através de julgamento em conferência (arts. 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), ambos do CPP).

*

I.7. Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência cumprindo agora apreciar e decidir.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

É a seguinte a matéria de facto provada, bem como a fundamentação de facto e de direito da decisão recorrida:

II. 1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Factos Provados:

O arguido foi condenado nos seguintes processos:

 

1.Processo Comum Coletivo n.º 25/19.2GACNT

Data dos Factos: 5.09.2019

Data do Acórdão: 2.04.2021

Data do Trânsito em Julgado: 5.05.2021

Crimes e Pena aplicada: Um crime de trafico de estupefacientes, p. p. pelo art.º 21, n.º 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, por referencia às tabelas I-A, I-B e I – C na 4 anos e 10 meses de prisão;

Pela prática dos seguintes factos descritos no acórdão:

1.º AA, conhecido pela alcunha “...”, utilizador dos contactos telefónicos n.ºs ...47 e ...05, dedicou-se, após 30.9.2010, à actividade de comercialização de estupefacientes designadamente heroína (a 5 € a dose), cocaína (a 10 € a dose) e mediante a sua venda a terceiros, na zona de ... e ....

2.º Na prossecução dessa actividade, AA contou com a colaboração de BB, a quem começou por vender tais produtos.

3.º Para tanto, AA adquiria os produtos estupefacientes, maioritariamente heroína e cocaína, na zona do ..., de ... (..., ..., ... e ...) e na zona do ..., a vários indivíduos, cuja identidade não se logrou apurar.

4.º E de forma diária, recebia contactos de diversos consumidores, tais como, e além do mais, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO e PP, com quem combinava encontros, próximos da residência destes ou da sua, sita na Avenida ..., Edifício ..., ..., em ..., ou em local ermo, previamente planeados ao telefone e a quem vendia, 2 vezes por semana no máximo, quantidades não determinadas de cocaína e heroína.

 

5.º Durante as conversas telefónicas com os compradores de produtos estupefacientes, AA utilizava códigos para se referir aos produtos estupefacientes que comercializava.

6.º Assim, quando se queria referir a cocaína apelidava-a de “dia”, e quando queria falar de heroína denominava-a de “noite”, utilizando ainda a palavra “coisas” ou expressões como “está-se bem das duas”, quando queria dizer que tinha tanto cocaína como heroína, disponível para venda.

7.º Mesmo depois de ter sido detido na posse de produtos estupefacientes e ter ficado sem o seu veículo, por este não ter seguro de responsabilidade civil, continuou a sua atividade ilícita.

8.º Efectivamente, no dia 4 de Outubro de 2019, na sequência de um contacto telefónico com um individuo chamado DD, deslocou-se juntamente com a companheira, QQ e o filho menor de ambos, no veículo de matrícula ..-..-JV, cujo condutor não foi possível identificar, até à residência deste, sita na Rua ..., ..., ....

9.º E, pelas 18h15m, efectuou uma “entrega” de produto estupefaciente ao citado DD.

10.º Pelas 19h04m, daquele mesmo dia 4 de Outubro, encontrando-se AA já em casa, estabeleceu contacto telefónico com o já referido LL, dizendo-lhe que tinha heroína, tendo combinado um encontro porque LL pretendia “uma para si”.

11.º Pelas 20h55, daquele dia, AA encontrou-se com LL, tendo-lhe então, vendido heroína, conforme previamente acordado.

12.º No dia 11 de Outubro de 2019, pelas 20h33, após acordo prévio através de contacto telefónico, AA deslocou-se às imediações do “C...” na localidade de ..., a fim de se encontrar com DD.

13.º Aí, cerca das 20h45, entregou-lhe, a troco de dinheiro, produto estupefaciente.

14.º No dia 17 de Outubro de 2019, pelas 18h40, tal como previamente acordado telefonicamente, AA encontrou-se   com LL            , junto ao estabelecimento “M...” na ..., a quem vendeu produto estupefaciente.

15.º AA passou a deslocar-se para a ..., para a casa de “...”, onde funcionava também a oficina deste, onde fazia uns biscates.

16.º Todas as vezes que AA contactava com os referidos indivíduos, enviava, de seguida, várias SMS para os diversos contactos da sua lista telefónica, informando-os de que já tinha “droga”, mais precisamente cocaína, o que aconteceu, pelo menos nos dias 9, 10, 11, 12, 13 e 15, todos de Outubro de 2019.

17.º Tais mensagens continham o seguinte teor “Já se está bem”, recebendo em seguida diversas chamadas com encomendas de substâncias estupefacientes;

18.º Tal aconteceu ainda nos dias 21, 22 e 23 de Outubro de 2019, em que remeteu mensagens, informando que tinha “noite de 5 e 10”, aqui referindo-se a heroína.

19.º Quando AA se encontrava na sua residência, em ... e não tinha na sua posse produtos estupefacientes, ao ser contactado pelos compradores, encaminhava-os para a ..., facilitando dessa forma a obtenção de produtos estupefacientes.

20.º A partir de data não concretamente determinada de Outubro de 2019, AA começou a ser coadjuvado por BB, nas deslocações, quer à zona de ..., quer de ..., para aquisição de substâncias estupefacientes, bem como nas entregas a alguns clientes.

21.º Algumas das deslocações que AA efectuava para adquirir droga eram feitas de noite.

22.º Para o efeito, AA pedia boleia a BB, também este consumidor de estupefacientes e utilizando o veículo de matrícula ..-..-IS, deslocavam-se a locais previamente marcados onde adquiriam produto estupefaciente, que AA levava para a sua residência.

23.º Aí, partia as “pedras maiores” ao meio para obter um número mais elevado de doses, maximizando o lucro e angariando mais clientes.

24.º AA era contactado pelos compradores de         produtos estupefacientes, sendo a entrega feita por si, com a colaboração de BB que o transportava de automóvel, na medida em que após a sua detenção no final do mês de Setembro, passou a estar mais condicionado, por não dispor de veículo que lhe permitisse deslocar-se ao ..., com frequência, onde adquiria maior quantidade de droga por um preço menor e bem assim junto dos “clientes” para fazer as entregas.

25.º No dia 7 de Novembro de 2019, entre as 20:45h e as 21:34h, AA encontrou-se, em sua casa com BB.

26.º No dia 15 de Novembro de 2019, entre as 17:39h e as 21:14h AA viajou, juntamente com RR e BB, até ao ... (às ...), com o intuito de se abastecer de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína, para posteriormente vender aos seus “clientes” habituais.

27.º No dia 29 de Novembro de 2019, AA, contactou com FF (consumidor), através do cartão telefónico de SS, tendo aquele encomendado “duas”.

28.º Combinaram que a entrega teria lugar junto à residência de AA, o que veio a acontecer pelas 19h35.

29.º Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, AA efetuou, a troco de dinheiro, uma entrega de estupefaciente a FF, que o aguardou no interior do túnel de acesso à residência daquele.

30.º No dia 5 de Dezembro de 2019, entre as 16:40h e as 16:57h, AA deslocou-se de bicicleta a casa de MM, na Rua ..., na ... para lhe vender produtos estupefacientes.

31.º AA não dispunha de nenhuma outra fonte de rendimento, à excepção do vencimento da sua companheira QQ.

32.º Por serem ambos consumidores de heroína e cocaína viviam numa débil situação económica.

33.º Pelo que, por vezes, quando não possuía produtos estupefacientes para comercializar, tentava vender aos compradores comprimidos de “Subutex”, que lhe eram prescritos – 5€ por comprimido.

34.º Acresce que, por falta de dinheiro, AA viu-se impossibilitado de carregar o saldo dos seus cartões telefónicos, apenas recebendo chamadas telefónicas e SMS e recorrendo a um serviço gratuito da sua operadora para efetuar contactos.

35.º No entanto, apesar de se encontrar bastante condicionado, AA continuou a proporcionar aos indivíduos que o contactavam a aquisição de estupefacientes, como se verificou através das “encomendas”, efetuadas pela utilizadora do cartão nº ...76, a “...” e pelo utilizador do cartão telefónico ...88, o “...”, tendo em ambas as situações combinado encontrar-se com estes nas proximidades do café L..., onde reside um indivíduo referenciado pelo Tráfico de substâncias estupefaciente.

36.º Na noite de 22 para 23 de Novembro de 2019, AA, acompanhado de BB passou a noite fora de casa, a vender sucata, com o intuito de obter dinheiro que lhes permitisse adquirir produtos estupefacientes para comercialização.

37.º Acresce que AA era também procurado como intermediário na aquisição de haxixe.

38.º Em concreto, no dia 7 de Novembro de 2019, foi contactado por EE, conhecido por “Tó” que lhe perguntou se lhe “arranjava meia placa”, ao que respondeu afirmativamente, acrescentando que também lhe arranjava “erva da boa” e combinando a entrega para o dia seguinte.

39.º Também no dia 11 de Novembro de 2019, EE, utilizador dos contactos telefónicos n.º ...28 e n.º ...13, contactou AA, com o intuito de comprar “erva”.

40.º De seguida, AA telefonou a TT, conhecido pelo diminutivo “...”, residente no Bairro ..., ..., em ..., utilizador do contato telefónico n.º ...86, combinando o local e hora da entrega, para posteriormente fazer a entrega ao “Tó”.

41.º No dia 27 de Novembro de 2019, foi contactado telefonicamente por GG que lhe perguntou se sabia quem tinha haxixe para venda.

42.º Apesar de ter começado por responder negativamente, ao aperceber-se de que este pretendia comprar 150€ de tal produto, combinou encontrar-se com ele, pouco depois, junto ao café T..., em ....

43.º AA contactava, então, TT quando recebia telefonemas de consumidores que pretendiam adquirir haxixe ou canábis, a fim de fornecer tal produto estupefaciente aos referidos consumidores.

(…)

48.º No dia 11 de Dezembro de 2019, a residência de AA foi alvo de uma busca, onde foram apreendidos:

- Um telemóvel da marca ..., modelo ..., branco, com os IMEI ...05 e ...13, com um cartão de memória ... e dois carões telefónicos;

- Dois cartões de memória e sete cartões telefónicos;

- Um computador da marca ..., modelo ...;

- Um telemóvel da marca ..., modelo ..., branco;

- Quatro telemóveis, um da marca ..., preto com os IMEI ...68 e ...76, contendo dois cartões telefónicos; um da marca ... modelo ..., preto, com os IMEI 355222/05/1237772/6 e 355222/05/1237773/4, um da marca ... modelo ..., branco,      com os ... 353293/05/981558/3          e 353293/05/981559/1, contendo um cartão de memória da marca ... e um cartão telefónico e um telemóvel da marca ..., modelo ..., branco, com o IMEI ...80;  

-Uma seringa; e

-Um moinho de erva.

58.º AA e TT encontram-se inscritos no Centro de Emprego ... e na Segurança Social, sendo que as últimas remunerações datam de Março de 2018 e Agosto de 2011, respectivamente.

59.º Não declaram rendimentos à Direcção Geral dos Impostos;

60.º Nem lhes é conhecida qualquer actividade profissional;

63.º Pelo que a fonte de rendimentos que lhes garante a subsistência é a venda de estupefacientes.

64.º Agiram sempre de forma consciente, livre e deliberada;

65.º Conheciam as características dos produtos estupefacientes que vendiam a terceiros;

66.º Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

2.Processo Abreviado n.º 292/19.1GAMIR

Data dos Factos: 30.09.2019

Data da decisão: 11.02.2020

Data do Trânsito em Julgado: 8.06.2020

Crimes e Pena aplicada:

 Um crime de consumo de produto estupefacientes ao abrigo do art.º 40, n.º 2 da Lei 15/93 de 22 de Janeiro, e um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art.º 3, n.º 1 e 2 do DL2/98, nas penas de 23 meses de prisão e 3 meses, respectivamente.

1) No dia 30 de Setembro de 2019, pelas 15h39, o arguido conduzia, na Avenida ..., ..., o veículo de marca ..., modelo ..., cor branca, de matrícula ..-..-DA, sendo que o mesmo não é possuidor de qualquer título que o habilitasse a conduzir tal veículo.

2) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, transportava consigo 0,770 gramas (peso líquido) de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com um grau de pureza de 59,7%, que depois de devidamente doseada, converter-se-ia em 17 doses individuais, e 0,428 gramas de heroína, com um grau de pureza de 18,0%.

3) O arguido destinava o produto que transportava e detinha ao seu consumo.

4) O arguido bem sabia que não tinha documento que o habilitasse a conduzir e que, nessas condições, lhe estava vedada a condução de veículos a motor na via pública, não se abstendo de o fazer nas situações referidas, o que quis.

5) O arguido conhecia, igualmente, a natureza e características estupefacientes dos produtos que detinha consigo, querendo agir da forma porque o fez.

6) Agiu sempre o arguido AA de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

3. Processo comum singular nr. 233/19....

Data dos Factos: 19.07.2019

Data da decisão: 17.11.2020

Data do Trânsito em Julgado: 23.04.2021

Crimes e Pena aplicada:

 Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido no art.º 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01, com referência ao artº 121º, nº 1 do Código da Estrada, na pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão e pela prática de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo artº 348º-A, nº 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) meses, pela prática dos seguintes factos:

1) No dia 19 de Julho de 2019, pelas 11h35m, na Avenida ..., em ..., o arguido conduzia o veículo automóvel com a matrícula ..-..-DA.

2) Sem ser titular da devida carta de condução.

3) O que bem sabia.

4) Sabia ainda que não podia conduzir veículos automóveis sem estar devida e legalmente habilitado.

5) Naquela ocasião e lugar, foi fiscalizado pelo militar da GNR UU que se encontrava de serviço de patrulha às ocorrências.

6) Porém, quando este lhe solicitou os documentos pessoais e da viatura, disse não os ter, à data, na sua posse e identificou-se verbalmente como sendo VV, aquando da elaboração do aviso para apresentação de documentos nº 1974010, o qual assinou.

7) Sabia que os elementos que forneceu sobre a sua identidade não correspondiam à verdade por não serem seus, mas sim de VV, o qual é detentor de carta de condução.

8) Agiu com o intuito concretizado de se identificar como se de VV se tratasse perante UU, militar da GNR, bem sabendo que este se encontrava em exercício de funções, e que, dessa forma, obstava à sua correcta identificação, pretendendo eximir-se à responsabilidade criminal por estar a conduzir viatura automóvel sem possuir carta de condução.

9) Actuou sempre de forma consciente, livre e voluntária.

10) Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

4.Processo Abreviado nr.º 232/19.8GAMIR

Data dos Factos: 5.08.2019

Data da decisão: 7.11.2019

Data do Trânsito em Julgado: 16.12.2019

Por decisão de 14.04.2020, transitada em julgado em 14.05.2020, foi perdoada o remanescente da pena, ao abrigo da Lei 9/2020

Crimes e Pena aplicada:

 Um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do DL 2/98, na pena de 23 meses de prisão efectiva.

1) No dia 5 de Agosto de 2019, pelas 09h20m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-DX, pela Rua ..., na ..., sendo que o mesmo não é possuidor de qualquer título que o habilite a conduzir tal veículo.

2) O arguido tinha perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, bem sabendo necessitar daquele título de condução para conduzir o referido veículo na via pública.

3) O arguido agiu, pois, de forma livre, voluntária e consciente.

O arguido foi ligado a estes autos em 23 de Dezembro de 2019.

*

O arguido tem averbado no seu CRC as seguintes condenações:

1.Por sentença datada de 25.2.1999, já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 4 meses de prisão militar, pela prática em 27.8.1998 de um crime de deserção (Processo n.º 22/09....).

2.Por sentença datada de 27.10.2000, transitada em julgado em 15.1.2000, foi o arguido condenado na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 600$00, pela prática em 27.10.2000 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Sumário n.º 230/00 do Tribunal Judicial da Comarca ...).

3.Por sentença datada de 27.6.2001, transitada em julgado em 16.10.2001, foi o arguido condenado na pena de 40 dias de multa à taxa diária de 500$00, pela prática em 16.11.2000 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Comum Singular n.º 32/01.1GDOAZ).

4.Por sentença datada de 6.11.2001 transitada em julgado em 21.11.2001, foi o arguido condenado na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 500$00, pela prática em 31.7.2000, de um crime p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1 do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 139/00....).  

5.Por Acórdão datado de 10.7.2003 transitado em julgado em 22.4.2004, foi o arguido condenado na pena de 40 dias de multa à taxa diária de 4,00 Euros, pela prática em 18.5.2001 de um crime p. e p. pelo art.º 231.º do C.Penal (Processo Comum Colectivo n.º 407/01....).

6.Por Acórdão datado de 19.4.2005, transitado em julgado em 9.5.2005, foi o arguido condenado na pena de 1 ano e 8 meses de prisão suspensa por 3 anos, pela prática em 29.12.2002 de um crime p. e p. pelo art.º 210.º do Código Penal em concurso real com um crime, p. e p. pelo art.º 256.º do C.Penal (Processo comum Colectivo n.º 8/02....).

7.Por sentença datada de 1.7.2005, transitada em julgado em 23.9.2005, foi o arguido condenado na pena de 110 dias de multa à taxa diária de 4,00 Euros, pela prática em 9.1.2003, de um crime de desobediência qualificada (Processo Comum Singular n.º 50/03....).

8.Por sentença datada de 1.6.2010, transitada em julgado em 2.7.2010, foi o arguido condenado na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução por igual período, pela prática em 25.5.2010 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Sumário n.º 383/10....).

9.Por sentença datada de 30.6.2010, transitada em julgado em 2.9.2010, foi o arguido condenado na pena de 13 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, pela prática em 8.6.2010 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Sumário n.º 414/10....).

10.Por sentença datada de 15.10.2010, transitada em julgado em 2.2.2011, foi o arguido condenado na pena de 24 períodos de prisão, no total de 36 horas, pela prática em 23.11.2009 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Abreviado n.º 169/10....).

11.Por sentença datada de 6.5.2010, transitada em julgado em 13.6.2011, foi o arguido condenado na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, pela prática em 26.1.2010, de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Abreviado n.º 34/10.7GCAVR).

12.Por sentença datada de 9.5.2011, transitada em julgado em 7.11.2011, foi o arguido condenado na pena de 24 períodos de prisão, pela prática em 17.1.2010 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Comum Singular n.º 533/10....).

13.Por sentença datada de 27.6.2011, transitada em julgado em 10.11.2011, foi o arguido condenado na pena de 10 meses de prisão, pela prática em 14.6.2010 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Comum Singular n.º 335/10....).

14.Por sentença datada de 15.12.2011, transitada em julgado em 23.1.2012, foi o arguido condenado na pena de 6 meses de prisão, pela prática em 11.12.2009 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Comum Singular n.º 2586/09....).

15.Por sentença datada de 13.6.2011, transitada em julgado em 3.2.2012, foi o arguido condenado na pena de 14 meses de prisão, pela prática em 9.5.2010 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Abreviado n.º 95/10....).

16.Por sentença datada de 7.2.2012, transitada em julgado em 7.2.2012, foi o arguido condenado na pena de 5 meses de prisão, pela prática em 8.4.2011 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Comum Singular n.º 169/11....).

17.Por sentença datada de 20.1.2012, transitada em julgado em 20.2.2012, foi o arguido condenado na pena de 20 meses de prisão, pela prática em 17.11.2009 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. em concurso com um crime de condução perigosa de veículo a motor (Processo Comum Singular n.º 2669/09....).

18.Por sentença datada de 13.2.2012, transitada em julgado em 14.3.2012, foi o arguido condenado na pena de 20 meses de prisão, pela prática em 11.3.2011 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Abreviado n.º 150/11....).

19.Por sentença datada de 22.3.2012, transitada em julgado em 2.5.2012, foi o arguido condenado na pena de 22 meses de prisão, pela prática em 29.10.2011 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Abreviado n.º 2192/11....).

20.Por sentença datada de 21.12.2010, transitada em julgado em 9.1.2014, foi o arguido condenado na pena de 14 meses de prisão, pela prática em 5.12.2010 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Abreviado n.º 1510/10....).

21.Por sentença datada de 7.11.2019, transitada em julgado em 16.12.2019, foi o arguido condenado na pena de 23 meses de prisão, pela prática em 5.8.2019 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Abreviado n.º 232/19.8GAMIR). Por decisão proferida em 14.04.2020, transitada em 14.05.2020, foi perdoada a pena que faltava cumprir.

22.Por sentença datada de 17.11.2020, transitada em julgado em 23.04.2021, foi o arguido condenado na pena de 25 meses de prisão, pela prática em 19.07.2019 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. em concurso real com um crime de falsidade de depoimento, p.p. pelo art. 359 do CP (Processo comum singular n.º 233/19....).

23.Por sentença datada de 11.2.2020, transitada em julgado em 8.6.2020, foi o arguido condenado na pena de 24 meses de prisão, pela prática em 30.9.2019 de um crime p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. em concurso real com um crime de consumo de estupefacientes (Processo Abreviado n.º 292/19.1GAMIR).

24.Por acórdão datado de 1.04.2021, transitado em julgado em 5.05.2021, foi o arguido condenado na pena de 4 anos e dez meses de prisão, pela prática em 5,05.2019 de um crime de trafico de estupefacientes, p.p. pelo art.º 21, n.º 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-A, I-B e I-CP (Processo comum colectivo nr. 25/19.2GACNT).

Resulta do relatório social a seguinte factualidade:

AA é o segundo filho de um conjunto de três provenientes de uma família de condição económica humilde, caracterizada socialmente por disfuncionalidade. Desde criança que convivia com episódios de violência doméstica do progenitor dirigidos aos outros elementos da família, comportamento este, especialmente devido a consumos abusivos de álcool. O arguido concluiu o 6º ano de escolaridade com bastante dificuldade, passando desde logo a conviver com grupos pares, onde se iniciou no consumo de substâncias estupefacientes.

Em termos laborais, o arguido revelou, durante o seu percurso de vida, a existência de poucas experiências profissionais, caracterizadas como curtas e pontuais, iniciando na área da ... (durante alguns anos), e depois, uma experiência de ... no ... e, ultimamente, como .... Cumpriu funções militares, em regime de voluntariado, vindo a demitir-se daquelas funções ao fim de 13 meses, para cumprimento de pena de prisão 4 meses, por problemas relacionados com o consumo abusivo de drogas.

Iniciou, depois da pena, uma relação afetiva com uma companheira, de quem teve 2 filhos, atualmente com 19 e 21 anos de idade (este último filho esteve confiado à guarda dos pais do recluso, tomando depois vida autónoma). O arguido, a dada altura, enveredou por uma vida autónoma, ausentando-se repetidamente de casa, durante vários dias, permanecendo em concelhos vizinhos e noutras localidades mais distantes, com um modo de vida desregrado, sem rotinas quotidianas, comportamentos desadequados socialmente, vendo-se reiteradamente envolvido com pares de comportamentos desviantes.

Na sequência daqueles atos, foi sujeito a vários processos em vários tribunais, com cumprimentos de penas de prisão (algumas em que houve lugar a liberdade condicional) e medidas alternativas à prisão com acompanhamento por parte destes Serviços da DGRSP.

Viveu com um amigo no Bairro ... e, depois, com uma amiga – WW – na ..., sendo aquele, mais um local de residência do arguido, para além de outros que têm caracterizando o seu modo nómada de vida. Nesta altura tomava as refeições numa Instituição Particular de Solidariedade Social, (IPSS) de “...”, mantendo a frequência de cursos de formação, onde auferia subsídio mensal, acrescidos de apoio económico para transportes do Centro de Emprego.

O facto de se encontrar envolvido com estupefacientes, com processos de variada tipologia de crime, e ligações constantes às instâncias judiciais (com fatos que remontam a 2003), as tentativas de se aproximar ao agregado de origem, reforçaram na família (e no meio social), sentimentos de rejeição, sendo que, quando ali regressava, vinha a tomar atitudes, segundo os pais, de arrogância e apropriamento de bens que não lhe pertenciam, acabando depois por sair de casa incompatibilizado com a família.

II - Condições sociais e pessoais

À data dos factos pelos quais cumpre pena (desde há cerca de 3 anos), AA residia na região de ..., onde mantinha uma união de facto, tendo sido recluído - no âmbito do processo nº ...92, por crime estradal, numa pena de 2 anos de prisão – numa altura em que o filho tinha nascido, e ainda contava com poucos meses de vida.

A ex-companheira, QQ, ..., de 42 anos de idade, contactada por nós refere o términus do relacionamento afetivo, tendo o arguido como alternativa, passar a viver na região de ..., junto de anterior empregador.

Tem apoio precário dos pais do recluso (ambos reformados), bem como da restante família, que parecem demonstrar-se pouco envolvidos e com parca esperança da efetiva ressocialização do arguido.

O mesmo, detido no EP ..., não tem revelado consumos positivos nem de estupefacientes, nem de álcool, mantendo acompanhamento co Centro de Respostas Integradas (CRI) de ..., em articulação com o Estabelecimento Prisional onde se encontra, tendo iniciado o tratamento com subutex, mas reduziu, encontra-se já sem necessidade de toma de medicação, com uma situação de saúde estável.

Em termos profissionais, o arguido terá proposta de trabalho, na oficia “...”, pertencente ao Sr. AA, da região de ..., onde já anteriormente trabalhou.

III - Impacto da situação jurídico-penal

O arguido mantém um comportamento institucional isento de reparos, em termos disciplinares.

Encontra-se afeto ao bar dos reclusos, no EP ....

Sobre a sua trajetória de vida e atual situação judicial, o arguido tende para uma postura de reconhecimento, em abstrato, da gravidade e tipologia do crime pelo qual se encontra indiciado.

Tem noção do impacto e gravidade dos factos nas vítimas, remetendo para uma fase menos positiva do seu estado de saúde, bem como para o acompanhamento de pares, revelando autocrítica e expressões mobilizadoras para a mudança.

*

Factos não provados:

Inexistem

*

Fundamentação da matéria de facto:

O tribunal teve em consideração o teor das certidões dos processos abrangidos no cúmulo e do acórdão proferido nestes autos, bem como o CRC relatório social da DGRSP.

*

O DIREITO:

De acordo com o disposto no art. 77 do Código Penal, que contém as regras da punição do concurso, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E, por outro lado dispõe o art. 78 do mesmo diploma legal, do seguinte modo:

“ 1.Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2.O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

3.As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.”

O art. 471 do CPP define qual o tribunal competente para o conhecimento superveniente do concurso, atribuindo a competência ao tribunal da última condenação, funcionando como tribunal colectivo ou como tribunal singular conforme for o caso.

Finalmente, segundo se determina no n.º1 do art. 472, do CPP, “para o efeito do disposto no art.78 n.º2, do C. Penal, o tribunal designa dia para a realização da audiência ordenando, oficiosamente ou a requerimento, as diligências que se lhe afigurem necessárias para a decisão”.

Assim sendo e considerando as disposições legais citadas, de modo particular a última, o legislador vincou bem que a efectivação do cúmulo jurídico das penas em concurso deve ser efectuada em audiência e, por conseguinte, trata-se de um verdadeiro julgamento de mérito em que o tribunal profere uma nova decisão final, em que entra como factor a personalidade do agente, que constitui, aliás, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário. Esta decisão sobrepõe-se às decisões anteriormente proferidas por cada crime que foi objecto das penas parcelares, as quais engloba na pena única resultante da efectivação do cúmulo.

O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso - cfr. Ac. do STJ de fixação de jurisprudência n.º 9/2016.

E, como bem se refere em acórdão do STJ, de 95-02-15, "Os factos, embora assentes, têm de ser reavaliados, agora no seu conjunto; e a personalidade precisa de ser apreciada de novo, face à natureza, evolução e relevância global das condutas, que antes apenas foram consideradas separada e individualmente em cada condenação anterior.

Só assim se poderá concluir se a delinquência é ocasional ou por tendência, actualizar o grau de perigosidade e as necessidades de prevenção especial, enfim graduar, em função disso, a medida da punição, e decretar, manter ou retirar penas acessórias e medidas de segurança ou a suspensão da pena.

Trata-se, pois, duma decisão sobre o fundo ou mérito da causa penal substantiva, e a pôr-lhe termo, consistindo em julgar o concurso de crimes como objecto do processo e de litígio; e julgá-lo segundo as regras do direito penal, para lhe aplicar uma pena nova e abrangente”(cf. B.M.J. 444/423).

Na elaboração do cúmulo, em face dos preceitos citados, têm de englobar-se todas as penas parcelares em concurso, independentemente de alguma delas estar suspensa na sua execução.

O legislador consagrou expressamente que o tribunal deve levar em consideração, o conjunto dos factos e a personalidade do agente, na fixação da pena que resultará da apreciação da respectiva conduta abrangendo todo o espaço temporal e factos que o mesmo definiu como tal, no supra citado artigo 77º, nº 1, do CPP.

A este propósito decidiu o AC da Relação do Porto de 17.12.2008, proferido no processo nº 0816177, consultável na base de dados do ITIJ: “A exigência de realização de cúmulo jurídico em caso de conhecimento superveniente de concurso tem a sua explicação: basta atentar no disposto no art. 77 nº 1 do CP, sobre as regras de punição do concurso, onde se estabelece um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, "na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente.

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou".

Sendo a última condenação sofrida a ocorrida nos presentes autos, é este o processo o competente para a sua realização.

Os presentes autos tema particularidade de uma das penas em concurso ter sido objecto de perdão ao abrigo da Lei 9/2020.

A Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, criou um «regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19», nomeadamente, estabelecendo, naquilo que agora nos interessa, «um perdão parcial de penas de prisão» -art. 1.º, n.º 1, alínea a).

Dispõe o artigo 1º, n.º 2, da Lei em análise:

As medidas previstas na presente lei não se aplicam a condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários e guardas dos serviços prisionais, no exercício das respetivas funções.

Por seu turno, estabelece o artigo 2º, do mesmo diploma:

1. São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos.

2. São também perdoados os períodos remanescentes das penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração superior à referida no número anterior, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos, e o recluso tiver cumprido, pelo menos, metade da pena.

3. O perdão referido nos números anteriores (…), em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única.

4. Em caso de condenação do mesmo recluso em penas sucessivas sem que haja cúmulo jurídico, o perdão incide apenas sobre o remanescente do somatório dessas penas, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos.

5. (…)

6. (…)

7. O perdão a que se referem os n.ºs 1 e 2 é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei e sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infracção dolosa no ano subsequente, caso em que à pena aplicada à infracção superveniente acresce à pena perdoada.

Em caso de condenação do mesmo recluso em penas sucessivas sem que haja cúmulo jurídico, este perdão incide apenas sobre o remanescente do somatório dessas penas, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos (n.º 4).

Por outras palavras, para efeitos do n.º 4 e em complemento dos n.ºs 1 e 2, esclarece-se que, em caso de condenação do mesmo recluso em penas sucessivas sem que haja cúmulo jurídico – seja porque não há relação de concurso que o fundamente, seja porque, havendo, não foi ainda realizado (diz-se «sem que haja cúmulo» e não «sem que haja lugar a cúmulo») – o perdão incide, apenas, sobre o remanescente do somatório dessas penas, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos.

Do perdão, que “em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única” (n.º 3 do artigo 2.º), não podem ser beneficiários os condenados numa pena única resultante de cúmulo jurídico em que uma das penas parcelares nele integradas - e que serviram, assim, para a fixação da pena única – provenha da condenação por algum dos crimes excepcionados pelo mencionado n.º 6, pelo que, nesses casos, não há que desfazer o cúmulo efectuado, por forma a dele excluir a pena ou penas correspondentes a crimes do dito n.º 6, e fazer um cúmulo das restantes penas em ordem à aplicação, sendo caso disso, do perdão.

O mesmo vale para o caso do recluso condenado em penas de prisão de cumprimento sucessivo: se “o perdão incide apenas sobre o remanescente do somatório dessas penas”, o condenado num somatório de penas em que uma das penas integradas nesse somatório provenha da condenação por algum dos crimes excepcionados pelo referido n.º 6 do artigo 2.º não pode ser beneficiário do perdão.

Este entendimento não viola o princípio constitucional da igualdade.

Com efeito, «as medidas de graça, como providências de excepção, constam de normas que devem ser interpretadas e aplicadas nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas» [Maia Gonçalves, «As medidas de graça no Código Penal e no projecto de revisão», RPCC, 1994, Fasc 1, p. 10; no mesmo sentido, ac. do STJ (fixação de jurisprudência) de 24 de outubro de 1996 (processo n.º 048105)], sendo excepcionais as normas que estabelecem perdões, não comportando, por isso mesmo, aplicação analógica (artigo 11.º do Código Civil), nem admitem interpretação extensiva ou restritiva, devendo ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas, impondo-se, assim, uma interpretação declarativa, em que “não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo” [ac. do STJ (fixação de jurisprudência) de 25 de Outubro de 2001 (processo n.º 00P3209), que cita jurisprudência anterior; no mesmo sentido, para um caso de perdão, cfr. o ac. do mesmo tribunal, de 13 de Outubro de 1999 (processo n.º 99P984). Estes elementos são citados no Parecer do Conselho Consultivo da PGR, n.º10/20, relativo à matéria da suspensão dos prazos e perdão de penas no contexto do estado de emergência].

A Lei 9/2020 não resolve a questão do cúmulo jurídico das penas que hajam sido objecto do perdão total ou parcialmente, mas também não afasta as regras do cúmulo perante a hipótese de concurso real entre infracções, mesmo quando uma delas implica uma pena perdoada ou perdoável mas revogável por violação da condição resolutiva de não prática de crime superveniente

Ainda que ao abrigo de regime legal diferente, o Acórdão da Relação de Lisboa n.º 75/2006-5, datado de 05/09/2006 e relativa à A Lei de Clemência n.º 29/99, menciona que não afasta as regras de cúmulo perante a hipótese de concurso real entre infracções criminais, mesmo quando uma delas implique uma pena perdoada ou perdoável mas revogável por violação da condição resolutiva de não prática de crime superveniente durante os três anos subsequentes à sua entrada em vigor.

Também assim o entendia o douto acórdão do STJ nr. 1040/06.1PSLSB.S1, sendo relator o Sr Conselheiro RAUL BORGES, datado de 05/11/2011, na parte que nos interessa, assim sumariado:

“ (…) III - A nova redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP, com a supressão do trecho “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, diversamente do que ocorria na redacção anterior, veio prescrever que o cúmulo jurídico sequente a conhecimento superveniente de novo crime, que se integre no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida.

IV - Na determinação da pena conjunta é essencial a indicação de dados imprescindíveis, cuja conformação deverá estar presente desde logo no momento em que se decide avançar para a realização do cúmulo, congregando os elementos indispensáveis constantes de certidões completas, onde se certifiquem, com rigor, os elementos essenciais à realização do cúmulo, procedendo-se à indicação dos processos onde teve lugar a condenação, à enumeração dos crimes cometidos, datas de comissão dos crimes, datas das decisões condenatórias, datas de trânsito em julgado dessas decisões, a indicação das penas cominadas, suas espécies, incluindo a pena de prisão suspensa na execução e estado actual da execução da pena de substituição (ainda subsistente e ora de revogar ou não, ou já revogada ou extinta?), ou penas de multa, pagas, voluntariamente, ou em sede executiva, ou convertidas, ou não, em prisão subsidiária, e neste caso, cumpridas ou não, com vista a salvaguardar a sempre possível liquidação da pena pecuniária, ou a efectivar o desconto no caso de prisão já cumprida, e penas acessórias.

V - Se for o caso, bem como dados relativos a eventuais causas extintivas de penas aplicadas, e actualmente, por força da inovação do art. 78.º, n.º 1, do CP, referências a penas já cumpridas e respectivo tempo de cumprimento, e mesmo a penas extintas ou prescritas, para as excluir, para além de outros elementos que, em cada caso concreto, se mostrem imprescindíveis ou necessários, ou relativamente aos quais se colha como aconselhável/conveniente/oportuna a sua inclusão/consideração/ponderação, como por exemplo a existência de recursos, e no caso de pluralidade de arguidos, a eventualidade de ocorrência de caso julgado condicional.

VI - A nova redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP, introduzida em 2007, com a supressão do trecho “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, diversamente do que ocorria na redacção anterior, veio prescrever que o cúmulo jurídico sequente a conhecimento superveniente de novo crime, que se integre no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida.

XXI - Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, RPCC, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

XXII - Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no art. 71.º do CP – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 01-10-1995, com a proclamação de princípios ínsita no art. 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo art. 77.º, n.º 1, do CP – o que significa que o específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, passando pelo efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta”

Além do mais importa ter em conta o regime mais favorável ao arguido, na medida em que vê a pena perdoada inserida no cúmulo jurídico, sendo-lhe descontada a que já tiver cumprido.

*

DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA

No que respeita à punição do concurso de crimes, o legislador português optou pelo sistema da pena única, ou pena do concurso, dogmaticamente justificável à luz da consideração – necessariamente unitária – da pessoa ou da personalidade do arguido (cfr. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1ª Edição, 1993, pág. 280, Jorge de Figueiredo Dias).

Como refere o Acórdão do S.T.J. de 15.3.2007, « (…) 5 - Importa ter em atenção a soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação, a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares, construindo-se depois uma moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena unitária 6 - Sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena única em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes, sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares) (…)» (in www.dgsi.pt).

Assim, a pena do concurso deverá resultar do enquadramento geral dos factos, como se a sua análise nos fornecesse, na expressão do Prof. Figueiredo Dias, a gravidade do ilícito global. No que respeita à personalidade do agente, atender-se-á, sobretudo, ao facto de as condutas por si empreendidas resultarem de uma particular tendência para a prática de ilícitos criminais; ou, pelo contrário, resultarem de condutas ocasionais ou que não revelem uma personalidade propensa à prática de crimes, com particular dificuldade em pautar-se de acordo com a ordem jurídica, “maxime”, a ordem jurídico-penal. (cfr. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, p. 291.) Só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

A determinação em concreto da pena a atribuir, tendo em atenção o ilícito praticado, e conforme estipula o art.º 71, n. 1, do CP, far-se-á dentro dos limites da moldura penal abstracta fixada na lei, tendo em conta a culpa do agente (limite inultrapassável – art.º 40, n.º 2 do CP) e as exigências de prevenção de futuros crimes, de harmonia com os factores ínsitos no n.º 2 do art.º 71, que deponham a favor ou contra o arguido, desde que tais elementos não constituam elementos do tipo ou elementos qualificativos do crime.

O nº 2 do art.º 77º do Código Penal preceitua que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Assim, o cúmulo efectivar-se-á dentro da moldura abstracta que terá como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares que o integram e, como limite máximo, a soma delas, que no caso presente o mínimo é de 4anos e 10 meses e o máximo de 11 anos e 2 meses de prisão.

De acordo com disposto no art.º 40º, n.º 1 e 2 do C.Penal a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, a qual em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa. Com este preceito, o ordenamento penal reflecte de forma clara o princípio da culpa, segundo o qual não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena, como seu limite máximo (art.ºs 1º, 13º, n.º1 e 25º, n.º1 CRP).

Desta forma, a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em 1º lugar, o da culpa do agente que fixa o limite máximo inultrapassável da pena, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção, especial e geral (a chamada margem de liberdade) (Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210 e Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40). O limite mínimo da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo (cf. Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210)

Definidos todos estes parâmetros, a necessidade da pena respeitar a referida proporcionalidade constitui exigência que resulta, além do mais, do princípio que:

Nesta sede há que atender que a ilicitude e a culpa são conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto, a perturbação da paz jurídica, contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação as paixões que diminuem as faculdades de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa. A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. Importa, ainda, considerar o grau de colocação em perigo do bem jurídico protegido quer na tentativa quer nos crimes de perigo. A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspeto subjetivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial. (cf. Jeschek, Tratado de Direito Penal, ed espanhola, pág. 780).

No juízo de culpa parte-se de uma conceção de culpa, referida ao facto, em que a personalidade do agente só releva para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico e o fundamenta. A culpa jurídico-penalmente relevante não é uma «culpa em si», mas «uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, ll, 2005, pág. 239).

Tal entendimento não afasta a possibilidade de o julgador se socorrer também, de fatores estranhos ao facto (strictu sensu), os quais são indubitavelmente necessários à correta determinação da medida da pena, quais sejam, entre outros, os atinentes à personalidade do agente e todos os demais que do n.º2 do art.º 71º do C.Penal constam. Porém, o juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40).

No que diz respeito à prevenção geral positiva, entendida, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida (Ac. STJ, 11/1/96, CJSTJ, T.I, p.176.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia de proteção dos bens jurídicos Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

No caso concreto há ainda a ponderar o facto de o arguido ter beneficiado no âmbito do processo 232/19.... do perdão da pena, nos termos do n.º1 e 2.º da Lei 8/2020 de 10 de Abril, tendo-lhe sido perdoado a pena de prisão ainda não cumprida, extinguindo-se em consequência a parte perdoada – art.º128, n.º 3 do CP.

Analisando o caso concreto temos que as exigências de prevenção geral são elevadas no caso em apreço, quanto a qualquer dos crimes, quer pelo número de condenações anteriores por condução sem habilitação legal, quer em relação ao crime de consumo e tráfico de estupefacientes, em fase da danosidade social, atentos os sentimentos de insegurança e medo que criam na sociedade.

Quanto à culpa, desde logo se dirá que o modo de execução evidencia elevada ilicitude, sendo que o arguido agiu com dolo directo intenso.

Deve ter-se em consideração os antecedentes criminais do arguido, que denotam a dificuldade em se adequar de acordo com o direito, e bem assim os considerandos acerca da sua personalidade e vivência com o meio judicial, perante os comportamentos criminais que tem empreendido ao longo do seu percurso vivencial, vitimiza-se e desculpabiliza-se com o seu processo de socialização, alegando que decorreu num contexto familiar e socioeconómico pouco orientador de um comportamento consonante com as normas jurídicas vigentes. Não se deixa, igualmente, de ser sensível ao estado actual da sua vida, com possibilidade de inserção profissional, e consequente reinserção social.

Tem apoio precário dos pais do recluso (ambos reformados), bem como da restante família, que parecem demonstrar-se pouco envolvidos e com parca esperança da efetiva ressocialização do arguido.

O mesmo, detido no E.P ..., não tem revelado consumos positivos nem de estupefacientes, nem de álcool, mantendo acompanhamento co Centro de Respostas Integradas (CRI) de ..., em articulação com o Estabelecimento Prisional onde se encontra, tendo iniciado o tratamento com subutex, mas reduziu, encontra-se já sem necessidade de toma de medicação, com uma situação de saúde estável.  

Pelo exposto, considerando em conjunto os factos pelos quais o arguido foi condenado, nos termos dos art.ºs. 78º, n.º. 1 e 77º do C.P, entre a moldura abstracta referida, entende o Tribunal, condenar o arguido na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.

Uma vez que o arguido já cumpriu três meses e dez dias no âmbito do processo 232/19...., desconta-se à pena do cúmulo esse período, nos termos do disposto no art.º 78.º, n.º 1, parte final do C.P.

*

II.1. Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; Ac. STJ de 09-10-2019, Proc. n.º 3145/17.4JAPRT.S1, Relator Cons. Raul Borges e de 11-09-2019, Proc. n.º 96/18.9GELLE.E1.S1, Relator Cons. Raúl Borges).

*

No caso em apreço, entende o recorrente, que o tribunal recorrido errou na interpretação e aplicação do direito ao incluir na elaboração do cúmulo a pena (parcelar) extinta do processo abreviado n.º 232/19.8GAMIR e ao descontar na pena única a parte da pena de prisão cumprida no âmbito deste processo.

Para tanto, alega que o Tribunal coletivo não interpretou nem aplicou o n.º 1 do artigo 78.º quando conjugado com o n.º 3 do artigo 128.º e o n.º 1 do artigo 127.º, do Código Penal, no sentido de que quando há cumprimento parcial da pena de prisão e perdão do remanescente desta pena se considera extinta na sua totalidade, pelo que a pena parcelar não pode ser considerada para efeitos de elaboração de cúmulo jurídico e aplicação de pena única, porque uma vez extinta deixa de produzir efeitos.

Sem prescindir, mas por mera cautela jurídica e ser hipoteticamente admissível entendimento diferente (…) a pena única de 7 anos e 10 meses mostra-se inadequada e desproporcionada e, assim, excessiva, no caso dos autos, sendo mais adequada e proporcional e, por isso, mais justa, a pena única de 5 anos, suspensa na sua execução por igual período.

*

Assim, as questões a analisar neste recurso, dizem respeito:

a) Admissibilidade legal de efectuar cúmulo jurídico entre penas parcelares de prisão efectiva e penas parcelares de prisão efectiva extintas (pelo cumprimento ou pela aplicação de perdão).

b) Medida da pena única.

*

II.2. Quanto à admissibilidade legal de efectuar cúmulo jurídico entre penas parcelares de prisão efectiva e penas parcelares de prisão efectiva extintas (pelo cumprimento ou pela aplicação de perdão).

II.2.1. A questão que o recorrente coloca é a de saber se relativamente à pena de 23 meses de prisão efetiva, em que foi condenado no Processo Abreviado n.º 232/19.8GAMIR, por um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art.º 3.º,n.º 1 e 2 do DL 2/98 (em que cumpriu três meses e dez dias, sendo que por decisão de 14.04.2020, transitada em julgado em 14.05.2020, perdoada o remanescente da pena), neste processo, a mesma deve ser levada em consideração para efeitos de aplicação da pena única em cúmulo jurídico, como o tribunal requerido entendeu, uma vez que e foi perdoada a pena de prisão ainda não cumprida, com o que consequentemente se extingue em consequência a parte perdoada, tendo já cumprido a parte que não foi alvo de perdão. O tribunal recorrido considerou a pena aplicada no âmbito deste processo e apenas descontou 3 meses e 10 dias da pena de prisão cumprida. Porém, entende o recorrente que o tribunal recorrido não fez uma correta interpretação e aplicação do direito, na medida em que o cumprimento parcial da pena de prisão efetiva e o perdão do remanescente conduz inevitavelmente a extinção da globalidade da pena de prisão efetiva sentenciada, não podendo, por isso, tal condenação ser reputada para efeitos de elaboração de cúmulo, não podendo ser outro entendimento do preceituado no número 1 do artigo 78.º do código penal jogado com o número 3 do artigo 128.º do mesmo diploma legal, uma vez que o perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte. Assim, a parte da pena perdoada considera-se extinta em consequência do perdão e o remanescente extinto pelo cumprimento. O que tem de ser conjugado com o número 1 do artigo 127.º do referido diploma, segundo o qual a responsabilidade criminal se extingue pelo perdão genérico. 

Em suma, entende o recorrente, que da pena de 23 meses de prisão imposta no processo 232/19.... cumpriu 3 meses e 10 dias e que o tempo remanescente foi perdoado, por despacho transitado à data da realização do cúmulo, pelo que, tendo ocorrido, com o cumprimento e o perdão, a extinção total da pena, deve a mesma ser descartada da pena conjunta (conclusões 3.ª a 6.ª).

*

Não assiste qualquer razão ao recorrente.

II.2.2. A questão do concurso, e do concurso superveniente (que é o caso destes autos), está, entre nós, disciplinada nos arts. 77.º e 78.º do CP,.

Dispõe o art. 78.º do Código Penal que:

1 ‐ Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2 ‐ O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

3 ‐ As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm‐se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.”

Por outro lado, estabelece o artigo 77.º do Código Penal que:

1 ‐ Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 ‐ A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando‐se de pena de prisão e 900 dias tratando‐se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.

4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.”

Um arguido pode, na mesma ocasião, cometer um só crime, ou cometer vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles (v. n.º 1 do art. 77.º do CP). Estaremos, nesta 2.ª hipótese, no caso normal do concurso de crimes.

Também pode suceder que o tribunal verifique que o arguido depois de uma condenação transitada em julgado tinha praticado, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes. Nesta hipótese, estaremos perante um concurso superveniente (v. art. 78.º, n.º 1, CP).

De acordo com este normativo, na redação dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro ao n.º 1 foi suprimido o requisito anterior, que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena estar já cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto da pena única.

Hoje, mesmo as penas já cumpridas ou extintas pelo cumprimento, deverão sempre englobar o cúmulo jurídico superveniente, procedendo-se sempre ao respetivo desconto, pois que naturalmente a ideia subjacente é sempre beneficiar o arguido.

A jurisprudência do STJ tem entendido que, por virtude da alteração legislativa operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, no art. 78.º, n.º 1 do Código Penal (eliminação do segmento «mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta»), no cúmulo superveniente são incluídas as penas já cumpridas, por o respectivo tempo de cumprimento ser descontado na pena conjunta (art. 78.º, n.º 1, in fine, e 81.º, n.º 1, do Código Penal), procedendo-se ao respectivo desconto na pena única, como decorre expressamente dos artigos 78.º, n.º 1, parte final, e 81.º do Código Penal.[1]

*

II.2.3. Revertendo ao caso dos autos, foi o arguido AA, condenado na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão em resultado do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos seguintes processos:

- Nestes autos (Processo Comum Coletivo nº 25/19.2GACNT), condenado por Acórdão de 2.04.2021, transitado em5.05.2021, pela prática em 5.09.2019, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art.º 21, n.º 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-A, I-B e I – C, na pena de 4 anos e 10 meses de prisão;

- No âmbito do processo n.º 292/19...., por decisão de 11.02.2020, transitada em julgado em 8.06.2020, foi o arguido condenado, pela prática em 30.09.2019, de um crime de consumo de produtos estupefacientes ao abrigo do art.º 40, n.º 2 da Lei 15/93 de 22 de Janeiro, e um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art.º 3, n.º 1 e 2 do DL2/98, nas penas de 23 meses de prisão e 3 meses, respetivamente.

- No âmbito do processo n.º 233/19...., por decisão de 17.11.2020, transitada em julgado em 23.04.2021, foi o arguido condenado pela prática, em 19.07.2019, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido no art.º 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01, com referência ao artº121º, nº 1 do Código da Estrada, na pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão e pela prática de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo artº 348º-A, nº 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) meses.

- No âmbito do processo Abreviado nº 232/19.8GAMIR, por decisão de 7.11.2019, transitada em julgado em 16.12.2019, foi o arguido condenado pela prática, em 5.08.2019, de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art.º 3.º,n.º 1 e 2 do DL 2/98, na pena de 23 meses de prisão efetiva. Desta pena cumpriu três meses e dez dias, sendo que por decisão de 14.04.2020, transitada em julgado em 14.05.2020, foi perdoada o remanescente da pena.

*

II.2.4. No caso concreto há a ponderar o facto de o arguido ter beneficiado no âmbito do processo 232/19.... do perdão da pena, nos termos do n.º1 e 2.º da Lei 8/2020 de 10 de Abril, tendo-lhe sido perdoado a pena de prisão ainda não cumprida, extinguindo-se em consequência a parte perdoada – art.º128, n.º 3 do CP.

Porém, no entendimento da jurisprudência do STJ., acima referida, o cúmulo jurídico superveniente deve englobar sempre todas as penas mesmo que cumpridas, prescritas ou extintas, cabendo, em momento posterior ao cúmulo, proceder ao respectivo desconto na pena única fixada.

No concurso superveniente de infracções, atentas as regras do concurso fixadas pelos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente à sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente.

É que, tendo que se reformular o cúmulo, por força do conhecimento posterior de crimes que estavam em situação de concurso com os anteriores e que, portanto deveriam ter entrado nesse cúmulo, não há nenhuma «obrigação» de respeitar a pena unitária anterior, a que acresceria simplesmente mais «um quantum» relativamente aos crimes posteriormente conhecidos.

A reformulação é um novo cúmulo, em que tudo se passa como se o anterior não existisse. É, de resto, a solução que decorre da lei (art. 78.º n.º 1 do CP), pois o trânsito em julgado não obsta à formação de uma nova decisão para reformulação do cúmulo, em que os factos, na sua globalidade, conjuntamente com a personalidade do agente, serão reapreciados, segundo as regras fixadas no art. 77.º.  

Esta é também a solução doutrinária mais congruente e que se pode ver, por exemplo, em FIGUEIREDO DIAS, ob. cit, p. 295: «Se a condenação anterior tiver sido já em pena conjunta, o tribunal anula-a e, em função das penas concretas constantes daquela e da que considerar cabida ao crime agora conhecido, determina uma nova pena conjunta que abranja todo o concurso».

Com efeito, o caso julgado inerente à formação de cúmulo jurídico vale rebus sic stantibus, ou seja, nas circunstâncias que estiveram na base da sua formação. Daí que, não subsistindo as mesmas circunstâncias ou elementos que presidiram à formação da primitiva pena única, nomeadamente pelo facto de ter que se englobar outras penas, o caso julgado em que esta se traduziu tem de ficar sem efeito, adquirindo as penas parcelares nele contidas toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura penal do concurso,[2]que não está limitada pela pena única anterior.[3]

Deste modo, a pena única a determinar terá que ser fixada a partir das penas parcelares, mesmo quando anteriormente todas ou algumas delas tenham sido incluídas em cúmulos jurídicos.[4]

Nesta decorrência, verificamos, por um lado, que o perdão previsto no art. 2.º da Lei 9/2020, de 10.04, incide sobre a pena única.[5]

Por outro lado, apenas abrange as penas de prisão aplicadas a reclusos de duração igual ou inferior a dois anos[6], ou as penas de prisão de duração superior a essa se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos e o recluso tiver cumprido, pelo menos, metade da pena (artigo 2º nº 3, da citada Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril), condições estas, que não se mostram reunidas no caso sub judice.

E ainda que assim não fosse, como bem salienta o Sr. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, os condenados em pena única que integre pena aplicada pela prática de crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21.º do DL 15/93, de 22.01, também não beneficiam do perdão.[7]

Deste modo, bem andou a decisão recorrida ao incluir na operação de cúmulo efectuada, a pena parcelar de prisão efectiva extinta (pelo cumprimento e por aplicação de perdão), do processo abreviado n.º 232/19.8GAMIR, com as demais penas de prisão, em concurso superveniente, impostas, nos processos n.º 25/19.2GACNT, mas também nos autos de Processo Abreviado n.º 292/19.1GANIR e de processo comum singular n.º 233/19...., e em não aplicar a medida de graça prevista na Lei 9/2020, procedendo, porém, no cumprimento da pena única fixada, ao desconto da pena parcelar já extinta, daquele processo n.º 232/19...., determinando que à pena fossem descontados 3 meses e 10 dias de prisão cumpridos neste último processo.

Deverá, pois, nesta parte, ser negado provimento ao recurso interposto.

*

II.3. Quanto à medida da pena única aplicada.

II.3.1. Entende o recorrente que a pena única de 7 anos e 10 meses se mostra inadequada e desproporcionada, sendo mais adequada e proporcional a pena única de 5 anos, suspensa na sua execução por igual período.

Para tanto alega que mantém um comportamento institucional isento de reparos, em termos disciplinares; encontra-se afeto ao bar dos reclusos, no E.P ...; sobre a sua trajetória de vida e atual situação judicial, o arguido tende para uma postura de reconhecimento, em abstrato, da gravidade e tipologia do crime pelo qual se encontra indiciado; tem noção do impacto e gravidade dos factos nas vítimas, remetendo para uma fase menos positiva do seu estado de saúde, bem como para o acompanhamento de pares, revelando autocrítica e expressões mobilizadoras para a mudança. Considera, assim, que a aplicação de um cúmulo jurídico que totaliza 7 anos e dez meses de prisão frusta por completo a finalidade da pena no caso concreto, inviabilizando a ressocialização do mesmo, sendo esta o objetivo de atribuição de uma pena já em fase de execução e ultrapassa manifestamente a culpa do mesmo e hipotecou a sua vida, que após o cumprimento de tão pesada pena, dificilmente conseguirá retomar a sua vida quando for restituído à liberdade.

*

II.3.2. Nos termos do artigo 77º, n.º 1 do C.Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, sendo nesta considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (n.º 1).

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas (n.º 2, artº 77 C.Penal).

No presente caso, a pena única de prisão tem como limite mínimo 4 anos e 10 meses de prisão (correspondente à pena parcelar aplicada mais elevada) e como limite máximo, 11 anos e 2 meses de prisão.

Estabelecida a moldura penal do concurso a medida da pena única deverá ser encontrada em função das exigências gerais de culpa e prevenção, tendo em especial consideração os factos no seu conjunto e a personalidade do agente.[8]

Conforme ensina o citado Professor, “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) ”.

Na concretização da regra estabelecida no nº 1 in fine, do artigo 77º do Código Penal, de acordo com o qual na medida da pena - no que à punição do concurso concerne - são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tem sido pacífico, designadamente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que essencial «na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade, de tal forma que a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares»[9] o que, contudo, não dispensa o recurso às exigências de prevenção geral e especial, encontrando, também, a pena conjunta o seu limite na medida da culpa.

*

II.3.3. Tendo em conta a gravidade do ilícito global e a personalidade do arguido, cumpre analisar criticamente a pena única que lhe foi atribuída.

Será no âmbito daquela moldura penal e de acordo com a personalidade do agente, procedendo a uma análise global dos factos e tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial, que deverá ser determinada a pena única conjunta a aplicar ao arguido.

No caso, como bem salienta a decisão recorrida:

«(…)  Analisando o caso concreto temos que as exigências de prevenção geral são elevadas no caso em apreço, quanto a qualquer dos crimes, quer pelo numero de condenações anteriores por condução sem habilitação legal, quer em relação ao crime de consumo e trafico de estupefacientes, em fase da danosidade social, atentos os sentimentos de insegurança e medo que criam na sociedade.

Quanto à culpa, desde logo se dirá que o modo de execução evidencia elevada ilicitude, sendo que o arguido agiu com dolo directo intenso.

Deve ter-se em consideração os antecedentes criminais do arguido, que denotam a dificuldade em se adequar de acordo com o direito, e bem assim os considerandos acerca da sua personalidade e vivência com o meio judicial, perante os comportamentos criminais que tem empreendido ao longo do seu percurso vivencial, vitimiza-se e desculpabiliza-se com o seu processo de socialização, alegando que decorreu num contexto familiar e socioeconómico pouco orientador de um comportamento consonante com as normas jurídicas vigentes. Não se deixa, igualmente, de ser sensível ao estado actual da sua vida, com possibilidade de inserção profissional, e consequente reinserção social.

Tem apoio precário dos pais do recluso (ambos reformados), bem como da restante família, que parecem demonstrar-se pouco envolvidos e com parca esperança da efetiva ressocialização do arguido.

O mesmo, detido no E.P ..., não tem revelado consumos positivos nem de estupefacientes, nem de álcool, mantendo acompanhamento co Centro de Respostas Integradas (CRI) de ..., em articulação com o Estabelecimento Prisional onde se encontra, tendo iniciado o tratamento com subutex, mas reduziu, encontra-se já sem necessidade de toma de medicação, com uma situação de saúde estável.

Pelo exposto, considerando em conjunto os factos pelos quais o arguido foi condenado, nos termos dos art.ºs. 78º, n.º. 1 e 77º do C.P, entre a moldura abstracta referida, entende o Tribunal, condenar o arguido na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.».
Analisando a decisão sob recurso no que respeita à justificação dada para a referida pena única aplicada ao arguido/recorrente, verificamos que o tribunal fundamentou devidamente a sua decisão, satisfazendo o disposto nos artigos 77.º e 78.º do C.P.
A actividade delituosa do recorrente é variada, e embora o ilícito global, com excepção do crime de tráfico de estupefacientes, que integra a categoria de criminalidade altamente organizada (art. 1.º, al. m), do CPP), seja constituído por crimes de menor relevância criminal, nomeadamente, consumo de estupefacientes, conduções sem habilitação legal – e, directamente interligado a um destes, falsas declarações quanto à identidade perante militar da GNR em acção de fiscalização de trânsito – não deixam de ser expressivos de uma atitude de desconsideração e indiferença pelo respeito de valores bem essenciais da comunidade.
Quanto à personalidade do arguido, deverá atender-se aos seus antecedentes criminais, a denotar a dificuldade em se adequar de acordo com o direito, que remontam ao ano de 1999, constando, além das condenações abrangidas pelo cúmulo, condenações por crimes de deserção (processo 22/09...., correspondente aos anteriores processos 33/98 e 7/99 do Tribunal Militar Territorial ...), de ofensa à integridade física (processo 139/00....), de receptação (processo 407/01....), de roubo e de falsificação (processo 8/02....), de desobediência qualificada (processo 50/03....), de condução perigosa de veículo (processo 2669/09....) e, sobretudo, de condução sem habilitação legal (processos 230/00, 32/01...., 383/10...., 414/10...., 169/10...., 34/10...., 95/10...., 533/10...., 169/11...., 335/10...., 2669/09...., 2586/09...., 150/11...., 2192/11.... e 1510/10....), sendo estes últimos os únicos ilícitos em relação aos quais o arguido evidencia uma clara propensão criminosa que as várias condenações, inclusive em penas de prisão efectiva, não lograram travar.
 O seu comportamento surge marcado por traços que revelam desinteresse em integrar-se na sociedade, vitimando-se e desculpabilizando-se com o seu processo de socialização, alegando que decorreu num contexto familiar e socioeconómico pouco orientador de um comportamento consonante com as normas jurídicas vigentes, denotando uma grande indiferença pelos valores protegidos pelas normas incriminadoras e pelas anteriores condenações, o que reforça as exigências de prevenção especial.
A sua situação pessoal e laboral deficitária, («existência de poucas experiências profissionais, caracterizadas como curtas e pontuais»), bem como a sua fraca escolaridade («concluiu o 6.º ano de escolaridade»), o facto do arguido ter um percurso de vida associado ao consumo de estupefacientes (embora actualmente esteja a ser acompanhado pelo CRI ... e se encontre abstinente «sem necessidade de toma de medicação»), bem como o insuficiente suporte familiar («tem apoio precário dos pais (…) bem como da restante família, que parecem demonstrar-se pouco envolvidos e com parca esperança da [sua] efectiva ressocialização»), constituem factores de risco quanto ao seu comportamento futuro, em termos de adequada reinserção.

Por outro lado, não é de desconsiderar o facto de que o arguido, em ambiente prisional, tem cumprido as normas institucionais («O arguido mantém um comportamento institucional isento de reparos, em termos disciplinares. Encontra-se afeto ao bar dos reclusos, no EP ...»).

*

Assim, tudo ponderado, tendo em conta a personalidade revelada nos factos e as exigências de prevenção geral, mas sem esquecer as específicas exigências de prevenção especial, de modo a obter-se uma pena conjunta mais adequada à globalidade do caso, consideramos perfeitamente adequada e ajustada a pena única de 7 anos e dez meses de prisão aplicada ao recorrente, ficando afastada a possibilidade deste Supremo Tribunal proceder a qualquer redução.
Sendo a medida da pena imposta, superior a cinco anos de prisão, afastada fica, também, a possibilidade legal de aplicação do disposto no artigo 50.º do Código Penal.

*

III. DECISÃO


Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, desta forma confirmando inteiramente o acórdão recorrido.

*

Custas pelo recorrente/arguido, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC`s.

Lisboa, 7 de Julho de 2022

Cid Geraldo (Relator)

Leonor Furtado

Eduardo Loureiro (presidente)

________________________
[1] Sobre este ponto, neste sentido, cfr. o acórdão de 18.10.2017, no Proc. 8/15.1GAOAZ.P1.S1, rel. Cons. Raul Borges, e a abundante jurisprudência nele citada, em www.dgsi.pt
[2] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-09-2012, processo n.º 303/06.0GEVFX.L1.S1, in www.dgsi.pt; MILHEIRO, Tiago Caiado, in Cúmulo Jurídico Superveniente, Livraria Almedina, 2016, pág. 87.
[3] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 112/2011, de 28 de abril, in www.tribunalconstitucional.pt e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-06-2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1, in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-11-2012, processo n.º 153/09.2PHSNT.S1, in www.dgsi.pt
[5] A Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, veio estabelecer um Regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, dispõe no seu artigo 2.º, nº 3, que: O perdão referido nos números anteriores abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e a execução da pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única.
[6] Artº 2º nº 1 da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril: São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos
[7] Artigo 2º nº 6, da citada Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril: Ainda que também tenham sido condenados pela prática de outros crimes, não podem ser beneficiários do perdão referido nos n.os 1 e 2 os condenados pela prática (…): k) Dos crimes previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na sua redação atual.
[8] Cfr., J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa: Aequitas/Ed. Notícias, 1993, § 421, p. 290 a 292.
[9] Cf. Ac. STJ de 05.07.2012, Proc. n.º 145/06.SPBBRG.S1.
___________________________